REVISTA ÉPOCA
Aconteceu há muitos anos. Estava relaxado numa poltrona, num sobrado em San Francisco, nos Estados Unidos. Uma senhora gorda, esparramada a minha frente, me induzia a um transe. Falava em inglês que reproduzo traduzido:
– Você está vendo uma luz. Aproxime-se. Deixe que o Ser tome conta de você.
– Simmmmm...
Eu me sentia vibrando com o Universo.
– Permita que o Ser responda pela sua boca.
Uma força tomou conta de meu corpo.
– Aqui estooou...
– As energias deste rapaz são puras, oh, Ser?
– Sim... ele é um iluminado – respondi, tomado de sabedoria.
– Deve receber as energias da senda?
– Ooohhhh... sim, sim.
– Devo fazer sexo com ele?
Despertei subitamente. Com os olhos semicerrados, observei a senhora de lábios brilhantes a minha frente.
– Nããããoooo.... vosso caminho é puro – continuei, em voz cavernosa.
– Oh, mas seria melhor para unir nossas energias.
– Não, não! – disse, mais preocupado.
Ela me despertou. “Como foi? Não lembro de nada”, disse. “Ainda há um caminho a trilhar”, ela respondeu.
Desisti dos próximos passos. Tive uma amiga chilena que largou marido e filhos para integrar-se a um templo em Los Angeles. Fazia parte dos eleitos de um guru para salvar a humanidade na guerra nuclear. Com meditação e exercícios, tais eleitos seriam transformados em pilha de energia positiva para reverter o Armagedon. A escolha movimentou um grande número de pessoas, de várias nacionalidades, interessadas em virar pilha. O desprendimento da vida material incluía limpar o templo, pois iluminados não contratam faxineiras. Cinco dias depois de deixar a família e o saldo bancário para trás, minha amiga esfregava o chão. De repente, sentiu duas mãos em seu traseiro. Era o guru.
– Mestre! Que é isso? – disse ela.
– Sou guru, mas também sou homem – ele respondeu, apertando um pouco mais.
A chilena fugiu com as malas pela neve.
Antes de continuar, quero deixar claro que sou espiritualista. Gosto de rezar. Acredito em outras vidas. Em energias positivas. Mas mantenho o espírito crítico. Gurus me assustam pelo poder que exercem sobre seus adeptos. E sempre há um candidato a guru por perto. “Conheço uma mulher que teve uma visão sobre você. Viu uma sombra muito negativa. Marque um encontro!”, me disse um amigo, dia desses.
– Você é uma alma antiga.Corajosamente, recusei-me a conhecê-la. Não preciso de um baralho para saber a continuação. Ela me dirá o que devo ou não fazer com minha vida. Eu, hem! Candidatos a guru têm técnicas. Uma é avisar sobre riscos, como no meu caso. Outra, falar sobre reencarnações anteriores em que a nariguda de hoje foi a Maria Antonieta de ontem; e o baixinho, Alexandre, o Grande. Elogios disfarçados também valem. Um amigo conheceu uma senhora que olhou para seu rosto e disse:
– Sim, sim! – disse animado.
– Tem uma missão nobre na Terra.
– Sempre acreditei nisso!
Quem não quer se sentir um anjo?
Há gurus de todos os estilos: hindu, budista, celta, bruxo medieval, Nova Era. Todos pregam o abandono da vida material e a completa submissão. Conheci uma mulher que, em prol do crescimento interior, mudou-se para uma comunidade em Campos do Jordão, São Paulo, abandonando a profissão. Anos depois, procurava emprego como doida. Um conhecido quase perdeu a mulher ao entrar numa seita que obrigava a castidade umas três vezes por semana. Outro se filiou a uma que praticava o sexo para a purificação. O grupo quase acabou no Brasil: os rituais se transformaram em farra, e veio o descrédito.
A intensidade do poder de um guru é inacreditável. Nem sempre seu interesse é o dinheiro. Há gurus que querem viver bem. Muitos não se preocupam com isso. Gostam de comandar vidas. Nem é preciso lembrar tragédias como a provocada pelo americano Jim Jones, que levou 918 pessoas ao suicídio em 1978. Nos Estados Unidos, há terapeutas especializados em tratar pessoas abduzidas por gurus e resgatadas pela família.
As religiões tradicionais saem ganhando, pois suas estruturas impedem o domínio absoluto de um mestre sobre o grupo. Mas a grande pergunta ainda é: por que uma pessoa precisa de alguém que lhe diga como deve viver?
De Jesus a Buda, os grandes mestres aconselham a busca interior como caminho de evolução. Tanto na vida prática como na espiritual. É uma prova de sabedoria. O melhor guru é o que cada um tem dentro de si.
domingo, julho 01, 2012
Marcha da insensatez - J.R. GUZZO
REVISTA VEJA
O advogado paulista Márcio Thomaz Bastos encontra-se, aos 76 anos de idade, numa posição que qualquer profissional sonharia ocupar. Ao longo de 54 anos de carreira, tomou-se, talvez, o criminalista de maior prestígio em todo o Brasil, foi ministro da Justiça no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus honorários situam-se hoje entre os mais altos do mercado — está cobrando 15 milhões de reais, por exemplo, do empresário de jogos de azar Carlinhos Cachoeira, o mais notório de seus últimos clientes. Num país que tem mais de 800000 advogados em atividade, chegou ao topo do topo entre seus pares. É tratado com grande respeito nos meios jurídicos, consultado regularmente pelos políticos mais graúdos de Brasília e procurado por todo tipo de milionário com contas a acertar perante o Código Penal. Bastos é provavelmente o advogado brasileiro com maior acesso aos meios de comunicação. Aparece em capas de revista. Publica artigos nos principais veículos do país. Aparece na televisão, fala no rádio e dá entrevistas. Trata-se, em suma, do retrato acabado do homem influente. É especialmente perturbador, por isso tudo, que diga em voz alta as coisas que vem dizendo ultimamente. A mais extraordinária delas é que a imprensa “tomou partido” contra os réus do mensalão, a ser julgado em breve no Supremo Tribunal Federal, publica um noticiário “opressivo” sobre eles e, com isso, desrespeita o seu direito de receber justiça.
Se fosse apenas mais uma na produção em série de boçalidades que os políticos a serviço do governo não param de despejar sobre o país, tudo bem; o PT e seus aliados são assim mesmo. Mas temos, nesse caso, um problema sério: Márcio Thomaz Bastos não é um boçal. Muito ao contrário, construiu uma reputação de pessoa razoável, serena e avessa a jogar combustível em fogueiras; é visto como um adversário de confrontos incertos e cético quanto a soluções tomadas na base do grito. É aí, justamente, que se pode perceber com clareza toda a malignidade daquilo que vem fazendo, ao emprestar um disfarce de seriedade e bom-senso a ações que se alimentam do pensamento totalitário e levam à perversão da justiça. Por trás do que ele pretende vender como um esforço generoso em favor do direito de defesa, o que realmente existe é o desejo oculto de agredir a liberdade de expressão e manter intacta a impunidade que há anos transformou numa piada o sistema judiciário do Brasil. Age, nesses sermões contra a imprensa e pró-mensalâo, como um sósia de Lula ou de um brucutu qualquer do PT; mas é o doutor Márcio Thomaz Bastos quem está falando — e se quem está falando é um crânio como o doutor Márcio, homem de sabedoria jurídica comparável à do rei Salomão, muita gente boa se sente obrigada a ouvir com o máximo de respeito o que ele diz.
O advogado Bastos sustenta, em público, que gosta da liberdade de imprensa. Pode ser — mas do que ele certamente não gosta, em particular, é das suas consequências. Uma delas, que o incomoda muito neste momento, é que jornais e revistas, emissoras de rádio e de televisão falam demais, segundo ele, do mensalão, e dizem coisas pesadas a respeito de diversos réus do processo. Mas a lei não estabelece quanto espaço ou tempo os meios de comunicação podem dedicar a esse ou aquele assunto, nem os obriga a ser imparciais, justos ou equilibrados; diz, apenas, que devem ser livres. O que o criminalista número 1 do Brasil sugere que se faça? Não pode, é claro, propor um tabelamento de centímetros ou minutos a ser obedecido pelos veículos no seu noticiário sobre casos em andamento nos tribunais — nem a formação de um conselho de justos que só autorizaria a publicação de material que considerasse neutro em relação aos réus. Os órgãos de imprensa podem, com certeza, ter efeito sobre as opiniões do público, mas também aqui não há como satisfazer as objeções levantadas pelo advogado Bastos. O público não julga nada; este é um trabalho exclusivo dos juizes, e os juizes dão ás suas sentenças com base naquilo que leem nos autos, e não no que leem em jornais. Será que o ex-ministro da Justiça gostaria, para cercar a coisa pelos quatro lados, que a imprensa parasse de publicar qualquer comentário sobre o mensalão um ano antes do julgamento, por exemplo? Dois anos, talvez? Não é uma opção prática — mesmo porque jamais se soube quando o caso iria ser julgado.
A verdade é que a pregação de Márcio Thomaz Bastos ignora os fatos, ofende a lógica e deseduca o público. De onde ele foi tirar a ideia de que os réus do mensalão estão tendo seus direitos negados por causa da imprensa? O julgamento vai se realizar sete anos após os fatos de que eles são acusados.— achar que alguém possa estar sendo prejudicado depois de todo esse tempo para organizar sua defesa é simplesmente incompreensível. Os réus gastaram milhões de reais contratando as bancas de advocacia mais festejadas do Brasil. Dos onze ministros do STF que vão julgá-los, seis foram indicados por Lula, seu maior aliado, e outros dois pela presidente Dilma Rousseff. Um deles, José Antonio Toffoli, foi praticamente um funcionário do PT entre 1995 e 2009, quando ganhou sua cadeira na corte de Justiçamais alta do país, aos 41 anos de idade e sem ter nenhum mérito conhecido para tanto; foi reprovado duas vezes ao prestar concurso para juiz, e esteve metido, na condição de réu, em dois processos no Amapá, por recebimento ilícito de dinheiro público. Sua entrada no STF, é verdade, foi mas os senadores aprovariam do mesmo jeito se Lula tivesse indicado para o cargo um tamanduá-bandeira. O próprio ex-presidente, enfim, vem interferindo diretamente em favor dos réus — como acaba de acusar o ministroGilmar Mendes, com quem teve uma conversa em particular muito próxima da pura e simples ilegalidade. Mas o advogado Bastos, apesar disso tudo, acha que os acusados não estão tendo direito a se defender de forma adequada.
Há uma face escura e angustiante na escola de pensamento liderada por Bastos, em sua tese não declarada, mas muito clara, segundo a qual a liberdade de expressão se opõe ao direito de defesa. Ela pode ser percebida na comparação que fez entre o mensalão e o julgamento do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, condenados em 2010 por assassinarem a- filha dele de 5 anos de idade, em 2008, atirando a menina pela janela do seu apartamento em São Paulo — crime de uma selvageria capaz de causar indignação até dentro das penitenciárias. Bastos adverte sobre o perigo, em seu modo de ver as coisas, de que os réus do mensalão possam ter o mesmo destino do casal Nardoni; tratou-se, segundo ele, de um caso típico de “julgamento que não houve”, pois os meios de comunicação “insuflaram de tal maneira” os ânimos que acabou havendo “um justiçamento” e seu julgamento se tomou “uma farsa”. De novo, aqui, não há uma verdadeira ideia; o que há é a negação dos fatos. Os Nardoni tiveram direito a todos os exames técnicos, laudos e perícias que quiseram. Foram atendidos em todos os seus pedidos para adiar ao máximo o julgamento. Contrataram para defen- dê-los um dos advogados mais caros e influentes de São Paulo, Roberto Podval — tão caro que pôde pagar as despesas de hospedagem, em hotel cinco-estrelas, de 200 amigos que convidou para o seu casamento na ilha de Capri, em 2011, e tão influente que um deles foi o ministro Toffoli. (Eis o homem aqui, outra vez.)
Ao sustentar que o casal Nardoni foi vítima de um “justiçamento”, Bastos ignora o trabalho em prol de do promotor Francisco Cembranelli, cuja peça deacusação é considerada, por consenso, um clássico em matéria de competência e rigor jurídico. Dá a entender que os sete membros do júri foramincapazes de decidir por vontade própria. Mais que tudo, ao sustentar que os assassinos foram condenados pelo noticiário, omite a única caüsa real da sentença que receberam—o fato de terem matado com as próprias mãos uma criança de 5 anos. Enfim, como fecho de sua visão do mundo, Bastos louvou, num artigo para a Folha de S.Paulo, a máxima segundo a qual “ó acusado é sempre um oprimido”. Tais propósitos são apenas um despropósito. Infelizmente, são também admirados e reproduzidos, cada vez mais, por juristas, astros do ambiente universitário, intelectuais, artistas, legisladores, lideranças políticas e por aí afora. Suas ações, somadas, colocaram o país numa marcha da insensatez — ao construírem ano após ano, tijolo por tijolo, o triunfo da impunidade na sociedade brasileira de hoje.
O Brasil é um dos poucos países em que homicidas confessos são deixados em liberdade. O jornalista Antonio Pimenta, por exemplo, matou a tiros sua ex-namorada Sandra Gomide, em 2000, e admitiu o crime desde o primeiro momento; só foi para a cadeia onze anos depois, num caso que a defesa conseguiu ir adiando, sem o apoio de um único fato ou motivo lógico, até chegar ao Supremo Tribunal Federal. Homicidas, quando condenados, podem ter o direito de cumprir apenas um sexto da pena. Se não forem presos em flagrante, podem responder em liberdade a seus processos. Autores dos crimes mais cruéis têm direito a cumprir suas penas em prisão aberta ou “liberdade assistida”. Se tiverem menos de 18 anos, criminosos perfeitamente conscientes do que fazem podem matar quantas vezes quiserem, sem receber punição alguma; qualquer sugestão de reduzir esse limite é prontamente denunciada como fascista ou retrógrada pelo pensamento jurídico que se tornou predominante no país. O resultado final dessa convicção de que só poderá haver justiça se houver cada vez mais barreiras entre os criminosos e a cadeia 3 está à vista de todos. O Brasil registra s 50000 homicídios por ano — e menos de 10% chegam a ser julgados um dia.
Nosso ex-ministro da Justiça, polirém, acha irrelevante essa aberração. O problema, para ele, não está na impunidade dos criminosos, e sim na imprensa — que fica falando muito do assunto e acaba criando um “clamor popular” contra os réus. Esse clamor popular, naturalmente, tem dois rostos. É bom quando vai a favor das posições defendidas por Bastos e por quem pensa como ele; é chamado, nesse caso, de “opinião pública”. É ruim quando vai contra; é chamado, então, de “linchamento moral”. A impunidade para crimes descritos como “comuns”, e que vão superando fronteiras cada vez mais avançadas em termos de perversidade, é, enfim, só uma parte dessa tragédia. A outra é a impunidade de quem manda no país. Não poderia haver uma ilustração mais chocante dessa realidade do que a cena, há duas semanas, em que a maior liderança política do Brasil, o ex-presidente Lula, se submete a um beija-mão em público perante seu novo herói, o deputado Paulo Maluf — um homem que só pode viver fora da cadeia no Brasil, pois no resto do planeta está sujeito a um mandado internacional de prisão a ser cumprido pela Interpol. É, em suma, o desvario civilizado — tanto mais perigoso por ser camuflado com palavras suaves, apelos por uma “justiça moderna” e desculpas de que a “causa popular” vale mais que a moral comum. Um dos maiores criminalistas que já passaram pelo foro de São Paulo, hoje falecido, costumava dizer que o direito penal oferece apenas duas opções a um advogado. Na primeira, ele se obriga: a só aceitar a defesa de um cliente se estiver honestamente convencido de sua inocência. Na segunda, torna- se coautor de crimes. O resto, resumia ele, é apenas filosofia hipócrita para justificar o recebimento de honorários. Há um abismo entre a postura desse velho advogado e a do doutor Márcio. Fica o leitor convidado, aqui, a ecolher qual das duas lhe parece mais correta.
