FOLHA DE SP - 24/02
A esquerda está em pânico porque estava acostumada a dominar o debate público
Se eu pregar que todos que discordam de mim devem morrer ou ficarem trancados em casa com medo, eu sou um genocida que usa o nome da política como desculpa para genocídio. No século 20, a maioria dos assassinos em massa fez isso.
O Brasil, sim, precisa de política. Não se resolve o drama que estamos vivendo com polícia apenas. Mas me desespera ver que estamos na pré-história discutindo ideias do "século passado". Tem gente que ainda relaciona "socialismo e liberdade", como se a experiência histórica não provasse o contrário. Parece papo das assembleias da PUC do passado, manipuladoras e autoritárias, como sempre.
O ditador socialista Maduro está espancando gente contra o socialismo nas ruas da Venezuela. Ele pode? Alguns setores do pensamento político brasileiro são mesmo atrasados, e querem que pensemos que a esquerda representa a liberdade. Mentira.
A maioria de nós, pelo menos quem é responsável pelo seu sustento e da sua família, não concorda com o socialismo autoritário que a "nova" esquerda atual quer impor ao país. A esquerda é totalitária. Quer nos convencer que não, mas mente. Basta ver como reage ao encontrar gente inteligente que não tem medo dela.
Ninguém precisa da esquerda para fazer uma sociedade ser menos terrível, basta que os políticos sejam menos corruptos (os da esquerda quase todos foram e são), que técnicos competentes cuidem da gestão pública e que a economia seja deixada em paz, porque nós somos a economia, cada vez que saímos de casa para gerar nosso sustento.
Ela, a esquerda, constrói para si a imagem de "humanista", de superioridade moral, e de que quem discorda dela o faz porque é mau. Ela está em pânico porque estava acostumada a dominar o debate público tido como "inteligente" e agora está sendo obrigada a conviver com gente tão preparada quanto ela (ou mais), que leu tanto quanto ela, que escreve tanto quanto ela, que conhece seus cacoetes intelectuais, e sua história assassina e autoritária.
Professores pautados por esta mentira filosófica chamada socialismo mentem para os alunos sobre história e perseguem colegas, fechando o mercado de trabalho, se definindo como os arautos da justiça, do bem e do belo.
A esquerda nunca entendeu de gente real, mas facilmente ganha os mais fragilizados com seu discurso mentiroso e sedutor, afirmando que, sim, a vida pode ser garantida e que, sim, a sobrevivência virá facilmente se você crer em seus ideólogos defensores da "violência criadora".
Ela sempre foi especialista em tornar as pessoas dependentes, ressentidas, iludidas e incapazes de cuidar da sua própria vida. Ela ama a preguiça, a inveja e a censura.
Recomendo a leitura do best-seller mundial, recém publicado no Brasil pela editora Agir, "O Livro Politicamente Incorreto da Esquerda e do Socialismo", escrito pelo professor Kevin D. Williamson, do King's College, de Nova York. Esta pérola que desmente todas as "virtudes" que muita gente atrasada ou mal-intencionada no Brasil está tentando nos fazer acreditar mostra detalhes de como o socialismo impregnou sociedades como a americana, degradou o meio ambiente, é militarista (Fidel, Chávez, Maduro), e não deu certo nem na Suécia. O socialismo é um "truque" de gente mau-caráter.
As pessoas, sim, estão insatisfeitas com o modo como a vida pública no Brasil tem sido maltratada. Mas isso não faz delas seguidores de intelectuais e artistas chiques da zona oeste de São Paulo ou da zona sul do Rio de Janeiro.
A tragédia política no Brasil está inclusive no fato de que inexistem opções partidárias que não sejam fisiológicas ou autoritárias do espectro socialista. Nas próximas eleições teremos poucas esperanças contra a desilusão geral do país.
E grande parte da intelligentsia que deveria dar essas opções está cooptada pela falácia socialista, levando o país à beira de uma virada para a pré-história política, fingindo que são vanguarda política. O socialismo é tão pré-histórico quanto a escravatura.
Mas a esquerda não detém mais o monopólio do pensamento público no Brasil. Não temos mais medo dela.
segunda-feira, fevereiro 24, 2014
Transparência opaca - LÚCIA GUIMARÃES
O Estado de S.Paulo - 24/02
Transparência. Todo mundo é a favor em público, mesmo os que roubam descaradamente. Transparência se tornou uma daquelas palavras-muleta, como foi 'cidadania' no começo do milênio. Nossa semântica engessada joga tanto peso sobre um substantivo que ele se arrasta moroso por um momento da cultura, obrigado a significar um bem universal.
Quem há de ser contra a transparência nas contas públicas, nas votações do Congresso, no contrato com a operadora de celular? Mas há um outro tipo de transparência que não é fruto do progresso cívico. É a que nos coloca vivendo num aquário por causa da tecnologia, da presença da mídia digital, e de hábitos na mídia social que fizeram um rombo no ozônio da privacidade.
Na última semana, a ex-braço direito do magnata Rupert Murdoch na Inglaterra, Rebekah Brooks, hoje ré do julgamento pelo grampo telefônico do defunto tabloide News of the World, mal conteve o choro ao prestar depoimento no tribunal. Qualificou sua vida pessoal de um acidente de automóvel. "De Lady Macbeth a Bridget Jones", bradou sarcástica a manchete de um jornal. A ex-poderosa editora que emprestava seus cavalos ao Primeiro-Ministro David Cameron explicava o conteúdo de seus e-mails, incluídos como peças da acusação, especialmente os que se referem ao seu caso com outro réu, o ex-porta-voz de Cameron, Andy Coulson. Se as lágrimas da Macbeth/Bridget eram de crocodilo, não sei e não há expectativa de transparência que possa ser satisfeita. Meu interesse é sobre o esforço que ela fez para preencher as lacunas deixadas pelos e-mails pessoais, escritos para ser lidos num contexto de intimidade. Embora despreze Rebekah Brooks e o que ela representa na promiscuidade do jornalismo com o poder, reservo meu ceticismo em doses iguais para seus inimigos com relação aos e-mails românticos e o que exatamente eles revelam. Apliquei o teste a mim mesma. Abri alguns escritos pessoais de outra era geológica e soltei um grito mental horrorizado com a ideia de que eles poderiam, em fragmentos, ser usados contra mim.
O fim de semana tinha começado promissor. Acordei cedo e fui me entregar a dois prazeres: um conto de George Saunders e um cappuccino. Mas o café estava lotado e me vi colada à mesa de dois homens, um jovem, o outro de meia idade. Tudo bem, pensei, a linguagem deliciosa do estilista Saunders vai me transportar para o Norte do Estado de Nova York e abafar as vozes. Mas os fragmentos da conversa ao lado invadiram o conto. "I did a dirty swearing" (tomei posse em cerimônia informal); "deixa que eu falo com o Kennedy"; "Fulano (autor famoso, a omissão é minha) tem um pouco de mendácia nele."
A esta altura, apenas fingia que continuava a ler. Percebi, por reconhecer a voz do homem mais velho, que testemunhava a conversa de um novo subsecretário do gabinete de Barack Obama, uma figura conhecida, com um jovem que há de ser o filho de um empresário já morto, um dos inovadores mais importantes do último meio século. Há tempos, nutria antipatia pelo interlocutor mais velho. A conversa só aumentou a impressão de que o homem, cujo salário agora ajudo a pagar como contribuinte, ganhou um paraquedas de ouro para descer em Washington, já que sua encarnação profissional até 2013 estava seriamente ameaçada.
Se trabalhasse para a coluna de fofocas do New York Post, com os escrúpulos conhecidos do tabloide, teria emplacado meia página de revelações pessoais. E não teria contribuído em nada para futuras biografias, no festival de name-dropping (menção de nomes importantes) que tinha acabado de ouvir. Respeito a privacidade dos interlocutores que não me convidaram para sua conversa. As migalhas de fatos deixadas na mesa do café puderam, no máximo, satisfazer meu voyeurismo.
A transparência da vida no aquário não deve ser confundida com a verdade.
Transparência. Todo mundo é a favor em público, mesmo os que roubam descaradamente. Transparência se tornou uma daquelas palavras-muleta, como foi 'cidadania' no começo do milênio. Nossa semântica engessada joga tanto peso sobre um substantivo que ele se arrasta moroso por um momento da cultura, obrigado a significar um bem universal.
Quem há de ser contra a transparência nas contas públicas, nas votações do Congresso, no contrato com a operadora de celular? Mas há um outro tipo de transparência que não é fruto do progresso cívico. É a que nos coloca vivendo num aquário por causa da tecnologia, da presença da mídia digital, e de hábitos na mídia social que fizeram um rombo no ozônio da privacidade.
Na última semana, a ex-braço direito do magnata Rupert Murdoch na Inglaterra, Rebekah Brooks, hoje ré do julgamento pelo grampo telefônico do defunto tabloide News of the World, mal conteve o choro ao prestar depoimento no tribunal. Qualificou sua vida pessoal de um acidente de automóvel. "De Lady Macbeth a Bridget Jones", bradou sarcástica a manchete de um jornal. A ex-poderosa editora que emprestava seus cavalos ao Primeiro-Ministro David Cameron explicava o conteúdo de seus e-mails, incluídos como peças da acusação, especialmente os que se referem ao seu caso com outro réu, o ex-porta-voz de Cameron, Andy Coulson. Se as lágrimas da Macbeth/Bridget eram de crocodilo, não sei e não há expectativa de transparência que possa ser satisfeita. Meu interesse é sobre o esforço que ela fez para preencher as lacunas deixadas pelos e-mails pessoais, escritos para ser lidos num contexto de intimidade. Embora despreze Rebekah Brooks e o que ela representa na promiscuidade do jornalismo com o poder, reservo meu ceticismo em doses iguais para seus inimigos com relação aos e-mails românticos e o que exatamente eles revelam. Apliquei o teste a mim mesma. Abri alguns escritos pessoais de outra era geológica e soltei um grito mental horrorizado com a ideia de que eles poderiam, em fragmentos, ser usados contra mim.
O fim de semana tinha começado promissor. Acordei cedo e fui me entregar a dois prazeres: um conto de George Saunders e um cappuccino. Mas o café estava lotado e me vi colada à mesa de dois homens, um jovem, o outro de meia idade. Tudo bem, pensei, a linguagem deliciosa do estilista Saunders vai me transportar para o Norte do Estado de Nova York e abafar as vozes. Mas os fragmentos da conversa ao lado invadiram o conto. "I did a dirty swearing" (tomei posse em cerimônia informal); "deixa que eu falo com o Kennedy"; "Fulano (autor famoso, a omissão é minha) tem um pouco de mendácia nele."
A esta altura, apenas fingia que continuava a ler. Percebi, por reconhecer a voz do homem mais velho, que testemunhava a conversa de um novo subsecretário do gabinete de Barack Obama, uma figura conhecida, com um jovem que há de ser o filho de um empresário já morto, um dos inovadores mais importantes do último meio século. Há tempos, nutria antipatia pelo interlocutor mais velho. A conversa só aumentou a impressão de que o homem, cujo salário agora ajudo a pagar como contribuinte, ganhou um paraquedas de ouro para descer em Washington, já que sua encarnação profissional até 2013 estava seriamente ameaçada.
Se trabalhasse para a coluna de fofocas do New York Post, com os escrúpulos conhecidos do tabloide, teria emplacado meia página de revelações pessoais. E não teria contribuído em nada para futuras biografias, no festival de name-dropping (menção de nomes importantes) que tinha acabado de ouvir. Respeito a privacidade dos interlocutores que não me convidaram para sua conversa. As migalhas de fatos deixadas na mesa do café puderam, no máximo, satisfazer meu voyeurismo.
A transparência da vida no aquário não deve ser confundida com a verdade.
Este é o raciocínio - RUY CASTRO
FOLHA DE SP - 24/02
RIO DE JANEIRO - A morte do ator Philip Seymour Hoffman, em Nova York, por uma overdose de heroína e de outras substâncias, sacudiu as pessoas que lutam contra a dependência química e tentam se manter sóbrias. Hoffman estava há 23 anos sem beber ou se drogar, e se orgulhava disso. Mas foi encontrado morto ao lado de 50 papelotes de heroína e remédios de uso "controlado" e com uma seringa espetada no braço. Por quê?
Tinha 46 anos, era famoso, disputado e cheio de prêmios em teatro e cinema, inclusive um Oscar de melhor ator. Sabia que devia sua carreira à sobriedade --a que chegou aos 23 anos, depois de uma juventude em que usou tudo que lhe passava pela frente. Por que, então, recaiu? Alguns atribuirão isso a forças internas, inconscientes, que deviam assolá-lo por algum motivo intangível e etéreo. Já os dependentes --como eu-- têm outra explicação.
Grande parte das recaídas acontece por excesso de confiança. É o que leva um dependente a se considerar ex-dependente apenas porque está há anos afastado da bebida ou da droga. Ou a acreditar que, com tantos anos de abstinência, pode voltar a consumi-la, sob controle, "só quando quiser". Mas não existe o ex-dependente. Existe o dependente que se abstém do produto, assim como o diabético que se abstém de açúcar. O menor vacilo leva fatalmente à recaída.
Se isso é consolo, a morte de Philip Hoffman será sempre um alerta contra as tentações que rondam o dia a dia dos dependentes. Se alguém como ele pode recair --este é o raciocínio--, preciso me cuidar.
Também sóbrio há 26 anos, faço uma contabilidade própria. Nesse período, troquei a morte certa pela recuperação da saúde, do trabalho, do reconhecimento profissional, do amor das filhas, enfim, da vida. E o que isso me custou e ainda custa? Baratinho. Um simples gole que deixo de tomar.
RIO DE JANEIRO - A morte do ator Philip Seymour Hoffman, em Nova York, por uma overdose de heroína e de outras substâncias, sacudiu as pessoas que lutam contra a dependência química e tentam se manter sóbrias. Hoffman estava há 23 anos sem beber ou se drogar, e se orgulhava disso. Mas foi encontrado morto ao lado de 50 papelotes de heroína e remédios de uso "controlado" e com uma seringa espetada no braço. Por quê?
Tinha 46 anos, era famoso, disputado e cheio de prêmios em teatro e cinema, inclusive um Oscar de melhor ator. Sabia que devia sua carreira à sobriedade --a que chegou aos 23 anos, depois de uma juventude em que usou tudo que lhe passava pela frente. Por que, então, recaiu? Alguns atribuirão isso a forças internas, inconscientes, que deviam assolá-lo por algum motivo intangível e etéreo. Já os dependentes --como eu-- têm outra explicação.
Grande parte das recaídas acontece por excesso de confiança. É o que leva um dependente a se considerar ex-dependente apenas porque está há anos afastado da bebida ou da droga. Ou a acreditar que, com tantos anos de abstinência, pode voltar a consumi-la, sob controle, "só quando quiser". Mas não existe o ex-dependente. Existe o dependente que se abstém do produto, assim como o diabético que se abstém de açúcar. O menor vacilo leva fatalmente à recaída.
Se isso é consolo, a morte de Philip Hoffman será sempre um alerta contra as tentações que rondam o dia a dia dos dependentes. Se alguém como ele pode recair --este é o raciocínio--, preciso me cuidar.
Também sóbrio há 26 anos, faço uma contabilidade própria. Nesse período, troquei a morte certa pela recuperação da saúde, do trabalho, do reconhecimento profissional, do amor das filhas, enfim, da vida. E o que isso me custou e ainda custa? Baratinho. Um simples gole que deixo de tomar.
No mercado elétrico falta o sinal de preço - ADILSON DE OLIVEIRA
Valor Econômico - 24/02
Os livros textos nos ensinam que, em economias de mercado, a escassez é administrada com base em preços. No entanto, nossos burocratas decidiram que esse mecanismo não é adequado para gerir a escassez no mercado elétrico. Eles se reúnem mensalmente em Brasília para avaliar a capacidade de o sistema atender a demanda futura de energia. O comportamento esperado dos reservatórios hidrelétricos é o parâmetro adotado para o posicionamento desses burocratas. Após sua reunião, eles sugerem medidas tópicas para evitar dificuldades no suprimento futuro de energia. O comunicado regular brasiliense é que o sistema elétrico brasileiro está perfeitamente planejado: não há risco de racionamento!
A segurança com que os burocratas emitem esses comunicados tem sua origem na crença ingênua de que as regras adotadas para a gestão do mercado elétrico não permitem situações de racionamento. Pelo ângulo da demanda, a regulamentação setorial exige que as concessionárias de distribuição e os consumidores livres contratem no mínimo 100% de sua previsão da demanda de energia para os próximos cinco anos. Como mecanismo de segurança, as distribuidoras podem contratar até 103% do consumo previsto de seus mercados cativos, repassando os custos dessa sobrecontratação para as tarifas dos consumidores, se necessário. Portanto, o risco de um pico inesperado no consumo de energia só ocorreria na hipótese de um erro significativo nas previsões de demanda desses agentes.
A expansão da capacidade de oferta é realizada em leilões anuais destinados a prover energia assegurada (sic) para suprir as necessidades energéticas do país no horizonte de cinco anos. E essas necessidades são estimadas pela EPE com base em ritmo de crescimento da economia superior às expectativas do mercado. Sintetizando, a expansão do sistema elétrico está planejada para operar com substancial margem de reserva para atender picos de consumo, garantindo o equilíbrio estrutural entre a oferta e a demanda de energia nos próximos cinco anos. O preço da energia pode se tornar elevado por excesso de capacidade instalada, porém o racionamento de energia é um evento de probabilidade "baixíssima" (sic).
As pequenas diferenças entre demandas e ofertas contratadas são ajustadas por meio de transações realizadas no mercado de curto prazo. O preço de liquidação de diferenças (PLD), calculado pela CCEE, é utilizado nessas transações. O PLD não pretende sinalizar aos consumidores a necessidade de modificar seu comportamento energético diante de um risco de racionamento, já que a oferta de energia assegurada é suficiente para atender mesmo expectativas otimistas de consumo. O objetivo do PLD é apenas sinalizar o preço para a contratação de energia dos consumidores livres.
A fragilidade desse arcabouço regulamentar reside no conceito enganoso de energia assegurada. Essa quantidade é estimada por um conjunto de modelos computacionais que opera com parâmetros físicos e econômicos teóricos. Diferenças entre a quantidade estimada pelos computadores e a realidade diária são ajustadas por decisões do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) quanto ao esgotamento dos reservatórios hidrelétricos.
