ESTADÃO - 29/10
O do primeiro-ministro chinês Xi Jinping e o do deputado federal brasileiro Tiririca
Na semana passada e na anterior tivemos dois importantes pronunciamentos: o de Xi Jinping, primeiro-ministro chinês, e o de Tiririca, deputado federal brasileiro. A importância do primeiro decorreu mais do peso econômico e político da China no mundo que de seu conteúdo. Afirmo isso porque a substância do pronunciamento é bem conhecida.
Em sua fala de três horas e meia, o mandatário chinês reafirmou que a China é hoje uma superpotência econômica e política e fadada a um importante protagonismo no cenário mundial. E não precisou bater no peito para indicar que ele, como líder do Partido Comunista, está próximo de atingir uma estatura política comparável à de Mao Tsé-tung e Deng Xiaoping.
Mantidas as devidas proporções, Tiririca também disse uma coisa relevantíssima, embora desconhecida da maioria dos brasileiros. Anunciando que não pretende se recandidatar no ano que vem, ele afirmou: “Vim para cá pensando em aprovar projetos, mas a coisa aqui é muito complicada”. Para bom entendedor, pingo é letra.
A referência principal de sua curta sentença é, sem dúvida, o poder absurdo que as Mesas do Senado e da Câmara detêm. Nenhum senador ou deputado consegue aprovar projeto algum se elas não quiserem, só com uma paciência de Jó e puxando bastante o saco dos respectivos presidentes.
Esse mecanismo explica um dos maiores paradoxos do Legislativo, dois traços perversos que qualquer cidadão percebe a olho nu: de um lado, o governismo sem-vergonha que reduz as duas Casas a uma quase total impotência, fraudando a estipulação constitucional do equilíbrio de Poderes e desestimulando carreiras políticas sérias; do outro, revoltas inesperadas, surtos de rebeldia, notadamente no chamado “baixo clero”, cujo objetivo é invariavelmente aumentar o custo do apoio às Mesas e, por via de consequência, ao Executivo. Há quem singelamente acredite que a debilidade e a mediocridade do Legislativo sejam como uma danse sur place, um ponto de equilíbrio muito ruim, mas estático. Ledo engano.
O que se passa no Brasil, mercê do equivocado conjunto de engrenagens que compõe nosso sistema político, é um paulatino deslocamento para um equilíbrio cada vez pior. Uma das faces mais visíveis desse processo é a incapacidade do Legislativo, evidente já há muitos anos, de recrutar bons candidatos. Por que cargas d’água uma pessoa apta a desempenhar cá fora um papel de relevo vai se meter numa máquina de moer carne como aquela?
Tiririca disse que não vai se recandidatar, e eu acredito nele. Tem toda a razão: entre ser figurativo ou de verdade, é melhor sê-lo de verdade, cá fora. Circo por circo, os de cá são mais engraçados.
Claro, o deslocamento do equilíbrio para pior deve-se à operação de outros mecanismos, não só ao poder das Mesas. A proliferação desordenada de partidos carentes de identidade é um deles. É mais ou menos assim que a coisa se passa: um aventureiro ou um grupelho qualquer funda um partido e obtém no Tribunal Superior Eleitoral o devido reconhecimento. Só com esse passo ele (aventureiro ou grupelho) já se habilita a participar dos recursos do Fundo Partidário. Se conseguir eleger um punhado de deputados ou senadores, habilitar-se-á a vantagens não menos suculentas: entrará no universo conhecido como “presidencialismo de coalizão”, usando seus votinhos como poder de chantagem para integrar a maioria governista, que cedo ou tarde, no limite, vai precisar deles. A contrapartida do Executivo pode ser em cargos nos ministérios ou nas estatais, mas, em caso de necessidade, há quem a aceite em moeda sonante, como ocorreu abundantemente no “mensalão” arquitetado pelo ex-presidente Lula.
Claro, a proliferação de agremiações acirra a disputa na arena eleitoral. Em cada Estado, um número cada vez maior de pretendentes começa a dar cotoveladas, a azeitar o caixa 2 e a clamar por “chances” proporcionais à contribuição que haverão de prestar à jovem democracia brasileira. Foi assim que, pela Constituição de 1988, deixamos para trás aquele saudável teto de 400 e poucos deputados e passamos aos 513 que integram atualmente uma Câmara proporcionalmente muito maior que a dos Estados Unidos!
Sejamos francos: para que tantos deputados e senadores? Por que não estabelecemos um mínimo de seis (em vez de oito) deputados e dois (em vez de três) senadores por Estado?
Mas seria ainda o caso de rir, e não de chorar, se nossos parlamentares fossem totalmente cínicos, defendendo tais disparates tão somente como uma engrenagem apta a acomodar seus interesses. O problema é que muitos não são cínicos. Muitos há para os quais esses mecanismos são o alfa e o ômega da sabedoria política, a estrada real que levará nosso país ao que chamam de “verdadeira democracia”. Para esses, quanto mais assentos no Legislativo e quanto mais partidos, melhor. Ora, se assim é, por que não uma Câmara com cinco ou dez mil parlamentares, cada um com seu próprio partido? Os que assim pensam não percebem que um corpo superdimensionado é uma forma de debilitar, não de fortalecer o Legislativo, uma forma de desnaturá-lo e castrá-lo, transformando-o num apêndice (é certo que barulhento!) do Executivo.
No Paper Federalista n.º 51, um dos estudos que elaborou como contribuição à Constituição americana, James Madison escreveu: “Se a assembleia de Atenas tivesse dez mil membros, com certeza deveríamos vê-la como uma horda de arruaceiros, não como um corpo deliberativo sério”. Eu só faria um pequeno acréscimo: uma horda formada por um baixo clero de uns nove mil e novecentos, precariamente controlados por uma elite de talvez cem.
*CIENTISTA POLÍTICO, SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS
domingo, outubro 29, 2017
A nova Argentina - LOURIVAL SANT'ANNA
ESTADÃO - 29/10
Macri tem adotado medidas impopulares, mas a economia começa a responder
É fascinante observar como as instituições tendem a se mover por consensos nas sociedades democráticas. Exemplo disso ocorreu essa semana, na Argentina. Depois da vitória do governo nas eleições de domingo passado, dois juízes emitiram ordem de prisão contra o deputado Julio de Vido, todo poderoso ex-ministro do Planejamento, Investimento Público e Serviços. Em seguida, a Câmara retirou, por unanimidade, o foro privilegiado do deputado, e ele foi preso.
Tecnicamente, não há uma relação causal entre esses fatos. Os novos deputados e senadores – metade da Câmara e um terço do Senado – só tomarão posse no dia 10 de dezembro. Antes mesmo das eleições, os deputados – não só governistas, mas também peronistas que não apoiam a ex-presidente Cristina Kirchner – haviam se comprometido a retirar o foro de De Vido se recebessem ordem de prisão contra ele.
Três ex-ministros de Kirchner, de pastas estratégicas do ponto de vista da corrupção – Transportes, Obras Públicas e Energia –, já haviam sido presos. Mas De Vido não era um ministro qualquer, como o nome de sua pasta indica. Ele controlava um orçamento de US$ 237 bilhões.
Ao longo de todo o governo do casal Néstor e Cristina Kirchner, De Vido assistiu à troca de mãos de dinheiro público e privado. Só em uma das investigações que o levaram à prisão, ele é acusado do desvio de US$ 7 bilhões na importação de gás natural liquefeito.
A Argentina aprovou recentemente uma lei de delação premiada, ainda não usada. De Vido e outros ex-funcionários poderão implicar Cristina, aspirante a candidata a presidente em 2019. Antes dela, seu filho, o deputado Máximo Kirchner, também pode ser alvo de mandado de prisão e perda do foro privilegiado.
A frente de partidos Cambiemos (Vamos mudar), que apoia o governo, ficou com 40% dos votos. Já o grupo de Cristina teve metade disso. Outros 20% foram para os peronistas “no K”, como se diz na Argentina, ou seja, que não apoiam a ex-presidente. Cambiemos venceu em Buenos Aires e em 13 das 23 províncias, que somam 66% dos eleitores.
Cobri as eleições, e notei que uma das razões que levaram a essa rejeição de Cristina é a associação de sua imagem a um passado de corrupção e ineficiência. Em contrapartida, o presidente Mauricio Macri, que veio do mundo empresarial, antes de ser governador de Buenos Aires, está associado a transparência e modernidade.
Desnecessário dizer que isso não se aplica a seus detratores, sobretudo à esquerda que o vê como um representante da elite empresarial e agropecuarista. Mas encontrei a maioria dos argentinos cansados do populismo. Em um país que foi praticamente o seu inventor, não é pouca coisa.
Macri tem adotado medidas impopulares, como o corte dos subsídios aos serviços públicos, mas a economia começa a responder, com crescimento da atividade e queda da inflação, e os argentinos aprovam o remédio amargo, sabendo que virá mais.
Foi nesse contexto que a Justiça deu o seu mais importante passo na direção de investigar a corrupção na “era Kirchner”, pedindo a prisão de De Vido, e a Câmara, incluindo parte da oposição, a autorizou. Os deputados não querem ter seu nome vinculado mais à impunidade.
Um dia depois da prisão de seu ex-ministro, Cristina foi depor no caso em que é acusada de “traição à pátria”, por um suposto acordo secreto com o Irã para encobrir o envolvimento do país no atentado a bomba de 1994 contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), que deixou 86 mortos.
O caso envolve também a misteriosa morte do procurador Alberto Nisman, cujo corpo foi encontrado em seu apartamento em janeiro de 2015, horas antes de ele apresentar um relatório de 288 páginas com suas conclusões sobre o encobrimento do Irã. Cristina seguiu o manual populista, de espalhar acusações contra seus acusadores, em vez de se defender.
A Argentina de hoje exige mais que isso.
Macri tem adotado medidas impopulares, mas a economia começa a responder
É fascinante observar como as instituições tendem a se mover por consensos nas sociedades democráticas. Exemplo disso ocorreu essa semana, na Argentina. Depois da vitória do governo nas eleições de domingo passado, dois juízes emitiram ordem de prisão contra o deputado Julio de Vido, todo poderoso ex-ministro do Planejamento, Investimento Público e Serviços. Em seguida, a Câmara retirou, por unanimidade, o foro privilegiado do deputado, e ele foi preso.
Tecnicamente, não há uma relação causal entre esses fatos. Os novos deputados e senadores – metade da Câmara e um terço do Senado – só tomarão posse no dia 10 de dezembro. Antes mesmo das eleições, os deputados – não só governistas, mas também peronistas que não apoiam a ex-presidente Cristina Kirchner – haviam se comprometido a retirar o foro de De Vido se recebessem ordem de prisão contra ele.
Três ex-ministros de Kirchner, de pastas estratégicas do ponto de vista da corrupção – Transportes, Obras Públicas e Energia –, já haviam sido presos. Mas De Vido não era um ministro qualquer, como o nome de sua pasta indica. Ele controlava um orçamento de US$ 237 bilhões.
Ao longo de todo o governo do casal Néstor e Cristina Kirchner, De Vido assistiu à troca de mãos de dinheiro público e privado. Só em uma das investigações que o levaram à prisão, ele é acusado do desvio de US$ 7 bilhões na importação de gás natural liquefeito.
A Argentina aprovou recentemente uma lei de delação premiada, ainda não usada. De Vido e outros ex-funcionários poderão implicar Cristina, aspirante a candidata a presidente em 2019. Antes dela, seu filho, o deputado Máximo Kirchner, também pode ser alvo de mandado de prisão e perda do foro privilegiado.
A frente de partidos Cambiemos (Vamos mudar), que apoia o governo, ficou com 40% dos votos. Já o grupo de Cristina teve metade disso. Outros 20% foram para os peronistas “no K”, como se diz na Argentina, ou seja, que não apoiam a ex-presidente. Cambiemos venceu em Buenos Aires e em 13 das 23 províncias, que somam 66% dos eleitores.
Cobri as eleições, e notei que uma das razões que levaram a essa rejeição de Cristina é a associação de sua imagem a um passado de corrupção e ineficiência. Em contrapartida, o presidente Mauricio Macri, que veio do mundo empresarial, antes de ser governador de Buenos Aires, está associado a transparência e modernidade.
Desnecessário dizer que isso não se aplica a seus detratores, sobretudo à esquerda que o vê como um representante da elite empresarial e agropecuarista. Mas encontrei a maioria dos argentinos cansados do populismo. Em um país que foi praticamente o seu inventor, não é pouca coisa.
Macri tem adotado medidas impopulares, como o corte dos subsídios aos serviços públicos, mas a economia começa a responder, com crescimento da atividade e queda da inflação, e os argentinos aprovam o remédio amargo, sabendo que virá mais.
Foi nesse contexto que a Justiça deu o seu mais importante passo na direção de investigar a corrupção na “era Kirchner”, pedindo a prisão de De Vido, e a Câmara, incluindo parte da oposição, a autorizou. Os deputados não querem ter seu nome vinculado mais à impunidade.
Um dia depois da prisão de seu ex-ministro, Cristina foi depor no caso em que é acusada de “traição à pátria”, por um suposto acordo secreto com o Irã para encobrir o envolvimento do país no atentado a bomba de 1994 contra a Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), que deixou 86 mortos.
O caso envolve também a misteriosa morte do procurador Alberto Nisman, cujo corpo foi encontrado em seu apartamento em janeiro de 2015, horas antes de ele apresentar um relatório de 288 páginas com suas conclusões sobre o encobrimento do Irã. Cristina seguiu o manual populista, de espalhar acusações contra seus acusadores, em vez de se defender.
A Argentina de hoje exige mais que isso.