O advogado paulista Márcio Thomaz Bastos encontra-se, aos 76 anos de idade, numa posição que qualquer profissional sonharia ocupar. Ao longo de 54 anos de carreira, tomou-se, talvez, o criminalista de maior prestígio em todo o Brasil, foi ministro da Justiça no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus honorários situam-se hoje entre os mais altos do mercado — está cobrando 15 milhões de reais, por exemplo, do empresário de jogos de azar Carlinhos Cachoeira, o mais notório de seus últimos clientes. Num país que tem mais de 800000 advogados em atividade, chegou ao topo do topo entre seus pares. É tratado com grande respeito nos meios jurídicos, consultado regularmente pelos políticos mais graúdos de Brasília e procurado por todo tipo de milionário com contas a acertar perante o Código Penal. Bastos é provavelmente o advogado brasileiro com maior acesso aos meios de comunicação. Aparece em capas de revista. Publica artigos nos principais veículos do país. Aparece na televisão, fala no rádio e dá entrevistas. Trata-se, em suma, do retrato acabado do homem influente. É especialmente perturbador, por isso tudo, que diga em voz alta as coisas que vem dizendo ultimamente. A mais extraordinária delas é que a imprensa “tomou partido” contra os réus do mensalão, a ser julgado em breve no Supremo Tribunal Federal, publica um noticiário “opressivo” sobre eles e, com isso, desrespeita o seu direito de receber justiça.
Se fosse apenas mais uma na produção em série de boçalidades que os políticos a serviço do governo não param de despejar sobre o país, tudo bem; o PT e seus aliados são assim mesmo. Mas temos, nesse caso, um problema sério: Márcio Thomaz Bastos não é um boçal. Muito ao contrário, construiu uma reputação de pessoa razoável, serena e avessa a jogar combustível em fogueiras; é visto como um adversário de confrontos incertos e cético quanto a soluções tomadas na base do grito. É aí, justamente, que se pode perceber com clareza toda a malignidade daquilo que vem fazendo, ao emprestar um disfarce de seriedade e bom-senso a ações que se alimentam do pensamento totalitário e levam à perversão da justiça. Por trás do que ele pretende vender como um esforço generoso em favor do direito de defesa, o que realmente existe é o desejo oculto de agredir a liberdade de expressão e manter intacta a impunidade que há anos transformou numa piada o sistema judiciário do Brasil. Age, nesses sermões contra a imprensa e pró-mensalâo, como um sósia de Lula ou de um brucutu qualquer do PT; mas é o doutor Márcio Thomaz Bastos quem está falando — e se quem está falando é um crânio como o doutor Márcio, homem de sabedoria jurídica comparável à do rei Salomão, muita gente boa se sente obrigada a ouvir com o máximo de respeito o que ele diz.
O advogado Bastos sustenta, em público, que gosta da liberdade de imprensa. Pode ser — mas do que ele certamente não gosta, em particular, é das suas consequências. Uma delas, que o incomoda muito neste momento, é que jornais e revistas, emissoras de rádio e de televisão falam demais, segundo ele, do mensalão, e dizem coisas pesadas a respeito de diversos réus do processo. Mas a lei não estabelece quanto espaço ou tempo os meios de comunicação podem dedicar a esse ou aquele assunto, nem os obriga a ser imparciais, justos ou equilibrados; diz, apenas, que devem ser livres. O que o criminalista número 1 do Brasil sugere que se faça? Não pode, é claro, propor um tabelamento de centímetros ou minutos a ser obedecido pelos veículos no seu noticiário sobre casos em andamento nos tribunais — nem a formação de um conselho de justos que só autorizaria a publicação de material que considerasse neutro em relação aos réus. Os órgãos de imprensa podem, com certeza, ter efeito sobre as opiniões do público, mas também aqui não há como satisfazer as objeções levantadas pelo advogado Bastos. O público não julga nada; este é um trabalho exclusivo dos juizes, e os juizes dão ás suas sentenças com base naquilo que leem nos autos, e não no que leem em jornais. Será que o ex-ministro da Justiça gostaria, para cercar a coisa pelos quatro lados, que a imprensa parasse de publicar qualquer comentário sobre o mensalão um ano antes do julgamento, por exemplo? Dois anos, talvez? Não é uma opção prática — mesmo porque jamais se soube quando o caso iria ser julgado.
A verdade é que a pregação de Márcio Thomaz Bastos ignora os fatos, ofende a lógica e deseduca o público. De onde ele foi tirar a ideia de que os réus do mensalão estão tendo seus direitos negados por causa da imprensa? O julgamento vai se realizar sete anos após os fatos de que eles são acusados.— achar que alguém possa estar sendo prejudicado depois de todo esse tempo para organizar sua defesa é simplesmente incompreensível. Os réus gastaram milhões de reais contratando as bancas de advocacia mais festejadas do Brasil. Dos onze ministros do STF que vão julgá-los, seis foram indicados por Lula, seu maior aliado, e outros dois pela presidente Dilma Rousseff. Um deles, José Antonio Toffoli, foi praticamente um funcionário do PT entre 1995 e 2009, quando ganhou sua cadeira na corte de Justiçamais alta do país, aos 41 anos de idade e sem ter nenhum mérito conhecido para tanto; foi reprovado duas vezes ao prestar concurso para juiz, e esteve metido, na condição de réu, em dois processos no Amapá, por recebimento ilícito de dinheiro público. Sua entrada no STF, é verdade, foi mas os senadores aprovariam do mesmo jeito se Lula tivesse indicado para o cargo um tamanduá-bandeira. O próprio ex-presidente, enfim, vem interferindo diretamente em favor dos réus — como acaba de acusar o ministroGilmar Mendes, com quem teve uma conversa em particular muito próxima da pura e simples ilegalidade. Mas o advogado Bastos, apesar disso tudo, acha que os acusados não estão tendo direito a se defender de forma adequada.
Há uma face escura e angustiante na escola de pensamento liderada por Bastos, em sua tese não declarada, mas muito clara, segundo a qual a liberdade de expressão se opõe ao direito de defesa. Ela pode ser percebida na comparação que fez entre o mensalão e o julgamento do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá, condenados em 2010 por assassinarem a- filha dele de 5 anos de idade, em 2008, atirando a menina pela janela do seu apartamento em São Paulo — crime de uma selvageria capaz de causar indignação até dentro das penitenciárias. Bastos adverte sobre o perigo, em seu modo de ver as coisas, de que os réus do mensalão possam ter o mesmo destino do casal Nardoni; tratou-se, segundo ele, de um caso típico de “julgamento que não houve”, pois os meios de comunicação “insuflaram de tal maneira” os ânimos que acabou havendo “um justiçamento” e seu julgamento se tomou “uma farsa”. De novo, aqui, não há uma verdadeira ideia; o que há é a negação dos fatos. Os Nardoni tiveram direito a todos os exames técnicos, laudos e perícias que quiseram. Foram atendidos em todos os seus pedidos para adiar ao máximo o julgamento. Contrataram para defen- dê-los um dos advogados mais caros e influentes de São Paulo, Roberto Podval — tão caro que pôde pagar as despesas de hospedagem, em hotel cinco-estrelas, de 200 amigos que convidou para o seu casamento na ilha de Capri, em 2011, e tão influente que um deles foi o ministro Toffoli. (Eis o homem aqui, outra vez.)
Ao sustentar que o casal Nardoni foi vítima de um “justiçamento”, Bastos ignora o trabalho em prol de do promotor Francisco Cembranelli, cuja peça deacusação é considerada, por consenso, um clássico em matéria de competência e rigor jurídico. Dá a entender que os sete membros do júri foramincapazes de decidir por vontade própria. Mais que tudo, ao sustentar que os assassinos foram condenados pelo noticiário, omite a única caüsa real da sentença que receberam—o fato de terem matado com as próprias mãos uma criança de 5 anos. Enfim, como fecho de sua visão do mundo, Bastos louvou, num artigo para a Folha de S.Paulo, a máxima segundo a qual “ó acusado é sempre um oprimido”. Tais propósitos são apenas um despropósito. Infelizmente, são também admirados e reproduzidos, cada vez mais, por juristas, astros do ambiente universitário, intelectuais, artistas, legisladores, lideranças políticas e por aí afora. Suas ações, somadas, colocaram o país numa marcha da insensatez — ao construírem ano após ano, tijolo por tijolo, o triunfo da impunidade na sociedade brasileira de hoje.
O Brasil é um dos poucos países em que homicidas confessos são deixados em liberdade. O jornalista Antonio Pimenta, por exemplo, matou a tiros sua ex-namorada Sandra Gomide, em 2000, e admitiu o crime desde o primeiro momento; só foi para a cadeia onze anos depois, num caso que a defesa conseguiu ir adiando, sem o apoio de um único fato ou motivo lógico, até chegar ao Supremo Tribunal Federal. Homicidas, quando condenados, podem ter o direito de cumprir apenas um sexto da pena. Se não forem presos em flagrante, podem responder em liberdade a seus processos. Autores dos crimes mais cruéis têm direito a cumprir suas penas em prisão aberta ou “liberdade assistida”. Se tiverem menos de 18 anos, criminosos perfeitamente conscientes do que fazem podem matar quantas vezes quiserem, sem receber punição alguma; qualquer sugestão de reduzir esse limite é prontamente denunciada como fascista ou retrógrada pelo pensamento jurídico que se tornou predominante no país. O resultado final dessa convicção de que só poderá haver justiça se houver cada vez mais barreiras entre os criminosos e a cadeia 3 está à vista de todos. O Brasil registra s 50000 homicídios por ano — e menos de 10% chegam a ser julgados um dia.
Nosso ex-ministro da Justiça, polirém, acha irrelevante essa aberração. O problema, para ele, não está na impunidade dos criminosos, e sim na imprensa — que fica falando muito do assunto e acaba criando um “clamor popular” contra os réus. Esse clamor popular, naturalmente, tem dois rostos. É bom quando vai a favor das posições defendidas por Bastos e por quem pensa como ele; é chamado, nesse caso, de “opinião pública”. É ruim quando vai contra; é chamado, então, de “linchamento moral”. A impunidade para crimes descritos como “comuns”, e que vão superando fronteiras cada vez mais avançadas em termos de perversidade, é, enfim, só uma parte dessa tragédia. A outra é a impunidade de quem manda no país. Não poderia haver uma ilustração mais chocante dessa realidade do que a cena, há duas semanas, em que a maior liderança política do Brasil, o ex-presidente Lula, se submete a um beija-mão em público perante seu novo herói, o deputado Paulo Maluf — um homem que só pode viver fora da cadeia no Brasil, pois no resto do planeta está sujeito a um mandado internacional de prisão a ser cumprido pela Interpol. É, em suma, o desvario civilizado — tanto mais perigoso por ser camuflado com palavras suaves, apelos por uma “justiça moderna” e desculpas de que a “causa popular” vale mais que a moral comum. Um dos maiores criminalistas que já passaram pelo foro de São Paulo, hoje falecido, costumava dizer que o direito penal oferece apenas duas opções a um advogado. Na primeira, ele se obriga: a só aceitar a defesa de um cliente se estiver honestamente convencido de sua inocência. Na segunda, torna- se coautor de crimes. O resto, resumia ele, é apenas filosofia hipócrita para justificar o recebimento de honorários. Há um abismo entre a postura desse velho advogado e a do doutor Márcio. Fica o leitor convidado, aqui, a ecolher qual das duas lhe parece mais correta.
A greve remunerada - ALBERTO CARLOS ALMEIDA
REVISTA ÉPOCA
Você, leitor, provavelmente nunca teve o privilégio de parar de trabalhar e, mesmo assim, continuar recebendo o salário integral na data correta. É o que acontece agora com os professores das universidades federais. Desde 17 de maio, eles estão em greve. Pararam de dar aulas e continuam recebendo seus salários. Igualmente grave é sermos nós, contribuintes, que pagamos o salário de quem não trabalha. É um absurdo em cima de outro absurdo. Os professores grevistas, em sua maioria, concluíram o doutorado, ao passo que a grande maioria dos brasileiros jamais pôs os pés num curso de graduação. Os doutores são uma minoria ínfima de nossa população adulta. A minoria mais qualificada do ponto de vista formal e, portanto, mais preparada para obter recursos com o próprio mérito. Mas não querem isso.
Preferem mais impostos. Sim, pois, caso o governo ceda às reivindicações dos grevistas remunerados, terá de aumentar os impostos, uma vez que elas resultariam em mais gastos. Parece piada: aumentar impostos para destinar mais recursos a uma minoria que tem o doutorado completo e reivindica por meio de greves remuneradas.
Fui professor da Universidade Federal Fluminense entre 1992 e 2005 e nunca fiz greve. Aprendi na própria universidade federal que as greves são inúteis. Não pressionam o governo, não atingem seus objetivos e apenas prejudicam os alunos. A greve é só de aulas. Os professores não param de fazer suas pesquisas, não deixam de ir a seminários científicos - nunca recusam viagens pagas pelo contribuinte - nem deixam de enviar seus relatórios de pesquisa aos órgãos de financiamento. Se fizerem isso, podem perder a bolsa de produtividade em pesquisa, o que é equivalente ao ponto cortado. Só há um prejudicado com a greve: o estudante.
Greves são situações de conflito em que os trabalhadores param com a finalidade de pressionar os patrões a negociar. Obviamente, toda greve precisa impor prejuízos aos patrões. É o que ocorre em qualquer empresa privada. Quando os operários do setor automobilístico param, a produção de carros despenca e, com ela, cai a capacidade de vendas da empresa, sinônimo de prejuízo. Os patrões sentam-se então à mesa para negociar. A disposição de ceder aumenta à medida que os prejuízos crescem.
Os professores doutores grevistas remunerados não impõem nenhum prejuízo ao governo federal. Pararam de dar aulas, e isso não reduz a arrecadação, não leva à queda da popularidade de Dilma nem faz cócegas em Brasília. Os responsáveis por aumentar nossos impostos para atender à reivindicação dos grevistas apenas ouviram falar que os estudantes das federais estão sem aula. Não há poder de pressão.
Exatamente por isso, e porque o governo não corta o ponto, trata-se de um movimento que tende a se alongar. Já se passaram 45 dias. No passado, as greves começavam anualmente com data marcada, sempre em maio. O único limite é o tempo de reposição das aulas. Como há aproximadamente três meses anuais de férias universitárias, elas não duram muito mais que três meses. Tampouco alcançam seus objetivos. Antes de 2005, houve mais de dez anos consecutivos de greves remuneradas com data marcada. Em dez anos, não houve melhora visível das universidades federais.
Entre 2005 e 2010, o orçamento das 57 universidades federais aumentou 120%, sem contar os gastos com aposentados e pensionistas. Elas receberam quase R$ 20 bilhões em 2010, de acordo com o Ministério da Fazenda. No mesmo período, as vagas para estudantes de graduação cresceram somente 58%, segundo o Ministério da Educação.