Essa solução não gera dificuldades para a oferta de energia assegurada enquanto a pluviometria é favorável. Nessas situações, uma parcela da energia que chega aos reservatórios é necessariamente desperdiçada nos vertedouros das hidrelétricas. Essa parcela é usada para acomodar os desvios entre o que os modelos teóricos sugerem e a realidade objetiva, sem impacto econômico relevante. Porém o resultado econômico dessa acomodação é radicalmente distinto quando realizado com o uso de energia acumulada nos reservatórios. Nesse caso, o risco de racionamento aumenta e acaba exigindo o incremento do despacho de centrais térmicas para garantir o suprimento de energia do país, em períodos de estiagem como o atual.
A Aneel propôs a adoção de bandeiras tarifárias para diluir no tempo e amenizar o repasse, para as tarifas, do custo das térmicas necessário para garantir a confiabilidade do suprimento elétrico. Esse mecanismo aumentaria as tarifas dos consumidores cativos, sempre que os burocratas setoriais identifiquem risco de racionamento. Porém o governo decidiu postergar a medida. Insensíveis à elevação do PLD das últimas semanas, os consumidores cativos preservaram seus padrões de uso da energia. Por outro lado, os consumidores livres também pouco alteraram seu consumo, pois o essencial de seu consumo está assentado em contratos com preços firmes. Preservado o consumo, a elevação do PLD tem tido por único efeito o forte aumento dos gastos das distribuidoras com a compra de energia no mercado de curto prazo.
Sem o instrumento do preço para alterar os padrões de consumo, a burocracia setorial removeu os entraves que impediam o despacho de térmicas, viabilizando a oferta de 1100 MW adicionais de energia. Buscou também a redução voluntária do uso de energia pelos grandes consumidores, o que permitiu a redução da demanda em outros 2000 MW na região Sudeste. O risco de racionamento foi reduzido, porém a oferta de energia assegurada continua fundamentalmente dependente da generosidade de São Pedro nos próximos meses. Caso isso não ocorra, já conhecemos o fim da história.
Nesse ínterim, o Tesouro será convocado para evitar o colapso financeiro das distribuidoras; os consumidores cativos ficaram sabendo que suas tarifas aumentarão e os consumidores livres terão que aceitar preços mais elevados nos seus contratos de energia. Tudo somado, para evitar que o PLD atue na gestão da escassez de energia, o país sacrifica o Tesouro, as famílias e o desempenho da economia. Vale a pena?
A segurança com que os burocratas emitem esses comunicados tem sua origem na crença ingênua de que as regras adotadas para a gestão do mercado elétrico não permitem situações de racionamento. Pelo ângulo da demanda, a regulamentação setorial exige que as concessionárias de distribuição e os consumidores livres contratem no mínimo 100% de sua previsão da demanda de energia para os próximos cinco anos. Como mecanismo de segurança, as distribuidoras podem contratar até 103% do consumo previsto de seus mercados cativos, repassando os custos dessa sobrecontratação para as tarifas dos consumidores, se necessário. Portanto, o risco de um pico inesperado no consumo de energia só ocorreria na hipótese de um erro significativo nas previsões de demanda desses agentes.
A expansão da capacidade de oferta é realizada em leilões anuais destinados a prover energia assegurada (sic) para suprir as necessidades energéticas do país no horizonte de cinco anos. E essas necessidades são estimadas pela EPE com base em ritmo de crescimento da economia superior às expectativas do mercado. Sintetizando, a expansão do sistema elétrico está planejada para operar com substancial margem de reserva para atender picos de consumo, garantindo o equilíbrio estrutural entre a oferta e a demanda de energia nos próximos cinco anos. O preço da energia pode se tornar elevado por excesso de capacidade instalada, porém o racionamento de energia é um evento de probabilidade "baixíssima" (sic).
As pequenas diferenças entre demandas e ofertas contratadas são ajustadas por meio de transações realizadas no mercado de curto prazo. O preço de liquidação de diferenças (PLD), calculado pela CCEE, é utilizado nessas transações. O PLD não pretende sinalizar aos consumidores a necessidade de modificar seu comportamento energético diante de um risco de racionamento, já que a oferta de energia assegurada é suficiente para atender mesmo expectativas otimistas de consumo. O objetivo do PLD é apenas sinalizar o preço para a contratação de energia dos consumidores livres.
A fragilidade desse arcabouço regulamentar reside no conceito enganoso de energia assegurada. Essa quantidade é estimada por um conjunto de modelos computacionais que opera com parâmetros físicos e econômicos teóricos. Diferenças entre a quantidade estimada pelos computadores e a realidade diária são ajustadas por decisões do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) quanto ao esgotamento dos reservatórios hidrelétricos.
Essa solução não gera dificuldades para a oferta de energia assegurada enquanto a pluviometria é favorável. Nessas situações, uma parcela da energia que chega aos reservatórios é necessariamente desperdiçada nos vertedouros das hidrelétricas. Essa parcela é usada para acomodar os desvios entre o que os modelos teóricos sugerem e a realidade objetiva, sem impacto econômico relevante. Porém o resultado econômico dessa acomodação é radicalmente distinto quando realizado com o uso de energia acumulada nos reservatórios. Nesse caso, o risco de racionamento aumenta e acaba exigindo o incremento do despacho de centrais térmicas para garantir o suprimento de energia do país, em períodos de estiagem como o atual.
A Aneel propôs a adoção de bandeiras tarifárias para diluir no tempo e amenizar o repasse, para as tarifas, do custo das térmicas necessário para garantir a confiabilidade do suprimento elétrico. Esse mecanismo aumentaria as tarifas dos consumidores cativos, sempre que os burocratas setoriais identifiquem risco de racionamento. Porém o governo decidiu postergar a medida. Insensíveis à elevação do PLD das últimas semanas, os consumidores cativos preservaram seus padrões de uso da energia. Por outro lado, os consumidores livres também pouco alteraram seu consumo, pois o essencial de seu consumo está assentado em contratos com preços firmes. Preservado o consumo, a elevação do PLD tem tido por único efeito o forte aumento dos gastos das distribuidoras com a compra de energia no mercado de curto prazo.
Sem o instrumento do preço para alterar os padrões de consumo, a burocracia setorial removeu os entraves que impediam o despacho de térmicas, viabilizando a oferta de 1100 MW adicionais de energia. Buscou também a redução voluntária do uso de energia pelos grandes consumidores, o que permitiu a redução da demanda em outros 2000 MW na região Sudeste. O risco de racionamento foi reduzido, porém a oferta de energia assegurada continua fundamentalmente dependente da generosidade de São Pedro nos próximos meses. Caso isso não ocorra, já conhecemos o fim da história.
Nesse ínterim, o Tesouro será convocado para evitar o colapso financeiro das distribuidoras; os consumidores cativos ficaram sabendo que suas tarifas aumentarão e os consumidores livres terão que aceitar preços mais elevados nos seus contratos de energia. Tudo somado, para evitar que o PLD atue na gestão da escassez de energia, o país sacrifica o Tesouro, as famílias e o desempenho da economia. Vale a pena?
Minha casa, meus votos - ANCELMO GOIS
O GLOBO - 24/02
No Amazonas, onde teve 80% dos votos, seu melhor desempenho em 2010, Dilma inaugurou, semana passada, como se sabe, o Residencial Viver, com 5.384 unidades.
Festa do voto-bumbá...
O programa já entregou 13.532 unidades habitacionais no estado do Amazonas. E o governo federal ainda vai entregar outras 27.541.
Estas 41 mil casas são suficientes para abrigar a população de qualquer cidade amazonense, menos Manaus e Parintins, onde acontece a festa do Boi-Bumbá.
Roma precisa de UPPs
Uns gatunos entraram, sábado, no quarto de hotel, em Roma, de uma comissária de bordo da comitiva presidencial. Levaram tudo de valor, inclusive o passaporte da brasileira.
Um outro foi feito às pressas, já que a moça partiria no avião de Dilma, que saiu ontem para Bruxelas.
Dia de rock
Após o sucesso do “The voice”, a TV Globo prepara o projeto-piloto de um programa que escolherá uma nova banda brasileira.
Deve estrear no segundo semestre.
Aliás...
“The Voice” é o... deixa pra lá.
Zé de Abreu é Deus
Em duas semanas, José de Abreu foi convidado para fazer quatro filmes. Confessa entusiasmo com um deles:
— Afinal, não é toda hora que me convidam para um papel tão importante: Deus!
Trata-se do filme “Comédia divina”, de Toni Venturi, baseado no conto de Machado de Assis “A igreja do diabo”.
SALVEM OS NOSSOS TENISTAS
Em tempos de Rio Open, o torneio de tênis, dói ver abandonada, repare na foto, a quadra de saibro deum projeto esportivo do estado, na Rocinha. Lançado com amistoso entre Djokovic eGuga, em novembro de 2012, o projeto inédito numa comunidade pacificada do Rio está parado desde novembro passado. Alguns moradores usavam a quadra por conta própria. Procurada pela coluna, a Secretaria de estado de Esporte e Lazer informou que o projeto recomeçará amanhã e que terá também uma quadra de cimento com aulas comunitárias de tênis no segundo semestre. Vamos torcer, vamos cobrar
Dói no bolso da Fifa
A Fifa tem uma razão a mais para se preocupar com a decisão da prefeitura de Recife de não realizar a Fifa Fan Fest e com a indefinição do Rio sobre a festa.
É que a entidade assumiu com os patrocinadores (Coca-Cola, Ambev, Itaú, OI, Hyundai/KIA, Jonhson & Jonhson e Sony) o compromisso de fazer o evento.
Tomara que fique aqui
Depois de percorrer 150 mil quilômetros pelo planeta, a taça da Copa do Mundo chega aqui, em maio.
O passeio pelos estados deve começar por Brasília, com Dilma recebendo o troféu das mãos de Pelé ou Ronaldo.
Tem culpa eu?
Nesta reunião, em Florianópolis, com representantes das 32 seleções da Copa, a Fifa pediu permissão para uma equipe de TV da entidade entrar nas concentrações e fazer imagens.
Mas o representante da Argentina disse... não! E mais: nas coletivas, só querem aceitar jornalistas dos países que vão disputar os jogos com a Argentina.
É...
Deve ser terrível viver num país onde tem gente que não gosta da imprensa.
50 anos do golpe
A Editora Faces colocou gratuitamente na internet o livro “Ipanema em lágrimas”, do escritor e roteirista Waldir Leite. É um romance passado durante a ditadura e conta a história de um menino assombrado com a versão, difundida por sua família de militares, de que “comunistas comiam criancinhas”.
Comiam, não no sentido atribuído, digamos, a alguns padres pedófilos. Mas no sentido canibal mesmo.
Ah, bom.
‘Um estranho no ninho’
O clássico “Um estranho no ninho”, que deu um Oscar a Jack Nicholson e consagrou sua carreira, terá sua primeira montagem no Brasil agora em 2014.
O produtor Gustavo Nunes, o mesmo de “Cássia Eller, o musical”, comprou os direitos da peça e convidou Gilberto Gawronski para assinar a direção.
A grana da bola
A 8ª Turma do TRT do Rio manteve a decisão que obriga o Botafogo a pagar uma grana de direito de arena — que o jogador recebe quando o jogo é televisionado — a Leandro Guerreiro, hoje no América-MG. É referente a partidas entre 2007 e 2010.
O atleta alegou que só recebeu 25% do que deveria. É coisa de, pelo menos, uns R$ 100 mil.
Vive la France
Sérgio Cabral inaugura esta semana a fábrica de argamassas da Saint-Gobain, em Itaboraí, e uma de cimento da Lafarge, em Santa Cruz.
A conspiração de Lula - LUIZ CARLOS AZEDO
CORREIO BRAZILIENSE - 24/02
A presidente Dilma Rousseff deve se encontrar com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na próxima quarta-feira. A relação entre os dois anda cada vez mais tensa. Lula concorda com a tese de que as intervenções excessivas do governo nas relações com o mercado deterioraram o ambiente econômico e afugentaram os investidores. No ano passado, havia sugerido que Dilma mudasse a equipe econômica, substituindo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. A presidente da República ficou de pensar no assunto e depois disse não, preferiu manter o atual ministro da Fazenda no cargo.
A atual política econômica foi concebida por Dilma, Mantega e pelo ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante; com Meirelles na Fazenda, novamente seria “blindada” pelo mercado, com o ex-presidente Lula de avalista. Desde o “não” de Dilma, porém, o ambiente econômico piorou e a conspiração entre grandes empresários a favor do “Volta, Lula!” não parou de crescer. A adesão dos petistas à tese já é majoritária, com exceção dos que estão no governo. O ex-presidente da República, porém, na semana passada, resolver puxar o freio de mão e evitar novas reuniões com empresários. Dilma é refém de Lula. O ex-presidente se comprometeu a apoiá-la, mas, se houver risco de perder a eleição, tudo muda.
A propósito, as pesquisas de opinião do fim de semana deram certo fôlego a Dilma Rousseff: mantiveram seu favoritismo nas eleições deste ano. Entretanto, não garantem uma vitória no primeiro turno. As avaliações do governo e de seu desempenho estão estagnadas. Nada garante que a situação do país vá melhorar daqui até as eleições. Analistas avaliam que a projeção de 2% de crescimento do PIB para 2014 é considerada otimista e sujeita a chuvas e trovoadas, principalmente por causa da alta dos juros, da redução dos financiamentos do BNDES, dos cortes no Orçamento da União e da crise na Argentina. Além disso, o desgaste do governo por causa da Copa do Mundo é maior do que se imaginava. Virou mais uma incógnita do ponto de vista eleitoral.
É dura a vida de Dilma como candidata à reeleição. Mesmo tendo a vantagem estratégica — em relação aos adversários Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) — de fazer pré-campanha no exercício do cargo de presidente, com a agenda de viagens aos estados turbinada e a própria imagem anabolizada por maciça propaganda oficial.
Uma reforma incruada
A reforma ministerial continua incruada. Até agora só avançou para os lados do PT, ou melhor, para os lados do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que foi guindado ao cargo e ainda controla os dois ministérios que ocupou anteriormente, Ciência e Tecnologia e Educação (para os quais indicou técnicos de sua confiança, os ministros Marco Antônio Raupp e José Henrique Paim, respectivamente). A reforma ministerial empacou devido à resistência do PMDB, que deseja mais participação no governo e cobra apoio eleitoral do PT nos estados, principalmente no Rio de Janeiro e no Ceará, o que não deve acontecer.
O vice-presidente Michel Temer deve ter uma conversa com Mercadante e a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, no Palácio do Jaburu, ainda hoje. Aliado leal da presidente Dilma, está se enfraquecendo com os demais caciques do PMDB por causa da reforma. A conversa é preparatória do seu encontro com Dilma amanhã, para fechar o acordo de participação no governo. Os ministros Edison Lobão (MA), de Minas e Energia, e Garibaldi Alves (RN), da Previdência, ambos senadores, e Moreira Franco, da Secretaria de Aviação Civil, pretendem ficar onde estão. Os problemas são Agricultura e Turismo, cujos titulares, os deputados Antônio Andrade (MG) e Gastão Vieira (MA), estão voltando para a Câmara. O Ministério da Integração Nacional foi pleiteado pela legenda para fortalecer suas posições no Nordeste.
A aposta de Dilma com o PMDB é alta. Acredita que convencerá o líder da legenda no Senado, Eunício de Oliveira (CE), a aceitar o cargo de ministro da Integração Nacional em troca da retirada de sua candidatura ao governo do Ceará. Essa seria única forma de entregar a pasta ao PMDB e não ao governador Cid Gomes (Pros) e seu irmão Ciro (Pros), como foi prometido. Até agora, Eunício não deu sinais de que vai jogar a toalha. Caso volte atrás, será mais fácil resolver o problema da bancada do PMDB na Câmara, que articula um “blocão” independente com outros aliados descontentes para pressionar o Palácio do Planalto.
As pastas da Agricultura e do Turismo seriam suficientes para neutralizar a rebeldia do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), junto da maioria da bancada. A relação Palácio do Planalto com a bancada peemedebista do Rio de Janeiro, porém, já é leite derramado, por causa da consolidação da candidatura do senador Lindbergh Faria (PT-RJ) ao Palácio Guanabara, contra Luiz Fernando Pezão (PMDB), o candidato do governador Sérgio Cabral (PMDB).
A presidente Dilma Rousseff deve se encontrar com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na próxima quarta-feira. A relação entre os dois anda cada vez mais tensa. Lula concorda com a tese de que as intervenções excessivas do governo nas relações com o mercado deterioraram o ambiente econômico e afugentaram os investidores. No ano passado, havia sugerido que Dilma mudasse a equipe econômica, substituindo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. A presidente da República ficou de pensar no assunto e depois disse não, preferiu manter o atual ministro da Fazenda no cargo.
A atual política econômica foi concebida por Dilma, Mantega e pelo ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante; com Meirelles na Fazenda, novamente seria “blindada” pelo mercado, com o ex-presidente Lula de avalista. Desde o “não” de Dilma, porém, o ambiente econômico piorou e a conspiração entre grandes empresários a favor do “Volta, Lula!” não parou de crescer. A adesão dos petistas à tese já é majoritária, com exceção dos que estão no governo. O ex-presidente da República, porém, na semana passada, resolver puxar o freio de mão e evitar novas reuniões com empresários. Dilma é refém de Lula. O ex-presidente se comprometeu a apoiá-la, mas, se houver risco de perder a eleição, tudo muda.
A propósito, as pesquisas de opinião do fim de semana deram certo fôlego a Dilma Rousseff: mantiveram seu favoritismo nas eleições deste ano. Entretanto, não garantem uma vitória no primeiro turno. As avaliações do governo e de seu desempenho estão estagnadas. Nada garante que a situação do país vá melhorar daqui até as eleições. Analistas avaliam que a projeção de 2% de crescimento do PIB para 2014 é considerada otimista e sujeita a chuvas e trovoadas, principalmente por causa da alta dos juros, da redução dos financiamentos do BNDES, dos cortes no Orçamento da União e da crise na Argentina. Além disso, o desgaste do governo por causa da Copa do Mundo é maior do que se imaginava. Virou mais uma incógnita do ponto de vista eleitoral.
É dura a vida de Dilma como candidata à reeleição. Mesmo tendo a vantagem estratégica — em relação aos adversários Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) — de fazer pré-campanha no exercício do cargo de presidente, com a agenda de viagens aos estados turbinada e a própria imagem anabolizada por maciça propaganda oficial.