Um retrato dramático do ensino - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 29/10
Segundo a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), mais da metade dos alunos avaliados mostrou-se incapaz, mesmo tendo passado por três anos de escolarização, de ter a proficiência esperada para sua faixa etária
Divulgados pelo Ministério da Educação (MEC), os números da terceira edição da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) de 2016 são desalentadores, principalmente quando se consideram temas como o crescimento do País, a redução das desigualdades sociais e econômicas e a conquista de melhores padrões de bem-estar. A avaliação consiste em duas provas – uma de leitura e escrita e outra de matemática – que foram aplicadas em 14 e 15 de novembro de 2016 a 2,1 milhões de alunos de 48 mil escolas da rede pública de ensino fundamental.
Aprovado em 2014, o Plano Nacional de Educação prevê a alfabetização de todas as crianças até o final do terceiro ano desse ciclo educacional. O que as autoridades educacionais esperam desses alunos é que eles sejam capazes de entender o sentido dos verbos, reconhecer participantes de diálogos em entrevistas ficcionais e reconhecer a relação de tempo em verbos.
O resultado da avaliação é assustador, mostrando que o Brasil continua perdendo a corrida educacional, dado o fosso entre essas metas e a dramática realidade do ensino fundamental oferecido pelo poder público às novas gerações. Segundo a ANA, mais da metade dos alunos avaliados – dos quais 90% eram crianças de oito anos de idade – mostrou-se incapaz, mesmo tendo passado por três anos de escolarização, de ter a proficiência esperada para sua faixa etária. Os números mostram que não sabem localizar, ler e compreender informações constantes de textos de literatura infantil, de entender anedotas desenhadas em tirinhas e de realizar as operações aritméticas mais simples, como soma e subtração.
Mais grave ainda, os níveis de alfabetização desses estudantes está estagnado no mesmo padrão de insuficiência de dois anos atrás. Em matemática, por exemplo, 54,5% dos estudantes do terceiro ano do ensino fundamental revelaram baixo nível de proficiência em 2016, ante 57% na segunda edição da ANA, que foi realizada em 2014.
Eles não conseguem nem mesmo ler horas num relógio analógico, nem somar duas parcelas. Em leitura, 54,7% das crianças revelaram baixo nível de proficiência no ano passado, ante 56,1% na avaliação de dois anos atrás. E, em escrita, 34% dos alunos avaliados mostraram não saber redigir corretamente palavras com diferentes estruturas silábicas.
Já o número de alunos que demonstraram capacidade considerada suficiente de leitura passou de 43,83% para 45,27% do total de matriculados no terceiro ano do ensino fundamental. Em matemática, o número de alunos com proficiência adequada para a faixa etária passou de 42,93% para 45,53%, entre 2014 e 2016.
Na prova que avalia o desempenho na escrita, um terço dos alunos do terceiro ano mostrou desempenho insuficiente. O quadro também é desolador em termos de comparação regional. A avaliação mostrou que, nas Regiões Norte e Nordeste, 70,21% e 69,15% dos estudantes, respectivamente, têm nível insuficiente em leitura. Nas Regiões Sudeste e Sul, os números são de 43,69% e 44,92%, respectivamente.
Resultantes de décadas de políticas marcadas por prioridades equivocadas e orientação populista, que arrasaram a rede pública de ensino fundamental, os números da terceira edição da ANA voltam a mostrar um grave gargalo do sistema educacional brasileiro. Deixam claro que, nos anos seguintes ao terceiro ano do ensino fundamental, esses estudantes com baixíssimo nível de proficiência em escrita, leitura e matemática não terão preparo e habilidades básicas para aprender outras disciplinas, como química, física, biologia e estatística.
Esses estudantes não terão a formação necessária para romper o círculo vicioso do atraso cultural, da desigualdade socioeconômica e da pobreza, nem para dotar o País do capital humano de que ele tanto necessita para retomar o crescimento e passar a níveis mais sofisticados de produção.
Segundo a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), mais da metade dos alunos avaliados mostrou-se incapaz, mesmo tendo passado por três anos de escolarização, de ter a proficiência esperada para sua faixa etária
Divulgados pelo Ministério da Educação (MEC), os números da terceira edição da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) de 2016 são desalentadores, principalmente quando se consideram temas como o crescimento do País, a redução das desigualdades sociais e econômicas e a conquista de melhores padrões de bem-estar. A avaliação consiste em duas provas – uma de leitura e escrita e outra de matemática – que foram aplicadas em 14 e 15 de novembro de 2016 a 2,1 milhões de alunos de 48 mil escolas da rede pública de ensino fundamental.
Aprovado em 2014, o Plano Nacional de Educação prevê a alfabetização de todas as crianças até o final do terceiro ano desse ciclo educacional. O que as autoridades educacionais esperam desses alunos é que eles sejam capazes de entender o sentido dos verbos, reconhecer participantes de diálogos em entrevistas ficcionais e reconhecer a relação de tempo em verbos.
O resultado da avaliação é assustador, mostrando que o Brasil continua perdendo a corrida educacional, dado o fosso entre essas metas e a dramática realidade do ensino fundamental oferecido pelo poder público às novas gerações. Segundo a ANA, mais da metade dos alunos avaliados – dos quais 90% eram crianças de oito anos de idade – mostrou-se incapaz, mesmo tendo passado por três anos de escolarização, de ter a proficiência esperada para sua faixa etária. Os números mostram que não sabem localizar, ler e compreender informações constantes de textos de literatura infantil, de entender anedotas desenhadas em tirinhas e de realizar as operações aritméticas mais simples, como soma e subtração.
Mais grave ainda, os níveis de alfabetização desses estudantes está estagnado no mesmo padrão de insuficiência de dois anos atrás. Em matemática, por exemplo, 54,5% dos estudantes do terceiro ano do ensino fundamental revelaram baixo nível de proficiência em 2016, ante 57% na segunda edição da ANA, que foi realizada em 2014.
Eles não conseguem nem mesmo ler horas num relógio analógico, nem somar duas parcelas. Em leitura, 54,7% das crianças revelaram baixo nível de proficiência no ano passado, ante 56,1% na avaliação de dois anos atrás. E, em escrita, 34% dos alunos avaliados mostraram não saber redigir corretamente palavras com diferentes estruturas silábicas.
Já o número de alunos que demonstraram capacidade considerada suficiente de leitura passou de 43,83% para 45,27% do total de matriculados no terceiro ano do ensino fundamental. Em matemática, o número de alunos com proficiência adequada para a faixa etária passou de 42,93% para 45,53%, entre 2014 e 2016.
Na prova que avalia o desempenho na escrita, um terço dos alunos do terceiro ano mostrou desempenho insuficiente. O quadro também é desolador em termos de comparação regional. A avaliação mostrou que, nas Regiões Norte e Nordeste, 70,21% e 69,15% dos estudantes, respectivamente, têm nível insuficiente em leitura. Nas Regiões Sudeste e Sul, os números são de 43,69% e 44,92%, respectivamente.
Resultantes de décadas de políticas marcadas por prioridades equivocadas e orientação populista, que arrasaram a rede pública de ensino fundamental, os números da terceira edição da ANA voltam a mostrar um grave gargalo do sistema educacional brasileiro. Deixam claro que, nos anos seguintes ao terceiro ano do ensino fundamental, esses estudantes com baixíssimo nível de proficiência em escrita, leitura e matemática não terão preparo e habilidades básicas para aprender outras disciplinas, como química, física, biologia e estatística.
Esses estudantes não terão a formação necessária para romper o círculo vicioso do atraso cultural, da desigualdade socioeconômica e da pobreza, nem para dotar o País do capital humano de que ele tanto necessita para retomar o crescimento e passar a níveis mais sofisticados de produção.
Construir equilíbrio macroeconômico com juros reais baixos é possível - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 29/10
O Banco Central, na quarta (26), decidiu reduzir a taxa básica de juros, a Selic, de 8,25% ao ano para 7,50%. Corte de 0,75 ponto percentual.
Adicionalmente, o comunicado do Copom (Comitê de Política Monetária), órgão colegiado formado pelos diretores do Banco Central e comandado pelo seu presidente, afirmou que, "para a próxima reunião, caso o cenário básico evolua conforme esperado, e em razão do estágio do ciclo de flexibilização, o comitê vê, neste momento, como adequada uma redução moderada na magnitude de flexibilização monetária".
Ou seja, na próxima reunião, em 36 dias, se tudo ocorrer conforme as simulações dos modelos do BC —que são os mesmos modelos que todos usamos—, a taxa básica irá diminuir 0,50 ponto percentual, para 7% ao ano. É possível que um corte adicional ocorra no início de 2018.
Em janeiro, é provável que as expectativas de inflação para 2018 sejam de aproximadamente 3,5%, sinalizando que o juro real básico percebido pelas pessoas será de 3,14%. Dado que as simulações do BC sugerem que a taxa neutra de juros (aquela que mantém a inflação estável) é de aproximadamente 4,2%, haverá em 2018 estímulo monetário de pouco mais de um ponto percentual.
O estímulo monetário deve produzir um lento processo de reinflação da economia até a meta em 2020, de 4%. Qual deve ser o desenho da política monetária ao longo do ciclo de reinflação? Com o que podemos enxergar hoje, isto é, com os cenários para a recuperação da atividade econômica e para a queda da taxa de desemprego, sabemos que a ociosidade da economia deve desaparecer em meados de 2020.
Se a ociosidade desaparecerá em meados de 2020 e dado que há uma defasagem de uns três trimestres entre a política monetária e seus efeitos sobre a inflação, o BC tem que praticar juro neutro no início do quarto trimestre de 2019.
A meta de inflação em 2020 será de 4%. O juro real neutro deve ser algo por volta de 4%. Assim, no início do quarto trimestre de 2019, a taxa Selic terá que estar em torno de 8,25%. Dessa forma, ao longo dos três primeiros trimestres de 2019, a taxa Selic elevar-se-á de 7,0% (ou até um pouco menos) até aproximadamente 8,25%: ao menos cinco elevações de 0,25 ponto percentual.
Há inúmeras incertezas nesse desenho de política monetária. Não é possível saber quais serão os choques climáticos ou hídricos que atingirão a economia. Pode haver choques políticos sobre as expectativas inflacionárias, uma reversão inesperada do cenário global, entre tantas outras fontes de choques.
Além dos choques, quando olhamos os fatores estruturais, não está nada claro que a taxa neutra seja de fato 4%. Até bem pouco tempo atrás as melhores estimativas sugeriam taxa neutra na casa de 5,5%.
É possível que a ociosidade da economia feche antes do que pensamos. Esse será o caso se a destruição de capital promovida pela Nova Matriz tiver sido maior do que se julga.
Também não está claro se até lá o Congresso Nacional conseguirá aprovar as reformas que permitirão que a política fiscal deixe de ser expansionista, como tem sido na média nos últimos 25 anos, e passe a ser pelo menos neutra. Será necessário aprovar uma fortíssima reforma da Previdência e outras reformas que permitam que o gasto público não cresça sistematicamente além do crescimento da economia.
Ou seja, a construção de um equilíbrio macroeconômico com taxas de juros reais baixas é perfeitamente possível, apesar de politicamente difícil. Os juros não são elevados devido a uma conspiração da Faria Lima com o Leblon.
O Banco Central, na quarta (26), decidiu reduzir a taxa básica de juros, a Selic, de 8,25% ao ano para 7,50%. Corte de 0,75 ponto percentual.
Adicionalmente, o comunicado do Copom (Comitê de Política Monetária), órgão colegiado formado pelos diretores do Banco Central e comandado pelo seu presidente, afirmou que, "para a próxima reunião, caso o cenário básico evolua conforme esperado, e em razão do estágio do ciclo de flexibilização, o comitê vê, neste momento, como adequada uma redução moderada na magnitude de flexibilização monetária".
Ou seja, na próxima reunião, em 36 dias, se tudo ocorrer conforme as simulações dos modelos do BC —que são os mesmos modelos que todos usamos—, a taxa básica irá diminuir 0,50 ponto percentual, para 7% ao ano. É possível que um corte adicional ocorra no início de 2018.
Em janeiro, é provável que as expectativas de inflação para 2018 sejam de aproximadamente 3,5%, sinalizando que o juro real básico percebido pelas pessoas será de 3,14%. Dado que as simulações do BC sugerem que a taxa neutra de juros (aquela que mantém a inflação estável) é de aproximadamente 4,2%, haverá em 2018 estímulo monetário de pouco mais de um ponto percentual.
O estímulo monetário deve produzir um lento processo de reinflação da economia até a meta em 2020, de 4%. Qual deve ser o desenho da política monetária ao longo do ciclo de reinflação? Com o que podemos enxergar hoje, isto é, com os cenários para a recuperação da atividade econômica e para a queda da taxa de desemprego, sabemos que a ociosidade da economia deve desaparecer em meados de 2020.
Se a ociosidade desaparecerá em meados de 2020 e dado que há uma defasagem de uns três trimestres entre a política monetária e seus efeitos sobre a inflação, o BC tem que praticar juro neutro no início do quarto trimestre de 2019.
A meta de inflação em 2020 será de 4%. O juro real neutro deve ser algo por volta de 4%. Assim, no início do quarto trimestre de 2019, a taxa Selic terá que estar em torno de 8,25%. Dessa forma, ao longo dos três primeiros trimestres de 2019, a taxa Selic elevar-se-á de 7,0% (ou até um pouco menos) até aproximadamente 8,25%: ao menos cinco elevações de 0,25 ponto percentual.
Há inúmeras incertezas nesse desenho de política monetária. Não é possível saber quais serão os choques climáticos ou hídricos que atingirão a economia. Pode haver choques políticos sobre as expectativas inflacionárias, uma reversão inesperada do cenário global, entre tantas outras fontes de choques.