Os professores grevistas têm a obrigação de prestar contas a nós, contribuintes, acerca das razões do descompasso entre o aumento de 120% no orçamento e de 58% das vagas. Dados do Ministério da Educação revelam que, em 2010, as federais ofereceram 938 mil vagas para graduação. Entre 2001 e 2010, as federais não conseguiram dobrar as vagas em cursos de graduação, ao passo que as privadas saíram de 2 milhões de vagas para 4,7 milhões.
Os professores das federais são contra salas de aula com 100 ou 200 alunos. Defendem poucos alunos, sob o argumento elitista de que, para treinar bem, é preciso poucos estudantes em sala. Mas o Brasil precisa massificar o ensino universitário, não elitizá-lo. Estudei na London School of Economics (LSE) e frequentei salas de aula com mais de 100 alunos. A LSE forma melhor que qualquer uma de nossas federais e suas salas com poucos alunos.
Os professores doutores grevistas remunerados também afirmam que os tais 120% a mais foram destinados à pesquisa. Mas os principais centros de não entram em greve e obtêm recursos adicionais por meio de contratos com empresas. Os professores grevistas atacam os professores que buscam vender pesquisas para empresas, acusando-os de "privatistas" e "neoliberais". Para os grevistas, só um tipo de recurso não é pecaminoso e assegura a independência acadêmica: aquele que vem do Tesouro nacional - do nosso bolso.
A greve remunerada é sinal de que nossos governantes não têm ainda a coragem necessária para enfrentar o professor funcionário público. O governo optou pela solução tipicamente brasileira: não entrar em conflito com os grevistas remunerados e deixar o sistema universitário privado crescer. Vai demorar um pouco, mas é inevitável: as universidades privadas passarão a atuar também em pesquisas científicas de ponta. Já tomaram o lugar das federais na formação de alunos, tomarão também na pesquisa científica. O contribuinte agradecerá.
Lula e Maluf, por que não? - GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA
O Brasil ético está escandalizado com o aperto de mão entre Lula e Paulo Maluf. O ex-presidente teria ido longe demais com esse gesto. E uma concessão muito grave para tentar eleger um prefeito, dizem os homens de bem. E o assunto não sai de pauta, com a corrente de indignação se espalhando pela imprensa, pelas escolas e esquinas deste Brasil ultrajado. Todo cientista político teve sua chance de dizer que aquela foto é um "divisor de águas no processo ideológico brasileiro", um "retrocesso no campo progressista", um "monumento ao vale-tudo". Mas nunca é tarde para avisar a esta nação escandalizada: o aperto de mão entre Lula e Maluf não tem a menor importância.
Um comentarista bradava no rádio um dia desses: "Maluf apoiou a ditadura!". Não, essa não é a grande credencial do ex-governador de São Paulo. Vamos a ela: Maluf é procurado pela Interpol. Independentemente dos resultados dos vários processos em que já foi réu por corrupção, Maluf é símbolo de cinismo e trampolinagem. Mesmo assim, não pode fazer mal nenhum a Lula.
O ex-operário que governou o Brasil por oito anos escolheu como um de seus principais aliados José Sarney. Para quem não está ligando o nome à pessoa, Sarney é o protagonista do caso Agaciel Maia - aquele que revelou a transformação do Senado Federal em balcão de favores particulares. Em telefonemas divulgados pela TV em horário nobre, Sarney aparecia usando a presidência do Senado para reger o tráfico de influência na cúpula do Legislativo. Mostrando influenciar também o Judiciário, o parceiro de Lula conseguiu, por meio do filho Fernando, instituir a censura previa ao jornal O Estado de S. Paulo, até hoje proibido de mencionar a investigação dos negócios de Fernando Sarney no Maranhão.
O que fez Lula diante desse escândalo? Disse que Sarney não podia ser julgado como uma pessoa comum. Segurou-o bravamente na presidência do Senado. Até que a tempestade passasse, deu-lhe a mão e não soltou mais. Qual o problema, então, de dar a mão a Maluf, só um pouquinho, para eleger o príncipe do Enem?
O aperto de mão com Sarney incluiu outras manobras típicas da ditadura que Maluf apoiou. Lula mandou sua ministra Dilma Rousseff intervir na Receita Federal para resolver pendências fiscais da família Sarney. Essa denúncia foi feita por Lina Vieira, ex-secretária da Receita. Ela contou detalhes do abuso de poder da então chefe da Casa Civil. Lina aceitou uma acareação com Dilma, que fugiu - e depois virou presidente.
Quando sua sucessora saiu em campanha, Lula nomeou como ministra-chefe da Casa Civil a inesquecível Erenice Guerra. Braço direito de Dilma, com quem confeccionou o dossiê Ruth Cardoso (contrabando de informações de Estado para chantagem política), Erenice montou um bazar com parentes e amigos no Palácio. Apesar de ter afundado crivada de evidências de tráfico de influência, Erenice recentemente foi puxada pela mesma mão que apertou a de Maluf: desinibido, o padrinho já tenta publicamente ressuscitá-la.
As aventuras de Dilma e Erenice só foram possíveis com a queda do antecessor, José Dirceu - o que mostra uma verdadeira linhagem criada por Lula na Casa Civil. E Dirceu só caiu porque o suicida Roberto Jefferson resolveu atrapalhar um esquema que estava funcionando perfeitamente. Pois bem: no momento em que a Justiça se prepara para julgar o mensalão, o maior escândalo de corrupção já visto na República, protagonizado por todos os homens do presidente Lula, o Brasil resolve se escandalizar porque o chefe supremo dos mensaleiros tirou uma foto com Paulo Maluf. É sempre triste deixar a inocência para trás, mas vamos lá. Coragem. Em todo o seu vasto e conhecido currículo, Maluf jamais chegou perto de engendrar um golpe desta dimensão: o uso do poder central para fazer uma ligação direta dos cofres públicos com a tesouraria do partido do presidente.
O malufismo nunca sonhou com um valerioduto. Como se vê, o Brasil, esse distraído, precisa atualizar a legenda do famoso encontro: se quiser continuar dizendo que ali está a esquerda sujando as mãos com a direita, vai ter de inverter a foto. E, para concluir o jogo dos sete erros: qual dos dois usou crachá de coitado para vampirizar o Estado? Roubar a boa-fé dá quantos anos de cadeia?
Caneleiras - LUIZ FERNANDO VERISSIMO
O ESTADÃO - 01/07
O futebolzinho dos sábados no sítio dos Limeira tinha começado como apenas um pretexto para reunir os amigos. Como um prelúdio para banhos de piscina e depois um churrasquinho. Nunca mais do que 12 amigos com mulheres e filhos. Enquanto as mulheres conversavam e os filhos brincavam, os homens jogavam futebol. Valendo nada, valendo apenas boas risadas e algumas escoriações antes das primeiras caipirinhas.
Com o tempo a coisa começou a mudar. O grupo de convidados aumentou, e os times também. Os homens passaram a levar o jogo a sério. O futebolzinho para abrir o apetite virou futebol mesmo, muitas vezes – nos casos de prorrogação e decisão por pênaltis, por exemplo – atrasando o almoço, sob protestos das mulheres.
A transformação culminou no dia em que o dono do sítio, o Neco Limeira, entrou em campo de chuteira e caneleira. A caneleira foi uma espécie de sinal: dali em diante não era mais divertimento. Com caneleiras não eram mais amigos, eram adversários. No sábado seguinte quase todos apareceram com caneleiras.
Julinha Limeira, a mulher do Neco, não gostou da transformação. Num sábado ela chegou a ver 33 homens no gramado da sua casa, o bastante para formarem três times e fazerem um torneio, com turno e returno, que só terminou ao anoitecer.
Nem todos os homens traziam mulher e filhos, mas mesmo assim Julinha se viu obrigada a conversar com pessoas estranhas a tarde toda, ao mesmo tempo cuidando para as crianças não enlamearem a piscina e o churrasco não queimar. Numa noite de sábado, exausta, Julinha perguntou ao Neco quem era uma loira com grandes peitos que tinha acabado a tarde embaixo da mesa do alpendre, depois de exagerar na caipirinha.
– É a mulher do Valtão – disse o Neco..
– E quem é o Valtão?
– É o zagueirão do nosso time. Você não viu ele em campo? Zagueirão.
Com o Valtão na zaga, o time do Neco não perderia mais nenhuma.
O Valtão passou a frequentar o sítio todos os fins de semana. Sua mulher, Carol, sempre terminava a tarde embaixo da mesa do alpendre, inconsciente. E o Valtão e a Carol um dia trouxeram os filhos. Três terroristas que em pouco tempo tinham derrubado uma cristaleira, acabado com a salada de batata e provocado uma crise nervosa no cachorro.
– Eu não quero mais essa gente na minha casa – declarou Julinha.
– Ué – disse Neco. – Preconceito social, agora? – Você nem conhecia esse tal de Valtão, Neco. Aliás, metade das pessoas que tem aparecido aqui eu não conheço mais.
Neco não respondeu. Era sábado de manhã e ele estava se preparando para o futebol. Colocando as caneleiras.
– Eu não aguento, Neco – continuou Julinha. – Você tem que escolher. Ou o Valtão, ou eu!
Neco continuou em silêncio. Talvez porque soubesse que a irritação da Julinha era passageira e ela acabaria aceitando o Valtão. Ou talvez estivesse ponderando: uma mulher que, afinal, não era uma má companheira, ou um bom zagueiro de área, que não se encontra em toda parte? A Julinha precisava entender. Agora não era mais só futebolzinho. Agora o jogo era com caneleiras.
Grave - CAETANO VELOSO
O GLOBO - 01/06
O samba deve também ser visto como um acontecimento na História da língua portuguesa
No domingo passado chamei de “agudo” o acento que indica a crase. E isso em meio a uma animada reafirmação de minha exigência e minha vaidade quando se trata do bom manejo da língua portuguesa. Ou foi falha de memória senil ou autossabotagem neurótica. Logo o meu amadíssimo acento grave, de que sinto tanta falta nos casos em que ele, até aquela mudança ortográfica dos anos 1970, apontava a sílaba subtônica dos advérbios de modo construídos a partir de adjetivos proparoxítonos, como, por exemplo, “gràficamente”. Passei anos achando feio ler (e escrever) “graficamente” (ou “solidamente”, em vez de “sòlidamente”; ou “rapidamente”, em vez de “ràpidamente” — a lista é enorme), em que a palavra pode parece ter nascido de um adjetivo paroxítono, “grafica”, “solida”, “rapida”... Deus me livre. Também nos casos do sufixo “zinho”, que forma diminutivos, colado a oxítonos acentuados, como “café”, “mocó”, “vatapá”. Bom mesmo era o “cafèzinho
Não li esse artigo com o erro grave de desrespeitar o acento grave dizendo-o agudo: escrevi-o correndo e fui para o aeroporto tomar um avião para vir a Nova York, onde ainda estou — escrevendo às pressas este lamento, já que corro para tomar o avião de volta ao Rio. Maria Emília, da Companhia das Letras (que revisava meus textos para “Verdade tropical”), foi quem me contou, por e-mail. Pensei logo no Xexéo (aliás, gosto da atenção que ele dá a erros de português). Aqui, tive de me haver foi com o inglês falado. Não tanto por mim, que me viro, mas pelos que o usam desde sempre ou que passaram a ser fluentes nele: sempre me lembro de Millôr, ainda no Pif-Paf de “O Cruzeiro”, descrevendo sua vinda aos States e dizendo que, aqui, sentia permanentemente falta das legendas. Mas pude dizer, numa conversa com curadores e diretores do MoMA, em inglês, que o samba deve também ser visto como um acontecimento na História da língua portuguesa. Enquanto sentia saudades da abundância de acentos na escrita de Guimarães Rosa (contaram-me que ele dizia que o português precisava de mais, não de menos acentos), me consolava dizendo a americanos, venezuelanos, peruanos, mexicanos, brasileiros e portugueses ligados ao MoMA que não teríamos samba se não falássemos português.
Rosa escrevia “dôido” — pelo menos no “Grande sertão: veredas”. Não sei por quê. Digo que pelo menos no romance, pois há variações notáveis de escolhas ortográficas de conto para conto. Há um em que a palavra “dança” é sempre grafada com “s”, como em francês: “dansa”. Tampouco sei a razão. Lembro-me de Antônio Risério adotando essa grafia num livro, não por causa de Rosa, mas por conta de uma conversa com uma nossa amiga, que observava que o esse (e aqui me volta a saudade dos tempos pré-anos 1970, em que o acento diferencial nos assegurava de estar dizendo, por escrito, “esse” e não “êsse”: desde aquela década fatídica não temos como saber se se trata de um ou de outro, a não ser por uma rápida reflexão sobre o contexto), o esse, eu dizia, diferentemente do cê-cedilha, que parece ter uma roda presa, descreve em sua forma sinuosa o movimento de quem baila.
Nova York continua linda. E peço que notem que, depois da argumentação do meu querido consogro Sergio Flaksman, adotei a forma consagrada na imprensa de escrever o nome da cidade americana, desistindo de teimar, como só fazíamos eu e o “Jornal do Brasil”, em escrever Nova Iorque. Se bem que, faz pouco, escrevi, aqui mesmo na coluna, sobre algum novaiorquino — e me perguntei (intimamente — e o digo com pena de não poder dizer “ìntimamente” —: não pus isso no artigo) se Sergio escreveria “nova-yorkino”. Union Square estava cheia de pessoas incríveis, uma mistura fascinante de tribos e raças, muitas meninas com shortinhos como a gente pensa que só vê no Brasil. Aliás, esses shortinhos mínimos que tantas vezes amigos argentinos — e alguns brasileiros — atribuem a alguma nossa vulgaridade específica foram invenção inglesa, da época em que eu vivia lá: na esteira da já consagradíssima m i n i s s a i a , criou-se o que era chamado de “hotpants”, os shorts curtíssimos das meninas de hoje dos bailes funk, das escolas finas da Zona Sul, daspraças de Barbacena, da Union Square.
Em suma, para exagerar no estilo fragmentário, adorei que Francisco Bosco ressaltasse a beleza e a dignidade estilística dos artigos de Otto Lara Resende. Ele tem razão. Também em imaginar que Otto, em pessoa, deveria ser encantador. Ele era. Conversamos somente uma vez, mas longamente, numa festa em que também estavam Tom Jobim e Dorival Caymmi (e João Gilberto ficou dentro do carro, na porta, sem entrar, mas mandando chamar de vez em quando um ou outro amigo para trocar umas palavras que o inteirassem um pouco do que se passava lá dentro). Ou estou confundindo duas festas na casa de Zanini? Otto e eu tivemos um desencontro pelas páginas dos diários. Ele me atribuiu alguma declaração sobre Collor que não procedia. Escrevilhe uma carta pessoal. Ele respondeu divinamente. E conversamos sobre isso e, mais, sobre assuntos leves e vários, ele sempre se saindo com tiradas despretensiosas e irresistivelmente engraçadas. Não eram piadas que fizessem gargalhar. Eram observações levemente cômicas mas agudamente penetrantes que causavam felicidade pela oportunidade, pelo poder revelador e pela simples exposição de uma inteligência desembaraçada. Não o imagino cometendo o lapso de trocar o nome de um acento gráfico.