Uma reforma incruada
A reforma ministerial continua incruada. Até agora só avançou para os lados do PT, ou melhor, para os lados do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que foi guindado ao cargo e ainda controla os dois ministérios que ocupou anteriormente, Ciência e Tecnologia e Educação (para os quais indicou técnicos de sua confiança, os ministros Marco Antônio Raupp e José Henrique Paim, respectivamente). A reforma ministerial empacou devido à resistência do PMDB, que deseja mais participação no governo e cobra apoio eleitoral do PT nos estados, principalmente no Rio de Janeiro e no Ceará, o que não deve acontecer.
O vice-presidente Michel Temer deve ter uma conversa com Mercadante e a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, no Palácio do Jaburu, ainda hoje. Aliado leal da presidente Dilma, está se enfraquecendo com os demais caciques do PMDB por causa da reforma. A conversa é preparatória do seu encontro com Dilma amanhã, para fechar o acordo de participação no governo. Os ministros Edison Lobão (MA), de Minas e Energia, e Garibaldi Alves (RN), da Previdência, ambos senadores, e Moreira Franco, da Secretaria de Aviação Civil, pretendem ficar onde estão. Os problemas são Agricultura e Turismo, cujos titulares, os deputados Antônio Andrade (MG) e Gastão Vieira (MA), estão voltando para a Câmara. O Ministério da Integração Nacional foi pleiteado pela legenda para fortalecer suas posições no Nordeste.
A aposta de Dilma com o PMDB é alta. Acredita que convencerá o líder da legenda no Senado, Eunício de Oliveira (CE), a aceitar o cargo de ministro da Integração Nacional em troca da retirada de sua candidatura ao governo do Ceará. Essa seria única forma de entregar a pasta ao PMDB e não ao governador Cid Gomes (Pros) e seu irmão Ciro (Pros), como foi prometido. Até agora, Eunício não deu sinais de que vai jogar a toalha. Caso volte atrás, será mais fácil resolver o problema da bancada do PMDB na Câmara, que articula um “blocão” independente com outros aliados descontentes para pressionar o Palácio do Planalto.
As pastas da Agricultura e do Turismo seriam suficientes para neutralizar a rebeldia do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), junto da maioria da bancada. A relação Palácio do Planalto com a bancada peemedebista do Rio de Janeiro, porém, já é leite derramado, por causa da consolidação da candidatura do senador Lindbergh Faria (PT-RJ) ao Palácio Guanabara, contra Luiz Fernando Pezão (PMDB), o candidato do governador Sérgio Cabral (PMDB).
A prioridade é a segurança - CARLOS EBNER
FOLHA DE SP - 24/02
Os passageiros precisam saber que, ao colocar a segurança e o conforto dos outros em risco durante viagens de avião, serão punidos por seus atos
A segurança de voo é o principal pilar da aviação comercial. Não por outro motivo, a indústria investe pesado para manter índices nos patamares mais elevados.
Todo o trabalho de prevenção das companhias leva em conta três fatores: a máquina, que envolve qualquer defeito técnico das aeronaves, o ambiente, que diz respeito às condições meteorológicas e pista, e o homem, aqui representado pelos tripulantes e passageiros.
Recentemente, o Brasil foi palco de um episódio que acendeu o alerta do setor. Sete passageiros da Gol Linhas Aéreas, contrariados com a prolongada espera na pista causada pelo mau tempo, ativaram a porta de emergência e subiram nas asas da aeronave. Atos impensados como esse mostram total intolerância e falta de conhecimento sobre os riscos que envolvem a atividade aérea.
A Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) coleta dados como esse desde 2007 e já registrou mais de 15 mil em todo o mundo até o final de 2011. Houve um aumento de pouco mais de 500 registros em 2007 para mais de 6.000 em 2011. E esses são apenas os incidentes relatados oficialmente. Esse quadro é extremamente grave e ameaça a segurança e o conforto a bordo.
O custo de uma aterrissagem não programada para desembarcar ou entregar passageiros indisciplinados é arcado pelas companhias aéreas. No caso da Gol, a ativação da porta de emergência poderia ter deixado a aeronave fora de serviço até que o dispositivo pudesse ser devidamente reinstalado. O incidente também poderia levar a cancelamentos de voos, causando ainda mais transtornos.
As companhias têm oferecido treinamento especial à tripulação e algumas até têm introduzido novos métodos, tais como o cartão amarelo para tentar advertir o passageiro. Mas é preciso muito mais. É importante que as autoridades responsabilizem esses passageiros por seus atos. Infelizmente, muitos episódios não são tratados com a seriedade que merecem, mesmo havendo leis e regulamentos em vigor para prevenir que tais atos ocorram.
Para viagens internacionais, esses incidentes são regidos por um tratado conhecido como Convenção de Tóquio, um documento de 1960 que precisa de atualização.
A Organização da Aviação Civil Internacional (Icao), órgão especial das Nações Unidas, realizará uma conferência diplomática no final de março para discutir a modernização da Convenção de Tóquio. E o Brasil deve participar ativamente das discussões. É um bom começo para lidar com o quadro internacional que rege tais incidentes, particularmente garantindo que o país em que a companhia aérea está registrada tenha autonomia, bem como o país em que a aeronave aterrisse.
Esta também será uma excelente oportunidade para o governo brasileiro rever suas leis e regulamentos para assegurar que estejam alinhados com as melhores práticas e padrões globais.
No entanto, é importante que o caso da Gol seja tratado de forma apropriada. Isso significa um compromisso com a segurança e uma resposta imediata das autoridades. Os passageiros precisam saber que, ao colocar a segurança e o conforto dos outros em risco, serão punidos.
Os passageiros precisam saber que, ao colocar a segurança e o conforto dos outros em risco durante viagens de avião, serão punidos por seus atos
A segurança de voo é o principal pilar da aviação comercial. Não por outro motivo, a indústria investe pesado para manter índices nos patamares mais elevados.
Todo o trabalho de prevenção das companhias leva em conta três fatores: a máquina, que envolve qualquer defeito técnico das aeronaves, o ambiente, que diz respeito às condições meteorológicas e pista, e o homem, aqui representado pelos tripulantes e passageiros.
Recentemente, o Brasil foi palco de um episódio que acendeu o alerta do setor. Sete passageiros da Gol Linhas Aéreas, contrariados com a prolongada espera na pista causada pelo mau tempo, ativaram a porta de emergência e subiram nas asas da aeronave. Atos impensados como esse mostram total intolerância e falta de conhecimento sobre os riscos que envolvem a atividade aérea.
A Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) coleta dados como esse desde 2007 e já registrou mais de 15 mil em todo o mundo até o final de 2011. Houve um aumento de pouco mais de 500 registros em 2007 para mais de 6.000 em 2011. E esses são apenas os incidentes relatados oficialmente. Esse quadro é extremamente grave e ameaça a segurança e o conforto a bordo.
O custo de uma aterrissagem não programada para desembarcar ou entregar passageiros indisciplinados é arcado pelas companhias aéreas. No caso da Gol, a ativação da porta de emergência poderia ter deixado a aeronave fora de serviço até que o dispositivo pudesse ser devidamente reinstalado. O incidente também poderia levar a cancelamentos de voos, causando ainda mais transtornos.
As companhias têm oferecido treinamento especial à tripulação e algumas até têm introduzido novos métodos, tais como o cartão amarelo para tentar advertir o passageiro. Mas é preciso muito mais. É importante que as autoridades responsabilizem esses passageiros por seus atos. Infelizmente, muitos episódios não são tratados com a seriedade que merecem, mesmo havendo leis e regulamentos em vigor para prevenir que tais atos ocorram.
Para viagens internacionais, esses incidentes são regidos por um tratado conhecido como Convenção de Tóquio, um documento de 1960 que precisa de atualização.
A Organização da Aviação Civil Internacional (Icao), órgão especial das Nações Unidas, realizará uma conferência diplomática no final de março para discutir a modernização da Convenção de Tóquio. E o Brasil deve participar ativamente das discussões. É um bom começo para lidar com o quadro internacional que rege tais incidentes, particularmente garantindo que o país em que a companhia aérea está registrada tenha autonomia, bem como o país em que a aeronave aterrisse.
Esta também será uma excelente oportunidade para o governo brasileiro rever suas leis e regulamentos para assegurar que estejam alinhados com as melhores práticas e padrões globais.
No entanto, é importante que o caso da Gol seja tratado de forma apropriada. Isso significa um compromisso com a segurança e uma resposta imediata das autoridades. Os passageiros precisam saber que, ao colocar a segurança e o conforto dos outros em risco, serão punidos.
Bloco da ressaca - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 24/02
Dirigentes de PSB e Rede acertaram para março o lançamento da chapa presidencial encabeçada por Eduardo Campos, com Marina Silva como vice. A ideia é criar um fato político forte para iniciar o ano pós-Carnaval, com um ato em São Paulo. A dupla também estrelará os programas do PSB em abril. Diante do cenário em que Marina ainda aparece mais bem posicionada que Campos no Datafolha, a ordem é intensificar aparições conjuntas para forçar a transferência dos votos.
W.O. O presidenciável do PSDB, Aécio Neves, atribui a estabilidade do favoritismo de Dilma Rousseff à falta de contraditório na pré-campanha. "Por enquanto a única disputa que existe é a da presidente contra ela própria. A da propaganda oficial versus os resultados pífios do governo", disse o tucano à coluna.
No banco Para Aécio, "a oposição ainda não teve a oportunidade de entrar em campo". "Quando isso acontecer, os que hoje já estão inquietos com o desempenho de Dilma terão motivos para se preocupar de verdade."
Nem-nem Os eleitores frustrados com a disputa eleitoral também são os mais desanimados com a Copa. Entre os que declaram voto em branco ou nulo, 57% rejeitam a competição no Brasil.
Madrinha Os que mais apoiam as manifestações de rua são os que declaram voto em Joaquim Barbosa (66%), Marina (65%) e Campos (64%). Já o grupo que aprova o governo Dilma está dividido: 45% defendem e 50% rejeitam as manifestações.
La Dolce Vita Dilma dispensou uma luxuosa Maserati e circulou a pé pelo centro histórico de Roma. Deixou o badalado Il Pagliaccio, onde jantou, perto da 1h de ontem.
A procissão Quando driblou a imprensa à tarde, Dilma mandou que a segurança a acompanhasse à distância. Mas assessores, ministros e diplomatas que a seguiam não passaram despercebidos.
Virou moda Após atingir a Câmara, o estremecimento da relação entre o governo Dilma Rousseff e o PMDB pode chegar ao Senado. A origem do imbróglio é a insatisfação da bancada com impasses na composição de alianças estaduais com o PT.
Onde pega Peemedebistas ameaçam o Planalto com uma dezena de requerimentos de auditoria do Tribunal de Contas da União sobre órgãos federais e empresas como a Petrobras, hoje parados na Mesa Diretora da Casa.
Mais essa Também dizem que podem dificultar a vida do governo e fazer andar a CPI do Transporte Público, que, até agora, os petistas conseguiram congelar.
Termômetro Aloizio Mercadante (Casa Civil) conversou na semana passada com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sobre a crise vivida entre o Planalto e o partido.
Precaução
A articulação de um bloco de partidos para criar dificuldades ao governo em votações na Câmara foi interpretada por petistas e parte dos peemedebistas como uma missão de Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) para angariar apoio a sua reeleição à presidência.
Faísca Quem acompanhou as conversas para a criação do bloco "independente" sustenta que movimentações do PT nessa direção teriam precipitado a disputa pela chefia da Câmara.
Contratamos Executivos da Saab avisaram ao prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho (PT), que pretendem iniciar um processo de seleção de funcionários no ABC para a fábrica, a ser instalada na região, que vai produzir parte das peças do caça Gripen NG.
Tiroteio
Quem lança um projeto e se põe contra ele só pode ter esquizofrenia política. Estados não podem pagar pelo desequilíbrio fiscal federal.
DO DEPUTADO BETO ALBUQUERQUE (PSB-RS), sobre o projeto de renegociação das dívidas de Estados e municípios com a União, paralisado pelo Planalto.
Contraponto
História de pescador
O deputado Domingos Dutra (SDD-MA) discursava na Câmara quando decidiu fazer uma homenagem a um ex-parlamentar que visitava a Casa.
-Registro a presença aqui do nosso companheiro Flávio Bezerra, que foi nosso colega. Ele é o maior pescador do Ceará, só que todo peixe que ele pesca e vende no Ceará é do Estado do Maranhão -provocou.
O petista Luiz Couto, que ocupava a presidência, pediu a palavra para defender o colega.
-Quero dizer que o deputado Flávio trouxe o peixe e tinha a placa do Ceará -sustentou, para riso dos colegas.
Dirigentes de PSB e Rede acertaram para março o lançamento da chapa presidencial encabeçada por Eduardo Campos, com Marina Silva como vice. A ideia é criar um fato político forte para iniciar o ano pós-Carnaval, com um ato em São Paulo. A dupla também estrelará os programas do PSB em abril. Diante do cenário em que Marina ainda aparece mais bem posicionada que Campos no Datafolha, a ordem é intensificar aparições conjuntas para forçar a transferência dos votos.
W.O. O presidenciável do PSDB, Aécio Neves, atribui a estabilidade do favoritismo de Dilma Rousseff à falta de contraditório na pré-campanha. "Por enquanto a única disputa que existe é a da presidente contra ela própria. A da propaganda oficial versus os resultados pífios do governo", disse o tucano à coluna.
No banco Para Aécio, "a oposição ainda não teve a oportunidade de entrar em campo". "Quando isso acontecer, os que hoje já estão inquietos com o desempenho de Dilma terão motivos para se preocupar de verdade."
Nem-nem Os eleitores frustrados com a disputa eleitoral também são os mais desanimados com a Copa. Entre os que declaram voto em branco ou nulo, 57% rejeitam a competição no Brasil.
Madrinha Os que mais apoiam as manifestações de rua são os que declaram voto em Joaquim Barbosa (66%), Marina (65%) e Campos (64%). Já o grupo que aprova o governo Dilma está dividido: 45% defendem e 50% rejeitam as manifestações.
La Dolce Vita Dilma dispensou uma luxuosa Maserati e circulou a pé pelo centro histórico de Roma. Deixou o badalado Il Pagliaccio, onde jantou, perto da 1h de ontem.
A procissão Quando driblou a imprensa à tarde, Dilma mandou que a segurança a acompanhasse à distância. Mas assessores, ministros e diplomatas que a seguiam não passaram despercebidos.
Virou moda Após atingir a Câmara, o estremecimento da relação entre o governo Dilma Rousseff e o PMDB pode chegar ao Senado. A origem do imbróglio é a insatisfação da bancada com impasses na composição de alianças estaduais com o PT.
Onde pega Peemedebistas ameaçam o Planalto com uma dezena de requerimentos de auditoria do Tribunal de Contas da União sobre órgãos federais e empresas como a Petrobras, hoje parados na Mesa Diretora da Casa.
Mais essa Também dizem que podem dificultar a vida do governo e fazer andar a CPI do Transporte Público, que, até agora, os petistas conseguiram congelar.
Termômetro Aloizio Mercadante (Casa Civil) conversou na semana passada com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sobre a crise vivida entre o Planalto e o partido.
Precaução
A articulação de um bloco de partidos para criar dificuldades ao governo em votações na Câmara foi interpretada por petistas e parte dos peemedebistas como uma missão de Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) para angariar apoio a sua reeleição à presidência.
Faísca Quem acompanhou as conversas para a criação do bloco "independente" sustenta que movimentações do PT nessa direção teriam precipitado a disputa pela chefia da Câmara.
Contratamos Executivos da Saab avisaram ao prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho (PT), que pretendem iniciar um processo de seleção de funcionários no ABC para a fábrica, a ser instalada na região, que vai produzir parte das peças do caça Gripen NG.
Tiroteio
Quem lança um projeto e se põe contra ele só pode ter esquizofrenia política. Estados não podem pagar pelo desequilíbrio fiscal federal.
DO DEPUTADO BETO ALBUQUERQUE (PSB-RS), sobre o projeto de renegociação das dívidas de Estados e municípios com a União, paralisado pelo Planalto.
Contraponto
História de pescador
O deputado Domingos Dutra (SDD-MA) discursava na Câmara quando decidiu fazer uma homenagem a um ex-parlamentar que visitava a Casa.
-Registro a presença aqui do nosso companheiro Flávio Bezerra, que foi nosso colega. Ele é o maior pescador do Ceará, só que todo peixe que ele pesca e vende no Ceará é do Estado do Maranhão -provocou.
O petista Luiz Couto, que ocupava a presidência, pediu a palavra para defender o colega.
-Quero dizer que o deputado Flávio trouxe o peixe e tinha a placa do Ceará -sustentou, para riso dos colegas.
O Brasil será a Tailândia do século XXI? - JOSÉ MILTON DALLARI
O GLOBO - 24/02
O problema é que, por enquanto, Brasília não se mexe para promover um choque de confiança no setor privado
Dezessete anos depois de a Tailândia iniciar a chamada crise dos Tigres Asiáticos, os países emergentes voltam a ficar na berlinda. Deixaram o posto de locomotiva do mundo, conquistado recentemente, para novamente tornarem-se um ponto de interrogação. A desconfiança do investidor internacional dessas nações já está provocando uma mudança no fluxo de investimentos diretos e de capitais especulativos que vêm ganhar com os juros altos ou com ações baratas na Bolsa de Valores de São Paulo. Esse dinheiro começou a migrar para as economias maduras, como Estados Unidos e países da zona do euro, que começam a se recuperar da crise de 2008.
Para amargura do governo federal, o Brasil foi citado entre os emergentes como o segundo país mais vulnerável nesta crise. Só perde para a Turquia. Bancos de investimento criaram um ranking chamado de “os cinco frágeis”. Além do Brasil e da Turquia, estão nessa lista a Índia, a Indonésia e a África do Sul. A nova presidente do Federal Reserve, o banco central americano, Janet Yellen, ratificou a lista e citou nominalmente o Brasil. Ela disse que a mudança de política monetária nos EUA, com redução dos estímulos à economia, que deve levar a uma alta de juros no futuro, não é a única razão para a debandada dos investidores dos países emergentes.