Além dos choques, quando olhamos os fatores estruturais, não está nada claro que a taxa neutra seja de fato 4%. Até bem pouco tempo atrás as melhores estimativas sugeriam taxa neutra na casa de 5,5%.
É possível que a ociosidade da economia feche antes do que pensamos. Esse será o caso se a destruição de capital promovida pela Nova Matriz tiver sido maior do que se julga.
Também não está claro se até lá o Congresso Nacional conseguirá aprovar as reformas que permitirão que a política fiscal deixe de ser expansionista, como tem sido na média nos últimos 25 anos, e passe a ser pelo menos neutra. Será necessário aprovar uma fortíssima reforma da Previdência e outras reformas que permitam que o gasto público não cresça sistematicamente além do crescimento da economia.
Ou seja, a construção de um equilíbrio macroeconômico com taxas de juros reais baixas é perfeitamente possível, apesar de politicamente difícil. Os juros não são elevados devido a uma conspiração da Faria Lima com o Leblon.
A indústria virou suco? - SÉRGIO LAZZARINI
REVISTA VEJA
“Serviços urbanos” podem fazer parte do rol de setores modernos
NO INÍCIO dos anos 80, surgiu na Avenida Paulista, em São Paulo, uma lanchonete com nome muito curioso: O Engenheiro que Virou Suco. Inspirado no título de um premiado filme nacional da época (O Homem que Virou Suco, de João Batista de Andrade), o empreendedor montou e batizou a sua lanchonete após ter sido desligado de uma indústria mecânica na qual trabalhava havia anos. Essa migração da indústria para serviços se acentuou ao longo do tempo. Industriais brasileiros, vários deles agremiados na mesma Avenida Paulista, até hoje denunciam o declínio da indústria e pedem mais apoio do governo. Essa crítica tem eco entre alguns economistas de traço desenvolvimentista. Dani Rodrik, professor de Harvard, rotula a indústria como um setor “moderno”, de alta produtividade, em contraposição à agricultura, setor dito “tradicional”. Para esses economistas, países evoluem quando mais pessoas saem da agricultura e se empregam na indústria. Perder gente para serviços seria um sintoma de desindustrialização precoce e destruição de postos modernos de trabalho.
Surpreende, assim, um novo estudo do próprio Rodrik, em coautoria com Xinshen Diao e Margaret McMillan, no qual se examina a experiência recente de alguns países na América Latina e na África. A agricultura tornou-se o setor moderno: incorporou tecnologias, aumentou a produtividade e ajudou a acelerar o crescimento de vários países. Esses economistas (finalmente!) percebem que talvez o mais importante não seja se o empresário planta tomates ou produz pneus; o importante é se sua empresa incorpora técnicas eficientes de produção e gerencia adequadamente os seus recursos. Por certo, se um setor fica mais eficiente, pode acabar liberando gente para trabalhar em setores menos qualificados, incluindo serviços de baixa produtividade. Mas os autores agora também admitem que “serviços urbanos” podem fazer parte do rol de setores modernos. Uma lanchonete poderá ser altamente produtiva se incorporar sistemas para controlar os produtos, otimizar os processos de cozinha, incentivar os funcionários a aumentar as vendas e transplantar essas práticas para outras unidades. (A quem quiser ver isso na prática, recomendo o filme The Founder, sobre o crescimento de uma famosa franquia de sanduíches dos Estados Unidos.)
É claro, isso não significa que não deva ser dada atenção à indústria. É possível salvá-la? Aqui, ironicamente, o setor dito moderno poderia copiar as práticas dos seus pares. Imitando a agricultura, poderia buscar mais inserção internacional e mais foco em vantagens comparativas locais. Uma nova iniciativa, a Embrapii (apelidada de “Embrapa da indústria”) seleciona e apoia centros de pesquisa de excelência em associação com o setor privado, em vez de subsidiar indefinidamente setores eleitos com base em pressão política. Imitando o setor de serviços, a indústria poderia também tentar melhorar sua qualidade de atendimento, criar soluções customizadas para clientes diversos e vender inovações em lugar de produtos preconcebidos. Afinal de contas, o engenheiro pode ter virado suco, mas quem sabe se tornou mais produtivo e criativo do que seria no seu antigo posto na indústria.
A hora da social-democracia - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
ESTADÃO - 29/10
Do ponto de vista político, será essencial a eleição de um candidato reformista
Martin Wolf, o mais importante colunista econômico do mundo, analisando um possível governo trabalhista inglês, liderado por Jeremy Corbyn, nos lembrou recentemente que o socialismo não é exatamente uma ideia nova. Ele já foi experimentado mais de uma vez em três variedades: autocracia, populismo e social-democracia. O socialismo autocrático foi o da União Soviética e de Mao Zedong. Mostrou-se uma catástrofe. A social-democracia dos países nórdicos ou da Holanda, em contraste, tem sido um triunfo. Esses países estão entre as sociedades mais bem-sucedidas do planeta: ricas, dinâmicas e estáveis. Finalmente, o populismo socialista, tão característico da América Latina, nunca funcionou economicamente.
Por que a social-democracia europeia tem sido um sucesso?, pergunta Wolf. A resposta é que ela entende as restrições fundamentais para desenhar um programa que dê certo, especialmente para quem acredita em um governo ativo. Antes de tudo, é preciso aceitar que os recursos são finitos e que existem restrições orçamentárias ao gasto público a serem respeitadas. Em segundo lugar, o papel central do crescimento está no desempenho do setor privado, tanto na liderança da economia quanto no investimento e na introdução do progresso tecnológico. Por isso, são decisivos incentivos adequados, respeito às leis e estabilidade institucional. Como resultado, as coisas funcionam não porque o governo comanda, mas porque o governo motiva.
O experimento populista tem sido o oposto disso tudo. O segundo governo Lula e os anos Dilma foram exemplares. Restrições orçamentárias foram sistematicamente desrespeitadas, resultando na destruição do regime fiscal. A ideia de que tudo depende de vontade política deu origem a desastres como o da Refinaria Abreu e Lima, em que aproximadamente US$ 20 bilhões foram jogados no lixo. Não se buscou estabilidade institucional, mas, na verdade, a destruição das agências reguladoras. Finalmente, os incentivos ao setor privado foram muito mais na forma de subsídios do que de estímulo ao investimento produtivo, que resultasse em criação permanente de valor. Basta ver o que aconteceu com todos os queridos “campeões nacionais”.
O resultado do populismo foi a maior crise econômica da história do Brasil. Entretanto, as coisas ainda se tornaram mais graves, uma vez que uma recessão profunda afeta muito mais os mais fracos, seja nas famílias e nas empresas, seja nos setores e nas regiões. Além do evidente caso do desemprego, podemos mencionar a emergência de uma nova questão regional, expressa no fato de que, em muitos estados, o desemprego não dá mostras de cair, mesmo quando a média nacional começa a se reduzir. Esse é o caso de Piauí, Alagoas, Pernambuco (onde a desocupação se aproxima de 20%) e Rio de Janeiro.
Dessa forma, apenas um programa social-democrata será capaz de produzir um retorno do desenvolvimento sustentado que permita também a recuperação das perspectivas de progresso dos mais fracos. Esse seria o efeito da alavancagem de um crescimento que já existe e que será cada vez mais robusto, resultando na continuação da queda da taxa de desemprego.
A recuperação do equilíbrio fiscal resultante de reformas na Previdência e do controle dos grandes salários no setor público, e uma retomada gradual da taxa de investimento, decorrente dos leilões de concessões e privatizações e da volta da expansão do setor habitacional, complementarão as condições econômicas para a sustentabilidade do crescimento.
Do ponto de vista político será essencial a eleição de um candidato reformista, que consolide a trajetória acima descrita e que permita a melhora no padrão de vida dos cidadãos mais afetados pela recessão. Em particular, investimentos maiores nas crianças e nos jovens serão cada vez mais essenciais para que as novas atividades e tecnologias sejam universalmente acessíveis, garantindo a criação e a distribuição mais permanente de valor e riqueza.
* ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS.
Do ponto de vista político, será essencial a eleição de um candidato reformista
Martin Wolf, o mais importante colunista econômico do mundo, analisando um possível governo trabalhista inglês, liderado por Jeremy Corbyn, nos lembrou recentemente que o socialismo não é exatamente uma ideia nova. Ele já foi experimentado mais de uma vez em três variedades: autocracia, populismo e social-democracia. O socialismo autocrático foi o da União Soviética e de Mao Zedong. Mostrou-se uma catástrofe. A social-democracia dos países nórdicos ou da Holanda, em contraste, tem sido um triunfo. Esses países estão entre as sociedades mais bem-sucedidas do planeta: ricas, dinâmicas e estáveis. Finalmente, o populismo socialista, tão característico da América Latina, nunca funcionou economicamente.
Por que a social-democracia europeia tem sido um sucesso?, pergunta Wolf. A resposta é que ela entende as restrições fundamentais para desenhar um programa que dê certo, especialmente para quem acredita em um governo ativo. Antes de tudo, é preciso aceitar que os recursos são finitos e que existem restrições orçamentárias ao gasto público a serem respeitadas. Em segundo lugar, o papel central do crescimento está no desempenho do setor privado, tanto na liderança da economia quanto no investimento e na introdução do progresso tecnológico. Por isso, são decisivos incentivos adequados, respeito às leis e estabilidade institucional. Como resultado, as coisas funcionam não porque o governo comanda, mas porque o governo motiva.
O experimento populista tem sido o oposto disso tudo. O segundo governo Lula e os anos Dilma foram exemplares. Restrições orçamentárias foram sistematicamente desrespeitadas, resultando na destruição do regime fiscal. A ideia de que tudo depende de vontade política deu origem a desastres como o da Refinaria Abreu e Lima, em que aproximadamente US$ 20 bilhões foram jogados no lixo. Não se buscou estabilidade institucional, mas, na verdade, a destruição das agências reguladoras. Finalmente, os incentivos ao setor privado foram muito mais na forma de subsídios do que de estímulo ao investimento produtivo, que resultasse em criação permanente de valor. Basta ver o que aconteceu com todos os queridos “campeões nacionais”.
O resultado do populismo foi a maior crise econômica da história do Brasil. Entretanto, as coisas ainda se tornaram mais graves, uma vez que uma recessão profunda afeta muito mais os mais fracos, seja nas famílias e nas empresas, seja nos setores e nas regiões. Além do evidente caso do desemprego, podemos mencionar a emergência de uma nova questão regional, expressa no fato de que, em muitos estados, o desemprego não dá mostras de cair, mesmo quando a média nacional começa a se reduzir. Esse é o caso de Piauí, Alagoas, Pernambuco (onde a desocupação se aproxima de 20%) e Rio de Janeiro.
Dessa forma, apenas um programa social-democrata será capaz de produzir um retorno do desenvolvimento sustentado que permita também a recuperação das perspectivas de progresso dos mais fracos. Esse seria o efeito da alavancagem de um crescimento que já existe e que será cada vez mais robusto, resultando na continuação da queda da taxa de desemprego.
A recuperação do equilíbrio fiscal resultante de reformas na Previdência e do controle dos grandes salários no setor público, e uma retomada gradual da taxa de investimento, decorrente dos leilões de concessões e privatizações e da volta da expansão do setor habitacional, complementarão as condições econômicas para a sustentabilidade do crescimento.
Do ponto de vista político será essencial a eleição de um candidato reformista, que consolide a trajetória acima descrita e que permita a melhora no padrão de vida dos cidadãos mais afetados pela recessão. Em particular, investimentos maiores nas crianças e nos jovens serão cada vez mais essenciais para que as novas atividades e tecnologias sejam universalmente acessíveis, garantindo a criação e a distribuição mais permanente de valor e riqueza.
* ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
DIÁRIO DO PODER - 29/10
As pesquisas mostram recordes negativos para Michel Temer, mas a situação poderia ser bem pior: Sérgio Cabral presidente da República. Em 2014, o PMDB rachou com as investidas do então governador, hoje preso e condenado por corrupção a meio século de cadeia, para tomar o lugar de Temer na chapa de reeleição de Dilma. Lula interveio para honrar o acordo que garantia a vice para o atual presidente do Brasil.
CHATO DE GALOCHA
Dilma foi importante para frustrar o plano de Cabral, mas tinha um certo chamego pelo então governador. Depois passou a considerá-lo “chato”.
APOIO DA CRIA
Prefeito do Rio em 2012, Eduardo Paes, cria de Cabral, defendeu que ele substituísse Temer: “É o nome mais importante do PMDB”. Humm...
NELSON TAMBÉM
Temer garantiu a vice ao derrotar Nelson Jobim na luta para presidir o PMDB. E apoiar o governo Lula, em troca da vaga na chapa de Dilma.
CABRAL 2018 (ARGH!)
Em 2014, o então presidente do PMDB, Valdir Raupp, disse que Cabral estava sendo “preparado” para ser candidato a presidente em 2018.
FILHO DE MINISTRO É LIGADO A AÇÃO CONTRA O TCU
O Solidariedade questiona no Supremo Tribunal Federal (STF), a competência do Tribunal de Contas da União (TCU) para fiscalizar a aplicação dos recursos de fundos de educação como Fundeb (ex-Fundef). Tudo porque o TCU proibiu 110 municípios do Maranhão de usar dinheiro do Fundeb para pagar R$1,4 bilhão de honorários advocatícios em estranha causa. Um dos advogados simpáticos à causa é Tiago Cedraz, filho do ex-presidente do TCU Aroldo Cedraz.