Erros que custam caro - SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 01/07
Na época, Dilma Rousseff tentava reconstruir sua vida após a prisão e Lula ainda era diretor suplente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Era o fim do governo Médici e o então ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto, mandou a FGV reduzir na marra a inflação para adequá-la ao clima de otimismo do "milagre econômico". A manobra consistia em a FGV transportar mecanicamente para o índice os valores de um autoritário e fantasioso tabelamento de preços decretado pelo governo e solenemente ignorado por industriais, comerciantes e consumidores. As lojas exibiam na parede o valor tabelado, mas vendiam pelo dobro, às vezes o triplo.
Governo Geisel, 1974, o sucessor de Delfim, Mario Henrique Simonsen, denunciou publicamente a farsa e corrigiu os números da inflação. A população pagou o preço do arrogante erro, a começar pelos trabalhadores, que tiveram salários achatados, corrigidos que eram pelo falso índice. O que moveu Médici e seu ministro? Diferentemente do austero Geisel, Médici era um militar populista: se na política a truculência da ditadura não ajudava, pelo menos na economia queria deixar um legado que lhe rendesse elogios, não importava se falso. Foi também o populismo delirante que motivou o ex-presidente Lula a fazer planos de investimento mirabolantes para a Petrobrás. Para agradar a eleitores e aos caciques políticos de sempre, prometeu construir um complexo petroquímico no Rio (Comperj) e três refinarias - no Maranhão, no Ceará e em Pernambuco. Investimentos bilionários, que logo começaram a consumir dinheiro com as pomposas inaugurações da pedra fundamental - bem ao gosto de Lula. Só que as obras das refinarias do Maranhão e do Ceará não saíram do papel e a de Pernambuco e o Comperj tiveram seus cronogramas adiados várias vezes e os orçamentos iniciais quadruplicados (de 2011 a de Pernambuco foi adiada para 2014 e seu custo saltou de R$ 4 bilhões para R$ 17 bilhões).
Como Simonsen em 1974, Graça Foster, em 2012, logo tratou de corrigir o erro, rever o plano de investimentos da estatal e nele aplicou um choque de realidade, afastando os delírios de Lula. Das refinarias só restou a de Pernambuco, e o Comperj, por enquanto, vai ficar com seus canteiros sugando dinheiro da Petrobrás, sem data definida para terminar. Ao corrigir o erro, Foster tenta recuperar a confiança de potenciais investidores e dos mais de 500 mil acionistas que apostaram dinheiro na empresa e ameaçam abandoná-la. O castigo imposto pelos governos Lula e Dilma à Petrobrás está reduzindo seu valor a pó. Da área de petróleo ela é a mais desvalorizada do mundo, vale menos do que a colombiana Ecopetrol, que não tem um quarto de seu tamanho. O realismo nos investimentos e o minguado reajuste dos combustíveis foi o que Graça Foster conseguiu arrancar do governo nessa primeira investida para tentar recuperar a empresa. Mas o mercado reagiu mal, considerou insuficiente e derrubou o preço das ações. Tomara que seja só o começo.
Erros políticos como os de Médici e Lula levam tempo para consertar. O populismo é assim mesmo: foca o curto prazo para ganhar dividendos políticos rápidos e causa enormes estragos no longo prazo. Dilma parece ser diferente de Lula nesse aspecto. Por isso é inexplicável essa estratégia desesperada de recuperar o crescimento econômico focando só em ações de efeito rápido que, na verdade, tiveram seu tempo esgotado e têm se mostrado inúteis. Depois de passar mais de um ano atirando a esmo e errando o alvo, Dilma parece ter se convencido de que o investimento é o mais poderoso indutor do crescimento. Mas pouco ou nada fez para afastar os entraves estruturais que, desde Lula, freiam o investimento privado. O próprio IBGE alertou em pesquisa na quinta-feira: a rodada recente de incentivos do governo não impulsionou novos negócios.
Assim, dia sim outro também, as previsões para o PIB em 2012 são refeitas ladeira abaixo e já chegam a 1%. Até o Banco Central reduziu a sua de 3,5% para 2,5%, no dia seguinte em que o ministro Guido Mantega garantiu que o País vai crescer "acima de 2,5%".
Batismos de fogo - JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo - 01/07
No sábado da semana retrasada, no comecinho de uma bela tarde, estava eu sentado, em companhia de amigos, a uma mesa do renomado boteco Tio Sam, sito na celebrada Rua Dias Ferreira, aprazível bairro do Leblon, na formosa cidade do Rio de Janeiro. Como de hábito, em rodas de boteco que congregam representantes da pouco invejada terceira idade, o papo meandrava preguiçosamente, uns discutindo remédios para hipertensão, outros comentando as virtudes dos antioxidantes, outros descrevendo o mau comportamento de suas próstatas, outros mentindo sobre como nunca nem puseram os olhos num comprimido de Viagra, quanto mais tomar um, outros rememorando como era gostosa a Kim Novak, outros maldizendo verduras e demais comidas sadias, e assim por diante.
De súbito um rebuliço alvoroçado na esquina, sirenes, ranger de pneus, gritos. Atrás de um carro cuja passagem não cheguei a perceber, enfiou-se em velocidade uma viatura da PM e, quando comecei a querer decifrar o que seria aquilo, vi saindo pela janela um braço brandindo o que me pareceu ser uma metralhadora. Fez alguns disparos para o alto, enquanto o carro perseguido tentava entrar numa rua sem saída visível e dava uma ré de volta à Dias Ferreira. A polícia tacou fogo novamente, desta vez em direção ao carro fujão, perfurando-lhe os vidros. Mais gritos e estampidos, mais ranger de pneus, confusão lá na frente, na esquina posterior à nossa.
Como sempre dizem as testemunhas de episódios como esse, foi tudo muito rápido e, contado, parece que tomou muito mais tempo. Mas me lembro de ter pensado sobre o que era melhor - me deitar no chão ou me esconder lá dentro. Acabei não fazendo nem uma coisa nem outra, mas me esgueirando para ficar grudado na parede da oficinazinha de bicicletas ao lado. Nos outros botecos das redondezas, algumas pessoas se atiraram ao chão, outras também se esconderam. Meus companheiros de mesa, meio afogueados com o susto, e aprovando ou desaprovando a ação da polícia, foram voltando aos poucos. Um deles, saindo de trás de um poste, estacou diante dos demais, esticou o tronco como quem é surpreendido pelas costas, passou a mão nos fundilhos e a levou ao nariz, arregalando os olhos.
- Sangue fede?-- perguntou, com a expressão alarmada. - Se sangue fede, estou ferido!
Pronto, risadaria desatada, pelo menos meia dúzia de piadas boladas instantaneamente, melhor rir do que chorar. O que se passara fazia parte do cotidiano, estava sempre nos noticiários, apenas tinha chegado a nossa vez. Havíamos ainda de botar as mãos para o céu, pois ninguém se ferira e as balas perdidas se perderam mesmo. E daí a menos de uma hora, o assunto já se esgotara e os jogos de futebol do final da semana requeriam maior atenção.
À noite, em casa, o telefone toca. Do outro lado, Zecamunista. Que bom, um velho amigo para conversar, depois de estar no meio de um tiroteio. Que queria ele, alguma coisa em especial? Não, não, só saudade mesmo, vontade de bater um papinho. Tinha acabado de raspar as fichas num sensacional torneio de pôquer em Barreiras, estava em Salvador, na companhia de umas moças que tinha convidado para os festejos juninos, tomando uma vodcazinha polonesa e fumando unos cubanitos. Sabia de minha condição de camisolão pequeno-burguês, mas, de qualquer forma, eu estava convidado, mandaria a passagem logo que eu concordasse. Não concordei. Agradecia muito o convite, mas ficaria em casa mesmo, já estou muito velho para pular fogueira. Além disso, tinha acontecido um troço chato, no boteco.
- É, realmente foi chato - disse ele, depois de ouvir tudo. - Mas isso tinha de acontecer mais cedo ou mais tarde, foi seu batismo de fogo.
- Isso de batismo de fogo é para quem está na guerra e eu não estou em guerra nenhuma.
- Aí é que você se engana, está, sim. São as contradições do capitalismo.
- Que contradições? Os caras roubam um carro e a polícia sai dando tiro atrás deles, uma bala podia ter me matado, qual é a contradição do capitalismo aí?
- Não dialogo com a ignorância. Vou lhe conceder uma matrícula grátis em meu seminário lá na ilha. Eu vou realizar um seminário intitulado Nós Também Queremos Rosetar, para conscientizar a população da ilha quanto a esses assuntos que você também desconhece, inclusive as contradições do capitalismo.
- Eu não quero saber de nada disso, só queria contar o que aconteceu.
- Eu sei, mas você não está preparado para enfrentar certas situações criadas pelas contradições do capitalismo. Agora mesmo ficou todo assustado com um tiroteiozinho de menos de um minuto.
- E você não ficaria?
- Claro que não, eu tenho experiência de combate! Eu já fui comandante...
Mas não ouvi mais nada, porque, ao fundo, estampidos quebraram o silêncio e ele deixou o telefone por alguns instantes. Voltou ofegante, mas aparentemente tentando manter a calma. Tudo indicava que eram bombas e foguetes juninos, mas, com aquele movimento na rua, bem que podiam ser tiros, e as janelas não eram blindadas, que sufoco!
- É seu batismo de fogo - vinguei-me eu. - As contradições...
- Sangue fede? - interrompeu ele. - Se sangue fede, estou ferido!
Estrada para 2014 - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 01/07
A escolha de Alexandre Schneider para vice de José Serra desagradou Geraldo Alckmin, que preferia uma chapa "puro-sangue". Ao seu estilo, o governador não tentou vetar o escolhido nem fez objeções pessoais a Schneider. Mas disse a Serra que o PSD de Gilberto Kassab, que conseguiu impor o vice, apoia candidatos do PT em quase todas as cidades com mais de 200 mil habitantes do Estado -o que, para ele, evidencia que o projeto do prefeito para 2014 é se afastar do PSDB.
Plano B Ciente da provável rejeição de Alckmin, Serra cogitou indicar um tucano com bom trânsito com Kassab, que havia vetado Andrea Matarazzo. Pensou em Ricardo Montoro, ex-vereador e ex-secretário. Mas o prefeito, fortalecido pelo tempo de TV do PSD, insistiu em Schneider.
Azul Outro vitorioso foi o marqueteiro Luiz Gonzalez, que achava que, se Kassab não indicasse o vice, o entorno do prefeito não entraria na campanha. Para Gonzalez, a composição reforça a estratégia da propaganda, de mostrar realizações de oito anos de gestões Serra-Kassab.
Em xeque 1 A Lei da Ficha Limpa enfrentará novo obstáculo para vigorar plenamente. Como a instrução do TSE para o pleito não exige certidão cível, caberá ao Ministério Público identificar os candidatos inelegíveis.
Em xeque 2 Promotores terão cinco dias para a impugnação de registro, prazo considerado insuficiente para que os tribunais façam um cruzamento de dados a tempo de banir os fichas-sujas.
Sujou As dificuldades podem aumentar caso o Judiciário entre em greve, o que paralisaria o processamento de informações e a emissão de documentos como a certidão negativa criminal, obrigatória para os candidatos.
De fora Os partidos que apoiam Fernando Haddad vão integrar a coordenação da campanha. O PSB indicou Eliseu Gabriel e Juscelino Gadelha. Pelo PC do B participarão a vice, Nádia Campeão, e o presidente municipal, Vander Geraldo da Silva.
Papel passado E o PP, de Paulo Maluf? "Eles não pediram ainda, mas têm todo o direito de participar", diz o coordenador, Antonio Donato.
Inflação Dados levantados por técnicos do governo mostram que os pedidos de reajuste dos três Poderes e do Ministério Público somam R$ 92,2 bilhões. O valor equivale à metade da folha de salários atual, de R$ 183,5 bilhões, e a quase o dobro do esforço fiscal do ano, de R$ 55 bilhões.
Sub do sub Membros das 22 entidades de servidores que querem aumento reclamaram da forma como o secretário-executivo adjunto do Planejamento, Valter Correia da Silva, conduz a negociação. "Nenhum ministro está autorizado a falar pelo governo", disparou ele, em reunião na semana passada.
Pior do que está... A queda de braço entre governo e servidores já faz suas vítimas. O ministro Garibaldi Alves (Previdência) se queixa da tortura a que vem sendo submetido pelos grevistas da pasta, que tocam o dia inteiro, em alto volume e embaixo de sua janela, a versão de Tiririca para a canção "Índia".
Companheiros A viagem de José Dirceu antes do julgamento do mensalão incluirá escalas na Venezuela, onde deve se encontrar com Hugo Chávez, e em Cuba.
Aviso prévio Antes de lançar os petardos contra seu antecessor na Petrobras, José Sérgio Gabrielli, Graça Foster fez chegar a Dilma Rousseff o que não considerava factível no plano de expansão da estatal. Disse ainda que revisaria as metas para não ser cobrada pelo descumprimento.
com FÁBIO ZAMBELI e ANDRÉIA SADI
tiroteio
"O governo adota uma postura arrogante e insensível. A quem interessa não deixar a PF trabalhar em pleno período eleitoral?"
DE MARCOS LEÔNCIO RIBEIRO, presidente da Associação dos Delegados da PF, anunciando operação-padrão graças à recusa do governo em dar reajuste.
contraponto
Abafa o caso
Em conversa gravada pela Polícia Federal, em agosto de 2011, Andressa Mendonça conversa com o marido, o empresário acusado de contravenção Carlinhos Cachoeira sobre ligações anônimas que estavam recebendo.
Em determinado momento, a mulher do acusado relata que o homem se identifica como delegado de polícia. Aos risos, Cachoeira aconselha:
-Se for o delegado, fala pra ele que você namora com o Carlinhos Cachoeira!
Cautelosa, Andressa responde:
-É melhor não... Deixa quieto!
Fim da farra - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 01/07
Julgamento sem cenas cinematográficas
Os ministros do STF estão convencidos de que alguns dos réus do mensalão serão condenados à pena de prisão. Sobretudo, os que cometeram vários delitos. Mas os ministros advertem que nenhum dos réus condenados sairá do STF algemado. Eles explicam que, após a tomada da decisão, será preciso aguardar a divulgação dos acórdãos, o pedido e o julgamento dos embargos declaratórios, para que o processo transite em julgado. Só aí é que as penas serão executadas. Além da prisão, em regime fechado, semiaberto ou aberto, os condenados poderão ser submetidos a penas restritivas de direitos, à prestação de serviços comunitários e ao pagamento de penas pecuniárias.
"O fenômeno Collor não vai se repetir. Temos que botar o pé no Sudeste. O nosso projeto para a Presidência da República é para 2018 — Roberto Amaral, vice-presidente nacional do PSB
LAVANDO AS MÃOS. Os integrantes da CPI estão possessos com a Polícia Federal, que ainda não enviou os vídeos apreendidos nas casas do contraventor Carlos Cachoeira e de seu ex-cunhado Adriano Aprígio. A PF avisou que ainda estão sendo periciados. Em comunicado à CPI, o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) disse que a análise do material está sendo finalizada e que o relatório irá para a 11ª Vara Federal de Goiânia. Portanto, disse, os documentos devem ser solicitados para aquele órgão.
No salão verde
O deputado Inocêncio Oliveira (PR-PE) está sendo chamado de guardanapo pelos colegas porque "nunca sai da mesa". Terceiro secretário da Casa, ele se lançou a presidente na expectativa de ficar com um carguinho na próxima gestão.