Yellen tem razão. É difícil para Brasília admitir que algumas correções de rota são necessárias na economia para tirar o Brasil desse grupo. O Brasil tem reservas internacionais da ordem de US$ 370 bilhões, um colchão mais que suficiente para amortecer qualquer disparada do dólar caso a crise se aprofunde. Mas, assim como seus pares emergentes, tem uma situação fiscal muito ruim, só pior que a da Turquia. Sua economia cresce pouco, a inflação está em alta, os juros sobem para conter a alta dos preços, mas travam ainda mais o crescimento econômico.
O fluxo de dólares, incluindo o investimento direto, para o país não cobre mais o déficit de transações correntes. O BC informou que o fluxo cambial está positivo em apenas US$ 46 milhões no mês até o dia 7 de fevereiro. Os investidores estrangeiros não param de vender ações na Bolsa de Valores. O saldo de investimento estrangeiro na Bovespa está negativo em R$ 1,452 bilhão em fevereiro até o dia 10. A safra agrícola corre o risco de quebrar por causa do verão seco, o que poderia comprometer uma parte importante das exportações. Serão ainda menos dólares entrando no país. Além disso, o Brasil está na mira das agências de classificação de risco e corre o risco de ser rebaixado.
O problema é que, por enquanto, Brasília não se mexe para promover um choque de confiança no setor privado. O corte de R$ 30 bilhões em despesas, número ventilado pela imprensa, não foi anunciado. Os gastos públicos aumentam. Um exemplo é o setor de energia que terá que ser compensado para evitar um aumento da conta de luz para os consumidores. Serão quase R$ 18 bilhões saindo do Tesouro.
Nesse cenário de incertezas internas e externas, o dólar continua subindo e já se fala em algo como R$ 2,60 ou R$ 2,70 no fim deste ano. É mais lenha na fogueira da inflação. Ou Brasília se mexe ou corremos o risco de 2014 se tornar um ano perdido do ponto de vista econômico. Num período de eleições, este é um capital político que nenhum candidato quer. Melhoria substancial na gestão pública é um dos caminhos.
O problema é que, por enquanto, Brasília não se mexe para promover um choque de confiança no setor privado
Dezessete anos depois de a Tailândia iniciar a chamada crise dos Tigres Asiáticos, os países emergentes voltam a ficar na berlinda. Deixaram o posto de locomotiva do mundo, conquistado recentemente, para novamente tornarem-se um ponto de interrogação. A desconfiança do investidor internacional dessas nações já está provocando uma mudança no fluxo de investimentos diretos e de capitais especulativos que vêm ganhar com os juros altos ou com ações baratas na Bolsa de Valores de São Paulo. Esse dinheiro começou a migrar para as economias maduras, como Estados Unidos e países da zona do euro, que começam a se recuperar da crise de 2008.
Para amargura do governo federal, o Brasil foi citado entre os emergentes como o segundo país mais vulnerável nesta crise. Só perde para a Turquia. Bancos de investimento criaram um ranking chamado de “os cinco frágeis”. Além do Brasil e da Turquia, estão nessa lista a Índia, a Indonésia e a África do Sul. A nova presidente do Federal Reserve, o banco central americano, Janet Yellen, ratificou a lista e citou nominalmente o Brasil. Ela disse que a mudança de política monetária nos EUA, com redução dos estímulos à economia, que deve levar a uma alta de juros no futuro, não é a única razão para a debandada dos investidores dos países emergentes.
Yellen tem razão. É difícil para Brasília admitir que algumas correções de rota são necessárias na economia para tirar o Brasil desse grupo. O Brasil tem reservas internacionais da ordem de US$ 370 bilhões, um colchão mais que suficiente para amortecer qualquer disparada do dólar caso a crise se aprofunde. Mas, assim como seus pares emergentes, tem uma situação fiscal muito ruim, só pior que a da Turquia. Sua economia cresce pouco, a inflação está em alta, os juros sobem para conter a alta dos preços, mas travam ainda mais o crescimento econômico.
O fluxo de dólares, incluindo o investimento direto, para o país não cobre mais o déficit de transações correntes. O BC informou que o fluxo cambial está positivo em apenas US$ 46 milhões no mês até o dia 7 de fevereiro. Os investidores estrangeiros não param de vender ações na Bolsa de Valores. O saldo de investimento estrangeiro na Bovespa está negativo em R$ 1,452 bilhão em fevereiro até o dia 10. A safra agrícola corre o risco de quebrar por causa do verão seco, o que poderia comprometer uma parte importante das exportações. Serão ainda menos dólares entrando no país. Além disso, o Brasil está na mira das agências de classificação de risco e corre o risco de ser rebaixado.
O problema é que, por enquanto, Brasília não se mexe para promover um choque de confiança no setor privado. O corte de R$ 30 bilhões em despesas, número ventilado pela imprensa, não foi anunciado. Os gastos públicos aumentam. Um exemplo é o setor de energia que terá que ser compensado para evitar um aumento da conta de luz para os consumidores. Serão quase R$ 18 bilhões saindo do Tesouro.
Nesse cenário de incertezas internas e externas, o dólar continua subindo e já se fala em algo como R$ 2,60 ou R$ 2,70 no fim deste ano. É mais lenha na fogueira da inflação. Ou Brasília se mexe ou corremos o risco de 2014 se tornar um ano perdido do ponto de vista econômico. Num período de eleições, este é um capital político que nenhum candidato quer. Melhoria substancial na gestão pública é um dos caminhos.
Em busca da credibilidade perdida - JORGE J. OKUBARO
O Estado de S.Paulo - 24/02
Os três anos de tumultuado relacionamento do governo de Dilma Rousseff com o empresariado podem ter destruído o que restava das lembranças dos tempos em que dirigentes empresariais dos diferentes segmentos da economia conviviam em relativa harmonia com as autoridades federais. Eram os tempos do governo Lula, e que só agora, no último ano de seu mandato e por isso um ano eleitoral, a presidente tenta reconstituir. Pode ser que ainda haja tempo, até a eleição, para ela reconquistar parte da confiança que, por ações ou omissões de seu governo, se esvaiu ao longo de seu mandato. Ainda que, por razões ideológicas, alguns de seus principais auxiliares continuem a desconfiar dos empresários - aos quais se referem apenas como os detentores do capital -, a presidente parece ter entendido que, sem a efetiva participação deles, os investimentos produtivos não crescerão nem a economia se expandirá na velocidade desejada.
São variados os motivos que, nos últimos três anos, foram afastando o empresariado do governo. Benefícios fiscais direcionados a determinados setores da economia podem ter agradado a uma parcela dos empresários, mas os pífios e limitados resultados dessa generosidade em termos de crescimento e geração de emprego desagradaram a outras, muitas outras.
Igualmente irritam os empreendedores os atrasos nos programas de expansão da infraestrutura - rodovias, portos, aeroportos, ferrovias, geração e transmissão de energia, por exemplo -, decorrentes de projetos deficientes, lentidão dos órgãos da área ambiental na concessão das necessárias licenças, critérios inadequados para a participação do capital privado, entre outros problemas. O ônus que os gargalos de infraestrutura impõem à produção inibe os investimentos.
A falta de diálogo é outro ponto apontado por empresários para explicar seu afastamento do governo.
Nesse clima, nada têm de produtivo declarações como a do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que, ao se referir às críticas feitas ao governo pelo empresário Pedro Passos, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), disse que "empresário ficar fazendo beicinho não dá". Igualmente de nada adianta a presidente, seus auxiliares e dirigentes de seu partido chamarem os críticos do governo de "pessimistas" e até de "cara de pau". Se alguma consequência têm declarações desse tipo, é o acirramento das críticas.
Se pessimismo existe - e de fato existe, em intensidade crescente -, sua origem se deve ao mau desempenho da economia, que cresceu cerca de 2% no ano passado, e sua intensificação é alimentada pelas previsões de um crescimento igualmente desapontador em 2014, enquanto a inflação deve continuar alta. É nítida, entre os empresários e os economistas de instituições privadas, a percepção de que as medidas adotadas pelo governo Dilma para proteger a economia brasileira da crise mundial e preservar o crescimento já se esgotaram, sem terem produzido os efeitos prometidos.
Agora, o governo parece querer aproximar-se de seus críticos. A ida de Dilma ao Fórum Econômico Mundial, no mês passado, é parte da política de aproximação. O Fórum reúne anualmente, na cidade suíça de Davos, governantes de diferentes nações e dirigentes das maiores corporações internacionais para a análise das grandes questões internacionais. Dilma se recusava a participar dele, talvez por considerá-lo irrelevante. As críticas cada vez mais intensas no exterior ao seu governo devem tê-la convencido do contrário.
O anúncio, na semana passada, da nova meta de superávit primário é, até agora, a iniciativa mais concreta do governo para tentar reconstruir a credibilidade de sua política fiscal, seriamente abalada pelo uso frequente de manobras contábeis que distorcem os números reais. O governo quer eliminar dúvidas quanto à sua disposição de manter as finanças públicas sob controle. Também tenta afastar as incertezas com relação ao futuro próximo, que se disseminam interna e externamente e já afetam de maneira notável as decisões sobre investimentos no País.
As novas metas fiscais e os parâmetros em que elas se baseiam denotam maior realismo do governo. O superávit primário do setor público deverá ser de 1,9% do PIB, igual ao resultado obtido em 2013, mas menor do que os 2,1% do PIB prometidos no projeto de lei orçamentária enviado ao Congresso em agosto. O governo federal, que deverá alcançar superávit de 1,55%, compromete-se a cobrir parcialmente os resultados de Estados e municípios, caso estes não façam sua parte, equivalente a 0,35% do PIB, para compor a meta total de 1,9%.
A projeção de crescimento do PIB em 2014 foi reduzida de 3,8% (incluída na lei orçamentária deste ano) para 2,5%. É uma redução significativa, mas, ainda assim, a previsão é bem mais otimista do que a captada pela pesquisa semanal do Banco Central com economistas de instituições financeiras, de expansão de 1,79%. Com isso, também a projeção das receitas pode ser otimista demais.
Ao reduzir em R$ 6 bilhões as projeções de cobertura com recursos do Tesouro da desoneração da folha de salários, em R$ 6,7 bilhões as despesas com subsídios e subvenções e em R$ 1,4 bilhão os benefícios da Previdência, o governo começa a abandonar gradualmente sua política de incentivos fiscais para estimular o crescimento e o consumo.
Não parecem medidas suficientes para mudar o rumo na política fiscal - ainda mais porque já há indicações de que algumas metas podem não ser cumpridas - e restaurar a confiança do empresariado no governo. A reportagem publicada pelo Estado na quinta-feira, mostrando o grau de descontentamento de alguns dos maiores empresários do País, confirma o que membros do governo e o candidato petista ao governo de São Paulo, Alexandre Padilha, têm ouvido no meio empresarial. Para sorte do governo, pelo menos até agora a oposição não tem conseguido capitalizar politicamente esse descontentamento.
Os três anos de tumultuado relacionamento do governo de Dilma Rousseff com o empresariado podem ter destruído o que restava das lembranças dos tempos em que dirigentes empresariais dos diferentes segmentos da economia conviviam em relativa harmonia com as autoridades federais. Eram os tempos do governo Lula, e que só agora, no último ano de seu mandato e por isso um ano eleitoral, a presidente tenta reconstituir. Pode ser que ainda haja tempo, até a eleição, para ela reconquistar parte da confiança que, por ações ou omissões de seu governo, se esvaiu ao longo de seu mandato. Ainda que, por razões ideológicas, alguns de seus principais auxiliares continuem a desconfiar dos empresários - aos quais se referem apenas como os detentores do capital -, a presidente parece ter entendido que, sem a efetiva participação deles, os investimentos produtivos não crescerão nem a economia se expandirá na velocidade desejada.
São variados os motivos que, nos últimos três anos, foram afastando o empresariado do governo. Benefícios fiscais direcionados a determinados setores da economia podem ter agradado a uma parcela dos empresários, mas os pífios e limitados resultados dessa generosidade em termos de crescimento e geração de emprego desagradaram a outras, muitas outras.
Igualmente irritam os empreendedores os atrasos nos programas de expansão da infraestrutura - rodovias, portos, aeroportos, ferrovias, geração e transmissão de energia, por exemplo -, decorrentes de projetos deficientes, lentidão dos órgãos da área ambiental na concessão das necessárias licenças, critérios inadequados para a participação do capital privado, entre outros problemas. O ônus que os gargalos de infraestrutura impõem à produção inibe os investimentos.
A falta de diálogo é outro ponto apontado por empresários para explicar seu afastamento do governo.
Nesse clima, nada têm de produtivo declarações como a do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que, ao se referir às críticas feitas ao governo pelo empresário Pedro Passos, presidente do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), disse que "empresário ficar fazendo beicinho não dá". Igualmente de nada adianta a presidente, seus auxiliares e dirigentes de seu partido chamarem os críticos do governo de "pessimistas" e até de "cara de pau". Se alguma consequência têm declarações desse tipo, é o acirramento das críticas.
Se pessimismo existe - e de fato existe, em intensidade crescente -, sua origem se deve ao mau desempenho da economia, que cresceu cerca de 2% no ano passado, e sua intensificação é alimentada pelas previsões de um crescimento igualmente desapontador em 2014, enquanto a inflação deve continuar alta. É nítida, entre os empresários e os economistas de instituições privadas, a percepção de que as medidas adotadas pelo governo Dilma para proteger a economia brasileira da crise mundial e preservar o crescimento já se esgotaram, sem terem produzido os efeitos prometidos.
Agora, o governo parece querer aproximar-se de seus críticos. A ida de Dilma ao Fórum Econômico Mundial, no mês passado, é parte da política de aproximação. O Fórum reúne anualmente, na cidade suíça de Davos, governantes de diferentes nações e dirigentes das maiores corporações internacionais para a análise das grandes questões internacionais. Dilma se recusava a participar dele, talvez por considerá-lo irrelevante. As críticas cada vez mais intensas no exterior ao seu governo devem tê-la convencido do contrário.
O anúncio, na semana passada, da nova meta de superávit primário é, até agora, a iniciativa mais concreta do governo para tentar reconstruir a credibilidade de sua política fiscal, seriamente abalada pelo uso frequente de manobras contábeis que distorcem os números reais. O governo quer eliminar dúvidas quanto à sua disposição de manter as finanças públicas sob controle. Também tenta afastar as incertezas com relação ao futuro próximo, que se disseminam interna e externamente e já afetam de maneira notável as decisões sobre investimentos no País.
As novas metas fiscais e os parâmetros em que elas se baseiam denotam maior realismo do governo. O superávit primário do setor público deverá ser de 1,9% do PIB, igual ao resultado obtido em 2013, mas menor do que os 2,1% do PIB prometidos no projeto de lei orçamentária enviado ao Congresso em agosto. O governo federal, que deverá alcançar superávit de 1,55%, compromete-se a cobrir parcialmente os resultados de Estados e municípios, caso estes não façam sua parte, equivalente a 0,35% do PIB, para compor a meta total de 1,9%.
A projeção de crescimento do PIB em 2014 foi reduzida de 3,8% (incluída na lei orçamentária deste ano) para 2,5%. É uma redução significativa, mas, ainda assim, a previsão é bem mais otimista do que a captada pela pesquisa semanal do Banco Central com economistas de instituições financeiras, de expansão de 1,79%. Com isso, também a projeção das receitas pode ser otimista demais.
Ao reduzir em R$ 6 bilhões as projeções de cobertura com recursos do Tesouro da desoneração da folha de salários, em R$ 6,7 bilhões as despesas com subsídios e subvenções e em R$ 1,4 bilhão os benefícios da Previdência, o governo começa a abandonar gradualmente sua política de incentivos fiscais para estimular o crescimento e o consumo.
Não parecem medidas suficientes para mudar o rumo na política fiscal - ainda mais porque já há indicações de que algumas metas podem não ser cumpridas - e restaurar a confiança do empresariado no governo. A reportagem publicada pelo Estado na quinta-feira, mostrando o grau de descontentamento de alguns dos maiores empresários do País, confirma o que membros do governo e o candidato petista ao governo de São Paulo, Alexandre Padilha, têm ouvido no meio empresarial. Para sorte do governo, pelo menos até agora a oposição não tem conseguido capitalizar politicamente esse descontentamento.
FAT: crônica de falência anunciada - DANILO PIERI PEREIRA
CORREIO BRAZILIENSE - 24/02
Quando o assunto é a previdência social brasileira, torna-se quase impossível encontrar algum analista que duvide que, mais dia, menos dia, o governo federal de plantão terá de encarar a necessidade de uma reforma profunda. E que essa reforma levará à redução de benefícios, a exemplo do que ocorre em outros países, como França e Grécia.
A maior expectativa de vida da população e um excesso de tributos e custos trabalhistas nas folhas de pagamento, que dificultam a expansão da oferta formal de empregos (resultando, portanto, em menos contribuintes), são, claro, motivos fortes para a crise previdenciária brasileira. Mas poucos lembram que os cofres da previdência foram usados para finalidades no mínimo curiosas, como a construção de Brasília, nos anos 1960. Além disso, a Constituição Federal de 1988 assegurou aos agricultores em regime de economia familiar, aos pescadores e garimpeiros artesanais o acesso aos benefícios previdenciários independentemente de contribuição. Não há orçamento que resista a isso. Esses fatores, ao lado das fraudes constantes, contribuem muito para a quebra anunciada da previdência.
O mesmo vale para o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), criado em 1990 e que, a partir de contribuições, principalmente do PIS/Pasep, é responsável por dois programas fundamentais: o seguro-desemprego e o abono salarial. Além de destinar fundos para a capacitação profissional e para projetos do BNDES.
O governo federal prevê que, em 2014, o FAT acumule déficit de R$ 9,37 bilhões. Bem maior do que o buraco que hvua sido previsto para 2013, de R$ 7 bilhões. Os motivos macroeconômicos para isso incluem o aumento do seguro-desemprego, por conta da alta rotatividade do trabalhador no mercado de trabalho, da política de reajuste real do salário mínimo, que resulta na elevação do valor das parcelas do benefício, e do aumento nos rendimentos dos empregados, o que incrementa o número de parcelas do seguro. Outro fator importante foi a desoneração do sistema PIS-Pasep para as empresas que aderiram ao Simples, que causou a diminuição da arrecadação do tributo, principal fonte de recursos do FAT.