GRATIDÃO
Ministros acusam o advogado da ação no STF contra o TCU de ser tão próximo a Tiago Cedraz que lhe dedicou a tese de conclusão de curso.
CALOU FUNDO
Os Ministérios Públicos (federal e estadual) alegaram no TCU que a verba do Fundeb deve ser gasta em Educação. E não com advogados.
PF VAI INVESTIGAR
O TCU pediu a Polícia Federal para investigar o lobby, que conseguiu até obter pareceres internos contra a atuação do tribunal no caso.
JUIZ FORA DE PALANQUE
O TSE aguarda do TRE-PA o julgamento da suspeição do juiz Alexandre Buchacra, que votou pela cassação do governador do Pará, Simão Jatene (PSDB), tendo sido filiado ao PT e participado em 2014 da campanha de Helder Barbalho (PMDB), derrotado pelo tucano.
APÓS TRÊS ANOS
Entre as nove empreiteiras enroladas na Lava Jato, que desvendou o esquema em março de 2014, apenas a Engevix, que quase faliu, e a Galvão Engenharia estão proibidas de contratar com o poder público.
QUEM DÁ MAIS?
Setores do governo maltratam produtores de açúcar e álcool, e tratam a pão de ló a indústria de veículos. Em crise, o setor sucroenergético gera cerca de 1 milhão de empregos diretos, enquanto as montadoras, com a economia bombando, mal chegam a 150 mil postos de trabalho.
O CÉU É O LIMITE
Em vias de extinção, a Justiça do Trabalho do Brasil não se sujeita à lei do Teto de Gastos. No ano passado, gastou R$15,6 bilhões somente com salários, pensões, benefícios e aposentadorias.
CURIOSO, O PSDB
Tucanos acham que Aécio Neves (MG) não serve para presidir partido, mas merece permanecer no Senado. E continuar filiado ao PSDB. É como defender o direito de presidiário de votar e não de ser votado.
PT MAL NO RANKING
No site Ranking dos Políticos, a pontuação depende da atuação de cada parlamentar. Só três do PT têm pontuação positiva, no Congresso. José Pimentel é o mais bem avaliado, em 275º lugar.
DIESEL É O FOCO
Projeto do deputado Nilson Leitão (PSDB-MT) pretende isentar de PIS e Cofins a produção, a importação ou a comercialização de óleo diesel e outras correntes de petróleo. Mas nada de desconto para cidadãos.
TECNOLOGIA PARA POUCOS
Segundo dados do Ministério do Planejamento, os Três Poderes da União gastaram R$ 2,8 bilhões com Tecnologia da Informação. Diante da importância do setor, não é nada, não é nada, não é nada mesmo.
PENSANDO BEM...
...foi só Dilma reaparecer que choveu em Brasília com direito a trovoadas.
O lobby e a democracia - MARCELO ISSA
REVISTA VEJA
A regulação da atividade de defesa de interesses junto ao poder público vai promover mais transparência e pluralidade na participação política
DISCUSSÃO - Regulação do lobby já passou pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e agora deve ir a votação em plenário (Cristiano Mariz/VEJA)
Ainda que se possam questionar os alcances e limites conceituais da democracia, é inequívoco que configura seu próprio exercício a aplicação de estratégias legítimas e éticas para promover e defender interesses junto ao poder público. Nesse sentido, as atividades de participação política sistematizada e, por vezes, profissionalizada — conhecidas como lobby — surgem como campo de atuação e pesquisa autônomos, cujos objetivos podem ser resumidos em antecipar riscos, contrapor-se a retrocessos e concretizar agendas apresentadas ao setor público.
A realização legal e eficiente desses objetivos demanda a articulação entre diversas habilidades e competências, como um profundo conhecimento sobre o modus operandi e o processo decisório de cada órgão ou instituição pública, métodos específicos para o constante monitoramento de assuntos de interesse e análise de cenários políticos, além de uma adequada capacidade de comunicação.
Se corretamente realizado, o lobby pode fortalecer a democracia, mas sua regulação não tem — isoladamente — o condão de afastar riscos de corrupção. Qualquer profissional, seja sua atividade regulamentada, seja informal, pode escolher utilizar-se de meios legais ou ilegais. Um advogado pode tentar subornar um juiz. Um juiz pode deixar-se subornar. Do mesmo modo que um médico ou um engenheiro podem corromper-se ao prescrever um medicamento desnecessário ou firmar um laudo periclitante porque receberão propina de um laboratório ou de uma incorporadora.
Ainda que a mera regulamentação de atividades profissionais tenha impacto limitado sobre a prevenção de ilícitos, é indubitável que a consolidação de determinados protocolos e registros favorece o controle. No âmbito das interações entre particulares e agentes públicos e políticos para a defesa de seus interesses, no entanto, os corolários constitucionais de publicidade e motivação dos atos administrativos tornam imperativo o regramento da atividade, mas com a finalidade precípua de garantir pluralidade à participação política. Quanto mais participantes nos processos de elaboração e implementação, melhores leis e políticas públicas haverá. Entretanto, só é possível aumentar a participação política e a representatividade da cidadania com transparência nas decisões dos governos.
Governos transparentes dão informações indiscriminadamente, não apenas sobre as regras, mas também sobre o andamento de cada um de seus processos decisórios, assim como mantêm abertas todas as suas bases de dados que não implicam riscos à segurança individual ou coletiva. A opacidade do poder público não compromete diretamente a participação política porque alguns conseguem superar esse entrave, mas compromete a equidade do processo e, por consequência, o próprio exercício democrático.
É certo que, por mais transparência que haja, o exercício democrático sempre implicará alguma dose de esforço, mas a dificuldade de acesso à informação pública desequilibra as condições materiais da participação. Hoje, no Brasil, metodologias e práticas de intervenção eficiente nas instâncias oficiais ainda estão restritas, como regra, às grandes companhias e associações setoriais, que se valem de estruturas e ferramentas complexas, além de recursos humanos especializados no gerenciamento de seus interesses junto ao nosso intrincado setor público.
De outro lado, embora exerçam uma função de cunho público, ainda parecem ser raras as organizações brasileiras do campo social que aplicam práticas e rotinas sistematizadas para influenciar a formulação da legislação e das políticas públicas. A defasagem de democracia real fica, assim, evidente: em muitos casos as organizações da sociedade civil lidam com os efeitos diretos de leis e políticas públicas sem que tenham tido condições adequadas de participação na formulação dessas mesmas leis e políticas públicas.
Os atuais custos das atividades capazes de exercer influência compõem parte das razões do desequilíbrio na qualidade da participação política. Esse entrave certamente seria mitigado se a regulação do lobby também obrigasse os órgãos públicos a adotar mais e melhores medidas de transparência.
Entre as medidas de transparência que certamente facilitariam e qualificariam a participação cidadã no processo decisório estatal, destaca-se a divulgação da agenda de cada tomador de decisão, o que poderia abrir espaço para o contraditório. Ou seja: ao receber em audiência representante de determinado interesse, o agente público estaria obrigado a receber também sua contraparte.
A medida é ainda mais necessária porque, ao contrário do que ocorre na Justiça, a política é intrinsecamente aberta. Por isso, minimizar os desequilíbrios da participação democrática passa necessariamente pela adoção de providências, orientadas a ampliar para a arena pública a garantia do contraditório e da paridade de armas a todo aquele que dela se disponha a participar.
Em toda parte, uma profunda crise de representatividade desafia o sistema democrático, e sua superação demanda novos paradigmas de participação política. A regulação da defesa de interesses junto ao poder público, em gestação no Congresso Nacional, não pode prescindir de avançar nesse sentido.
* Advogado, especialista em relações governamentais pela FGV, mestre em ciência política pela PUC-SP, sócio-diretor da Pulso Público Consultoria Política e coordenador do Movimento Transparência Partidária
DISCUSSÃO - Regulação do lobby já passou pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados e agora deve ir a votação em plenário (Cristiano Mariz/VEJA)
Ainda que se possam questionar os alcances e limites conceituais da democracia, é inequívoco que configura seu próprio exercício a aplicação de estratégias legítimas e éticas para promover e defender interesses junto ao poder público. Nesse sentido, as atividades de participação política sistematizada e, por vezes, profissionalizada — conhecidas como lobby — surgem como campo de atuação e pesquisa autônomos, cujos objetivos podem ser resumidos em antecipar riscos, contrapor-se a retrocessos e concretizar agendas apresentadas ao setor público.
A realização legal e eficiente desses objetivos demanda a articulação entre diversas habilidades e competências, como um profundo conhecimento sobre o modus operandi e o processo decisório de cada órgão ou instituição pública, métodos específicos para o constante monitoramento de assuntos de interesse e análise de cenários políticos, além de uma adequada capacidade de comunicação.
Se corretamente realizado, o lobby pode fortalecer a democracia, mas sua regulação não tem — isoladamente — o condão de afastar riscos de corrupção. Qualquer profissional, seja sua atividade regulamentada, seja informal, pode escolher utilizar-se de meios legais ou ilegais. Um advogado pode tentar subornar um juiz. Um juiz pode deixar-se subornar. Do mesmo modo que um médico ou um engenheiro podem corromper-se ao prescrever um medicamento desnecessário ou firmar um laudo periclitante porque receberão propina de um laboratório ou de uma incorporadora.
Ainda que a mera regulamentação de atividades profissionais tenha impacto limitado sobre a prevenção de ilícitos, é indubitável que a consolidação de determinados protocolos e registros favorece o controle. No âmbito das interações entre particulares e agentes públicos e políticos para a defesa de seus interesses, no entanto, os corolários constitucionais de publicidade e motivação dos atos administrativos tornam imperativo o regramento da atividade, mas com a finalidade precípua de garantir pluralidade à participação política. Quanto mais participantes nos processos de elaboração e implementação, melhores leis e políticas públicas haverá. Entretanto, só é possível aumentar a participação política e a representatividade da cidadania com transparência nas decisões dos governos.
Governos transparentes dão informações indiscriminadamente, não apenas sobre as regras, mas também sobre o andamento de cada um de seus processos decisórios, assim como mantêm abertas todas as suas bases de dados que não implicam riscos à segurança individual ou coletiva. A opacidade do poder público não compromete diretamente a participação política porque alguns conseguem superar esse entrave, mas compromete a equidade do processo e, por consequência, o próprio exercício democrático.
É certo que, por mais transparência que haja, o exercício democrático sempre implicará alguma dose de esforço, mas a dificuldade de acesso à informação pública desequilibra as condições materiais da participação. Hoje, no Brasil, metodologias e práticas de intervenção eficiente nas instâncias oficiais ainda estão restritas, como regra, às grandes companhias e associações setoriais, que se valem de estruturas e ferramentas complexas, além de recursos humanos especializados no gerenciamento de seus interesses junto ao nosso intrincado setor público.
De outro lado, embora exerçam uma função de cunho público, ainda parecem ser raras as organizações brasileiras do campo social que aplicam práticas e rotinas sistematizadas para influenciar a formulação da legislação e das políticas públicas. A defasagem de democracia real fica, assim, evidente: em muitos casos as organizações da sociedade civil lidam com os efeitos diretos de leis e políticas públicas sem que tenham tido condições adequadas de participação na formulação dessas mesmas leis e políticas públicas.
Os atuais custos das atividades capazes de exercer influência compõem parte das razões do desequilíbrio na qualidade da participação política. Esse entrave certamente seria mitigado se a regulação do lobby também obrigasse os órgãos públicos a adotar mais e melhores medidas de transparência.
Entre as medidas de transparência que certamente facilitariam e qualificariam a participação cidadã no processo decisório estatal, destaca-se a divulgação da agenda de cada tomador de decisão, o que poderia abrir espaço para o contraditório. Ou seja: ao receber em audiência representante de determinado interesse, o agente público estaria obrigado a receber também sua contraparte.
A medida é ainda mais necessária porque, ao contrário do que ocorre na Justiça, a política é intrinsecamente aberta. Por isso, minimizar os desequilíbrios da participação democrática passa necessariamente pela adoção de providências, orientadas a ampliar para a arena pública a garantia do contraditório e da paridade de armas a todo aquele que dela se disponha a participar.
Em toda parte, uma profunda crise de representatividade desafia o sistema democrático, e sua superação demanda novos paradigmas de participação política. A regulação da defesa de interesses junto ao poder público, em gestação no Congresso Nacional, não pode prescindir de avançar nesse sentido.
* Advogado, especialista em relações governamentais pela FGV, mestre em ciência política pela PUC-SP, sócio-diretor da Pulso Público Consultoria Política e coordenador do Movimento Transparência Partidária
Sociedade em movimento - DORA KRAMER
REVISTA VEJA
“VEJAM, não há povo nas ruas”, apontam com um quê de alívio aqueles avessos a mudanças que lhes possam alterar as rotinas de desfaçatez. “Por que não há povo nas ruas?”, perguntam-se os inconformados com o atual clima de apatia em tudo destoante da ebulição que permeou o país de 2013 a 2016 e arrefeceu após o impeachment de Dilma Rousseff, não obstante o ambiente na política continuar indo de mal a pior.
Sim, não há povo nas ruas, mas nem só de passeatas e panelaços vivem as insatisfações sociais. Nem só nas manifestações estrondosas e volumosas são gestadas as transformações. Nem tudo é quantidade e/ou estridência. Valorosos também são os conceitos, os propósitos, a consistência das ações e a persistência dos agentes dos atos. No caso, os cidadãos de cuja percepção não parece fugir a evidência de que há a hora de gritar e a hora de providenciar uma solução com a cabeça bem equilibrada no pescoço e os pés firmes no chão.