Espelho meu
Uma servidora do Senado, que trabalha na CPI do Cachoeira, pediu dispensa porque acha que está pegando muito mal aparecer na TV associada ao tema. O presidente, Vital do Rêgo (PMDB-PB) negou o pedido por falta de amparo legal.
Má conduta está gravada em vídeo
A diplomata brasileira que ofendeu um segurança com comentários racistas e uma cusparada durante a Conferência Rio+20 foi barrada porque estava sem credencial e pulou uma grade para participar de um evento. Quando o ofendido deu queixa à organização da Conferência, a moça foi chamada a se explicar e negou o ocorrido. Até que foram requisitadas as imagens do circuito interno do BNDES, onde estava sendo realizado o evento. A confusão foi registrada na íntegra.
Pé no freio
A presidente Dilma escalou os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Aloizio Mercadante (Educação) para derrubarem no Senado texto aprovado na Câmara estabelecendo que 10% do PIB sejam investimentos em educação.
Novo rumo
A Comissão da Verdade decidiu, em seu regimento interno, que vai também investigar as denúncias de brasileiros que se exilaram na ditadura militar e que foram mortos no exterior. Há denúncias de brasileiros assassinados nos EUA.
A COMITIVA de observadores da Autoridade Pública Olímpica que vai acompanhar as Olimpíadas de Londres está exigindo viajar de primeira classe.
IRRITADOS com a quantidade de habeas corpus obtidos por testemunhas e investigados, o comando da CPI do caso Cachoeira decidiu que doravante passará a fazer todas as perguntas. O objetivo é constranger os mudinhos.
A SECRETARIA-GERAL adjunta do ONU, Michelle Bachelet, fala esta semana, na Câmara, sobre a Operação Condor durante a ditadura militar no Chile.
Baú de sensações - HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 01/06
O que você diria do paladar e do saber gastronômico de um camarada que, ao acordar no meio da noite, tinha por hábito ir também à cozinha e, gulosamente, se servir de uma, duas, três colheres de feijão gelado?
Pois saiba que o camarada em questão era Pedro Nava, não apenas um dos maiores escritores brasileiros como cultor apaixonado dos prazeres da mesa.
Quem me contou das incursões noturnas à geladeira foi ele mesmo, em maio de 1983, ano e pouco antes de matar-se. Estávamos às vésperas dos 80 anos de Nava, efeméride que sua mulher, Nieta, prometia marcar com um caprichado "forrobodó".
Lamento não ter podido ir, pois eram afamadas pela animação, pela comedoria as reuniões dos Nava naquele vetusto apartamento da Rua da Glória, no Rio, onde viviam desde o casamento, em 1943. Teria sido meu último encontro com o escritor mineiro, de quem era e sigo sendo devedor - e não só pelo encantamento que a cada leitura me proporcionam suas monumentais memórias.
Devo a Pedro Nava, também, e isso felizmente pude lhe dizer, um presente que me fez: um avô quase de carne e osso - isto mesmo, pois até Beira-mar, de 1978, o avô que eu tinha era um busto numa praça belo-horizontina e um espinhento fantasma a quem meu pai e tios, reverentes, se referiam como se falassem de um santo. "Varão de Plutarco!", ouvi de um tio quando menino, e pode-se imaginar o pasmo que sobre mim se abateu, antes e depois de correr ao dicionário.
A esse avô, Hugo Furquim Werneck, Pedro Nava dedica copiosas e emocionadas páginas daquele quarto volume de suas memórias, de ponta a ponta ambientado, apesar do título, em Belo Horizonte, nos anos 20 - e não exatamente para louvar o médico de quem foi aluno e que a certa altura, diretor da faculdade, quis expulsá-lo, por haver acobertado um colega baderneiro.
Ao narrar o episódio, meio século mais tarde, Nava está tomado pelas emoções que experimentou naqueles remotos dias. Sente-se ainda injustiçado, ferido, decepcionado, pois venerava o mestre - ginecologista e obstetra carioca que em 1906 foi consolidar nos ares de Minas a cura de uma tuberculose, e lá acabou passando a segunda metade de seus 56 anos de vida.
Foi este homem, morto dez anos antes do meu nascimento, que Pedro Nava me deu para substituir o busto de bronze e a hagiografia familiar.
Gosto bem mais desse avô que transparece, vívido, verossímil, com suas qualidades e defeitos, no relato do ex-aluno, que o descreve em pormenores - o físico, os modos, o talento para contar histórias, o estopim curto, os desaforos, o rigor ético, a inflexibilidade (para o bem e para o mal), a "linguagem desabrida" de quem "dava nome aos bois". Fez mais o grande memorialista, que na mocidade ensaiara carreira de artista plástico e encantara Mário de Andrade: fez do velho Hugo um retrato tão exato quanto cruel, com jeitos de corpo que reconheço no meu pai e alguns dos tios.
Era assim Pedro Nava: para cutucar a memória e dela extrair o ouro, traçava no papel, não raro em cores, personagens, coisas, lugares. Ao reeditar, recentemente, seus dois primeiros livros, Baú de ossos e Balão cativo, a Companhia das Letras teve a boa ideia de reproduzir alguns desses desenhos - marcados, tanto quanto a prosa do escritor, por um irresistível apelo sensual.
Sensualidade, aliás, é a palavra-chave em Pedro Nava, como de novo constatei dias atrás, preparando palestra para o evento anual do caderno Paladar. Num de seus livros, ele fala "dessa vida passada que me entrou pelos olhos ouvidos narizes". Pela boca também, esqueceu-se de dizer. Pois o Nava gourmand das colheradas madrugais de feijão frio foi também um apurado gourmet.
Seu alegre paganismo se exerce na gulosa evocação de um cheiro, de um gosto, na reconstituição da exata consistência de uma empadinha saboreada na Belo Horizonte dos anos 20. E quando, aqui e ali, ele se derrama nos meandros de uma receita, é com a paixão de que somente são capazes - na mesa ou na cama - os verdadeiros amantes.
Ajoelhado no milho - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 01/07
BRASÍLIA - Ponto para a diplomacia brasileira, que acalmou o Planalto, fechou com o uruguaio Mujica, baixou a bola de Cristina Kirchner e impediu que a turma de Chávez incendiasse o Paraguai.
Prevaleceu a proposta brasileira de reação à queda de Fernando Lugo, como dito aqui: uma "ação pedagógica", para evitar novas deposições-relâmpago, e um "isolamento calculado". Punição política, sim; sanções econômicas, não.
O país foi suspenso do Mercosul e da Unasul, mas continua beneficiário da TEC, a tarifa comum, e dos acordos, das obras, dos investimentos e dos financiamentos do BNDES. Ajoelhou no milho, mas não foi expulso da sala nem da escola.
Sai o Paraguai temporariamente, entra a Venezuela permanentemente no Mercosul, encerrando uma novela que se arrastava desde 2006 porque o Congresso paraguaio se negava a votar -ironicamente, cobrando democracia da Venezuela.
Incluindo o parceiro suspenso, o bloco passa a ter 12,7 milhões de quilômetros quadrados e mais de 260 milhões de consumidores. Ganha em densidade econômica o que poderia perder em credibilidade política. Chávez, aliás, anda muito envolvido com os seus problemas internos, sem tempo e energia para criar problemas externos.
Vai-se discutir por um bom tempo se o que houve no Paraguai foi ou não golpe, mas a realidade costuma ter uma dinâmica bem diferente da retórica, da teoria, da ideologia.
Na prática, Lugo perdeu as condições de governabilidade e só voltaria "por milagre", como ele próprio admitiu. O Partido Liberal vai comandar a transição, e o Colorado -enraizado na máquina, nas instituições e na sociedade paraguaias, depois de 61 anos no poder- é o favorito nas eleições de 2013.
Os quase quatro anos do ex-bispo Lugo foram um parêntesis, quase uma ilusão. O jogo bruto da política não comporta ilusões nem iludidos.
BRASÍLIA - Ponto para a diplomacia brasileira, que acalmou o Planalto, fechou com o uruguaio Mujica, baixou a bola de Cristina Kirchner e impediu que a turma de Chávez incendiasse o Paraguai.
Prevaleceu a proposta brasileira de reação à queda de Fernando Lugo, como dito aqui: uma "ação pedagógica", para evitar novas deposições-relâmpago, e um "isolamento calculado". Punição política, sim; sanções econômicas, não.
O país foi suspenso do Mercosul e da Unasul, mas continua beneficiário da TEC, a tarifa comum, e dos acordos, das obras, dos investimentos e dos financiamentos do BNDES. Ajoelhou no milho, mas não foi expulso da sala nem da escola.
Sai o Paraguai temporariamente, entra a Venezuela permanentemente no Mercosul, encerrando uma novela que se arrastava desde 2006 porque o Congresso paraguaio se negava a votar -ironicamente, cobrando democracia da Venezuela.
Incluindo o parceiro suspenso, o bloco passa a ter 12,7 milhões de quilômetros quadrados e mais de 260 milhões de consumidores. Ganha em densidade econômica o que poderia perder em credibilidade política. Chávez, aliás, anda muito envolvido com os seus problemas internos, sem tempo e energia para criar problemas externos.
Vai-se discutir por um bom tempo se o que houve no Paraguai foi ou não golpe, mas a realidade costuma ter uma dinâmica bem diferente da retórica, da teoria, da ideologia.
Na prática, Lugo perdeu as condições de governabilidade e só voltaria "por milagre", como ele próprio admitiu. O Partido Liberal vai comandar a transição, e o Colorado -enraizado na máquina, nas instituições e na sociedade paraguaias, depois de 61 anos no poder- é o favorito nas eleições de 2013.
Os quase quatro anos do ex-bispo Lugo foram um parêntesis, quase uma ilusão. O jogo bruto da política não comporta ilusões nem iludidos.
Ciência e inovação no Brasil - MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 01/07
O país tem de realizar um enorme esforço para avançar na geração e na utilização do conhecimento
RECENTEMENTE, ESTIVE em Brasília, a convite da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado. O objetivo foi participar do seminário "Caminhos para a Inovação", uma atividade da ENCTI (Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação), iniciada em 2011 pelo então Ministro de Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante.
Estavam também presentes o neurocientista Miguel Nicolelis e várias autoridades da área, como Glaucius Oliva, presidente do CNPq [agência federal de fomento à ciência]. Minha tarefa (e a do Nicolelis) era apontar possíveis mecanismos para que o Brasil deixe de ser potência agropecuária e de extração de minérios e crie uma economia movida pela inovação competitiva.
Comecei citando o relatório da ENCTI, de autoria do Mercadante:
1) A sociedade do futuro é a sociedade do conhecimento.
2) O Brasil tem de realizar um enorme esforço para avançar na geração e utilização do conhecimento científico, criando competências em áreas estratégicas.
3) O país precisa de uma revolução do seu sistema educacional.
Como fica bem claro, o ministro apontou bem o que deve ser feito. A questão é como.
Entre as 59 maiores economias do mundo, o Brasil ocupa a 54ª posição em infraestrutura tecnológica e educacional. Esses são dados do do Institute for Management Development, que examina as tendências econômicas dos países, mapeando sua viabilidade futura. O Brasil hoje ocupa a 47ª posição em performance econômica, caindo da 30ª em 2011. As coisas não vão tão bem quanto a maioria pensa.
Antes de mais nada, é necessária uma profunda revitalização da educação científica nacional: o Brasil precisa dobrar o número de engenheiros formados para poder suprir a demanda que já existe. Para isso, os jovens têm de ver a ciência como uma carreira viável, interessante e gratificante. A ciência precisa ser ensinada de outra forma, levando do encantamento à inovação.
As crianças precisam ver a ciência no seu cotidiano, no mundo que as cerca e no que as interessa; não pela memorização de fórmulas, mas olhando para o mundo de forma qualitativa, para então aprender as ferramentas quantitativas que cientistas usam para estudá-lo.
Estudantes de graduação e de pós devem visitar escolas públicas e privadas, para que crianças e jovens tenham contato com estudantes de ciências, desmistificando a carreira. Cientistas brasileiros também precisam participar de forma muito mais ativa na educação informal da população: palestras dirigidas ao público, observação astronômica em espaços abertos, feiras de ciência etc. A mídia nacional precisa dedicar mais espaço à ciência, especialmente na TV aberta e em horário nobre, nem que sejam alguns parcos minutos por semana.
É necessária uma lei de fomento à pesquisa, equivalente à Lei Rouanet da cultura. Com isso, o setor industrial e comercial terá incentivo para investir em ciência, algo que nos EUA e na Europa é essencial.
Falei sobre outras estratégias, mas essas foram as principais. O interessante é que o Nicolelis chegou depois e, sem me ouvir, apresentou quase os mesmos pontos. Basta que o Legislativo nos ouça também.
O país tem de realizar um enorme esforço para avançar na geração e na utilização do conhecimento
RECENTEMENTE, ESTIVE em Brasília, a convite da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado. O objetivo foi participar do seminário "Caminhos para a Inovação", uma atividade da ENCTI (Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação), iniciada em 2011 pelo então Ministro de Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante.
Estavam também presentes o neurocientista Miguel Nicolelis e várias autoridades da área, como Glaucius Oliva, presidente do CNPq [agência federal de fomento à ciência]. Minha tarefa (e a do Nicolelis) era apontar possíveis mecanismos para que o Brasil deixe de ser potência agropecuária e de extração de minérios e crie uma economia movida pela inovação competitiva.
Comecei citando o relatório da ENCTI, de autoria do Mercadante:
1) A sociedade do futuro é a sociedade do conhecimento.
2) O Brasil tem de realizar um enorme esforço para avançar na geração e utilização do conhecimento científico, criando competências em áreas estratégicas.
3) O país precisa de uma revolução do seu sistema educacional.
Como fica bem claro, o ministro apontou bem o que deve ser feito. A questão é como.
Entre as 59 maiores economias do mundo, o Brasil ocupa a 54ª posição em infraestrutura tecnológica e educacional. Esses são dados do do Institute for Management Development, que examina as tendências econômicas dos países, mapeando sua viabilidade futura. O Brasil hoje ocupa a 47ª posição em performance econômica, caindo da 30ª em 2011. As coisas não vão tão bem quanto a maioria pensa.
Antes de mais nada, é necessária uma profunda revitalização da educação científica nacional: o Brasil precisa dobrar o número de engenheiros formados para poder suprir a demanda que já existe. Para isso, os jovens têm de ver a ciência como uma carreira viável, interessante e gratificante. A ciência precisa ser ensinada de outra forma, levando do encantamento à inovação.
As crianças precisam ver a ciência no seu cotidiano, no mundo que as cerca e no que as interessa; não pela memorização de fórmulas, mas olhando para o mundo de forma qualitativa, para então aprender as ferramentas quantitativas que cientistas usam para estudá-lo.
Estudantes de graduação e de pós devem visitar escolas públicas e privadas, para que crianças e jovens tenham contato com estudantes de ciências, desmistificando a carreira. Cientistas brasileiros também precisam participar de forma muito mais ativa na educação informal da população: palestras dirigidas ao público, observação astronômica em espaços abertos, feiras de ciência etc. A mídia nacional precisa dedicar mais espaço à ciência, especialmente na TV aberta e em horário nobre, nem que sejam alguns parcos minutos por semana.
É necessária uma lei de fomento à pesquisa, equivalente à Lei Rouanet da cultura. Com isso, o setor industrial e comercial terá incentivo para investir em ciência, algo que nos EUA e na Europa é essencial.
Falei sobre outras estratégias, mas essas foram as principais. O interessante é que o Nicolelis chegou depois e, sem me ouvir, apresentou quase os mesmos pontos. Basta que o Legislativo nos ouça também.