Entretanto, o maior problema de todos é o desvio de finalidade das verbas do FAT. Como ocorre com o doce-azedo de alguns frutos tropicais que só existem no Brasil, é difícil explicar ao investidor estrangeiro como uma "economia em crescimento" resulta justamente em tantos gastos com benefícios sociais próprios do desemprego. Uma das causa desse estranho fenômeno é o fato de que muitas vezes o dinheiro do FAT está literalmente indo "por água abaixo": O Fundo financia, por exemplo, o seguro-defeso, assistência financeira temporária concedida ao pescador artesanal, durante o período de reprodução das espécies, quando a pesca é proibida. O seguro disparou entre 2003 e 2012. E, sabe-se agora, ocorreram inúmeros pagamentos indevidos em diversos estados, inclusive a pedreiros, taxistas e donas de casa, os quais - nessas águas turvas e lamacentas - jamais tiveram algo "a ver com o peixe".
A fortuna do FAT (orçamento de R$ 67,2 bilhões para 2014) é controlada de forma tripartite pelo governo, pelas confederações empresariais e pelas centrais sindicais, em sistema de revezamento. Em 2009, o Ministério do Trabalho tentou acabar com essa forma de gestão e se manter no comando, tendo o então Ministro Lupi sido o patrono de duas novas confederações (de empresas de Serviço e de Turismo) para continuar - ainda que indiretamente - na administração do pote de ouro quando o bastão deveria, pela regra, ser passado à CNA. Atualmente o Fundo é administrado pelo conselheiro da CUT Quintino Severo.
O dinheiro do FAT destinado à capacitação profissional (R$ 1,1 bilhão em 2012) é um dos grandes atrativos que governos federais e estaduais oferecem para que partidos aliados assumam o Ministério ou secretarias do Trabalho. Basta conferir quantas secretarias de Estado do Trabalho são controladas por dirigentes sindicais. São muitas.
Convém lembrar que em 2011, após extrema pressão, a presidente Dilma demitiu sete ministros acusados de corrupção, inclusive o próprio ministro do Trabalho Carlos Lupi, que havia sido nomeado para pasta pelo governo Lula como forma de sedimentar a aliança com o PDT.
Segundo apurou a Polícia Federal à época, mais de R$ 12 milhões foram destinados a empresas fantasmas de capacitação profissional, atribuição que constitucionalmente é obrigação do Estado e não de entidades particulares, aliás.
A conclusão é simples: ou a sociedade desnuda de vez essa ação entre amigos na gestão do FAT, ou o destino do Fundo será o mesmo da Previdência. E, em poucos anos, não haverá um analista sequer que discorde da necessidade de reduzir o seguro-desemprego ou o abono salarial. E nos resignaremos a mais uma falência. Tão anunciada como a falência da previdência social.
Quando o assunto é a previdência social brasileira, torna-se quase impossível encontrar algum analista que duvide que, mais dia, menos dia, o governo federal de plantão terá de encarar a necessidade de uma reforma profunda. E que essa reforma levará à redução de benefícios, a exemplo do que ocorre em outros países, como França e Grécia.
A maior expectativa de vida da população e um excesso de tributos e custos trabalhistas nas folhas de pagamento, que dificultam a expansão da oferta formal de empregos (resultando, portanto, em menos contribuintes), são, claro, motivos fortes para a crise previdenciária brasileira. Mas poucos lembram que os cofres da previdência foram usados para finalidades no mínimo curiosas, como a construção de Brasília, nos anos 1960. Além disso, a Constituição Federal de 1988 assegurou aos agricultores em regime de economia familiar, aos pescadores e garimpeiros artesanais o acesso aos benefícios previdenciários independentemente de contribuição. Não há orçamento que resista a isso. Esses fatores, ao lado das fraudes constantes, contribuem muito para a quebra anunciada da previdência.
O mesmo vale para o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), criado em 1990 e que, a partir de contribuições, principalmente do PIS/Pasep, é responsável por dois programas fundamentais: o seguro-desemprego e o abono salarial. Além de destinar fundos para a capacitação profissional e para projetos do BNDES.
O governo federal prevê que, em 2014, o FAT acumule déficit de R$ 9,37 bilhões. Bem maior do que o buraco que hvua sido previsto para 2013, de R$ 7 bilhões. Os motivos macroeconômicos para isso incluem o aumento do seguro-desemprego, por conta da alta rotatividade do trabalhador no mercado de trabalho, da política de reajuste real do salário mínimo, que resulta na elevação do valor das parcelas do benefício, e do aumento nos rendimentos dos empregados, o que incrementa o número de parcelas do seguro. Outro fator importante foi a desoneração do sistema PIS-Pasep para as empresas que aderiram ao Simples, que causou a diminuição da arrecadação do tributo, principal fonte de recursos do FAT.
Entretanto, o maior problema de todos é o desvio de finalidade das verbas do FAT. Como ocorre com o doce-azedo de alguns frutos tropicais que só existem no Brasil, é difícil explicar ao investidor estrangeiro como uma "economia em crescimento" resulta justamente em tantos gastos com benefícios sociais próprios do desemprego. Uma das causa desse estranho fenômeno é o fato de que muitas vezes o dinheiro do FAT está literalmente indo "por água abaixo": O Fundo financia, por exemplo, o seguro-defeso, assistência financeira temporária concedida ao pescador artesanal, durante o período de reprodução das espécies, quando a pesca é proibida. O seguro disparou entre 2003 e 2012. E, sabe-se agora, ocorreram inúmeros pagamentos indevidos em diversos estados, inclusive a pedreiros, taxistas e donas de casa, os quais - nessas águas turvas e lamacentas - jamais tiveram algo "a ver com o peixe".
A fortuna do FAT (orçamento de R$ 67,2 bilhões para 2014) é controlada de forma tripartite pelo governo, pelas confederações empresariais e pelas centrais sindicais, em sistema de revezamento. Em 2009, o Ministério do Trabalho tentou acabar com essa forma de gestão e se manter no comando, tendo o então Ministro Lupi sido o patrono de duas novas confederações (de empresas de Serviço e de Turismo) para continuar - ainda que indiretamente - na administração do pote de ouro quando o bastão deveria, pela regra, ser passado à CNA. Atualmente o Fundo é administrado pelo conselheiro da CUT Quintino Severo.
O dinheiro do FAT destinado à capacitação profissional (R$ 1,1 bilhão em 2012) é um dos grandes atrativos que governos federais e estaduais oferecem para que partidos aliados assumam o Ministério ou secretarias do Trabalho. Basta conferir quantas secretarias de Estado do Trabalho são controladas por dirigentes sindicais. São muitas.
Convém lembrar que em 2011, após extrema pressão, a presidente Dilma demitiu sete ministros acusados de corrupção, inclusive o próprio ministro do Trabalho Carlos Lupi, que havia sido nomeado para pasta pelo governo Lula como forma de sedimentar a aliança com o PDT.
Segundo apurou a Polícia Federal à época, mais de R$ 12 milhões foram destinados a empresas fantasmas de capacitação profissional, atribuição que constitucionalmente é obrigação do Estado e não de entidades particulares, aliás.
A conclusão é simples: ou a sociedade desnuda de vez essa ação entre amigos na gestão do FAT, ou o destino do Fundo será o mesmo da Previdência. E, em poucos anos, não haverá um analista sequer que discorde da necessidade de reduzir o seguro-desemprego ou o abono salarial. E nos resignaremos a mais uma falência. Tão anunciada como a falência da previdência social.
Estouro Da boiada - PAULO GUEDES
O GLOBO - 24/02
O ministro da Fazenda acaba de anunciar cortes orçamentários de 44 bilhões de reais. E examina o aumento de impostos para indicar seu compromisso com a geração de superávit fiscal de 1,9% do produto interno bruto para pagamento dos juros da dívida pública. O presidente do Banco Central, por sua vez, continua elevando os juros na tentativa de reafirmar seu compromisso com as metas anuais de inflação.
A equipe econômica está mudando sua política. Antes que a presidente mudasse de equipe, ou que o país tenha de mudar de presidente. A política monetária hesitante e a política fiscal frouxa até então praticadas muito contribuíram para a formação de expectativas adversas. Subiram as previsões inflacionárias, as taxas de juros, os pedidos de reajuste salarial e a incerteza na economia, derrubando os investimentos, a taxa de crescimento e a criação de empregos.
O alinhamento de Dilma com o corte de gastos e a alta de juros em pleno ano eleitoral, bem como o maior compromisso de Mantega e Tombini com o cumprimento de metas fiscais e monetárias, certamente contribuem para o resfriamento das expectativas adversas. Mas, tão importante quanto a mudança de política econômica já ensaiada pelo Banco Central e agora anunciada pela Fazenda, é a credibilidade das autoridades quanto à sua implementação.
Um governo em início de mandato com o presidente e sua equipe econômica comprometidos com metas fiscais e monetárias reduziria dramaticamente a incerteza, alongando os horizontes de investimento, derrubando as expectativas de inflação, projetando trajetórias futuras de juros reais declinantes e estimulando a reaceleração econômica.
Estamos, ao contrário, em fim de mandato. A presidente e sua equipe não demonstraram grandes preocupações com tais metas nos anos anteriores. Os esforços recentes para a reestabilização da economia não são apreciados pelo próprio governo. São práticas transitórias e defensivas, apenas para evitar a impopularidade que viria com a disparada inflacionária e a desestabilização da economia. Mas são claramente passos na direção correta. O problema é que ano eleitoral, para a classe política, é o estouro da boiada. A disposição de controlar gastos anunciada pelo governo merece tanto mais apoio quanto maior nosso ceticismo.
A equipe econômica está mudando sua política. Antes que a presidente mudasse de equipe, ou que o país tenha de mudar de presidente. A política monetária hesitante e a política fiscal frouxa até então praticadas muito contribuíram para a formação de expectativas adversas. Subiram as previsões inflacionárias, as taxas de juros, os pedidos de reajuste salarial e a incerteza na economia, derrubando os investimentos, a taxa de crescimento e a criação de empregos.
O alinhamento de Dilma com o corte de gastos e a alta de juros em pleno ano eleitoral, bem como o maior compromisso de Mantega e Tombini com o cumprimento de metas fiscais e monetárias, certamente contribuem para o resfriamento das expectativas adversas. Mas, tão importante quanto a mudança de política econômica já ensaiada pelo Banco Central e agora anunciada pela Fazenda, é a credibilidade das autoridades quanto à sua implementação.
Um governo em início de mandato com o presidente e sua equipe econômica comprometidos com metas fiscais e monetárias reduziria dramaticamente a incerteza, alongando os horizontes de investimento, derrubando as expectativas de inflação, projetando trajetórias futuras de juros reais declinantes e estimulando a reaceleração econômica.
Estamos, ao contrário, em fim de mandato. A presidente e sua equipe não demonstraram grandes preocupações com tais metas nos anos anteriores. Os esforços recentes para a reestabilização da economia não são apreciados pelo próprio governo. São práticas transitórias e defensivas, apenas para evitar a impopularidade que viria com a disparada inflacionária e a desestabilização da economia. Mas são claramente passos na direção correta. O problema é que ano eleitoral, para a classe política, é o estouro da boiada. A disposição de controlar gastos anunciada pelo governo merece tanto mais apoio quanto maior nosso ceticismo.
Um morto e alguns "vivíssimos" - PAULO BROSSARD
ZERO HORA - 24/02
O nomeado poderia ser tudo, menos pessoa de “ilibada reputação e notória capacidade”
Foi enorme a repercussão do caso Pizzolato e não poderia deixar de ser, envolvia um diretor do Banco do Brasil, que pertence ao Brasil, pois a União Federal é seu maior acionista.
O caso foi esquadrinhado e divulgado, de modo que não vou me ocupar dele; vou partir do fato, que também se tornou público, que o famigerado fraudador, sucessivamente ou concomitantemente, tanto era diretor do Banco como figura de proa do esquema do mensalão.
Tornou-se igualmente público que, quando o escândalo do mensalão ganhou as galas da publicidade, um dos implicados sentiu o alcance da investigação do inquérito policial e a inevitabilidade da consequente instauração da ação penal e, desde então, cuidou de elaborar um plano pelo qual pudesse evadir-se do poder da Justiça, enquanto os restantes parecem não terem dado a devida importância ao caso, pois ainda depois da condenação do maior número dos investigados, eles exibiam seu descoco ao insultar a Justiça em geral e, em particular, o Supremo Tribunal Federal que os condenara.
Enquanto o processo criminal avançava, o ágil falsificador ressuscitava um irmão para fabricar documentos com o nome do morto, para uso do vivíssimo falsário. Sem deixar de ser Henrique, também passou a ser Celso, ambos com o mesmo sobrenome. E, quando procurado para ser recolhido à prisão, fazia algum tempo que percorrera tortuoso caminho que o levara a instalar-se na Itália.
Até 2002, o bancário e sindicalista Pizzolato concentrava sua atividade na Previ do Banco do Brasil, mas em meados desse ano passou a dedicar-se inteiramente a operar área financeira da campanha do candidato Luiz Inácio, tendo como companheiro Delúbio Soares. Luiz Inácio foi eleito para seu primeiro quadriênio; logo no início dele, a 17 de fevereiro de 2003, Pizzolato assumia o cargo de Diretor de Marketing e Comunicação do Banco do Brasil, onde permaneceu até 24 de julho de 2005, quando se aposentou e se desligou do banco. O escândalo do “mensalão” entrava em combustão. De 17 de fevereiro 2003 a 24 de julho de 2005, Pizzolato foi diretor do Banco do Brasil, e nesse período o “mensalão” foi concebido e entrou em execução.
Tendo em vista e em se tratando de instituições financeiras públicas, compete ao presidente da República nomear o presidente e diretores do Banco do Brasil dentre pessoas de reputação ilibada e capacidade notória, como manda a lei. É de concluir-se que Henrique Pizzolato tenha sido nomeado pelo senhor presidente da República. De qualquer sorte, dir-se-á que o presidente não pode fazer investigações pessoais sobre todos os que tem de nomear, mas, também óbvio, que o mesmo tenha auxiliares capazes para fazer este levantamento de caráter personalíssimo em relação a quantos deva nomear, pessoas de sua absoluta confiança e em cujo juízo possa se basear.
A surpresa foi de tal monta que o nomeado tomou a iniciativa de aposentar-se e desligar-se do banco, tão logo iniciava a investigação do caso, e possivelmente por em prática a elaboração do plano de sumiço; vale salientar que foi o único a evadir-se. Ainda agora o líder do PT, na Tribuna da Câmara dos Deputados, disse duras palavras a respeito do fugitivo e foi explícito ao sustentar que, enquanto o PT vinha se esforçando em desqualificar o julgamento judicial, o fugitivo dava testemunho da legitimidade do desfecho.
Enfim, se o ladino diretor de Marketing foi realmente nomeado pelo presidente da República, de todo o esforço se verifica à evidência que a autoridade suprema deixou de usar da exação que a lei lhe impõe, para retribuir ao correligionário pelos serviços na esfera financeira da campanha eleitoral; desse modo se evidencia que as atribuições mais relevantes podem ser praticadas pelos critérios mais ordinários, uma vez que o nomeado poderia ser tudo, menos pessoa de “ilibada reputação e notória capacidade”.
Quem manda no governo Dilma - RICARDO NOBLAT
O GLOBO - 24/02
"Maduro, presidente da Venezuela, cairá de podre"
Que time se arriscaria a perder o campeonato mantendo no banco de reservas o maior craque de todos os tempos? Exagero. Houve craques tão bons quanto Lula. Por exemplo: Getúlio Vargas, o pai de todos os pobres. E Juscelino Kubitschek, o pai de Brasília. Fernando Henrique, o carrasco da inflação, não pode ficar de fora dessa lista. Elegeu-se e se reelegeu direto no primeiro turno derrotando... Quem?
A MAIS RECENTE RODADA de pesquisas mostrou que Dilma se mantém com 40% a 43% das intenções de votos. Caso a eleição fosse hoje, se reelegeria folgadamente.
Daí que Lula continuará sentado no banco de reservas. Só levantará se Dilma estiver a perigo. Pois como justificar a troca de Dilma por Lula se Dilma segue liderando as pesquisas?
CORRE A LENDA que Lula manda em Dilma. Pura lenda. "Ninguém governa governador", disse Agamenon Magalhães, governador de Pernambuco nos anos 50 do século passado. Ninguém preside presidente. Quando Dilma e Lula não se entendem, Dilma faz o que quer. A escolha de Ademar Chioro para ministro da Saúde é um bom exemplo.
LULA E O PT tinham outros nomes para o lugar. Mas Dilma conhecera Chioro ao visitar São Bernardo em dezembro último e gostara de suas ideias. Chioro era secretário municipal de Saúde. Como Lula e o PT poderiam barrar a promoção dele a ministro? Até que poderiam. Não conseguiram.
PARA QUEM VÊ Dilma como uma boba, ela é esperta e aprende rápido. Havia sido esperta ao preencher a vaga de ministro do Supremo tribunal Federal (STF) hoje ocupada pelo jurista gaúcho Teori Zavascki.
Primeiro, sugeriu a Lula um nome ligado a ele e a ela - o do advogado Sigmaringa Seixas. Lula comentou que Sigmaringa recusaria o convite como recusara de outras vezes.
À FALTA DE acordo, Dilma sacou do bolso o nome de Teori. Assim como antes sacara o nome de Luiz Fux também para uma vaga no STF. Fux não inspirava confiança em Lula. Os mensaleiros eram contra sua nomeação. Achavam que Fux acabaria votando para condená-los. Foi o que aconteceu. A criatura costuma se rebelar contra o criador. Dilma não se rebelou.
Nem se limita a cumprir as ordens do criador.
---
Para registro da História
Aécio Neves (PSDB) já esteve mais próximo de se eleger presidente da República do que está. No final de 2005, o escândalo do mensalão ameaçava derrubar o governo. Foi quando Aécio, governador de Minas, meteu-se em negociações para garantir que Lula completasse o mandato.
Aos íntimos, Lula confessou que seu plano B seria montar uma coligação de partidos destinada a apoiar a candidatura de Aécio à sua vaga. Para isso, Aécio teria que trocar o PSDB pelo PMDB.
Não precisou. Afinal, Lula se recuperou. E se reelegeu com folga no ano seguinte.
---
A pergunta do Papa
Dilma contou o que pediu sexta-feira a Francisco, em visita oficial ao Vaticano, onde participou da cerimônia que oficializou como cardeal dom Orani Tempesta. Pediu que Francisco se mantivesse neutro quando os interesses da seleção argentina conflitassem com os interesses da seleção brasileira.