Tudo isso dito para chamar atenção sobre os vários grupos de diversos matizes ideológicos que estão surgindo sob a bandeira da reformulação da política, notadamente a partir da arregimentação de gente nova interessada numa atividade hoje de difícil (se não impossível) acesso ao brasileiro comum. Aquele que não tem dinheiro, não é herdeiro político, não dispõe de fama nem do apoio de estruturas corporativas ou religiosas, mas tem vocação e disposição para o exercício da função pública em cargos eletivos.
Já há mais de dez grupos desses em início de funcionamento, integrados por empresários, estudantes, profissionais liberais, acadêmicos, funcionários públicos, em geral jovens e anônimos, embora alguns tenham o apoio de gente bem conhecida como Armínio Fraga, Luciano Huck, Eduardo Mufarej, Nizan Guanaes, Carlos Jereissati Filho, Guilherme Leal, entre outros. Ainda que o objetivo seja o mesmo, variam os métodos: da concessão de bolsas de estudos para a formação de lideranças ao debate de uma nova agenda para a política, aqui incluída a revisão dos meios e modos do ofício.
Iniciativas louváveis, pois não? Pois é. Antes mesmo que comprovem ou não eficácia nos procedimentos e lisura de propósitos, esses movimentos têm sido alvo de descrença, quando não de desqualificação, por parte dos ativistas de internet cuja ignorância no ramo não lhes permite distinguir engajamento político de ceticismo à deriva, para não dizer boboca. Gente que considera que a suspeição é geral e irrestrita e que tudo e todos se movem por intenções espúrias. Na visão desse pessoal, há sempre algo “por trás”, ainda que não identificado, e muito menos nominado.
Essas pessoas presumem sempre o pior, plantam sementes nas sombras, enxergam fantasmas ao meio-dia. Atuam no terreno do preconceito e, com isso, alimentam o ceticismo excessivo que veste como luva o figurino dos adoradores (aproveitadores, por que não?) do imobilismo do Congresso e da aversão ao avanço patrocinado pelo establishment partidário, situação contra a qual finalmente algo se move na sociedade.
Excesso de ceticismo faz o jogo de filhos e viúvos do imobilismo
“VEJAM, não há povo nas ruas”, apontam com um quê de alívio aqueles avessos a mudanças que lhes possam alterar as rotinas de desfaçatez. “Por que não há povo nas ruas?”, perguntam-se os inconformados com o atual clima de apatia em tudo destoante da ebulição que permeou o país de 2013 a 2016 e arrefeceu após o impeachment de Dilma Rousseff, não obstante o ambiente na política continuar indo de mal a pior.
Sim, não há povo nas ruas, mas nem só de passeatas e panelaços vivem as insatisfações sociais. Nem só nas manifestações estrondosas e volumosas são gestadas as transformações. Nem tudo é quantidade e/ou estridência. Valorosos também são os conceitos, os propósitos, a consistência das ações e a persistência dos agentes dos atos. No caso, os cidadãos de cuja percepção não parece fugir a evidência de que há a hora de gritar e a hora de providenciar uma solução com a cabeça bem equilibrada no pescoço e os pés firmes no chão.
Tudo isso dito para chamar atenção sobre os vários grupos de diversos matizes ideológicos que estão surgindo sob a bandeira da reformulação da política, notadamente a partir da arregimentação de gente nova interessada numa atividade hoje de difícil (se não impossível) acesso ao brasileiro comum. Aquele que não tem dinheiro, não é herdeiro político, não dispõe de fama nem do apoio de estruturas corporativas ou religiosas, mas tem vocação e disposição para o exercício da função pública em cargos eletivos.
Já há mais de dez grupos desses em início de funcionamento, integrados por empresários, estudantes, profissionais liberais, acadêmicos, funcionários públicos, em geral jovens e anônimos, embora alguns tenham o apoio de gente bem conhecida como Armínio Fraga, Luciano Huck, Eduardo Mufarej, Nizan Guanaes, Carlos Jereissati Filho, Guilherme Leal, entre outros. Ainda que o objetivo seja o mesmo, variam os métodos: da concessão de bolsas de estudos para a formação de lideranças ao debate de uma nova agenda para a política, aqui incluída a revisão dos meios e modos do ofício.
Iniciativas louváveis, pois não? Pois é. Antes mesmo que comprovem ou não eficácia nos procedimentos e lisura de propósitos, esses movimentos têm sido alvo de descrença, quando não de desqualificação, por parte dos ativistas de internet cuja ignorância no ramo não lhes permite distinguir engajamento político de ceticismo à deriva, para não dizer boboca. Gente que considera que a suspeição é geral e irrestrita e que tudo e todos se movem por intenções espúrias. Na visão desse pessoal, há sempre algo “por trás”, ainda que não identificado, e muito menos nominado.
Essas pessoas presumem sempre o pior, plantam sementes nas sombras, enxergam fantasmas ao meio-dia. Atuam no terreno do preconceito e, com isso, alimentam o ceticismo excessivo que veste como luva o figurino dos adoradores (aproveitadores, por que não?) do imobilismo do Congresso e da aversão ao avanço patrocinado pelo establishment partidário, situação contra a qual finalmente algo se move na sociedade.
Operação tira atraso - CELSO MING
ESTADÃO - 29/10
A idade da pedra não acabou por falta de pedra; assim, também, será com o petróleo
O sucesso do leilão de áreas do pré-sal realizado sexta-feira, no Rio, não é o principal gol a comemorar. Mais importante é o fato de que o Brasil deixou para trás desastroso período de equívocos na sua política do petróleo.
Ainda há focos de resistência à aceleração do desenvolvimento dos campos de petróleo no Brasil, como se viu pelos recursos impetrados na Justiça contra os leilões por parte de agrupamentos corporativistas e de outros que se dizem nacionalistas.
O atraso de pelo menos cinco anos na exploração e desenvolvimento do pré-sal deveu-se a vários fatores. Primeiramente, à ação de governos anteriores que pilharam a Petrobrás e lhe retiraram capacidade financeira e operacional. Em segundo lugar, à ideia de jerico de que era preciso esperar pela recuperação dos preços internacionais do petróleo antes de leiloar novas áreas, como se os atuais níveis de cotação fossem temporários. E, em terceiro, a outra bobagem de que o mais importante era manter afastado o setor privado do que se considera o filé mignon do setor.
Essa miopia já saiu caro demais para o Brasil. E para avaliação dos estragos há todo tipo de cálculo. O que importa mesmo considerar é que o crescimento da produção do petróleo e gás foi retardado e a indústria de fornecedores de equipamentos e serviços perdeu enormes encomendas. Dezenas de milhares de empregos ou não foram abertos ou, simplesmente, foram sumariamente fechados, como qualquer visitante do polo de Macaé pode conferir. O Brasil perdeu bilhões em arrecadação não realizada de impostos. Só o Estado do Rio de Janeiro deve ter perdido R$ 3 bilhões em receitas com royalties, em quatro anos. Toda essa tacanhice foi exercida em nome da aversão à concessão da exploração a empresas privadas ou estatais estrangeiras.
O que essa gente não entendeu ainda é que a era do petróleo está acabando. A participação dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial está em acentuado declínio. A principal opção na Europa e na China, apenas para ficar com dois grandes polos de produção e consumo, passou a ser a produção de energia a partir de fontes renováveis, como a eólica e a solar. A indústria automobilística começa a eliminar os motores a combustão e, nos próximos dez anos, deverá ter avançado muito nessa direção. A própria Arábia Saudita, o maior exportador global de petróleo, acaba de tomar a decisão de colocar em marcha o Plano Vision 2030, que aponta para uma economia além do petróleo. Há dois meses, o presidente da Petrobrás, Pedro Parente, advertia que, a partir de 2040, o consumo mundial de petróleo estará em declínio inexorável.
A partir do início dos investimentos, um campo de petróleo precisa de sete a oito anos para começar a produzir. E deve continuar ativo por mais trinta. Ou seja, deixar de aproveitar já, ou enquanto ainda houver tempo, essas riquezas implica perder oportunidades históricas, perder PIB e emprego e correr enorme risco de chegarmos ao fim da era do petróleo com uma imensidão de ex-futuras riquezas enterradas no subsolo. A idade da pedra não acabou por falta de pedra; assim, também, será com o petróleo - advertia na década de 70 o ministro de Petróleo da Arábia Saudita, Ahmed Zaki Yamani.
A idade da pedra não acabou por falta de pedra; assim, também, será com o petróleo
O sucesso do leilão de áreas do pré-sal realizado sexta-feira, no Rio, não é o principal gol a comemorar. Mais importante é o fato de que o Brasil deixou para trás desastroso período de equívocos na sua política do petróleo.
Ainda há focos de resistência à aceleração do desenvolvimento dos campos de petróleo no Brasil, como se viu pelos recursos impetrados na Justiça contra os leilões por parte de agrupamentos corporativistas e de outros que se dizem nacionalistas.
O atraso de pelo menos cinco anos na exploração e desenvolvimento do pré-sal deveu-se a vários fatores. Primeiramente, à ação de governos anteriores que pilharam a Petrobrás e lhe retiraram capacidade financeira e operacional. Em segundo lugar, à ideia de jerico de que era preciso esperar pela recuperação dos preços internacionais do petróleo antes de leiloar novas áreas, como se os atuais níveis de cotação fossem temporários. E, em terceiro, a outra bobagem de que o mais importante era manter afastado o setor privado do que se considera o filé mignon do setor.
Essa miopia já saiu caro demais para o Brasil. E para avaliação dos estragos há todo tipo de cálculo. O que importa mesmo considerar é que o crescimento da produção do petróleo e gás foi retardado e a indústria de fornecedores de equipamentos e serviços perdeu enormes encomendas. Dezenas de milhares de empregos ou não foram abertos ou, simplesmente, foram sumariamente fechados, como qualquer visitante do polo de Macaé pode conferir. O Brasil perdeu bilhões em arrecadação não realizada de impostos. Só o Estado do Rio de Janeiro deve ter perdido R$ 3 bilhões em receitas com royalties, em quatro anos. Toda essa tacanhice foi exercida em nome da aversão à concessão da exploração a empresas privadas ou estatais estrangeiras.
O que essa gente não entendeu ainda é que a era do petróleo está acabando. A participação dos combustíveis fósseis na matriz energética mundial está em acentuado declínio. A principal opção na Europa e na China, apenas para ficar com dois grandes polos de produção e consumo, passou a ser a produção de energia a partir de fontes renováveis, como a eólica e a solar. A indústria automobilística começa a eliminar os motores a combustão e, nos próximos dez anos, deverá ter avançado muito nessa direção. A própria Arábia Saudita, o maior exportador global de petróleo, acaba de tomar a decisão de colocar em marcha o Plano Vision 2030, que aponta para uma economia além do petróleo. Há dois meses, o presidente da Petrobrás, Pedro Parente, advertia que, a partir de 2040, o consumo mundial de petróleo estará em declínio inexorável.
A partir do início dos investimentos, um campo de petróleo precisa de sete a oito anos para começar a produzir. E deve continuar ativo por mais trinta. Ou seja, deixar de aproveitar já, ou enquanto ainda houver tempo, essas riquezas implica perder oportunidades históricas, perder PIB e emprego e correr enorme risco de chegarmos ao fim da era do petróleo com uma imensidão de ex-futuras riquezas enterradas no subsolo. A idade da pedra não acabou por falta de pedra; assim, também, será com o petróleo - advertia na década de 70 o ministro de Petróleo da Arábia Saudita, Ahmed Zaki Yamani.
O direito ao delírio - FERNANDO GABEIRA
O Globo - 29/10
Nos últimos anos de vida política em Brasília, disse a amigos que queria incluir uma nova bandeira entre as lutas cotidianas: o direito ao delírio. Sabiam que a palavra delírio não designava alteração da consciência, produzida por drogas. Ainda assim, não entendiam bem. Minha referência eram as alucinações que épocas, partidos, grupos e indivíduos cultivam sobre si próprios e, na maioria dos casos, são dissipadas pelo curso dos fatos.
Agora, posso voltar ao tema e avançar um pouco na explicação sucinta daquele momento. Pressinto que o próprio país caminha, depois de tantos embates, para uma fase que chamo de pós ideológica, consciente da precariedade do termo.
As duas correntes que as pesquisas indicam como as preferidas, no momento, são as que travam um debate ideológico. Minha própria ideia de que se caminha para uma fase pós ideológica também é uma dessas ilusões que precisam ser testadas na prática. O problema não é ter ilusões, mas sim buscar a maior proximidade com os fatos. Tanto o marxismo, de certa forma herdeiro do iluminismo, como os liberais conservadores partem do que pode ser um erro fundamental.
Não me interessam aqui as explosões radicais, as brigas cotidianas em si próprias. Mas sim o nobre fundamento sobre a qual estão apoiados os contendores. Ambos os lados procuram, através do diálogo e dos confrontos, um consenso sobre a melhor maneira de viver bem. Nesse sentido, perseguem uma ilusão inalcançável. Nas sociedades complexas e diversificadas, o consenso não existe, nem está no horizonte. No seu lugar, é preciso introduzir a ideia de convivência pacífica, o que alguns autores chamam também de modus vivendi.
Encontrar o modus vivendi entre tantas concepções antagônicas é muito difícil porque os conflitos prosseguem, envolvem as instituições, explodem desejos contraditórias por liberdade.
Tanto os herdeiros do iluminismo que trabalham com a hipótese de um consenso racional sobre a melhor vida, como os liberais que acreditam em preservar os valores tradicionais, tendem ao fundamentalismo, sobretudo quando entram em choque.