É a biologia, estúpido - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 01/07
SÃO PAULO - Não é preciso integrar movimentos como o Occupy Wall Street para chegar à conclusão de que a turma do mercado financeiro cometeu tolices que levaram à crise de 2008, cujas repercussões ainda assombram o mundo. Na verdade, agiram com intemperança semelhante na bolha anterior e em todas as que a antecederam. Como é possível? Eles não aprendem nada?
John Coates, ex-banqueiro convertido à neurociência e à endocrinologia, acaba de publicar o livro "The Hour Between Dog and Wolf", em que procura explicar o fenômeno recorrendo à biologia, mais especificamente a hormônios e neurônios.
É uma obra interessante. Coates sustenta que as ondas de exuberância irracional e pessimismo que desestabilizam a finança global podem ser fruto de alterações fisiológicas nos corpos dos operadores, em resposta às idas e vindas do mercado.
Quando os ganhos são fartos e o sujeito está por cima, são liberadas substâncias como a testosterona, que favorecem apostas de risco. Nessas horas, o mercado fica cego para a possibilidade de desastre e, amparados por mecanismos altamente abstratos e potencialmente catastróficos, como derivativos, banqueiros criam verdadeiras bolhas financeiras que, mais cedo ou mais tarde, estouram.
E, se as coisas vão mal, sai a testosterona e entram moléculas como o cortisol, que exacerba o pessimismo. Nessas ocasiões, até bons negócios são vistos com as lentes do derrotismo, e o mercado cai ainda mais.
Como é difícil alterar a biologia humana, Coates sugere que mudemos algumas práticas da banca que, em vez de contrabalançar nossas vulnerabilidades fisiológicas, contribuem para realçá-las. Para o autor, deveríamos ter mais mulheres nas mesas de arbitragem. Elas são menos sensíveis aos poderes inebriantes da testosterona. Outra medida urgente é redesenhar o sistema de bônus, que hoje empurra os operadores para riscos pouco razoáveis.
SÃO PAULO - Não é preciso integrar movimentos como o Occupy Wall Street para chegar à conclusão de que a turma do mercado financeiro cometeu tolices que levaram à crise de 2008, cujas repercussões ainda assombram o mundo. Na verdade, agiram com intemperança semelhante na bolha anterior e em todas as que a antecederam. Como é possível? Eles não aprendem nada?
John Coates, ex-banqueiro convertido à neurociência e à endocrinologia, acaba de publicar o livro "The Hour Between Dog and Wolf", em que procura explicar o fenômeno recorrendo à biologia, mais especificamente a hormônios e neurônios.
É uma obra interessante. Coates sustenta que as ondas de exuberância irracional e pessimismo que desestabilizam a finança global podem ser fruto de alterações fisiológicas nos corpos dos operadores, em resposta às idas e vindas do mercado.
Quando os ganhos são fartos e o sujeito está por cima, são liberadas substâncias como a testosterona, que favorecem apostas de risco. Nessas horas, o mercado fica cego para a possibilidade de desastre e, amparados por mecanismos altamente abstratos e potencialmente catastróficos, como derivativos, banqueiros criam verdadeiras bolhas financeiras que, mais cedo ou mais tarde, estouram.
E, se as coisas vão mal, sai a testosterona e entram moléculas como o cortisol, que exacerba o pessimismo. Nessas ocasiões, até bons negócios são vistos com as lentes do derrotismo, e o mercado cai ainda mais.
Como é difícil alterar a biologia humana, Coates sugere que mudemos algumas práticas da banca que, em vez de contrabalançar nossas vulnerabilidades fisiológicas, contribuem para realçá-las. Para o autor, deveríamos ter mais mulheres nas mesas de arbitragem. Elas são menos sensíveis aos poderes inebriantes da testosterona. Outra medida urgente é redesenhar o sistema de bônus, que hoje empurra os operadores para riscos pouco razoáveis.
O Brasil e o mundo - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 01/07
No recente debate promovido pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso sobre as tendências globais para 2030, ficou patente que o Brasil está bem posicionado para o futuro. O empresário Roberto Teixeira da Costa escreveu para o próximo numero da revista Política Externa um artigo onde relata os principais pontos do debate, do qual participaram representantes do ESPAS – European Strategic and Policy Analysis; da ISS – European Union Institute for Securities Studies; The Office of the Director of National Intelligence dos Estados Unidos; e do Atlantic Council.
O economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas no Rio, apresentou informações e projeções sobre o crescimento das classes C e D na economia brasileira que confirmaram o Brasil como partícipe de um importante movimento de inclusão social e emergência da classe média que vem sendo registrado no mundo nos últimos anos, especialmente na Ásia.
Teixeira da Costa avalia que “se nos detivermos em alguns outros temas levantados pelo estudo do Global Trends 2030, podemos constatar que o Brasil tem vantagens competitivas e comparativas naquele cenário e em alguns deles, nossa posição continuará diferenciada”.
Além da mobilidade social acentuada, não corremos o risco de ter uma escassez de alimentos, pois temos ainda um grande potencial de áreas agriculturáveis, alta produtividade no campo e um quesito básico: a água, que os analistas identificaram como produto escasso que gerará conflitos.
Na questão energética, com nosso potencial hidroelétrico, pré-sal, energia eólica, tudo indica que não teremos problemas nesse setor, analisa o empresário.
Os brasileiros têm mostrado excelente resposta às novas formas de comunicações. Dos mais de 901 milhões de usuários ativos doFacebook, 500 milhões acessam a rede social em aparelhos móveis.
Somos o segundo país com maior número de usuários totais (46 milhões), e ocupamos o sexto lugar entre os que mais usam o site em smartphones, tablets e outros dispositivos móveis, segundo a empresa de pesquisa Socialbakers.
O país fica à frente de Alemanha, França e Canadá em milhões de usuários móveis. A Índia, que recentemente perdeu a segunda posição em acessos totais para o Brasil, ocupa a terceira posição.
O policentrismo será acompanhado por um maior poder conferido à Ásia, onde metade da população mundial estará concentrada em 2030.
Projeta-se que a China terá 19% de participação do PIB mundial e será a maior potência mundial.
A Índia continuará crescendo e poderá tornar-se um exemplo bem sucedido de crescimento sustentável nas próximas duas décadas.
Portanto, haverá uma mudança do atual poder mundial dos USA, Europa e Japão, dependendo, é claro, da duração da atual crise mundial e do seu impacto em suas economias e de quanto tempo a Rússia levará para modernizar-se.
Ao redor de 2030 a Ásia estará a caminho de retornar a ser a potência mundial que era antes de 1500. Os Estados Unidos continuarão sendo a maior potência militar mundial, mas estima-se que a capacitação da China nessa área irá ampliar-se.
Uma constelação de países, incluindo Indonésia, Turquia e África do Sul vai tornar-se mais proeminente, como é o caso do Brasil hoje.
O México, superando o problema da segurança interna e dos narcotraficantes, estará nesse grupo. O National Intelligence Council dos Estados Unidos identificou 16 tecnologias capazes de mudar paradigmas (“disruptive tecnologies”) com potencial de ter significado global até 2030 nos setores de energia, alimentos, água etemas relacionados a inovação, comportamento mental e anti-envelhecimento.O apoio governamental precisa estar presente para incentivar esses setores.
O The Economist indicou que a área de manufaturas sofrerá sensíveis modificações, o que batizaram como a “Terceira Revolução Industrial”.
A digitalização no processo de fabricação será revolucionária. O desenho de um produto em 3D e posteriormente impresso, criará um objeto sólido pela construção de sucessivas etapas dos materiais empregados.
Como em outras revoluções, alertam para as consequências no mercado de trabalho. Alguns fabricantes de automóveis já produzem hoje duas vezes mais veículos por empregado do que uma década atrás.
Os empregos não estarão no chão da fábrica, mas sim nos escritórios próximos, cheios de engenheiros, especialistas em tecnologia (TI), técnicos em logística, mercadológos e outros profissionais.
Os trabalhos de produção no futuro irão requerer mais talento. Os consumidores, sem maiores dificuldades, irão ajustar-se a essa nova era.
A maior dificuldade estará com os governos que buscarão proteger indústrias e empresas já existentes e não favorecer aquelas inovadoras. Esses comentários, aliás, estão em linha com o que foi discutido no Global Trends, quanto as tendências de maior protecionismo pela concessão de subsídios e proteção às indústrias já existentes.
No recente debate promovido pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso sobre as tendências globais para 2030, ficou patente que o Brasil está bem posicionado para o futuro. O empresário Roberto Teixeira da Costa escreveu para o próximo numero da revista Política Externa um artigo onde relata os principais pontos do debate, do qual participaram representantes do ESPAS – European Strategic and Policy Analysis; da ISS – European Union Institute for Securities Studies; The Office of the Director of National Intelligence dos Estados Unidos; e do Atlantic Council.
O economista Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas no Rio, apresentou informações e projeções sobre o crescimento das classes C e D na economia brasileira que confirmaram o Brasil como partícipe de um importante movimento de inclusão social e emergência da classe média que vem sendo registrado no mundo nos últimos anos, especialmente na Ásia.
Teixeira da Costa avalia que “se nos detivermos em alguns outros temas levantados pelo estudo do Global Trends 2030, podemos constatar que o Brasil tem vantagens competitivas e comparativas naquele cenário e em alguns deles, nossa posição continuará diferenciada”.
Além da mobilidade social acentuada, não corremos o risco de ter uma escassez de alimentos, pois temos ainda um grande potencial de áreas agriculturáveis, alta produtividade no campo e um quesito básico: a água, que os analistas identificaram como produto escasso que gerará conflitos.
Na questão energética, com nosso potencial hidroelétrico, pré-sal, energia eólica, tudo indica que não teremos problemas nesse setor, analisa o empresário.
Os brasileiros têm mostrado excelente resposta às novas formas de comunicações. Dos mais de 901 milhões de usuários ativos doFacebook, 500 milhões acessam a rede social em aparelhos móveis.
Somos o segundo país com maior número de usuários totais (46 milhões), e ocupamos o sexto lugar entre os que mais usam o site em smartphones, tablets e outros dispositivos móveis, segundo a empresa de pesquisa Socialbakers.
O país fica à frente de Alemanha, França e Canadá em milhões de usuários móveis. A Índia, que recentemente perdeu a segunda posição em acessos totais para o Brasil, ocupa a terceira posição.
O policentrismo será acompanhado por um maior poder conferido à Ásia, onde metade da população mundial estará concentrada em 2030.
Projeta-se que a China terá 19% de participação do PIB mundial e será a maior potência mundial.
A Índia continuará crescendo e poderá tornar-se um exemplo bem sucedido de crescimento sustentável nas próximas duas décadas.
Portanto, haverá uma mudança do atual poder mundial dos USA, Europa e Japão, dependendo, é claro, da duração da atual crise mundial e do seu impacto em suas economias e de quanto tempo a Rússia levará para modernizar-se.
Ao redor de 2030 a Ásia estará a caminho de retornar a ser a potência mundial que era antes de 1500. Os Estados Unidos continuarão sendo a maior potência militar mundial, mas estima-se que a capacitação da China nessa área irá ampliar-se.
Uma constelação de países, incluindo Indonésia, Turquia e África do Sul vai tornar-se mais proeminente, como é o caso do Brasil hoje.
O México, superando o problema da segurança interna e dos narcotraficantes, estará nesse grupo. O National Intelligence Council dos Estados Unidos identificou 16 tecnologias capazes de mudar paradigmas (“disruptive tecnologies”) com potencial de ter significado global até 2030 nos setores de energia, alimentos, água etemas relacionados a inovação, comportamento mental e anti-envelhecimento.O apoio governamental precisa estar presente para incentivar esses setores.
O The Economist indicou que a área de manufaturas sofrerá sensíveis modificações, o que batizaram como a “Terceira Revolução Industrial”.
A digitalização no processo de fabricação será revolucionária. O desenho de um produto em 3D e posteriormente impresso, criará um objeto sólido pela construção de sucessivas etapas dos materiais empregados.
Como em outras revoluções, alertam para as consequências no mercado de trabalho. Alguns fabricantes de automóveis já produzem hoje duas vezes mais veículos por empregado do que uma década atrás.
Os empregos não estarão no chão da fábrica, mas sim nos escritórios próximos, cheios de engenheiros, especialistas em tecnologia (TI), técnicos em logística, mercadológos e outros profissionais.
Os trabalhos de produção no futuro irão requerer mais talento. Os consumidores, sem maiores dificuldades, irão ajustar-se a essa nova era.
A maior dificuldade estará com os governos que buscarão proteger indústrias e empresas já existentes e não favorecer aquelas inovadoras. Esses comentários, aliás, estão em linha com o que foi discutido no Global Trends, quanto as tendências de maior protecionismo pela concessão de subsídios e proteção às indústrias já existentes.
Afogando-se num pires - MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA - 01/07
A vida não é bolinho, quem não sabe? Mas é impressionante a quantidade de pessoas que conseguem complicá-la ainda mais. Acreditam que só erros enormes geram consequências, sem perceber que as pequenas bobeadas é que desgastam. Nem se dão conta da quantidade de facilitações que poderiam aplicar no dia a dia, tornando a vida bem mais producente.
Exemplos, exemplos.
Ligar-se minimamente num troço chamado relógio, pra começar. Se você tem hora marcada para uma consulta, hora marcada para fazer uma prova, hora marcada para pegar um avião, qual é a dificuldade de planejar o tempo que vai levar até lá? Chega de colocar a culpa no trânsito.
É claro que você pode prever se vai levar meia-hora ou 50 minutos para deslocar-se – o pior que pode acontecer é chegar antes, e aí nada como ter um livrinho à mão enquanto aguarda (já dizia Gabriel García Márquez: se cada um levasse um livro dentro da mochila, o mundo seria bem melhor).
“As pessoas se afogam num pires”, costuma sentenciar uma psicanalista amiga minha, confirmando que a maior parte das pessoas poderia simplificar suas vidas, mas são especialistas em se atrapalhar, e o pior: transformam essas pequenas atrapalhações em crises existenciais. Ó, nada dá certo pra mim.
Se alguém tem que ir até um endereço que não conhece, é tão fácil consultar o Google Maps antes de sair. No caso de gamar por uma blusa na vitrine, seria prudente saber se o saldo no banco comporta essa compra extra. Se a última garrafa d´água da casa foi aberta, não custa passar num mercadinho e renovar o estoque pra não ser surpreendida por uma sede absurda no meio da noite.
Se vai ter um big festão na sexta, não convém chegar ao cabeleireiro sem hora marcada. Se ofendeu um amigo, melhor pedir desculpas antes que se transforme numa mágoa séria. Se o filho tem dificuldades na escola, não esperar o último mês do ano letivo para tomar providências. Planejou uma viagem ao exterior?
Confira o prazo de validade do passaporte (não no dia do embarque, gênio). Se o seu santo não cruza com o de um fulano, para que sentar à mesma mesa que ele? Se agendou uma entrevista de emprego, confira antes se a camisa está limpa e passada. Marcou um compromisso para as 16h, não marque outro para as 17h no outro lado da cidade.
Se está em guerra com a balança, ok, é difícil perder peso, mas continuar comendo uma caixa de Bis por noite não vai operar milagres. É claro que sua cunhada vai se chatear se você expor na sala as fotos do seu irmão com a ex-mulher dele. Pô.