Ela não contou que seu pedido foi motivado por um comentário do Papa argentino ao receber de presente uma camisa da seleção autografada por Pelé. "Mas eu não tenho que torcer pelo Brasil, tenho?"
A MAIS RECENTE RODADA de pesquisas mostrou que Dilma se mantém com 40% a 43% das intenções de votos. Caso a eleição fosse hoje, se reelegeria folgadamente.
Daí que Lula continuará sentado no banco de reservas. Só levantará se Dilma estiver a perigo. Pois como justificar a troca de Dilma por Lula se Dilma segue liderando as pesquisas?
CORRE A LENDA que Lula manda em Dilma. Pura lenda. "Ninguém governa governador", disse Agamenon Magalhães, governador de Pernambuco nos anos 50 do século passado. Ninguém preside presidente. Quando Dilma e Lula não se entendem, Dilma faz o que quer. A escolha de Ademar Chioro para ministro da Saúde é um bom exemplo.
LULA E O PT tinham outros nomes para o lugar. Mas Dilma conhecera Chioro ao visitar São Bernardo em dezembro último e gostara de suas ideias. Chioro era secretário municipal de Saúde. Como Lula e o PT poderiam barrar a promoção dele a ministro? Até que poderiam. Não conseguiram.
PARA QUEM VÊ Dilma como uma boba, ela é esperta e aprende rápido. Havia sido esperta ao preencher a vaga de ministro do Supremo tribunal Federal (STF) hoje ocupada pelo jurista gaúcho Teori Zavascki.
Primeiro, sugeriu a Lula um nome ligado a ele e a ela - o do advogado Sigmaringa Seixas. Lula comentou que Sigmaringa recusaria o convite como recusara de outras vezes.
À FALTA DE acordo, Dilma sacou do bolso o nome de Teori. Assim como antes sacara o nome de Luiz Fux também para uma vaga no STF. Fux não inspirava confiança em Lula. Os mensaleiros eram contra sua nomeação. Achavam que Fux acabaria votando para condená-los. Foi o que aconteceu. A criatura costuma se rebelar contra o criador. Dilma não se rebelou.
Nem se limita a cumprir as ordens do criador.
---
Para registro da História
Aécio Neves (PSDB) já esteve mais próximo de se eleger presidente da República do que está. No final de 2005, o escândalo do mensalão ameaçava derrubar o governo. Foi quando Aécio, governador de Minas, meteu-se em negociações para garantir que Lula completasse o mandato.
Aos íntimos, Lula confessou que seu plano B seria montar uma coligação de partidos destinada a apoiar a candidatura de Aécio à sua vaga. Para isso, Aécio teria que trocar o PSDB pelo PMDB.
Não precisou. Afinal, Lula se recuperou. E se reelegeu com folga no ano seguinte.
---
A pergunta do Papa
Dilma contou o que pediu sexta-feira a Francisco, em visita oficial ao Vaticano, onde participou da cerimônia que oficializou como cardeal dom Orani Tempesta. Pediu que Francisco se mantivesse neutro quando os interesses da seleção argentina conflitassem com os interesses da seleção brasileira.
Ela não contou que seu pedido foi motivado por um comentário do Papa argentino ao receber de presente uma camisa da seleção autografada por Pelé. "Mas eu não tenho que torcer pelo Brasil, tenho?"
Diplomacia à deriva - AÉCIO NEVES
FOLHA DE SP - 24/02
O Brasil perdeu mais uma oportunidade histórica de se colocar à altura de seu papel de liderança no continente.
Com a crise política, econômica e social na Venezuela e a escalada crescente da violência e a ameaça real à estabilidade institucional do país, esperava-se do governo brasileiro uma ação diplomática pró-ativa e firme, coerente com a tradição centenária do Itamaraty, pautada no respeito aos direitos humanos, à defesa da liberdade e da democracia.
Ao assinar as notas do Mercosul e do Unasul que emprestam respaldo ao presidente Nicolás Maduro, o Brasil ignora as respostas que o governo venezuelano tem dado às manifestações de protesto, com flagrante repressão contra toda e qualquer oposição ao regime e o cerceamento ostensivo à liberdade de expressão. Soma-se à vocação autoritária do chavismo uma grave instabilidade econômica, com a maior inflação da América Latina (57%) e a menor taxa de crescimento (1,1%). Arruinado pela má gestão, o país expõe seus cidadãos a uma rotina de escassez de alimentos e de energia.
No lugar de oferecer colaboração institucional para a promoção do diálogo entre as forças políticas em conflito, o Brasil submete sua política externa às conveniências ideológicas, deixando de representar os interesses permanentes do Estado brasileiro para defender o ideário do governo de plantão.
Longe de ser um fato isolado, a posição se inscreve no rol de desacertos desde que o governo impôs à atuação da Chancelaria o viés partidário. Nunca é demais lembrar episódios como a aceitação dócil da expropriação das refinarias da Petrobras em Santa Cruz, em 2006; a deportação dos boxeadores cubanos nos Jogos Pan-Americanos de 2007 e o tratamento dado ao senador boliviano exilado na Embaixada em La Paz. Onde está a coerência com a atitude adotada na crise paraguaia, em que foi invocada a cláusula democrática do Mercosul? Por afinidades ideológicas, o Brasil está deixando de assumir suas responsabilidades internacionais também na questão dos direitos humanos.
A partidarização da política externa tem consequências também na política de comércio exterior. As crises na Venezuela e na Argentina, pela passividade da reação do Itamaraty, estão trazendo prejuízos à credibilidade do governo brasileiro e às empresas nacionais que encontram barreiras para exportar e grandes dificuldades para receber seus pagamentos.
O mundo desconfia do Brasil, e não é à toa. Pouco adianta a presidente da República reafirmar no concerto internacional a posição do Brasil como país aberto, democrático, que respeita as regras internacionais, se, na prática, damos guarida a governos autoritários que desprezam a democracia e o Estado de Direito.
O Brasil perdeu mais uma oportunidade histórica de se colocar à altura de seu papel de liderança no continente.
Com a crise política, econômica e social na Venezuela e a escalada crescente da violência e a ameaça real à estabilidade institucional do país, esperava-se do governo brasileiro uma ação diplomática pró-ativa e firme, coerente com a tradição centenária do Itamaraty, pautada no respeito aos direitos humanos, à defesa da liberdade e da democracia.
Ao assinar as notas do Mercosul e do Unasul que emprestam respaldo ao presidente Nicolás Maduro, o Brasil ignora as respostas que o governo venezuelano tem dado às manifestações de protesto, com flagrante repressão contra toda e qualquer oposição ao regime e o cerceamento ostensivo à liberdade de expressão. Soma-se à vocação autoritária do chavismo uma grave instabilidade econômica, com a maior inflação da América Latina (57%) e a menor taxa de crescimento (1,1%). Arruinado pela má gestão, o país expõe seus cidadãos a uma rotina de escassez de alimentos e de energia.
No lugar de oferecer colaboração institucional para a promoção do diálogo entre as forças políticas em conflito, o Brasil submete sua política externa às conveniências ideológicas, deixando de representar os interesses permanentes do Estado brasileiro para defender o ideário do governo de plantão.
Longe de ser um fato isolado, a posição se inscreve no rol de desacertos desde que o governo impôs à atuação da Chancelaria o viés partidário. Nunca é demais lembrar episódios como a aceitação dócil da expropriação das refinarias da Petrobras em Santa Cruz, em 2006; a deportação dos boxeadores cubanos nos Jogos Pan-Americanos de 2007 e o tratamento dado ao senador boliviano exilado na Embaixada em La Paz. Onde está a coerência com a atitude adotada na crise paraguaia, em que foi invocada a cláusula democrática do Mercosul? Por afinidades ideológicas, o Brasil está deixando de assumir suas responsabilidades internacionais também na questão dos direitos humanos.
A partidarização da política externa tem consequências também na política de comércio exterior. As crises na Venezuela e na Argentina, pela passividade da reação do Itamaraty, estão trazendo prejuízos à credibilidade do governo brasileiro e às empresas nacionais que encontram barreiras para exportar e grandes dificuldades para receber seus pagamentos.
O mundo desconfia do Brasil, e não é à toa. Pouco adianta a presidente da República reafirmar no concerto internacional a posição do Brasil como país aberto, democrático, que respeita as regras internacionais, se, na prática, damos guarida a governos autoritários que desprezam a democracia e o Estado de Direito.
Direito dos outros, o nome da paz - EDMÍLSON CAMINHA
CORREIO BRAZILIENSE - 24/02
Nome: Edmílson Sobreira Caminha Júnior. RG: 2002010060143 - SSP, CE. CPF: 048698853-87. Quero identificar-me porque não tenho nada a esconder, segundo a velha máxima do quem não deve não teme. Se saísse às ruas para um ato público, iria com certeza de rosto descoberto, para dizer o que penso, para exercer responsavelmente o direito que tenho à liberdade e à cidadania, como o faço agora. Parece-me suspeito quem se esconde por trás de máscaras, quem não é corajoso o bastante para assumir o que faz e o que diz, quem julga equivocadamente defender a democracia com pedras, pedaços de pau, coquetéis molotov e rojões, ainda que os acenda com a ilusão tola de que são cabeças de nego.
"Esses jovens vivem na pobreza, são marginalizados pelos poderosos, explorados pelos ricos, aceitam dinheiro para participar de manifestações porque não conseguem trabalhar." Tanto pior, por dois motivos graves: a alienação é tal que se reduzem a massa de manobra, que se deixam manipular, na outra ponta do cordel, por figuras sinistras que agem à sombra, crentes de que o poder político e a força econômica os manterão a salvo da lei e da justiça. Não percamos a oportunidade histórica de investigar esse conluio tenebroso, por mais dolorosas que sejam as descobertas, por mais prestígio que tenham os financiadores, por mais surpreendente que seja a autoria intelectual do crime.
"Eu só quero um Brasil melhor", disse Caio de Souza. Ele e todos os brasileiros de bem, dispostos a estudar e a trabalhar por um futuro que se alicerce na dignidade humana, na justiça social e na cidadania plena a que o povo tem direito. Também me revolto com a absoluta ausência de princípios morais e éticos dos que entre nós são eleitos para legislar e governar com decência; também me enfureço com os candidatos para quem a política não é mais do que a luta pelo poder e, em se chegando a ele, ser capaz de tudo para não largar o osso; também não aceito a mistificação dos nossos partidos políticos, cujas siglas são de tal maneira insignificantes que parecem aleatoriamente colhidas em uma sopa de letrinhas; também me rebelo contra a corrupção institucionalizada; também exijo que o Estado cumpra os deveres que lhe competem - saúde, educação, segurança pública, transporte coletivo, saneamento básico, totalmente caóticos no Brasil de hoje.
Também quero, Fábio e Caio, um Brasil melhor, mas não à força de manifestações que fecham ruas, incendeiam ônibus e ameaçam pedestres e motoristas; que depredam o patrimônio público e destroem a propriedade privada; que tentam a invasão de ministérios; que queimam pessoas e tiram a vida de homens e mulheres que trabalham. Para atingir os 61 anos a que cheguei, fui adolescente, fui jovem como os Caios e os Fábios, que são, hoje, a própria imagem da inconsciência e do medo, e nem sequer me passou pela cabeça a hipótese da violência como alternativa de reivindicação, como método de trabalho. Concordo com Ruy Castro: "Há algo de monstruoso em quem dispara um rojão em meio a uma multidão, indiferente ao que pode acontecer. Alguém fracassou na formação desses indivíduos".
Benito Juárez, indígena pobre que foi cinco vezes presidente do México, certa vez disse, com a despojada sabedoria dos homens verdadeiramente grandes: "O respeito ao direito dos outros é a paz". Por que não esse caminho, em vez da ameaça, da agressão e da violência que já nos transformaram em um país pior? Sintam-se, os Caios e Fábios que estão nas ruas, convocados para gigantescas manifestações no Brasil inteiro, em 5 de outubro - silenciosas mas eloquentes, pacíficas mas revolucionárias -, com segunda convocação já marcada para o dia 26. Nelas, teremos direito ao mais poderoso instrumento de protesto que pode usar o povo brasileiro. Chama-se voto.
"Esses jovens vivem na pobreza, são marginalizados pelos poderosos, explorados pelos ricos, aceitam dinheiro para participar de manifestações porque não conseguem trabalhar." Tanto pior, por dois motivos graves: a alienação é tal que se reduzem a massa de manobra, que se deixam manipular, na outra ponta do cordel, por figuras sinistras que agem à sombra, crentes de que o poder político e a força econômica os manterão a salvo da lei e da justiça. Não percamos a oportunidade histórica de investigar esse conluio tenebroso, por mais dolorosas que sejam as descobertas, por mais prestígio que tenham os financiadores, por mais surpreendente que seja a autoria intelectual do crime.
"Eu só quero um Brasil melhor", disse Caio de Souza. Ele e todos os brasileiros de bem, dispostos a estudar e a trabalhar por um futuro que se alicerce na dignidade humana, na justiça social e na cidadania plena a que o povo tem direito. Também me revolto com a absoluta ausência de princípios morais e éticos dos que entre nós são eleitos para legislar e governar com decência; também me enfureço com os candidatos para quem a política não é mais do que a luta pelo poder e, em se chegando a ele, ser capaz de tudo para não largar o osso; também não aceito a mistificação dos nossos partidos políticos, cujas siglas são de tal maneira insignificantes que parecem aleatoriamente colhidas em uma sopa de letrinhas; também me rebelo contra a corrupção institucionalizada; também exijo que o Estado cumpra os deveres que lhe competem - saúde, educação, segurança pública, transporte coletivo, saneamento básico, totalmente caóticos no Brasil de hoje.
Também quero, Fábio e Caio, um Brasil melhor, mas não à força de manifestações que fecham ruas, incendeiam ônibus e ameaçam pedestres e motoristas; que depredam o patrimônio público e destroem a propriedade privada; que tentam a invasão de ministérios; que queimam pessoas e tiram a vida de homens e mulheres que trabalham. Para atingir os 61 anos a que cheguei, fui adolescente, fui jovem como os Caios e os Fábios, que são, hoje, a própria imagem da inconsciência e do medo, e nem sequer me passou pela cabeça a hipótese da violência como alternativa de reivindicação, como método de trabalho. Concordo com Ruy Castro: "Há algo de monstruoso em quem dispara um rojão em meio a uma multidão, indiferente ao que pode acontecer. Alguém fracassou na formação desses indivíduos".
Benito Juárez, indígena pobre que foi cinco vezes presidente do México, certa vez disse, com a despojada sabedoria dos homens verdadeiramente grandes: "O respeito ao direito dos outros é a paz". Por que não esse caminho, em vez da ameaça, da agressão e da violência que já nos transformaram em um país pior? Sintam-se, os Caios e Fábios que estão nas ruas, convocados para gigantescas manifestações no Brasil inteiro, em 5 de outubro - silenciosas mas eloquentes, pacíficas mas revolucionárias -, com segunda convocação já marcada para o dia 26. Nelas, teremos direito ao mais poderoso instrumento de protesto que pode usar o povo brasileiro. Chama-se voto.
O reino dos interesses e a política - LUIZ WERNECK VIANNA
O Estado de S.Paulo - 24/02
É preciso ser um incréu empedernido para não reconhecer a presença do fato político nas manifestações das jornadas de junho, tomando-as como um mero episódio da vida juvenil e de suas vicissitudes nas grandes metrópoles brasileiras. Sob esse viés, aqueles massivos acontecimentos, que suspenderam a marcha conhecida do nosso cotidiano com o registro da surpresa e do espanto, pertenceriam ao reino da Sociologia e da Antropologia Social. Decerto que os recursos dessas disciplinas para a observação de eventos desse tipo são, além de próprios, absolutamente necessários. Mas a eles não pode faltar, para que a narrativa seja compreensiva, uma abordagem política da cena especificamente brasileira. Sobretudo pela recusa manifesta dos personagens envolvidos em admitir a presença de partidos e personalidades políticas em seus atos de protesto. Admissão tácita de que se queria outra política.
Com as jornadas de junho, sob um governo há mais de uma década sob a hegemonia de um partido saído das fileiras da esquerda, constatou-se, à vista de todos, sua falta de vínculos com a juventude e a vida popular. E isso malgrado seus êxitos em sua política de inclusão social e de relativo sucesso, especialmente no mundo agrário, de modernização da economia. Estava ali, nas ruas, no clamor pela democratização das políticas públicas e por maior participação na definição dos seus rumos, o sintoma evidente de que nos encontramos no fim de um longo ciclo da política brasileira, qual seja, o da modernização.
Com efeito, tudo traduzido, o que a sociedade expressava era seu desconforto contra tudo isso que está aí. Desconforto provocado pela profunda dissidência entre as palavras e as coisas, assim enquanto as leis vêm assegurando inéditas garantias em termos de liberdades civis e públicas, enquanto as manifestações dos três Poderes republicanos reverenciam ideais de igualdade social, uma sociedade transfigurada por alterações de largo alcance em sua composição demográfica e estrutura de classes e ocupacionais não encontra na esfera pública, que se apresenta como uma reserva de poucos, canais a fim de que possa exigir a satisfação dessas promessas igualitárias.
A intensa energia da vida associativa, inclusive dos seus setores subalternos, e de sua rica e poliforme vida mercantil não se faz presente no sistema dos partidos, a não ser fragmentariamente. Quem vocaliza o empresariado paulista, o mais robusto do País, é a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), um órgão corporativo, assim como é a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) que exerce esse papel em nome dos interesses do agronegócio, uma das locomotivas atuais do capitalismo brasileiro. Quanto aos setores subalternos do campo, é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), apartidário por opção, que se arvora em assumir essa representação. Os casos desse tipo se multiplicam e dispensam, porque notórios, ser listados. No caso, ainda chama a atenção a prática de boa parte dessas entidades ou de seus membros de favorecerem com doações partidos rivais nas disputas eleitorais.
Esse não é um registro trivial, uma vez que o usual em sociedades democráticas, em particular nas que vivem sob organização capitalista, é que o reino dos interesses não seja refratário - na escala em que é aqui - ao sistema de partidos. Sem eles os partidos perdem identidade e vínculos com a sociedade, tendendo a se comportar como máquinas orientadas para a sua própria reprodução. Essa patologia brasileira não é recente e, paradoxalmente, encontrou no PT antes de se tornar governo um dos principais arautos desse mal, como em suas críticas tanto ao sindicalismo nascido da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que abafaria a livre expressão dos conflitos entre o capital e o trabalho, quanto ao nacional-desenvolvimentismo, que ataria politicamente a sociedade aos desígnios do Estado.