Assim como a existência das ilusões não quer dizer que a realidade inexista, a busca do modus vivendi não significa um relativismo amoral. É apenas uma constatação que, se aceita, pode reorientar a energia não apenas para o confronto, mas para hipóteses de acordo em temas de interesse mútuo, sobretudo os de reconstrução nacional.
Para o marxismo, talvez isso não seja um problema pois parte do princípio de ter uma saída para os problemas sociais, uma forma única de ver o mundo, uma vontade de convencer que o leva a uma ação missionária.
Para o liberalismo, tornar-se fundamentalista, no entanto, é contradizer algumas de suas principais correntes teóricas. Isso aparece, claramente, nos debates que antecedem as guerras dedicadas a implantar a democracia em países distantes, com história e costumes diferentes. Será que funcionam?
Ao longo desses anos, hesitei um pouco em lançar mão da ideia da liberdade de delirar. Não pelo fato de levar pancadas dos dois lados, pois considero isso parte do jogo. A ideia de que é possível estabelecer uma hegemonia no campo cultural foi, na verdade um dos estopins do debate. Ela é ingênua e inadequada às instituições flexíveis, baseadas na pluralidade.
Mesmo os que não conhecem Antonio Gramsci ou se importam com suas teorias percebem que a ideia de hegemonia significa a neutralização de outras correntes, um domínio amplo e detalhado do espaço cultural, uma negação do próprio conceito de cultura.
Não é possível clamar por tolerância e sonhar com a hegemonia. A tolerância é moldada precisamente na aceitação da pluralidade. Afirmar isto, vale também acusações de proteger o status quo, eternizar o capitalismo, bloquear mudanças.
Isso revela também uma outra divergência sobre a ação política. Não há na realidade salvação nem salvadores. Há apenas soluções provisórias para alguns problemas recorrentes, até mesmo a admissão de que alguns não serão resolvidos a curto prazo.
Na casa de Câmara Cascudo, li uma frase interessante na parede: o Brasil não tem problemas, mas sim soluções adiadas. Uma coisa é tentar viabilizar algumas dessas soluções adiadas. Não é isso que costuma aparecer nas eleições.
Muitos candidatos dizem que trarão consigo um projeto nacional. Isto dá a impressão de que o país é uma folha em branco e será esculpido para as próximas gerações. Não é bem assim, embora seja legítimo o delírio de moldar um país por muitas décadas. Ainda não descobri se os principais partidos que passaram pelo poder usaram a expressão com o objetivo de plasmar um novo país ou apenas para racionalizar seu desejo de ficar muitos anos no governo. Os fatos apontam para esta última hipótese.
Quanto mais se acredita no sonho de um consenso racional, mais escasseia a tolerância. O delírio de um, modus vivendi, acho eu, é mais próximo de nossa realidade diversa.
Nos últimos anos de vida política em Brasília, disse a amigos que queria incluir uma nova bandeira entre as lutas cotidianas: o direito ao delírio. Sabiam que a palavra delírio não designava alteração da consciência, produzida por drogas. Ainda assim, não entendiam bem. Minha referência eram as alucinações que épocas, partidos, grupos e indivíduos cultivam sobre si próprios e, na maioria dos casos, são dissipadas pelo curso dos fatos.
Agora, posso voltar ao tema e avançar um pouco na explicação sucinta daquele momento. Pressinto que o próprio país caminha, depois de tantos embates, para uma fase que chamo de pós ideológica, consciente da precariedade do termo.
As duas correntes que as pesquisas indicam como as preferidas, no momento, são as que travam um debate ideológico. Minha própria ideia de que se caminha para uma fase pós ideológica também é uma dessas ilusões que precisam ser testadas na prática. O problema não é ter ilusões, mas sim buscar a maior proximidade com os fatos. Tanto o marxismo, de certa forma herdeiro do iluminismo, como os liberais conservadores partem do que pode ser um erro fundamental.
Não me interessam aqui as explosões radicais, as brigas cotidianas em si próprias. Mas sim o nobre fundamento sobre a qual estão apoiados os contendores. Ambos os lados procuram, através do diálogo e dos confrontos, um consenso sobre a melhor maneira de viver bem. Nesse sentido, perseguem uma ilusão inalcançável. Nas sociedades complexas e diversificadas, o consenso não existe, nem está no horizonte. No seu lugar, é preciso introduzir a ideia de convivência pacífica, o que alguns autores chamam também de modus vivendi.
Encontrar o modus vivendi entre tantas concepções antagônicas é muito difícil porque os conflitos prosseguem, envolvem as instituições, explodem desejos contraditórias por liberdade.
Tanto os herdeiros do iluminismo que trabalham com a hipótese de um consenso racional sobre a melhor vida, como os liberais que acreditam em preservar os valores tradicionais, tendem ao fundamentalismo, sobretudo quando entram em choque.
Assim como a existência das ilusões não quer dizer que a realidade inexista, a busca do modus vivendi não significa um relativismo amoral. É apenas uma constatação que, se aceita, pode reorientar a energia não apenas para o confronto, mas para hipóteses de acordo em temas de interesse mútuo, sobretudo os de reconstrução nacional.
Para o marxismo, talvez isso não seja um problema pois parte do princípio de ter uma saída para os problemas sociais, uma forma única de ver o mundo, uma vontade de convencer que o leva a uma ação missionária.
Para o liberalismo, tornar-se fundamentalista, no entanto, é contradizer algumas de suas principais correntes teóricas. Isso aparece, claramente, nos debates que antecedem as guerras dedicadas a implantar a democracia em países distantes, com história e costumes diferentes. Será que funcionam?
Ao longo desses anos, hesitei um pouco em lançar mão da ideia da liberdade de delirar. Não pelo fato de levar pancadas dos dois lados, pois considero isso parte do jogo. A ideia de que é possível estabelecer uma hegemonia no campo cultural foi, na verdade um dos estopins do debate. Ela é ingênua e inadequada às instituições flexíveis, baseadas na pluralidade.
Mesmo os que não conhecem Antonio Gramsci ou se importam com suas teorias percebem que a ideia de hegemonia significa a neutralização de outras correntes, um domínio amplo e detalhado do espaço cultural, uma negação do próprio conceito de cultura.
Não é possível clamar por tolerância e sonhar com a hegemonia. A tolerância é moldada precisamente na aceitação da pluralidade. Afirmar isto, vale também acusações de proteger o status quo, eternizar o capitalismo, bloquear mudanças.
Isso revela também uma outra divergência sobre a ação política. Não há na realidade salvação nem salvadores. Há apenas soluções provisórias para alguns problemas recorrentes, até mesmo a admissão de que alguns não serão resolvidos a curto prazo.
Na casa de Câmara Cascudo, li uma frase interessante na parede: o Brasil não tem problemas, mas sim soluções adiadas. Uma coisa é tentar viabilizar algumas dessas soluções adiadas. Não é isso que costuma aparecer nas eleições.
Muitos candidatos dizem que trarão consigo um projeto nacional. Isto dá a impressão de que o país é uma folha em branco e será esculpido para as próximas gerações. Não é bem assim, embora seja legítimo o delírio de moldar um país por muitas décadas. Ainda não descobri se os principais partidos que passaram pelo poder usaram a expressão com o objetivo de plasmar um novo país ou apenas para racionalizar seu desejo de ficar muitos anos no governo. Os fatos apontam para esta última hipótese.
Quanto mais se acredita no sonho de um consenso racional, mais escasseia a tolerância. O delírio de um, modus vivendi, acho eu, é mais próximo de nossa realidade diversa.
O fantasma do mercado na eleição - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 29/10
Faz tempo que atribuir preferências políticas à entidade chamada de "o mercado" é motivo de algum ridículo, seja pela ingenuidade, seja pela picaretagem da explicação.
No entanto, é fato que criaturas mascaradas de "o mercado" sopram histórias nos ouvidos de jornalistas, assim como, sem fantasias, existem pessoas ou grupos influentes da elite econômica que tratam de política e candidaturas.
Seria dispensável escrever essas obviedades constrangedoras se não fosse tão frequente ler que "o mercado" acha isso ou aquilo do último bocejo ou tique de Rodrigo Maia, por exemplo.
Antes de mais nada, do que se trata? Da vontade geral dos endinheirados? De opiniões monolíticas da gente graúda da finança? De uma metonímia gasta e confusa para empresários? A lembrança de alguns casos pode ilustrar de modo menos abstrato a tolice dessa conversa.
Em 2015, os dois maiores banqueiros do país se opunham à deposição de Dilma Rousseff. Roberto Setubal, presidente do Itaú, o disse em entrevista a esta Folha. Luiz Carlos Trabuco e o pessoal do Bradesco na prática davam assessoria informal a Dilma. Obviamente não eram adeptos do programa dilmiano, mas, em resumo grosso, eram avessos à bagunça de um impeachment e ao caráter geral bananeiro da coisa.
Na mesma época, não era bem o que se ouvia da turma mais animada do PFL, "Partido da Faria Lima", apelido sarcástico da finança paulistana, baseado no nome da avenida que é um centro financeiro da cidade. Queriam a cabeça de Dilma na ponta de uma estaca, o quanto antes, mas ficaram na moita, amuados ou até furiosos com Setubal e Trabuco, os pesos mais pesados da praça.
"O mercado" engloba empresários que não sejam da finança? Qual "empresariado"?
Os da Fiesp, adeptos de BNDES, de proteção à indústria nacional e desenvolvimentismo, como Benjamin Steinbruch (CSN etc.)? Os do Iedi dos tempos de Pedro Passos (Natura etc.), com um programa liberal ameno? Os da CNI, essa herança varguista, que nos dias finais do petismo até tomaram um banho de loja liberal, mas não muito? Os liderados por Jorge Gerdau, assessor oficial de Dilma e, logo depois, patrono informal das ruas antipetistas? O empresariado é mais Flavio Rocha, ex-político do PFL, PL, collorido e dono da Riachuelo, da direita dura e adepto de João Doria, ou mais Luiza Trajano?
Há claro, gente mais ou menos influente. Há por vezes articulações, em geral fluidas, a depender da temporada, da conjuntura, de relações muito pessoais e das candidaturas que, enfim, desculpe-se a obviedade, são filtradas na política partidária, e não por algum puro comitê da burguesia.
Armínio Fraga, PSDB por tanto tempo, conversa com nomes fora do furdunço podre da política. Pela carreira pública e de empresário, além de prestígio intelectual, pode fazer muitos amigos e influenciar pessoas, da finança à indústria. É "o mercado"? Muita gente graúda do mercado está no por ora infante Partido Novo, como Gustavo Franco e João Dionísio Amoêdo. Ou em outras praias mais secretas.
Muita gente graúda, a maioria, é adepta de reformas liberais e de uma candidatura viável que leve adiante e logo um programa assim. Óbvio. Quem? Por ora, como de costume, o que há mesmo é um mercado de hipóteses.
Faz tempo que atribuir preferências políticas à entidade chamada de "o mercado" é motivo de algum ridículo, seja pela ingenuidade, seja pela picaretagem da explicação.
No entanto, é fato que criaturas mascaradas de "o mercado" sopram histórias nos ouvidos de jornalistas, assim como, sem fantasias, existem pessoas ou grupos influentes da elite econômica que tratam de política e candidaturas.
Seria dispensável escrever essas obviedades constrangedoras se não fosse tão frequente ler que "o mercado" acha isso ou aquilo do último bocejo ou tique de Rodrigo Maia, por exemplo.
Antes de mais nada, do que se trata? Da vontade geral dos endinheirados? De opiniões monolíticas da gente graúda da finança? De uma metonímia gasta e confusa para empresários? A lembrança de alguns casos pode ilustrar de modo menos abstrato a tolice dessa conversa.
Em 2015, os dois maiores banqueiros do país se opunham à deposição de Dilma Rousseff. Roberto Setubal, presidente do Itaú, o disse em entrevista a esta Folha. Luiz Carlos Trabuco e o pessoal do Bradesco na prática davam assessoria informal a Dilma. Obviamente não eram adeptos do programa dilmiano, mas, em resumo grosso, eram avessos à bagunça de um impeachment e ao caráter geral bananeiro da coisa.
Na mesma época, não era bem o que se ouvia da turma mais animada do PFL, "Partido da Faria Lima", apelido sarcástico da finança paulistana, baseado no nome da avenida que é um centro financeiro da cidade. Queriam a cabeça de Dilma na ponta de uma estaca, o quanto antes, mas ficaram na moita, amuados ou até furiosos com Setubal e Trabuco, os pesos mais pesados da praça.
"O mercado" engloba empresários que não sejam da finança? Qual "empresariado"?
Os da Fiesp, adeptos de BNDES, de proteção à indústria nacional e desenvolvimentismo, como Benjamin Steinbruch (CSN etc.)? Os do Iedi dos tempos de Pedro Passos (Natura etc.), com um programa liberal ameno? Os da CNI, essa herança varguista, que nos dias finais do petismo até tomaram um banho de loja liberal, mas não muito? Os liderados por Jorge Gerdau, assessor oficial de Dilma e, logo depois, patrono informal das ruas antipetistas? O empresariado é mais Flavio Rocha, ex-político do PFL, PL, collorido e dono da Riachuelo, da direita dura e adepto de João Doria, ou mais Luiza Trajano?
Há claro, gente mais ou menos influente. Há por vezes articulações, em geral fluidas, a depender da temporada, da conjuntura, de relações muito pessoais e das candidaturas que, enfim, desculpe-se a obviedade, são filtradas na política partidária, e não por algum puro comitê da burguesia.
Armínio Fraga, PSDB por tanto tempo, conversa com nomes fora do furdunço podre da política. Pela carreira pública e de empresário, além de prestígio intelectual, pode fazer muitos amigos e influenciar pessoas, da finança à indústria. É "o mercado"? Muita gente graúda do mercado está no por ora infante Partido Novo, como Gustavo Franco e João Dionísio Amoêdo. Ou em outras praias mais secretas.