Você deve ter lembrado de mais uns 200 exemplos da série “se posso complicar, por que facilitar?”. São essas pequenas besteirinhas do cotidiano que, mal administradas, fazem com que nosso dia seja mais encrencado que o dos demais, mas quem vai se dignar a planejar um dia satisfatório se a ordem é deixar rolar?
E lá vai você rolando para dentro do pires, se afogando numa pocinha de nada.
A vida não é bolinho, quem não sabe? Mas é impressionante a quantidade de pessoas que conseguem complicá-la ainda mais. Acreditam que só erros enormes geram consequências, sem perceber que as pequenas bobeadas é que desgastam. Nem se dão conta da quantidade de facilitações que poderiam aplicar no dia a dia, tornando a vida bem mais producente.
Exemplos, exemplos.
Ligar-se minimamente num troço chamado relógio, pra começar. Se você tem hora marcada para uma consulta, hora marcada para fazer uma prova, hora marcada para pegar um avião, qual é a dificuldade de planejar o tempo que vai levar até lá? Chega de colocar a culpa no trânsito.
É claro que você pode prever se vai levar meia-hora ou 50 minutos para deslocar-se – o pior que pode acontecer é chegar antes, e aí nada como ter um livrinho à mão enquanto aguarda (já dizia Gabriel García Márquez: se cada um levasse um livro dentro da mochila, o mundo seria bem melhor).
“As pessoas se afogam num pires”, costuma sentenciar uma psicanalista amiga minha, confirmando que a maior parte das pessoas poderia simplificar suas vidas, mas são especialistas em se atrapalhar, e o pior: transformam essas pequenas atrapalhações em crises existenciais. Ó, nada dá certo pra mim.
Se alguém tem que ir até um endereço que não conhece, é tão fácil consultar o Google Maps antes de sair. No caso de gamar por uma blusa na vitrine, seria prudente saber se o saldo no banco comporta essa compra extra. Se a última garrafa d´água da casa foi aberta, não custa passar num mercadinho e renovar o estoque pra não ser surpreendida por uma sede absurda no meio da noite.
Se vai ter um big festão na sexta, não convém chegar ao cabeleireiro sem hora marcada. Se ofendeu um amigo, melhor pedir desculpas antes que se transforme numa mágoa séria. Se o filho tem dificuldades na escola, não esperar o último mês do ano letivo para tomar providências. Planejou uma viagem ao exterior?
Confira o prazo de validade do passaporte (não no dia do embarque, gênio). Se o seu santo não cruza com o de um fulano, para que sentar à mesma mesa que ele? Se agendou uma entrevista de emprego, confira antes se a camisa está limpa e passada. Marcou um compromisso para as 16h, não marque outro para as 17h no outro lado da cidade.
Se está em guerra com a balança, ok, é difícil perder peso, mas continuar comendo uma caixa de Bis por noite não vai operar milagres. É claro que sua cunhada vai se chatear se você expor na sala as fotos do seu irmão com a ex-mulher dele. Pô.
Você deve ter lembrado de mais uns 200 exemplos da série “se posso complicar, por que facilitar?”. São essas pequenas besteirinhas do cotidiano que, mal administradas, fazem com que nosso dia seja mais encrencado que o dos demais, mas quem vai se dignar a planejar um dia satisfatório se a ordem é deixar rolar?
E lá vai você rolando para dentro do pires, se afogando numa pocinha de nada.
Os alicerces do edifício político - GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo - 01/07
O edifício político do País tem dois andares que se sustentam em uma base. O andar de cima é o mais pesado e, pela lógica, deveria se esforçar para evitar que o andar debaixo desabe sob seu peso e, mais, que os alicerces do prédio sejam suficientemente fortes e profundos para garantir a estabilidade da construção. Essa é a norma da engenharia de obras. Ocorre que entre ela e a engenharia política há um profundo fosso, que não deixa dúvidas quanto à natureza de ambas. Não por acaso, costuma-se dizer que, na política, a geometria euclidiana deixa a desejar, eis que a menor distância entre dois pontos nem sempre é uma reta. Pode ser uma curva. E, não raras vezes, uma curva acentuada como a que se constata na idealização federativa. A base do edifício político, formada por 5.565 municípios e construída com argamassa esfarelada e cediça, afunda a cada ciclo governativo. Por isso mesmo se agiganta o descompasso entre demandas crescentes das comunidades municipais e os recursos postos à sua disposição.
O dado é revelador. Do bolo das receitas públicas, os municípios ganham apenas a pequena fatia de 18%. O primeiro andar, que abriga os 27 entes estaduais, leva 28%, enquanto o andar de cima abocanha 54%. Não é de estranhar que as vitrines da base, onde vive a população, se apresentem sujas, com vidros quebrados e paredes rachadas, afastando a clientela dos seus balcões.
O que fazem os munícipes? Procuram as prateleiras de serviços dos Estados. Mas as ofertas que encontram primam pela precariedade. Ali se veem cordões de miseráveis acumulados em camas improvisadas de estabelecimentos hospitalares no meio de imundície e aflição. Outros serviços se nivelam na deterioração, porque os entes estaduais estão quebrados. É inimaginável acreditar que o país do consumo e do crédito fácil, ícone da dinâmica social, possa ser o mesmo dos desfiles escatológicos que ocorrem em quase todos os recantos. Pior é constatar que não há sinais de melhoria no horizonte.
Sobre os pequenos municípios recai maior carga. Recebem migalhas. O endividamento, por sua vez, se expande na corrente dos municípios maiores - é de 8% em municípios de até 5 mil habitantes, chegando a 50% em municípios entre 500 mil e 1 milhão de habitantes -, a denotar a inexorável verdade: o inchamento das cidades, consequência do prolongamento urbano, não resulta em desenvolvimento. Ao contrário. Do Fundo de Participação dos Municípios, os 20% mais ricos recebem R$ 289 per capita e os mais pobres, R$ 190. Já o total das transferências (constitucionais e voluntárias) supera, segundo cálculos do sociólogo Rudá Ricci, 75% das receitas em municípios com população de até 100 mil habitantes.
Sob essa conta, a alternativa que sobra aos alcaides é recorrer a convênios com órgãos federais e estaduais. Sem verba e com verbo curto - sua voz não gera eco em Brasília -, os prefeitos se veem tolhidos na autonomia para definir coisas triviais, como compra de equipamentos básicos como uma ambulância ou um trator. Os gestores das pequenas cidades acabam sendo meros gerentes de programas que escapam de sua esfera.
Ante a moldura de descalabro - a escancarar o declínio dos municípios como entes autônomos -, impõe-se a questão: o que fazer e como agir para escapar ao círculo vicioso da eterna dependência? A resposta implica ampla reforma no campo municipalista. Reforma que pressupõe a formação de nova mentalidade na gestão. Vale lembrar que a administração pública brasileira recebeu o batismo nas águas do patrimonialismo, cuja expansão ocorreu à sombra de profissionais que enxergaram na política a oportunidade de tirar proveito do aparelho burocrático do Estado. Surgiu, então, uma classe que se refugiou no escudo patrimonialista, tendência que Oliveira Vianna, desde os anos 30, já identificava e combatia em sua cruzada contra "a degeneração do caráter nacional", aí incluída a burocratização da vida pública. Vianna lembrava que, no Império, a relação entre "doutores e políticos" resultara na figura do fazendeiro, enquanto na República, a união entre o político e o doutor fazia nascer o burocrata. Essa semente desabrocharia nos jardins das municipalidades, multiplicando os mandatários de índole mandonista, feudal, com seus passaportes herdados das famílias.
Um novo municipalismo, portanto, seria engendrado a partir de um administrador compromissado com os valores da renovação de métodos, significando novas formas de governança, balizadas em parâmetros de eficácia, zelo, transparência e atendimento das demandas comunitárias. Uma identidade assim definida implica respeito absoluto aos ditames da responsabilidade fiscal, um exercício financeiro compatível com a disponibilidade de recursos. E requer a eleição de prioridades escolhidas com a lupa focada nas demandas prementes e urgentes das comunidades. Pressupõe a continuidade administrativa e o abandono da obsoleta tradição de passar uma borracha nos feitos de administrações anteriores com o intuito de imprimir a imagem do presente sobre o retrato do passado. Ancorado na hipótese de que o Estado é incapaz de prover as necessidades dos cidadãos em áreas essenciais, as administrações hão de considerar modelos de parceria com a iniciativa privada.
A concessão de serviços públicos e a realização de programas nas frentes de cultura, lazer, esportes, educação e saúde constituem desafios à espera da visão empreendedora e da criatividade dos gestores. Mas aí nasce o perigo. Têm sido frequentes denúncias de cambalachos e negociatas entre agentes da burocracia estatal, empresários e políticos. Critérios de transparência e processos bem fundamentados, de forma a garantir a lisura dos contratos, são necessários para guiar o conceito das administrações. Como é sabido, fluxogramas, tarifas e expansão de serviços costumam ser alterados após o início dos serviços, a denotar o "jeitinho" para arrumar novas combinações. Com esses cuidados mínimos, os alicerces da base poderão manter a segurança do edifício político.
Os novos resgates no euro - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 01/07
A reunião de cúpula do bloco do euro, que terminou na madrugada de quinta-feira, também autorizou os fundos oficiais de resgate da área do euro a comprar títulos públicos no mercado de segunda mão. (Na edição de ontem, esta Coluna analisou a outra decisão, a da formação de uma união bancária.)
O objetivo dessa providência é criar demanda para títulos rejeitados no mercado. À medida que tiverem mais compradores, pelo efeito da lei da oferta e da procura, os preços de mercado desses ativos aumentarão e, assim, os juros definidos nos contratos dos títulos cairão (em proporção aos recursos despendidos para comprá-los). Na prática, a queda do rendimento (yield) concorrerá para derrubar na mesma proporção os juros cobrados no mercado tanto para a rolagem das dívidas públicas quanto para o lançamento de novos títulos destinados a cobrir novos rombos orçamentários.
Foi atendida, assim, forte reivindicação feita pelos chefes de governo da Itália (Mario Monti) e da Espanha (Mariano Rajoy). Eles avisaram que vetariam a dotação de 120 bilhões de euros destinada a financiar a retomada econômica, se os principais focos de incêndio não fossem apagados prontamente. Itália e Espanha vinham pagando juros superiores a 6% ao ano, já excessivamente próximos dos níveis que tornariam inviável a rolagem de suas dívidas.
Nesse ponto, os líderes de Itália e Espanha conseguiram dobrar a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, que se recusava terminantemente a aprovar resgates desse tipo sem que antes fossem aprovados mecanismos centrais de controle orçamentário dos Estados.
O documento final da cúpula não menciona as condições que serão impostas aos Estados nacionais para o cumprimento dessa decisão. Mas, depois do encerramento da cúpula, a chanceler Angela Merkel mencionou a existência de condicionalidades. Ela agora terá a tarefa de convencer o Parlamento da Alemanha (Bundestag) a aceitar o compartilhamento da responsabilidade de pelo menos uma parcela das dívidas nacionais, o que está proibido pela Constituição da Alemanha.
No entanto, se houver de fato transferência de soberania para que o poder central sediado em Bruxelas possa patrulhar a execução orçamentária dos Estados, então o bloco do euro terá avançado também em direção à união fiscal e à união política. Seria o processo que afinal daria "um país para o euro" - expressão do ex-ministro Delfim Netto - e começaria a dar solidez aos fundamentos da moeda única.
Uma grande quantidade de dúvidas sobre a eficácia das decisões tomadas deverá ser desfiada nas próximas semanas pelos analistas. Entre elas, está a de saber se os fundos de resgate (o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira a ser substituído pelo Mecanismo Europeu de Estabilização) contarão com recursos suficientes, hoje de 500 bilhões de euros, para enfrentar suas novas funções. Esse volume pode ser suficiente para enfrentar situações de normalidade no mercado financeiro. Mas serão uma ninharia se uma economia do tamanho da da Espanha precisar de socorro para evitar a suspensão de pagamentos.
Em todo o caso, a direção tomada é aquela que há muito vem sendo reivindicada pelos que pedem uma integração bem mais profunda da Europa. É de mais Europa, e não de menos.
A felicidade ainda existe - DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 01/07
Fui ficando alegre, cada vez mais alegre, a alegria foi se transformando numa quase exaltação
JÁ TE aconteceu de acordar um dia péssima, com a cabeça péssima, e achando que vai ser assim para o resto da vida? Pois aconteceu comigo outro dia.
Abri o jornal e não me interessei por nada, nem mesmo pela nova amizade Lula/Maluf; liguei a TV, depois abri a agenda, fui do A ao Z e todos os nomes pareciam de pessoas estranhas. Nem os dos dois ou três amigos com quem falo todos os dias reconheci. Não sabia se estava chovendo ou fazendo sol, tal a falta de interesse pelo mundo. Mas como é obrigatório ser alto-astral, resolvi fazer alguma coisa para mudar o clima do dia.
Sempre ouvi falar que ginástica ajuda a resolver qualquer problema, mas botar um tênis e ir fazer pilates, nem pensar. Mal tive forças para me levantar e tomar um copo de água, imagine para enfrentar algum esforço físico. Que tal ouvir uma música? Acho que a morte seria melhor.
Tomar um banho talvez melhorasse as coisas; uma boa chuveirada, com direito a lavar a cabeça -quem sabe esfriá-la- só pode fazer bem. Cumpri o ritual, vesti um jeans e uma camiseta, e percebi que não piorou, mas melhorar que é bom, nada.
Resolvi então dar uma volta na praia para respirar um pouco de ar fresco, mas não adiantou; voltei para casa e para a cama.
Por que acordei assim? Não havia nenhuma razão especial, nada de grave estava acontecendo em nenhum setor da minha vida. Estava assim por nada, ou talvez por tudo. Não tinha vontade de nada, e se soubesse que em cinco minutos o mundo ia se acabar, e dependesse de apenas um gesto meu para que isso não acontecesse, seria capaz de ficar parada, quieta -e o mundo que se acabasse.
Mas depois de pensar, pensar, descobri a raiz do problema. Vou tirar duas semanas de férias e viajar, e a felicidade é muito difícil de ser vivida; e a culpa? A partir daí, as coisas ficaram mais fáceis.
No dia seguinte, uma amiga me chamou para ir a um restaurante que disse ser ótimo, atrás do mercado de peixes, em Guaratiba, depois da Barra. Só que eu tenho pavor a sair do meu bairro, sobretudo para ir às bandas da Barra, mas como a Rio+20 acabou, com a graça de Deus, embarquei na aventura. Um safari, praticamente.
Para quem não conhece bem o Rio: para chegar à Barra se passa por vários túneis, e com boa vontade, são uns 35/40 minutos num trânsito que não chega a competir com o de São Paulo, mas que é bem intenso.
As coisas começaram a melhorar depois que comi uma moqueca de peixe dos deuses; quando pegamos o carro para voltar, comecei a ser feliz. Detalhe 1: o dia estava lindo, com sol e céu azul. Detalhe 2: a volta da Barra é pela orla, e são praias e praias, algumas de mar batido, outras de água mansa, em tons de azul e verde de tirar o fôlego. Em São Conrado, a garotada praticando surfe; no céu, outra garotada voando de asa-delta e ainda o cheiro da maresia.
E ainda teve o Leblon, Ipanema, o Arpoador; aí pedi à minha amiga para seguir, e passamos por Copacabana, Botafogo, Flamengo. Fui ficando alegre, cada vez mais alegre, a alegria foi se transformando numa quase exaltação, e em cada sinal em que parávamos, olhava e sorria para quem estivesse no carro ao lado, mesmo que tivesse cara de assaltante. E tive a consciência de que estava feliz, que adorava a vida, que adorava viver.