Fora de controvérsia que os governos do PT deram nova vida a essas duas políticas, reforçando a primeira com a legislação sobre as centrais sindicais e fazendo da segunda o Leitmotiv da sua linha de ação governamental. O presidencialismo de coalizão - prática que herdou de governos anteriores, simulacro de um parlamentarismo de fantasia a camuflar a soberania do Poder Executivo sobre o Legislativo - consistiu na modelagem política que lhe permitiu o movimento de camaleão de se apresentar como novo condutor do processo de modernização brasileira. Um longo fio vermelho comunicaria a era Vargas ao PT, em comum, nesses dois tempos, o retraimento da dimensão dos interesses diante dos partidos e a sua gravitação em torno do Estado.
A diferença, é claro, estaria no cenário institucional. O ciclo de modernização desencadeado pelo PT, com o estilo decisionista intrínseco a ele, estaria obrigado à difícil convivência com a Carta Magna de 1988, expressão de uma filosofia política centrada nos ideais de autonomia do indivíduo e da sociedade diante do Estado. Como amplamente verificado, eventuais obstáculos têm sido contornados e o processo de modernização segue o seu curso. Os interesses deslocados ou mal postos diante das políticas de Estado teriam de se conformar com a alternativa de recorrer ao Judiciário - uma das raízes fundas do processo de judicialização da política deve ser procurada aí - ou, em casos extremos, às ruas, como se testemunha desde os idos de junho.
O assim chamado poder incumbente, para que esse eufemismo à moda ganhe sentido, supõe uma prévia manifestação de vontade com origem numa esfera pública democrática. Se a manifestação dessa vontade estiver viciada por um presidencialismo de coalizão que a degrade como a vontade de um só Poder, não há incumbência, mas usurpação praticada em nome de um suposto interesse geral que um governante encarnaria. Se assim, para que partidos?
É preciso ser um incréu empedernido para não reconhecer a presença do fato político nas manifestações das jornadas de junho, tomando-as como um mero episódio da vida juvenil e de suas vicissitudes nas grandes metrópoles brasileiras. Sob esse viés, aqueles massivos acontecimentos, que suspenderam a marcha conhecida do nosso cotidiano com o registro da surpresa e do espanto, pertenceriam ao reino da Sociologia e da Antropologia Social. Decerto que os recursos dessas disciplinas para a observação de eventos desse tipo são, além de próprios, absolutamente necessários. Mas a eles não pode faltar, para que a narrativa seja compreensiva, uma abordagem política da cena especificamente brasileira. Sobretudo pela recusa manifesta dos personagens envolvidos em admitir a presença de partidos e personalidades políticas em seus atos de protesto. Admissão tácita de que se queria outra política.
Com as jornadas de junho, sob um governo há mais de uma década sob a hegemonia de um partido saído das fileiras da esquerda, constatou-se, à vista de todos, sua falta de vínculos com a juventude e a vida popular. E isso malgrado seus êxitos em sua política de inclusão social e de relativo sucesso, especialmente no mundo agrário, de modernização da economia. Estava ali, nas ruas, no clamor pela democratização das políticas públicas e por maior participação na definição dos seus rumos, o sintoma evidente de que nos encontramos no fim de um longo ciclo da política brasileira, qual seja, o da modernização.
Com efeito, tudo traduzido, o que a sociedade expressava era seu desconforto contra tudo isso que está aí. Desconforto provocado pela profunda dissidência entre as palavras e as coisas, assim enquanto as leis vêm assegurando inéditas garantias em termos de liberdades civis e públicas, enquanto as manifestações dos três Poderes republicanos reverenciam ideais de igualdade social, uma sociedade transfigurada por alterações de largo alcance em sua composição demográfica e estrutura de classes e ocupacionais não encontra na esfera pública, que se apresenta como uma reserva de poucos, canais a fim de que possa exigir a satisfação dessas promessas igualitárias.
A intensa energia da vida associativa, inclusive dos seus setores subalternos, e de sua rica e poliforme vida mercantil não se faz presente no sistema dos partidos, a não ser fragmentariamente. Quem vocaliza o empresariado paulista, o mais robusto do País, é a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), um órgão corporativo, assim como é a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) que exerce esse papel em nome dos interesses do agronegócio, uma das locomotivas atuais do capitalismo brasileiro. Quanto aos setores subalternos do campo, é o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), apartidário por opção, que se arvora em assumir essa representação. Os casos desse tipo se multiplicam e dispensam, porque notórios, ser listados. No caso, ainda chama a atenção a prática de boa parte dessas entidades ou de seus membros de favorecerem com doações partidos rivais nas disputas eleitorais.
Esse não é um registro trivial, uma vez que o usual em sociedades democráticas, em particular nas que vivem sob organização capitalista, é que o reino dos interesses não seja refratário - na escala em que é aqui - ao sistema de partidos. Sem eles os partidos perdem identidade e vínculos com a sociedade, tendendo a se comportar como máquinas orientadas para a sua própria reprodução. Essa patologia brasileira não é recente e, paradoxalmente, encontrou no PT antes de se tornar governo um dos principais arautos desse mal, como em suas críticas tanto ao sindicalismo nascido da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que abafaria a livre expressão dos conflitos entre o capital e o trabalho, quanto ao nacional-desenvolvimentismo, que ataria politicamente a sociedade aos desígnios do Estado.
Fora de controvérsia que os governos do PT deram nova vida a essas duas políticas, reforçando a primeira com a legislação sobre as centrais sindicais e fazendo da segunda o Leitmotiv da sua linha de ação governamental. O presidencialismo de coalizão - prática que herdou de governos anteriores, simulacro de um parlamentarismo de fantasia a camuflar a soberania do Poder Executivo sobre o Legislativo - consistiu na modelagem política que lhe permitiu o movimento de camaleão de se apresentar como novo condutor do processo de modernização brasileira. Um longo fio vermelho comunicaria a era Vargas ao PT, em comum, nesses dois tempos, o retraimento da dimensão dos interesses diante dos partidos e a sua gravitação em torno do Estado.
A diferença, é claro, estaria no cenário institucional. O ciclo de modernização desencadeado pelo PT, com o estilo decisionista intrínseco a ele, estaria obrigado à difícil convivência com a Carta Magna de 1988, expressão de uma filosofia política centrada nos ideais de autonomia do indivíduo e da sociedade diante do Estado. Como amplamente verificado, eventuais obstáculos têm sido contornados e o processo de modernização segue o seu curso. Os interesses deslocados ou mal postos diante das políticas de Estado teriam de se conformar com a alternativa de recorrer ao Judiciário - uma das raízes fundas do processo de judicialização da política deve ser procurada aí - ou, em casos extremos, às ruas, como se testemunha desde os idos de junho.
O assim chamado poder incumbente, para que esse eufemismo à moda ganhe sentido, supõe uma prévia manifestação de vontade com origem numa esfera pública democrática. Se a manifestação dessa vontade estiver viciada por um presidencialismo de coalizão que a degrade como a vontade de um só Poder, não há incumbência, mas usurpação praticada em nome de um suposto interesse geral que um governante encarnaria. Se assim, para que partidos?
Inimigo mora ao lado - VALDO CRUZ
FOLHA DE SP - 24/02
BRASÍLIA - A pesquisa Datafolha mostra que hoje, insisto, hoje, o maior "adversário" da presidente Dilma Rousseff continua sendo seu criador, o ex-presidente Lula.
Em termos gerais, o levantamento traz boas notícias para a petista. Ganha no primeiro turno de seus oponentes, e eles, até agora, não conseguem encarnar o desejo de mudança da maioria da população.
Aí começam os sinais de alerta para a presidente. Os entrevistados apontam Lula, que aparece na frente de Dilma na pesquisa, como o melhor "candidato" para mudar o rumo do próximo governo em 2015.
Algo que seus pretensos aliados políticos e empresariais não se cansam de repetir. E não só mais reservadamente, cada vez mais explicitamente. O coro "volta, Lula" nunca esteve tão forte como agora.
Tão forte que há um clima de rebelião no ar, captado pelo ex-presidente em conversas com interlocutores, ao quais insistiu que não há hipótese de vir a substituir Dilma.
A pesquisa acendeu também um sinal amarelo sobre a avaliação do governo. Apesar de ela ter ficado estável, subiu o número de eleitores que considera o governo ruim e péssimo. Um primeiro aviso de que o vento pode mudar ali na frente.
O cenário de incertezas na área econômica, com os problemas do setor elétrico, vizinhos aos frangalhos e inflação ainda alta, pode minar o capital político presidencial.
Se o vento mudar, hoje ainda uma hipótese, o maior "adversário" pode deixar de ser Lula. Com a proximidade da campanha e uma economia fraca, Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) têm chances de incorporar o desejo de mudança e conquistar o eleitorado.
Aí, tudo indica, o PT terá perdido o timing da troca de candidatos. Lula entraria em campo num clima de que sua criatura fracassou. Neste caso, ao contrário do que o petista tem dito a seus interlocutores, talvez Dilma Rousseff precise mudar já. E não esperar apenas 2015.
BRASÍLIA - A pesquisa Datafolha mostra que hoje, insisto, hoje, o maior "adversário" da presidente Dilma Rousseff continua sendo seu criador, o ex-presidente Lula.
Em termos gerais, o levantamento traz boas notícias para a petista. Ganha no primeiro turno de seus oponentes, e eles, até agora, não conseguem encarnar o desejo de mudança da maioria da população.
Aí começam os sinais de alerta para a presidente. Os entrevistados apontam Lula, que aparece na frente de Dilma na pesquisa, como o melhor "candidato" para mudar o rumo do próximo governo em 2015.
Algo que seus pretensos aliados políticos e empresariais não se cansam de repetir. E não só mais reservadamente, cada vez mais explicitamente. O coro "volta, Lula" nunca esteve tão forte como agora.
Tão forte que há um clima de rebelião no ar, captado pelo ex-presidente em conversas com interlocutores, ao quais insistiu que não há hipótese de vir a substituir Dilma.
A pesquisa acendeu também um sinal amarelo sobre a avaliação do governo. Apesar de ela ter ficado estável, subiu o número de eleitores que considera o governo ruim e péssimo. Um primeiro aviso de que o vento pode mudar ali na frente.
O cenário de incertezas na área econômica, com os problemas do setor elétrico, vizinhos aos frangalhos e inflação ainda alta, pode minar o capital político presidencial.
Se o vento mudar, hoje ainda uma hipótese, o maior "adversário" pode deixar de ser Lula. Com a proximidade da campanha e uma economia fraca, Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) têm chances de incorporar o desejo de mudança e conquistar o eleitorado.
Aí, tudo indica, o PT terá perdido o timing da troca de candidatos. Lula entraria em campo num clima de que sua criatura fracassou. Neste caso, ao contrário do que o petista tem dito a seus interlocutores, talvez Dilma Rousseff precise mudar já. E não esperar apenas 2015.
Incentivos governamentais à insegurança pública - BERNARDO SANTORO
GAZETA DO POVO - PR - 24/02
Uma recente experiência me mostrou como a questão da segurança pública no Brasil se encontra fragilizada. Um jovem de 13 anos tentou invadir minha casa em pleno horário de almoço, no sol a pino do Rio de Janeiro. Nós dois estávamos desarmados, e ele nem sequer tentou lutar, dada minha compleição física, acabando por se render. Liguei imediatamente para a polícia, detalhando que tinha um menor rendido, e ainda assim a viatura apareceu somente uma hora e meia depois da primeira ligação.
Os policiais alegaram que, por não ter se consumado o roubo, nada aconteceria com o garoto, não valendo a pena eu perder meu tempo. Ainda perguntei se não havia uma estrutura pronta para receber esse tipo de menor, com assistência social e jurídica, além do sistema corretivo, no que me foi respondido que a estrutura é precária e ele seria liberado de qualquer jeito. O garoto, então, recebeu um sermão dos policiais e foi embora.
Esse é apenas um exemplo da gravidade do problema. Existem várias causas geradoras de violência que não podem ser alvo de políticas públicas, como distúrbios mentais não detectados ou eventos trágicos que geram emoções de momento, mas várias outras podem, sim, ser combatidas por ações de governo.
Uma das causas mais relevantes para o aumento da violência é econômica. Uma condição de pobreza é um inegável incentivo à violência. No entanto, o governo reage criando um sistema econômico interventor, protecionista, altamente tributado e burocratizado, além de subsidiar ricos com crédito barato através do BNDES, praticamente inviabilizando a participação dos pobres no mercado de bens e serviços, seja como produtores ou consumidores, relegando-os a um eterno estado de dependência de políticas assistencialistas, como o Bolsa Família, cujo número de assistidos cresce a cada ano.
Do ponto de vista institucional, o cenário é o pior possível. Uma inflação de leis acaba por criminalizar uma série de condutas que poderiam ser resolvidas no âmbito civil, em especial as condutas cujo único prejudicado é o próprio agente, os chamados “crimes sem vítima”. Com isso, recursos públicos que deveriam ser aplicados no combate a crimes propriamente ditos, como crimes contra a vida, contra a integridade física e sexual e contra o patrimônio, acabam sendo dispersados em crimes menores e insignificantes. O excesso de recursos criminais e uma legislação confusa acabam inviabilizando a penalização de criminosos notoriamente culpados. Os jovens apreendidos não são cuidados como deveriam, e acabam ou não sofrendo nenhuma represália pelos seus atos, o que é um erro crasso, ou sendo exageradamente punidos em cadeias subumanas onde são violados e incentivados a praticar mais crimes. Não há justa medida da pena na Vara de Infância e Juventude.
E, mesmo se a polícia fosse competente, ela nunca seria onipresente. Os países com menores índices de violência são os que têm o maior número de armas legalizadas por habitante, taxa que é bem pequena no Brasil em virtude de política de governo. Trazer o cidadão comum para o combate à violência é fundamental, mas com treinamento e ensinamento de ética no uso de armas. Na Suíça e outros países, os cidadãos são treinados desde cedo ao uso responsável e ético de armas de fogo. Na falta desse treinamento, os brasileiros, desprotegidos e acuados, praticam barbáries como amarrar delinquentes nus em postes de energia.
Precisamos urgentemente de uma ampla reforma política, institucional, criminal e econômica séria que combata o péssimo incentivo à violência gerado pelo próprio Estado brasileiro.
Uma recente experiência me mostrou como a questão da segurança pública no Brasil se encontra fragilizada. Um jovem de 13 anos tentou invadir minha casa em pleno horário de almoço, no sol a pino do Rio de Janeiro. Nós dois estávamos desarmados, e ele nem sequer tentou lutar, dada minha compleição física, acabando por se render. Liguei imediatamente para a polícia, detalhando que tinha um menor rendido, e ainda assim a viatura apareceu somente uma hora e meia depois da primeira ligação.
Os policiais alegaram que, por não ter se consumado o roubo, nada aconteceria com o garoto, não valendo a pena eu perder meu tempo. Ainda perguntei se não havia uma estrutura pronta para receber esse tipo de menor, com assistência social e jurídica, além do sistema corretivo, no que me foi respondido que a estrutura é precária e ele seria liberado de qualquer jeito. O garoto, então, recebeu um sermão dos policiais e foi embora.
Esse é apenas um exemplo da gravidade do problema. Existem várias causas geradoras de violência que não podem ser alvo de políticas públicas, como distúrbios mentais não detectados ou eventos trágicos que geram emoções de momento, mas várias outras podem, sim, ser combatidas por ações de governo.
Uma das causas mais relevantes para o aumento da violência é econômica. Uma condição de pobreza é um inegável incentivo à violência. No entanto, o governo reage criando um sistema econômico interventor, protecionista, altamente tributado e burocratizado, além de subsidiar ricos com crédito barato através do BNDES, praticamente inviabilizando a participação dos pobres no mercado de bens e serviços, seja como produtores ou consumidores, relegando-os a um eterno estado de dependência de políticas assistencialistas, como o Bolsa Família, cujo número de assistidos cresce a cada ano.
Do ponto de vista institucional, o cenário é o pior possível. Uma inflação de leis acaba por criminalizar uma série de condutas que poderiam ser resolvidas no âmbito civil, em especial as condutas cujo único prejudicado é o próprio agente, os chamados “crimes sem vítima”. Com isso, recursos públicos que deveriam ser aplicados no combate a crimes propriamente ditos, como crimes contra a vida, contra a integridade física e sexual e contra o patrimônio, acabam sendo dispersados em crimes menores e insignificantes. O excesso de recursos criminais e uma legislação confusa acabam inviabilizando a penalização de criminosos notoriamente culpados. Os jovens apreendidos não são cuidados como deveriam, e acabam ou não sofrendo nenhuma represália pelos seus atos, o que é um erro crasso, ou sendo exageradamente punidos em cadeias subumanas onde são violados e incentivados a praticar mais crimes. Não há justa medida da pena na Vara de Infância e Juventude.
E, mesmo se a polícia fosse competente, ela nunca seria onipresente. Os países com menores índices de violência são os que têm o maior número de armas legalizadas por habitante, taxa que é bem pequena no Brasil em virtude de política de governo. Trazer o cidadão comum para o combate à violência é fundamental, mas com treinamento e ensinamento de ética no uso de armas. Na Suíça e outros países, os cidadãos são treinados desde cedo ao uso responsável e ético de armas de fogo. Na falta desse treinamento, os brasileiros, desprotegidos e acuados, praticam barbáries como amarrar delinquentes nus em postes de energia.
Precisamos urgentemente de uma ampla reforma política, institucional, criminal e econômica séria que combata o péssimo incentivo à violência gerado pelo próprio Estado brasileiro.
Violência revolucionária - DENIS LERRER ROSENFIELD
O GLOBO - 24/02
A morte de um cinegrafista da Band, atingido por um rojão em seu crânio, disparado por um black bloc, tendo contado com a ajuda de outro membro do mesmo grupo, está suscitando uma série de reações indignadas. Algumas dessas reações têm um conteúdo eminentemente político, para não dizer que vertem lágrimas de crocodilo. O apoio velado, para não dizer explícito, agora se traduz pela condenação. Ora, a impunidade com a qual esse grupo tem agido desde junho do ano passado já anunciava um desenlace como esse. Era somente questão de tempo.