Muita gente graúda, a maioria, é adepta de reformas liberais e de uma candidatura viável que leve adiante e logo um programa assim. Óbvio. Quem? Por ora, como de costume, o que há mesmo é um mercado de hipóteses.
Tributação dos ausentes - GUSTAVO FRANCO
O GLOBO/ESTADÃO - 29/10
Contribuinte ou consumidor raramente é visto nos conchavos feitos em Brasília
Entre as leis econômicas mais importantes e menos conhecidas está a que afirma que Nelson Rodrigues estava errado e que as unanimidades não são burras. Explico: quando se trata de acordos econômicos (e políticos) as decisões são quase sempre por unanimidade entre os presentes, eis a sutileza que muda tudo.
Assim são os acordos parlamentares, os cartéis e os pactos sociais.
O principal defeito desses arranjos é que todos são construídos com o intuito de espetar a conta em alguém que não faz parte da conversa. Alguém como o contribuinte ou o consumidor, um interesse difuso e diluído, que raramente se vê representado nos conchavos e acordos feitos em Brasília.
Esta é uma das grandes doenças de nosso tempo, a tributação do ausente, por conta dos falsos consensos.
No decorrer do tempo, Brasília desenvolveu uma rara habilidade nesse assunto, e sempre exibindo em sua defesa uma unanimidade (ou ao menos uma maioria) apenas aparente e nada representativa.
O exemplo número um é a inflação, sabidamente, um imposto sobre o pobre, cobrado sem que tenha sido autorizado pelos devidos ritos legislativos e pelo qual ninguém se responsabiliza. Os senhores parlamentares entram em acordo sobre despesa e receita, a primeira muito maior que a segunda, e o Poder Executivo fecha a conta pintando pedaços de papel que as pessoas são obrigadas a aceitar em pagamento por mercadorias e serviços.
Antes de 1994 se descrevia esse tipo de dinâmica social como “conflito distributivo”, cuja solução era proporcionada pelos recursos gerados pela inflação, que funcionava como uma tributação do ausente, o excluído do sistema financeiro, o indefeso diante da inflação.
Depois de 1994, e sobretudo depois da Nova Matriz, ficou claro que estamos diante de um outro tipo de conflito distributivo, aquele onde a tributação recai sobre outro ausente, ainda mais vulnerável, as crianças.
Como funciona?
A dinâmica orçamentária é a mesma da época da inflação, só que o déficit, ou o rombo, para usar o termo técnico, é coberto por dívida, não mais com papel pintado. Faz toda a diferença pois, para usar uma daquelas verdades monótonas de que é feita a ciência econômica, a dívida de hoje é o imposto de amanhã.
Ou seja, a dívida pública é uma espécie de imposto sobre a herança, ou um legado de novos impostos que deixamos para os nossos filhos.
Novamente estamos tributando um ausente, por miopia ou vilania mesmo, como se vê com clareza no debate sobre a Previdência.
As aposentadorias são maiores que o permitido pelas contribuições, de tal sorte que há um déficit que é coberto com dívida, e/ou com outros impostos (sobre a renda e sobre o faturamento das empresas) que faltam para cobrir outras atividades do Estado.
Há, portanto, um novo conflito distributivo em operação, e sua natureza é intergeneracional: velhos explorando os jovens, seus próprios descendentes. O que era um imposto sobre o pobre, a inflação, agora, se transformou em uma contribuição a ser paga pelas crianças.
Este País não devia ser descrito como cordial.
Mas, recentemente, uma CPI sobre a Previdência concluiu que não há déficit no sistema previdenciário brasileiro. Isso me faz lembrar que nunca houve uma CPI da inflação, a maior e mais duradoura desgraça econômica autoinfligida que o País já experimentou. Para ambas as situações, no Parlamento, há evidente intuito de negação, possivelmente a manifestação de um direito constitucional legítimo, o princípio do “nemo tenetur se detegere”, ou o direito de não produzir prova contra si mesmo.
Quem sentaria no banco dos investigados na CPI da inflação (além dos economistas heterodoxos, inocentes úteis de um processo social perverso) senão os senhores e senhoras que fazem as leis, inclusive orçamentárias, e o déficit?
Depois desta CPI da Previdência, ouvi uma oportuna sugestão de que deveríamos agora iniciar uma outra para investigar os atentados à matemática, ou sobre as razões pelas quais o Brasil permanece sendo o país do futuro que nunca chega.
* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS.
Contribuinte ou consumidor raramente é visto nos conchavos feitos em Brasília
Entre as leis econômicas mais importantes e menos conhecidas está a que afirma que Nelson Rodrigues estava errado e que as unanimidades não são burras. Explico: quando se trata de acordos econômicos (e políticos) as decisões são quase sempre por unanimidade entre os presentes, eis a sutileza que muda tudo.
Assim são os acordos parlamentares, os cartéis e os pactos sociais.
O principal defeito desses arranjos é que todos são construídos com o intuito de espetar a conta em alguém que não faz parte da conversa. Alguém como o contribuinte ou o consumidor, um interesse difuso e diluído, que raramente se vê representado nos conchavos e acordos feitos em Brasília.
Esta é uma das grandes doenças de nosso tempo, a tributação do ausente, por conta dos falsos consensos.
No decorrer do tempo, Brasília desenvolveu uma rara habilidade nesse assunto, e sempre exibindo em sua defesa uma unanimidade (ou ao menos uma maioria) apenas aparente e nada representativa.
O exemplo número um é a inflação, sabidamente, um imposto sobre o pobre, cobrado sem que tenha sido autorizado pelos devidos ritos legislativos e pelo qual ninguém se responsabiliza. Os senhores parlamentares entram em acordo sobre despesa e receita, a primeira muito maior que a segunda, e o Poder Executivo fecha a conta pintando pedaços de papel que as pessoas são obrigadas a aceitar em pagamento por mercadorias e serviços.
Antes de 1994 se descrevia esse tipo de dinâmica social como “conflito distributivo”, cuja solução era proporcionada pelos recursos gerados pela inflação, que funcionava como uma tributação do ausente, o excluído do sistema financeiro, o indefeso diante da inflação.
Depois de 1994, e sobretudo depois da Nova Matriz, ficou claro que estamos diante de um outro tipo de conflito distributivo, aquele onde a tributação recai sobre outro ausente, ainda mais vulnerável, as crianças.
Como funciona?
A dinâmica orçamentária é a mesma da época da inflação, só que o déficit, ou o rombo, para usar o termo técnico, é coberto por dívida, não mais com papel pintado. Faz toda a diferença pois, para usar uma daquelas verdades monótonas de que é feita a ciência econômica, a dívida de hoje é o imposto de amanhã.
Ou seja, a dívida pública é uma espécie de imposto sobre a herança, ou um legado de novos impostos que deixamos para os nossos filhos.
Novamente estamos tributando um ausente, por miopia ou vilania mesmo, como se vê com clareza no debate sobre a Previdência.
As aposentadorias são maiores que o permitido pelas contribuições, de tal sorte que há um déficit que é coberto com dívida, e/ou com outros impostos (sobre a renda e sobre o faturamento das empresas) que faltam para cobrir outras atividades do Estado.
Há, portanto, um novo conflito distributivo em operação, e sua natureza é intergeneracional: velhos explorando os jovens, seus próprios descendentes. O que era um imposto sobre o pobre, a inflação, agora, se transformou em uma contribuição a ser paga pelas crianças.
Este País não devia ser descrito como cordial.
Mas, recentemente, uma CPI sobre a Previdência concluiu que não há déficit no sistema previdenciário brasileiro. Isso me faz lembrar que nunca houve uma CPI da inflação, a maior e mais duradoura desgraça econômica autoinfligida que o País já experimentou. Para ambas as situações, no Parlamento, há evidente intuito de negação, possivelmente a manifestação de um direito constitucional legítimo, o princípio do “nemo tenetur se detegere”, ou o direito de não produzir prova contra si mesmo.
Quem sentaria no banco dos investigados na CPI da inflação (além dos economistas heterodoxos, inocentes úteis de um processo social perverso) senão os senhores e senhoras que fazem as leis, inclusive orçamentárias, e o déficit?
Depois desta CPI da Previdência, ouvi uma oportuna sugestão de que deveríamos agora iniciar uma outra para investigar os atentados à matemática, ou sobre as razões pelas quais o Brasil permanece sendo o país do futuro que nunca chega.
* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS.
Com transferência para prisão federal, Bretas transformou Cabral em vítima - ELIO GASPARI
FOLHA DE SP/O GLOBO - 29/10
O juiz Marcelo Bretas deu uma demonstração de destemperada onipotência ao transferir o ex-governador Sérgio Cabral para uma prisão federal. Ele e o Ministério Público poderiam ter cuidado disso em julho, quando soube-se que o ilustre detento tinha como companheiro de cela e anjo da guarda um ex-PM condenado a 19 anos por negócios com o tráfico. É comum que os chefes de quadrilhas tenham guarda-costas na cadeia.
Bretas determinou a transferência punitiva de Cabral porque, numa audiência, discutindo a mecânica do comércio de joias, coisa que o ex-governador e sua mulher conhecem e usufruem, disse o seguinte:
"Vossa Excelência tem um relativo conhecimento sobre o assunto, porque sua família mexe com bijuterias. Se eu não me engano, é a maior empresa de bijuterias do Estado."
Bretas tomou essa afirmação sibilina como uma ameaça, feita "subliminarmente". Da cadeia, com "acesso privilegiado a informações que talvez não devesse ter", Cabral "acompanharia a rotina" de sua família. Diante disso, o Ministério Público requereu a transferência do preso para uma cana federal e Bretas concedeu-a. Dias depois o desembargador federal Abel Gomes confirmou a decisão, porque, entre outras impropriedades, Cabral estaria "pesquisando a vida das autoridades que constitucionalmente estão encarregadas da persecução e julgamento das diversas ações penais a que responde".
A partir de uma frase de Cabral, construiu-se um bonito romance policial. Preso, o Poderoso Chefão descobre que a família do corajoso juiz tem uma loja de bijuterias e mostra que sabe disso. (A cena está na rede, e quem quiser perder uns 15 minutos, pode conferi-la.)
Cabral foi para a audiência disposto a desestabilizar Bretas. Já fez isso em duas outras ocasiões, mas desta vez conseguiu. Colocou o juiz em tamanha defensiva que acabou pedindo ajuda aos advogados do criminoso. Com sua técnica parlamentar, Cabral foi da prepotência à humildade, armou o alçapão e Bretas caiu nele. Faltou-lhe a frieza de Sergio Moro. Cabral foi um bom ator e ninguém podia pedir a Bretas que o superasse na arte cênica, mas foi um mau juiz ao aceitar a argumentação do Ministério Público, encampando a tese da "informação privilegiada" para transferi-lo.
A informação de que a família de Bretas tem uma casa comercial nada tem de privilegiada. Foi publicada em fevereiro pelos repórteres Marco Aurélio Canônico e Italo Nogueira. Em setembro, Luiz Maklouf Carvalho repetiu-a, tendo entrevistado o próprio Bretas e seu pai. Nos dois casos, identificou-se a região do Rio onde fica a loja, que não é a maior do Estado, nem trabalha com bijuterias, pois seria mais adequado falar em miçangas. Como disse Márcio, o irmão mais moço do juiz, com uma das joias de Cabral pode-se comprar todo o estoque de sua loja, onde o preço médio das mercadorias é de R$ 5.
Dizer que Cabral teve acesso a informações privilegiadas ou que tenha pesquisado a vida de Bretas é atentar contra a inteligência alheia. Bastava ler jornal. Cabral fez o diabo (inclusive na cadeia) e suas condenações haverão de somar mais de cem anos, mas, com os fatos expostos, não se pode acusá-lo de ter pesquisado a vida de Bretas ou de ter recebido informações privilegiadas na cana.
O Sistema U, de entidades da União, embaralha decisões da Lava Jato
Surgiu um novo consórcio no céu de Brasília. É o Sistema U, composto pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Controladoria-Geral da União (CGU). De uma maneira ou de outra, todos existem para defender a moralidade pública.
Nos últimos meses, percebeu-se que algumas decisões saídas desse sistema vêm fazendo a alegria dos maganos apanhados em roubalheiras. Embaralhando o jogo com decisões escalafobéticas, elas atingiram a eficácia dos acordos de colaboração.
O procurador Carlos Fernando Lima, nacionalmente conhecido pela sua atuação na Lava Jato, expôs o fenômeno: "Quando o governo vai contra as pessoas que fizeram acordo, e não contra as pessoas que foram reveladas pelo acordo, qual a mensagem que ele passa? A mensagem é 'não façam novos acordos'. Então, o que ele quer é que não haja novos fatos revelados".
A União pretendia receber de uma empreiteira quantia superior a todo seu faturamento em dez anos. Noutro caso, o TCU abriu um processo baseando-se em fatos revelados no âmbito do acordo de colaboração firmado com o Ministério Público. Dois ministros votaram pelo novo processo, mas um deles era acusado de ter recebido propina por meio do filho do outro.
Pode-se supor que essas coisas acontecem apenas por furor punitivo de servidores bem intencionados. O problema é que as boas intenções servem aos interesses de quem não quer punição alguma, pois fritando-se o delator, livra-se a cara do delatado.
Nenhuma dessas observações tem a ver com a prisão dos irmãos Batista, da JBS, porque, no caso deles, a decisão de buscar o acordo com o procurador-geral Rodrigo Janot estava contaminada.