E pensei numa coisa, numa coisa em que nunca se pensa quando se é -ou se está- profunda e intensamente feliz.
Como é injusto morrer.
Fui ficando alegre, cada vez mais alegre, a alegria foi se transformando numa quase exaltação
JÁ TE aconteceu de acordar um dia péssima, com a cabeça péssima, e achando que vai ser assim para o resto da vida? Pois aconteceu comigo outro dia.
Abri o jornal e não me interessei por nada, nem mesmo pela nova amizade Lula/Maluf; liguei a TV, depois abri a agenda, fui do A ao Z e todos os nomes pareciam de pessoas estranhas. Nem os dos dois ou três amigos com quem falo todos os dias reconheci. Não sabia se estava chovendo ou fazendo sol, tal a falta de interesse pelo mundo. Mas como é obrigatório ser alto-astral, resolvi fazer alguma coisa para mudar o clima do dia.
Sempre ouvi falar que ginástica ajuda a resolver qualquer problema, mas botar um tênis e ir fazer pilates, nem pensar. Mal tive forças para me levantar e tomar um copo de água, imagine para enfrentar algum esforço físico. Que tal ouvir uma música? Acho que a morte seria melhor.
Tomar um banho talvez melhorasse as coisas; uma boa chuveirada, com direito a lavar a cabeça -quem sabe esfriá-la- só pode fazer bem. Cumpri o ritual, vesti um jeans e uma camiseta, e percebi que não piorou, mas melhorar que é bom, nada.
Resolvi então dar uma volta na praia para respirar um pouco de ar fresco, mas não adiantou; voltei para casa e para a cama.
Por que acordei assim? Não havia nenhuma razão especial, nada de grave estava acontecendo em nenhum setor da minha vida. Estava assim por nada, ou talvez por tudo. Não tinha vontade de nada, e se soubesse que em cinco minutos o mundo ia se acabar, e dependesse de apenas um gesto meu para que isso não acontecesse, seria capaz de ficar parada, quieta -e o mundo que se acabasse.
Mas depois de pensar, pensar, descobri a raiz do problema. Vou tirar duas semanas de férias e viajar, e a felicidade é muito difícil de ser vivida; e a culpa? A partir daí, as coisas ficaram mais fáceis.
No dia seguinte, uma amiga me chamou para ir a um restaurante que disse ser ótimo, atrás do mercado de peixes, em Guaratiba, depois da Barra. Só que eu tenho pavor a sair do meu bairro, sobretudo para ir às bandas da Barra, mas como a Rio+20 acabou, com a graça de Deus, embarquei na aventura. Um safari, praticamente.
Para quem não conhece bem o Rio: para chegar à Barra se passa por vários túneis, e com boa vontade, são uns 35/40 minutos num trânsito que não chega a competir com o de São Paulo, mas que é bem intenso.
As coisas começaram a melhorar depois que comi uma moqueca de peixe dos deuses; quando pegamos o carro para voltar, comecei a ser feliz. Detalhe 1: o dia estava lindo, com sol e céu azul. Detalhe 2: a volta da Barra é pela orla, e são praias e praias, algumas de mar batido, outras de água mansa, em tons de azul e verde de tirar o fôlego. Em São Conrado, a garotada praticando surfe; no céu, outra garotada voando de asa-delta e ainda o cheiro da maresia.
E ainda teve o Leblon, Ipanema, o Arpoador; aí pedi à minha amiga para seguir, e passamos por Copacabana, Botafogo, Flamengo. Fui ficando alegre, cada vez mais alegre, a alegria foi se transformando numa quase exaltação, e em cada sinal em que parávamos, olhava e sorria para quem estivesse no carro ao lado, mesmo que tivesse cara de assaltante. E tive a consciência de que estava feliz, que adorava a vida, que adorava viver.
E pensei numa coisa, numa coisa em que nunca se pensa quando se é -ou se está- profunda e intensamente feliz.
Como é injusto morrer.
Ueba! Romarinho é a Mart'nália! - JOSÉ SIMÂO
FOLHA DE SP - 01/07
Agora que o Romarinho virou herói, o que mais quer da vida? Carro importado e comer uma panicat
BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Pensamento do dia: "Pior não é ficar velho. Pior é ficar velho e parecido com o Lula".
Personagens da semana: Maluf e Romarinho! Maluf, o Carrapato de Eleição! E Romarinho, uma mistura de Djavan com Mart'nália! E agora que o Romarinho virou herói, o que mais ele quer da vida? Um carro importado e comer uma panicat. Nessa ordem! Rarará!
E diz que a lua nasceu com a bunda virada pro Romarinho! Rarará! E a novela "Avenida Barraco"? Ainda bem que se chama "Avenida Brasil". Se chamasse "Avenida 23 de Maio", não ia acontecer nada, ia ficar tudo parado! E o Max parece o Salsicha do "Scooby-Doo"!
Tô adorando o elenco: Nina "Noiva Cadáver", Carminha "Carrie, A Estranha", e o Salsicha do "Scooby-Doo". E a Suellen Periguete com aquela calça de lycra Knorr: deixa qualquer galinha gostosa. E diz que a Globo vai lançar o absorvente de maracujá: pra acalmar periquita de periguete. Rarará!
E o Brimo Maluf? Eu queria ser o Maluf! Pra tudo ele tem uma resposta. Em qualquer situação!
E a Mônica Bergamo revelou o álbum de fotos do Maluf. Sensacional. Tem foto do Maluf com o Covas, com o Fernando Henrique, com o Collor, foto do Maluf com o Alckmin, Maluf com a Hebe, Maluf com o papa. Agora Maluf com Lula! O Lulaluf!
Só falta tirar uma foto com o Neymar. E com a Jennifer Lopez. Maluf com a J. Lo!
E uma foto com a Madonna. Aí ele fazia um convênio com a Panini. E lançava um álbum de figurinhas! Ia causar um turco-circuito! "Maluf com a Hebe é repetida, não quero!". "Oba! Maluf com Lula é nova. Quero!". Paf. Cola no álbum.
E muitos falam "mas o Lula não precisava tirar foto com o Maluf". Precisava. Era uma exigência do Maluf. Pra completar o álbum.
Eu acho que o Lula fez uma quibesteira. Rarará! E adorei a charge do Pelicano: a estrelinha do PT com os óculos do Maluf. Rarará!
E uma menina escreveu no meu Twitter: "Agora a Globo vai dar um programa só pro Louro José, já deu um só pro Bial". A Globo deu um programa pra Fátima Bernardes, outro pro Bial, e agora um pro Louro José: "Encontro com Louro José"!
E uma predestinada direto de São Paulo! Funcionária da Tim: Anália ALÔ! Agora ela saiu da Tim e foi pra Oi! Isso é que é predestinação! Nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Agora que o Romarinho virou herói, o que mais quer da vida? Carro importado e comer uma panicat
BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Pensamento do dia: "Pior não é ficar velho. Pior é ficar velho e parecido com o Lula".
Personagens da semana: Maluf e Romarinho! Maluf, o Carrapato de Eleição! E Romarinho, uma mistura de Djavan com Mart'nália! E agora que o Romarinho virou herói, o que mais ele quer da vida? Um carro importado e comer uma panicat. Nessa ordem! Rarará!
E diz que a lua nasceu com a bunda virada pro Romarinho! Rarará! E a novela "Avenida Barraco"? Ainda bem que se chama "Avenida Brasil". Se chamasse "Avenida 23 de Maio", não ia acontecer nada, ia ficar tudo parado! E o Max parece o Salsicha do "Scooby-Doo"!
Tô adorando o elenco: Nina "Noiva Cadáver", Carminha "Carrie, A Estranha", e o Salsicha do "Scooby-Doo". E a Suellen Periguete com aquela calça de lycra Knorr: deixa qualquer galinha gostosa. E diz que a Globo vai lançar o absorvente de maracujá: pra acalmar periquita de periguete. Rarará!
E o Brimo Maluf? Eu queria ser o Maluf! Pra tudo ele tem uma resposta. Em qualquer situação!
E a Mônica Bergamo revelou o álbum de fotos do Maluf. Sensacional. Tem foto do Maluf com o Covas, com o Fernando Henrique, com o Collor, foto do Maluf com o Alckmin, Maluf com a Hebe, Maluf com o papa. Agora Maluf com Lula! O Lulaluf!
Só falta tirar uma foto com o Neymar. E com a Jennifer Lopez. Maluf com a J. Lo!
E uma foto com a Madonna. Aí ele fazia um convênio com a Panini. E lançava um álbum de figurinhas! Ia causar um turco-circuito! "Maluf com a Hebe é repetida, não quero!". "Oba! Maluf com Lula é nova. Quero!". Paf. Cola no álbum.
E muitos falam "mas o Lula não precisava tirar foto com o Maluf". Precisava. Era uma exigência do Maluf. Pra completar o álbum.
Eu acho que o Lula fez uma quibesteira. Rarará! E adorei a charge do Pelicano: a estrelinha do PT com os óculos do Maluf. Rarará!
E uma menina escreveu no meu Twitter: "Agora a Globo vai dar um programa só pro Louro José, já deu um só pro Bial". A Globo deu um programa pra Fátima Bernardes, outro pro Bial, e agora um pro Louro José: "Encontro com Louro José"!
E uma predestinada direto de São Paulo! Funcionária da Tim: Anália ALÔ! Agora ela saiu da Tim e foi pra Oi! Isso é que é predestinação! Nóis sofre, mas nóis goza. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
As classes médias na berlinda - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
O Estado de S.Paulo - 01/07
Desde abril até agora viajei bastante, saindo e voltando ao Brasil. Fui aos Emirados Árabes, ao México, ao Japão, à China e, na semana passada, ainda fui a Buenos Aires. Sempre participando de seminários ou fazendo conferências. Lia, naturalmente, os jornais locais que tinham edição em inglês. Por toda parte, um assunto dominante: a crise econômica. Em alguns países, mesmo com regimes políticos muito diferentes, como China e Brasil ou Argentina, alguma preocupação com a corrupção. Nessa mesmice, li com prazer em Buenos Aires, no La Nación, um artigo de Marcos Aguines, O orgulho da classe média, reproduzido no dia seguinte em O Globo.
Aguines desacredita da visão, que predominava nos círculos de esquerda, de que a classe média - a pequena burguesia, como era chamada - seria a Geni da História. Fascinados pelo papel revolucionário e liberador da revolução proletária e, mais tarde, pelo ímpeto das massas ascendentes, os ideólogos de esquerda - e não só eles, pois a moda pegou - não viam mais do que atraso e mesquinhez na classe média, os "desvios" pequeno-burgueses e a tibiez que lhe tiravam o ímpeto para transformar a sociedade. Provavelmente, em certas conjunturas históricas, especialmente na velha Europa, era assim que as classes médias agiam. Basta ler os romances de Balzac como Eugénie Grandet ou O Pai Goriot para sentir que essas camadas ficavam apequenadas, mesquinhas, diante da burguesia vitoriosa ou da nobreza decadente aliada à mesma. Entretanto, terá sido essa a posição das classes médias nas Américas e nos países de imigração?
Dou a palavra a Aguines: na Argentina, tanto no campo como nas cidades, as classes médias se expandiram e começaram a construir valores que deram suporte para três culturas, "a cultura do trabalho, a cultura do esforço e a cultura da honestidade". O mesmo, acrescento, terá ocorrido na Austrália ou no Canadá e, de outra maneira, nos Estados Unidos. E no caso brasileiro, terá sido distinto? Esmagadas entre a escravidão e o senhorio rural, agraciadas aqui e ali com algum título não hereditário durante o Império, as classes médias urbanas, compostas por profissionais liberais, funcionários públicos, militares, professores e poucas categorias urbanas mais, no que se iriam apoiar para manter as distinções e realizar algo na vida? Basicamente, na escola e nos valores familiares que levam ao trabalho. Tudo com muito esforço.
Com a chegada dos imigrantes, à medida que estes, motivados pelas necessidades de trabalhar, "faziam a América", do mesmo modo se incorporaram às classes médias trilhando os caminhos do estudo e buscando ostentar a "boa moral". No percurso dessa camada de imigrantes se viu a formação de algo que poderia se aproximar de uma "burguesia pequena", ou pequena burguesia: sua base econômica, em maior número do que no caso das populações brasileiras mais antigas, provinha de um pequeno negócio. Ainda assim sua inserção na sociedade e sua gradação social eram dadas pelas mesmas virtudes das antigas classes médias, a valorização do trabalho, o estudo "para subir na vida", a honestidade.
A própria base operária brasileira, a camada dos trabalhadores, usando outros instrumentos de ascensão social, como os sindicatos, e mantendo o ideal de trabalhar por conta própria, não fugiu deste padrão: escola-trabalho-decência. Obviamente, quando a sociedade se massifica, quando os meios de comunicação, TV à frente e, agora, a internet, dão os compassos da dança, o quadro é menos nítido. Já não se vê com clareza que valores guiam as chamadas classes médias emergentes. Mesmo que haja exagero na insistência com que se repete que milhões e milhões de brasileiros estão ingressando nas "novas classes médias", pois por enquanto se trata de novas categorias de renda, mais do que propriamente de uma nova "classe social", a transformação da renda em classe é questão de tempo: esta vai se formando. Seus membros pouco a pouco irão frequentar escolas razoáveis, criar uma teia de relações com acesso aos mesmos clubes e gozar das mesmas facilidades de recreação, trajar-se mais ou menos de modo igual (o que já ocorre), desenvolver uma cultura de trabalho qualificado e, de novo, comportar-se valorizando a decência e a honestidade.
Como se comportarão essas classes emergentes na política, quando se transformarem numa categoria social com características, anseios e valores próprios? É provável que se juntem, nas formas de comportamento e nos valores, às classes médias preexistentes. Estas, no momento, se sentem um tanto desconectadas da instituição que, sem ser a única, lhes abrigou e deu influência: o governo, o Estado. Justamente porque a política vem sendo percebida cada vez mais como um jogo de vale-tudo, onde a moral conta menos do que o resultado.
É hora, por isso mesmo, de reforçar, e não de menosprezar, os valores fundamentais ditos "de classe média" - estudo, trabalho, honestidade. Valores culturais não se impõem por lei, são modelos de conduta aos quais se juntam sentimentos positivos. Só a exemplaridade e a repetição enaltecida deles (na escola, na família, na mídia e na vida pública) vão aos poucos inculcando na mentalidade geral as formas que definem o que é bom, o que é ruim. Minha aposta é a de acreditar, como crê Aguines, que a velha e boa classe média, que já contribuiu para a formação da nação, ainda pode ter papel relevante e será capaz de contagiar com seus valores as camadas emergentes, pois estas a eles já são predispostas: melhoraram a renda com esforço e trabalho.
É certo que o descaso em nossa vida pública pelos valores básicos das classes médias diminui as chances de que eles venham a prevalecer. Há oportunidades, entretanto, para reforçá-los. O julgamento do mensalão é uma delas. Seja qual for o resultado, se o Supremo Tribunal Federal se comportar institucionalmente, sem medo de condenar ou de absolver, desde que explicando o porquê e sendo transparente, pode ajudar a demarcar os limites do inaceitável. Nem só de pão vive o homem. A decência e a honestidade são partes da vida. Convém reforçar os comportamentos que se inspiram nelas.
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