Observemos que não se trata de um assassinato qualquer, como esses que são estampados todos os dias nas notícias impressas e televisivas. Há uma nítida tentativa de alguns responsáveis governamentais e formadores de opinião de desqualificarem o componente político desse assassinato, como se fosse uma espécie de acidente que poderia acontecer a qualquer um. Desde junho do ano passado, a violência sob a forma do vandalismo, do quebra-quebra e das mais variadas formas de intimidação tomou conta das ruas brasileiras. Mais recentemente, esses mesmos grupos procuraram se apropriar do movimento não violento dos rolezinhos, com o intuito de lhe conferir uma dimensão político-ideológica. Ainda mais recentemente, o MST ameaçou invadir o Supremo e o Palácio do Planalto fazendo uso explícito da violência, 30 pessoas sendo feridas. Transfere para as cidades o que já fazia no campo brasileiro.
Agem todos esses grupos impunemente, sendo apoiados por movimentos sociais organizados e partidos de esquerda e extrema-esquerda. Agora, com o assassinato político, todos procuram se dissociar do ocorrido, pela simples razão da condenação e do repúdio observados na opinião pública. Procuram se dissociar daquilo que, até ontem por assim dizer, apoiavam. Outro fato digno de nota nesse processo é o de que a qualificação de puro assassinato procura retirar dessa morte a conotação propriamente política, como se não fossem os grupos de extrema-esquerda que estivessem por detrás — ou pela frente — deles. É como se a “esquerda” não tivesse nada a ver com isso.
Imaginem se fosse um grupo de extrema-direita que fosse responsável por esse assassinato. Os formadores de opinião “engajados” não cessariam de ressaltar que a direita é culpada de todo o acontecido. Palavras como “fascistas” seriam proferidas e escritas diariamente. Como se trata da “esquerda”, procura-se não mais falar disto!
Nas Jornadas de Junho já tinha ficado patente o charme que a violência dos black blocs exercia sobre uma esquerda nostálgica do período áureo do marxismo. É como se fosse um recurso legítimo dos descontentes e revoltados contra o status quo, o “capitalismo”, a “burguesia”, os “conservadores” e a direita em geral. Tudo estaria justificado em nome da moralidade de um fim maior, que seria uma sociedade sem classes, chamada de socialismo ou comunismo. Quando a violência era mencionada, o era apenas com o objetivo de denominar a ação policial mediante o recurso da força. O jogo ideologicamente encenado era o seguinte: a violência da extrema-esquerda seria legítima e moralmente justificada, enquanto o uso da polícia para coibir essa violência seria ilegítimo e imoral. Mesmo máscaras chegaram a ser justificadas. Seria a estética de uma violência glamourizada.
A extrema-esquerda, por exemplo, personificada no PSOL, que agora procura se dissociar do assassinato do cinegrafista da Band, ainda dizia há pouco tempo atrás, na fala de seu secretário-geral: “Em tese, as táticas black bloc dispõem-se a proteger manifestações da sociedade civil contra ações truculentas das forças do Estado.” E ainda completou: “Não nos parece que o conceito da tática black bloc seja algo retrógrado ou mesmo indesejável em essência e propósitos originais. É algo progressivo, politicamente moderno, trazido pelas mãos da dialética na história.” Eis a “modernidade dialética” do assassinato, travestido de ato revolucionário.
Eis um discurso da Academia, que deveria ser um lugar de inteligência, o que não é, aliás, manifestamente o caso: “Ao chamar a atenção para os bancos, para as grandes marcas e para o Estado brasileiro, o Black Bloc resgata a atenção dos meios de comunicação e a redireciona para o sistema econômico e político que está na gênese da verdadeira violência da nossa sociedade.” Eis, enfim, a violência revolucionária apresentada como moralmente legítima! O assassinato faz parte deste percurso!
Há uma mentalidade reinante que tende a justificar qualquer ato violento por razões de ordem pretensamente política, como se fosse válida a concepção marxista da luta de classes. Os conflitos seriam estruturais por seu caráter de classe, de modo que qualquer ação que visasse a destruir o status quo capitalista seria legítima. A violência, nesta perspectiva, seria moralmente justificada. Há o que poderíamos denominar de um marxismo-leninismo difuso que se apresenta sob a forma do politicamente correto.
Segundo essa abordagem, a violência seria somente um meio da classe dominante visando a assegurar a exploração dos trabalhadores, sendo a polícia o seu instrumento. Note-se que, na grande maioria das notícias e análises, o foco esteve centrado na dita violência policial, como se o uso legítimo da força não fosse o monopólio do Estado. Intencionalmente, a causa foi confundida com o efeito. O uso policial da força, reativo, foi tido como se fosse a causa. A violência causadora, a dos grupos de extrema-esquerda, era tida como moralmente válida, sendo uma ferramenta legítima da luta política.
Uma vez que esses grupos conseguiram impor a sua visão, as forças policiais foram desmobilizadas. Passaram a observadoras das cenas de violência, não intervindo. A impunidade abriu o caminho para que a violência se generalizasse. Não mais contidos, os grupos de extrema-esquerda passaram a aumentar o grau de violência. As autoridades públicas, neste sentido, têm também a sua responsabilidade.
A morte de um cinegrafista da Band, atingido por um rojão em seu crânio, disparado por um black bloc, tendo contado com a ajuda de outro membro do mesmo grupo, está suscitando uma série de reações indignadas. Algumas dessas reações têm um conteúdo eminentemente político, para não dizer que vertem lágrimas de crocodilo. O apoio velado, para não dizer explícito, agora se traduz pela condenação. Ora, a impunidade com a qual esse grupo tem agido desde junho do ano passado já anunciava um desenlace como esse. Era somente questão de tempo.
Observemos que não se trata de um assassinato qualquer, como esses que são estampados todos os dias nas notícias impressas e televisivas. Há uma nítida tentativa de alguns responsáveis governamentais e formadores de opinião de desqualificarem o componente político desse assassinato, como se fosse uma espécie de acidente que poderia acontecer a qualquer um. Desde junho do ano passado, a violência sob a forma do vandalismo, do quebra-quebra e das mais variadas formas de intimidação tomou conta das ruas brasileiras. Mais recentemente, esses mesmos grupos procuraram se apropriar do movimento não violento dos rolezinhos, com o intuito de lhe conferir uma dimensão político-ideológica. Ainda mais recentemente, o MST ameaçou invadir o Supremo e o Palácio do Planalto fazendo uso explícito da violência, 30 pessoas sendo feridas. Transfere para as cidades o que já fazia no campo brasileiro.
Agem todos esses grupos impunemente, sendo apoiados por movimentos sociais organizados e partidos de esquerda e extrema-esquerda. Agora, com o assassinato político, todos procuram se dissociar do ocorrido, pela simples razão da condenação e do repúdio observados na opinião pública. Procuram se dissociar daquilo que, até ontem por assim dizer, apoiavam. Outro fato digno de nota nesse processo é o de que a qualificação de puro assassinato procura retirar dessa morte a conotação propriamente política, como se não fossem os grupos de extrema-esquerda que estivessem por detrás — ou pela frente — deles. É como se a “esquerda” não tivesse nada a ver com isso.
Imaginem se fosse um grupo de extrema-direita que fosse responsável por esse assassinato. Os formadores de opinião “engajados” não cessariam de ressaltar que a direita é culpada de todo o acontecido. Palavras como “fascistas” seriam proferidas e escritas diariamente. Como se trata da “esquerda”, procura-se não mais falar disto!
Nas Jornadas de Junho já tinha ficado patente o charme que a violência dos black blocs exercia sobre uma esquerda nostálgica do período áureo do marxismo. É como se fosse um recurso legítimo dos descontentes e revoltados contra o status quo, o “capitalismo”, a “burguesia”, os “conservadores” e a direita em geral. Tudo estaria justificado em nome da moralidade de um fim maior, que seria uma sociedade sem classes, chamada de socialismo ou comunismo. Quando a violência era mencionada, o era apenas com o objetivo de denominar a ação policial mediante o recurso da força. O jogo ideologicamente encenado era o seguinte: a violência da extrema-esquerda seria legítima e moralmente justificada, enquanto o uso da polícia para coibir essa violência seria ilegítimo e imoral. Mesmo máscaras chegaram a ser justificadas. Seria a estética de uma violência glamourizada.
A extrema-esquerda, por exemplo, personificada no PSOL, que agora procura se dissociar do assassinato do cinegrafista da Band, ainda dizia há pouco tempo atrás, na fala de seu secretário-geral: “Em tese, as táticas black bloc dispõem-se a proteger manifestações da sociedade civil contra ações truculentas das forças do Estado.” E ainda completou: “Não nos parece que o conceito da tática black bloc seja algo retrógrado ou mesmo indesejável em essência e propósitos originais. É algo progressivo, politicamente moderno, trazido pelas mãos da dialética na história.” Eis a “modernidade dialética” do assassinato, travestido de ato revolucionário.
Eis um discurso da Academia, que deveria ser um lugar de inteligência, o que não é, aliás, manifestamente o caso: “Ao chamar a atenção para os bancos, para as grandes marcas e para o Estado brasileiro, o Black Bloc resgata a atenção dos meios de comunicação e a redireciona para o sistema econômico e político que está na gênese da verdadeira violência da nossa sociedade.” Eis, enfim, a violência revolucionária apresentada como moralmente legítima! O assassinato faz parte deste percurso!
Há uma mentalidade reinante que tende a justificar qualquer ato violento por razões de ordem pretensamente política, como se fosse válida a concepção marxista da luta de classes. Os conflitos seriam estruturais por seu caráter de classe, de modo que qualquer ação que visasse a destruir o status quo capitalista seria legítima. A violência, nesta perspectiva, seria moralmente justificada. Há o que poderíamos denominar de um marxismo-leninismo difuso que se apresenta sob a forma do politicamente correto.
Segundo essa abordagem, a violência seria somente um meio da classe dominante visando a assegurar a exploração dos trabalhadores, sendo a polícia o seu instrumento. Note-se que, na grande maioria das notícias e análises, o foco esteve centrado na dita violência policial, como se o uso legítimo da força não fosse o monopólio do Estado. Intencionalmente, a causa foi confundida com o efeito. O uso policial da força, reativo, foi tido como se fosse a causa. A violência causadora, a dos grupos de extrema-esquerda, era tida como moralmente válida, sendo uma ferramenta legítima da luta política.
Uma vez que esses grupos conseguiram impor a sua visão, as forças policiais foram desmobilizadas. Passaram a observadoras das cenas de violência, não intervindo. A impunidade abriu o caminho para que a violência se generalizasse. Não mais contidos, os grupos de extrema-esquerda passaram a aumentar o grau de violência. As autoridades públicas, neste sentido, têm também a sua responsabilidade.
A Copa virou Fla x Flu - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO
O Estado de S.Paulo - 24/02
Ninguém é mais a favor da realização da Copa do Mundo no Brasil do que quem acha o governo Dilma Rousseff bom ou ótimo. E ninguém é mais contra do que aqueles que avaliam a gestão da presidente como ruim ou péssima. Se o clima de Fla x Flu há muito transbordou para a política, chegou a vez de a partidarização contaminar o futebol e assombrar sua maior festa.
O Ibope mostra que os brasileiros estão divididos sobre a Copa. Quanto menor a renda, a escolaridade e o tamanho da cidade onde mora o eleitor, maior seu apoio ao torneio, e vice-versa. Mas nenhuma diferença é tão dramática quanto a entre os apoiadores e os críticos do governo: 76% dos que aprovam Dilma aprovam também o torneio no Brasil, enquanto 67% dos que desaprovam a presidente são contra que a Copa ocorra aqui.
Entre os governistas, 61% acham que o evento vai trazer mais benefícios do que prejuízos para o Brasil. Já entre os antigovernistas, dois em cada três apostam no contrário.
Afora as diferenças partidárias, os dois times encaram a Copa no Brasil de lados opostos da arquibancada. Os que aprovam Dilma se declaram fundamentalmente alegres, orgulhosos e com esperança de que tudo dê certo. Na grande maioria, planejam assistir quantos jogos puderem.
Os sentimentos de quem é crítico ao governo batem de frente com esses. O empenho em ver as partidas é muito menor, e as palavras escolhidas para descrever sua percepção em relação à Copa são "desperdício", "preocupação", "decepção" e "vergonha".
Não importa qual a pergunta sobre o torneio, a bola é sempre dividida. Para 47% dos brasileiros, a Copa vai tornar a imagem do Brasil mais positiva no exterior, contra 37% que acham que vai ficar mais negativa. Entre dilmistas, o grupo dos otimistas alcança 66%, enquanto entre os seus adversários a taxa de pessimismo sobre a imagem do País pós-Copa chega a 63%.
Os problemas relativos à Copa também variam de acordo com a inclinação política do entrevistado. Para os governistas, o maior desafio é a segurança e a violência. Para seus antagonistas, a questão principal, de longe, é o gasto de dinheiro público e o prejuízo financeiro com a Copa.
A clivagem eleitoral afeta até a torcida pela seleção. Entre os que aprovam o governo, 76% apostam - com maior ou menor convicção - que o Brasil vai ganhar a Copa. Entre os que acham o governo ruim ou péssimo, essa taxa não passa de 48%.
Definitivamente, nem toda a pátria vai vestir chuteiras durante a Copa. Numa escala de 0 a 10 criada pelo Ibope para medir a devoção dos torcedores brasileiros, os governistas marcaram 7,5, na sua grande maioria concordando com a frase "sou um grande torcedor da seleção brasileira". Os críticos ao governo marcaram apenas 6,3. É a prova de que - ao contrário do que diz o senso comum -, futebol e política se misturam, sim.
Só numa coisa as duas torcidas concordam: a maior parte de governistas (55%) e antigovernistas (67%) prevê que as manifestações contra a Copa no Brasil vão aumentar. Mas com uma diferença: com maior ou menor intensidade, a maioria dos pró-Dilma não apoia os protestos - enquanto 44% dos críticos da presidente apoiam as manifestações.
Nem todos podem ceder a tal tentação, porém. Adversários da presidente, como o tucano Geraldo Alckmin, são obrigados a conter os protestos anti-Copa - às vezes com violência, como fez a PM paulista no sábado. Sua reeleição também está em jogo, e o descontrole tira votos tanto da presidente quanto do governador.
Manifestações à parte, qual o resultado da divisão partidário-futebolística?
Como governistas e antigovernistas têm opiniões firmes sobre a conveniência e o significado da Copa no Brasil, pouco importa o que venha a acontecer. Cada lado está convicto do fracasso ou do sucesso, e vai advogar sua interpretação preconcebida, a despeito dos fatos. Logo, o mais provável é que dê empate.
Ninguém é mais a favor da realização da Copa do Mundo no Brasil do que quem acha o governo Dilma Rousseff bom ou ótimo. E ninguém é mais contra do que aqueles que avaliam a gestão da presidente como ruim ou péssima. Se o clima de Fla x Flu há muito transbordou para a política, chegou a vez de a partidarização contaminar o futebol e assombrar sua maior festa.
O Ibope mostra que os brasileiros estão divididos sobre a Copa. Quanto menor a renda, a escolaridade e o tamanho da cidade onde mora o eleitor, maior seu apoio ao torneio, e vice-versa. Mas nenhuma diferença é tão dramática quanto a entre os apoiadores e os críticos do governo: 76% dos que aprovam Dilma aprovam também o torneio no Brasil, enquanto 67% dos que desaprovam a presidente são contra que a Copa ocorra aqui.
Entre os governistas, 61% acham que o evento vai trazer mais benefícios do que prejuízos para o Brasil. Já entre os antigovernistas, dois em cada três apostam no contrário.
Afora as diferenças partidárias, os dois times encaram a Copa no Brasil de lados opostos da arquibancada. Os que aprovam Dilma se declaram fundamentalmente alegres, orgulhosos e com esperança de que tudo dê certo. Na grande maioria, planejam assistir quantos jogos puderem.
Os sentimentos de quem é crítico ao governo batem de frente com esses. O empenho em ver as partidas é muito menor, e as palavras escolhidas para descrever sua percepção em relação à Copa são "desperdício", "preocupação", "decepção" e "vergonha".
Não importa qual a pergunta sobre o torneio, a bola é sempre dividida. Para 47% dos brasileiros, a Copa vai tornar a imagem do Brasil mais positiva no exterior, contra 37% que acham que vai ficar mais negativa. Entre dilmistas, o grupo dos otimistas alcança 66%, enquanto entre os seus adversários a taxa de pessimismo sobre a imagem do País pós-Copa chega a 63%.
Os problemas relativos à Copa também variam de acordo com a inclinação política do entrevistado. Para os governistas, o maior desafio é a segurança e a violência. Para seus antagonistas, a questão principal, de longe, é o gasto de dinheiro público e o prejuízo financeiro com a Copa.
A clivagem eleitoral afeta até a torcida pela seleção. Entre os que aprovam o governo, 76% apostam - com maior ou menor convicção - que o Brasil vai ganhar a Copa. Entre os que acham o governo ruim ou péssimo, essa taxa não passa de 48%.
Definitivamente, nem toda a pátria vai vestir chuteiras durante a Copa. Numa escala de 0 a 10 criada pelo Ibope para medir a devoção dos torcedores brasileiros, os governistas marcaram 7,5, na sua grande maioria concordando com a frase "sou um grande torcedor da seleção brasileira". Os críticos ao governo marcaram apenas 6,3. É a prova de que - ao contrário do que diz o senso comum -, futebol e política se misturam, sim.
Só numa coisa as duas torcidas concordam: a maior parte de governistas (55%) e antigovernistas (67%) prevê que as manifestações contra a Copa no Brasil vão aumentar. Mas com uma diferença: com maior ou menor intensidade, a maioria dos pró-Dilma não apoia os protestos - enquanto 44% dos críticos da presidente apoiam as manifestações.
Nem todos podem ceder a tal tentação, porém. Adversários da presidente, como o tucano Geraldo Alckmin, são obrigados a conter os protestos anti-Copa - às vezes com violência, como fez a PM paulista no sábado. Sua reeleição também está em jogo, e o descontrole tira votos tanto da presidente quanto do governador.
Manifestações à parte, qual o resultado da divisão partidário-futebolística?
Como governistas e antigovernistas têm opiniões firmes sobre a conveniência e o significado da Copa no Brasil, pouco importa o que venha a acontecer. Cada lado está convicto do fracasso ou do sucesso, e vai advogar sua interpretação preconcebida, a despeito dos fatos. Logo, o mais provável é que dê empate.
Assinar:
Postagens (Atom)