*
MADAME NATASHA
Madame Natasha pede ao presidente Michel Temer que cuide melhor do idioma. Na quarta-feira (25), quando ele padecia de um desconforto, o Planalto informou ao país que se hospitalizara, por causa de uma "obstrução urológica". Segundo o Houaiss, o termo "urológico" se refere à urologia, "especialidade médica que se destina ao estudo e do tratamento de doenças do sistema urinário".
Temer estava com uma obstrução urinária. Ele, como o papa, a rainha da Inglaterra e os demais mamíferos, urina. Não há motivo para se fingir que Sua Excelência está dispensado dessa atividade.
Num outro extremo da sinceridade idiomática, ficou o general Ernesto Geisel. Em pelo menos uma ocasião, indo para a sala de jantar, perguntou ao convidado se "queria urinar". Em geral, disfarça-se com uma sugestão para "lavar as mãos".
*
A MORTE DE KENNEDY
Os 2.200 documentos relacionados com o assassinato do presidente John Kennedy, em novembro de 1963, não contradizem a versão segundo a qual seu assassino, Lee Oswald, foi à Cidade do México um mês antes, batalhando por um visto cubano.
Ele esteve na embaixada russa e no Consulado de Cuba, e as duas visitas foram mapeadas e investigadas. Até agora, foi isso mesmo: ele, que tinha morado na União Soviética, queria um visto e não o conseguiu. (Ficaram em segredo outros 700 documentos.)
Sobre esse lance, paira uma frase do presidente Lyndon Johnson, dita em 1968, quando ainda estava na Casa Branca: "Kennedy queria pegar Castro, mas ele pegou-o primeiro. (...) Um dia isso vai aparecer."
Johnson havia sido o vice de Kennedy e detestavam-se.
O juiz Marcelo Bretas deu uma demonstração de destemperada onipotência ao transferir o ex-governador Sérgio Cabral para uma prisão federal. Ele e o Ministério Público poderiam ter cuidado disso em julho, quando soube-se que o ilustre detento tinha como companheiro de cela e anjo da guarda um ex-PM condenado a 19 anos por negócios com o tráfico. É comum que os chefes de quadrilhas tenham guarda-costas na cadeia.
Bretas determinou a transferência punitiva de Cabral porque, numa audiência, discutindo a mecânica do comércio de joias, coisa que o ex-governador e sua mulher conhecem e usufruem, disse o seguinte:
"Vossa Excelência tem um relativo conhecimento sobre o assunto, porque sua família mexe com bijuterias. Se eu não me engano, é a maior empresa de bijuterias do Estado."
Bretas tomou essa afirmação sibilina como uma ameaça, feita "subliminarmente". Da cadeia, com "acesso privilegiado a informações que talvez não devesse ter", Cabral "acompanharia a rotina" de sua família. Diante disso, o Ministério Público requereu a transferência do preso para uma cana federal e Bretas concedeu-a. Dias depois o desembargador federal Abel Gomes confirmou a decisão, porque, entre outras impropriedades, Cabral estaria "pesquisando a vida das autoridades que constitucionalmente estão encarregadas da persecução e julgamento das diversas ações penais a que responde".
A partir de uma frase de Cabral, construiu-se um bonito romance policial. Preso, o Poderoso Chefão descobre que a família do corajoso juiz tem uma loja de bijuterias e mostra que sabe disso. (A cena está na rede, e quem quiser perder uns 15 minutos, pode conferi-la.)
Cabral foi para a audiência disposto a desestabilizar Bretas. Já fez isso em duas outras ocasiões, mas desta vez conseguiu. Colocou o juiz em tamanha defensiva que acabou pedindo ajuda aos advogados do criminoso. Com sua técnica parlamentar, Cabral foi da prepotência à humildade, armou o alçapão e Bretas caiu nele. Faltou-lhe a frieza de Sergio Moro. Cabral foi um bom ator e ninguém podia pedir a Bretas que o superasse na arte cênica, mas foi um mau juiz ao aceitar a argumentação do Ministério Público, encampando a tese da "informação privilegiada" para transferi-lo.
A informação de que a família de Bretas tem uma casa comercial nada tem de privilegiada. Foi publicada em fevereiro pelos repórteres Marco Aurélio Canônico e Italo Nogueira. Em setembro, Luiz Maklouf Carvalho repetiu-a, tendo entrevistado o próprio Bretas e seu pai. Nos dois casos, identificou-se a região do Rio onde fica a loja, que não é a maior do Estado, nem trabalha com bijuterias, pois seria mais adequado falar em miçangas. Como disse Márcio, o irmão mais moço do juiz, com uma das joias de Cabral pode-se comprar todo o estoque de sua loja, onde o preço médio das mercadorias é de R$ 5.
Dizer que Cabral teve acesso a informações privilegiadas ou que tenha pesquisado a vida de Bretas é atentar contra a inteligência alheia. Bastava ler jornal. Cabral fez o diabo (inclusive na cadeia) e suas condenações haverão de somar mais de cem anos, mas, com os fatos expostos, não se pode acusá-lo de ter pesquisado a vida de Bretas ou de ter recebido informações privilegiadas na cana.
O Sistema U, de entidades da União, embaralha decisões da Lava Jato
Surgiu um novo consórcio no céu de Brasília. É o Sistema U, composto pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Controladoria-Geral da União (CGU). De uma maneira ou de outra, todos existem para defender a moralidade pública.
Nos últimos meses, percebeu-se que algumas decisões saídas desse sistema vêm fazendo a alegria dos maganos apanhados em roubalheiras. Embaralhando o jogo com decisões escalafobéticas, elas atingiram a eficácia dos acordos de colaboração.
O procurador Carlos Fernando Lima, nacionalmente conhecido pela sua atuação na Lava Jato, expôs o fenômeno: "Quando o governo vai contra as pessoas que fizeram acordo, e não contra as pessoas que foram reveladas pelo acordo, qual a mensagem que ele passa? A mensagem é 'não façam novos acordos'. Então, o que ele quer é que não haja novos fatos revelados".
A União pretendia receber de uma empreiteira quantia superior a todo seu faturamento em dez anos. Noutro caso, o TCU abriu um processo baseando-se em fatos revelados no âmbito do acordo de colaboração firmado com o Ministério Público. Dois ministros votaram pelo novo processo, mas um deles era acusado de ter recebido propina por meio do filho do outro.
Pode-se supor que essas coisas acontecem apenas por furor punitivo de servidores bem intencionados. O problema é que as boas intenções servem aos interesses de quem não quer punição alguma, pois fritando-se o delator, livra-se a cara do delatado.
Nenhuma dessas observações tem a ver com a prisão dos irmãos Batista, da JBS, porque, no caso deles, a decisão de buscar o acordo com o procurador-geral Rodrigo Janot estava contaminada.
*
MADAME NATASHA
Madame Natasha pede ao presidente Michel Temer que cuide melhor do idioma. Na quarta-feira (25), quando ele padecia de um desconforto, o Planalto informou ao país que se hospitalizara, por causa de uma "obstrução urológica". Segundo o Houaiss, o termo "urológico" se refere à urologia, "especialidade médica que se destina ao estudo e do tratamento de doenças do sistema urinário".
Temer estava com uma obstrução urinária. Ele, como o papa, a rainha da Inglaterra e os demais mamíferos, urina. Não há motivo para se fingir que Sua Excelência está dispensado dessa atividade.
Num outro extremo da sinceridade idiomática, ficou o general Ernesto Geisel. Em pelo menos uma ocasião, indo para a sala de jantar, perguntou ao convidado se "queria urinar". Em geral, disfarça-se com uma sugestão para "lavar as mãos".
*
A MORTE DE KENNEDY
Os 2.200 documentos relacionados com o assassinato do presidente John Kennedy, em novembro de 1963, não contradizem a versão segundo a qual seu assassino, Lee Oswald, foi à Cidade do México um mês antes, batalhando por um visto cubano.
Ele esteve na embaixada russa e no Consulado de Cuba, e as duas visitas foram mapeadas e investigadas. Até agora, foi isso mesmo: ele, que tinha morado na União Soviética, queria um visto e não o conseguiu. (Ficaram em segredo outros 700 documentos.)
Sobre esse lance, paira uma frase do presidente Lyndon Johnson, dita em 1968, quando ainda estava na Casa Branca: "Kennedy queria pegar Castro, mas ele pegou-o primeiro. (...) Um dia isso vai aparecer."
Johnson havia sido o vice de Kennedy e detestavam-se.
Os filhos da desigualdade - MARCOS LISBOA
FOLHA DE SP - 29/10
Não há apenas más notícias no relatório de Ricardo Paes de Barros sobre as causas da evasão no ensino médio e as possíveis ações para reduzi-la.
O percentual de jovens de 15 a 17 anos que frequenta o ensino médio passou de 20% para 56% de 1991 a 2015, o que contribuiu para a melhora da qualidade de vida.
Os adultos com mais de 25 anos e ensino médio completo têm uma renda média de R$ 1.142 por mês, bem mais do que os R$ 534 que recebem os com ensino fundamental incompleto. Diferenças equivalentes são observadas na participação no mercado formal de trabalho, no planejamento familiar e nos indicadores de saúde. Educação importa.
O ciclo de três anos do ensino médio custa cerca de R$ 18 mil por aluno ao setor público. Por outro lado, os jovens que completam esse ciclo têm um aumento de renda durante o restante da sua vida equivalente a receber uma herança de R$ 35 mil.
Vamos às más notícias. Deveríamos ter avançado mais. Na última década, o Brasil caiu da posição 43 para a 55 quando se compara o percentual de jovens que frequentam o ensino médio entre 98 países. Todo ano, quase 1 milhão dos nossos jovens desistem da escola.
Juventude sem estudo - Probabilidades aos 35 anos
Reduzir a evasão traz benefícios adicionais para a sociedade. Os adultos mais escolarizados têm menores problemas de saúde e são menos propensos à criminalidade, além de aumentarem a produtividade e estimularem o investimento privado.
No caso dos Estados Unidos, estima-se que esses fatores resultem em um custo social de US$ 137 mil ao longo da vida de cada jovem que desiste do ensino médio. Russell Rumberger sistematiza a pesquisa acadêmica sobre as razões e consequências da evasão no livro "Dropping Out".
A perda por aqui seria de R$ 95 mil por jovem, caso o impacto da evasão seja semelhante ao estimado para os Estados Unidos, o que significa um custo social total de R$ 95 bilhões. Bem mais do que o setor público gasta com o ensino médio, cerca de R$ 50 bilhões.
A evasão dos jovens prejudica as próximas gerações. Filhos de mães pouco educadas e mais pobres têm maior probabilidade de serem igualmente pobres e pouco educados. Completam o ensino médio 42% dos jovens cujas mães apenas terminaram o ensino fundamental. Esse número sobe para 78% caso as mães tenham concluído o ciclo médio.
A evidência indica que reduzir a evasão aumentará a renda dos novos adultos em meio a muitos outros benefícios sociais. Vamos utilizar os diagnósticos e as experiências de sucesso para aperfeiçoar a gestão da política pública? Ou a desigualdade será para sempre uma herança, que passaremos de geração a geração?
Editoria de Arte/Folhapress
Não há apenas más notícias no relatório de Ricardo Paes de Barros sobre as causas da evasão no ensino médio e as possíveis ações para reduzi-la.
O percentual de jovens de 15 a 17 anos que frequenta o ensino médio passou de 20% para 56% de 1991 a 2015, o que contribuiu para a melhora da qualidade de vida.
Os adultos com mais de 25 anos e ensino médio completo têm uma renda média de R$ 1.142 por mês, bem mais do que os R$ 534 que recebem os com ensino fundamental incompleto. Diferenças equivalentes são observadas na participação no mercado formal de trabalho, no planejamento familiar e nos indicadores de saúde. Educação importa.
O ciclo de três anos do ensino médio custa cerca de R$ 18 mil por aluno ao setor público. Por outro lado, os jovens que completam esse ciclo têm um aumento de renda durante o restante da sua vida equivalente a receber uma herança de R$ 35 mil.
Vamos às más notícias. Deveríamos ter avançado mais. Na última década, o Brasil caiu da posição 43 para a 55 quando se compara o percentual de jovens que frequentam o ensino médio entre 98 países. Todo ano, quase 1 milhão dos nossos jovens desistem da escola.
Juventude sem estudo - Probabilidades aos 35 anos
Reduzir a evasão traz benefícios adicionais para a sociedade. Os adultos mais escolarizados têm menores problemas de saúde e são menos propensos à criminalidade, além de aumentarem a produtividade e estimularem o investimento privado.
No caso dos Estados Unidos, estima-se que esses fatores resultem em um custo social de US$ 137 mil ao longo da vida de cada jovem que desiste do ensino médio. Russell Rumberger sistematiza a pesquisa acadêmica sobre as razões e consequências da evasão no livro "Dropping Out".
A perda por aqui seria de R$ 95 mil por jovem, caso o impacto da evasão seja semelhante ao estimado para os Estados Unidos, o que significa um custo social total de R$ 95 bilhões. Bem mais do que o setor público gasta com o ensino médio, cerca de R$ 50 bilhões.
A evasão dos jovens prejudica as próximas gerações. Filhos de mães pouco educadas e mais pobres têm maior probabilidade de serem igualmente pobres e pouco educados. Completam o ensino médio 42% dos jovens cujas mães apenas terminaram o ensino fundamental. Esse número sobe para 78% caso as mães tenham concluído o ciclo médio.
A evidência indica que reduzir a evasão aumentará a renda dos novos adultos em meio a muitos outros benefícios sociais. Vamos utilizar os diagnósticos e as experiências de sucesso para aperfeiçoar a gestão da política pública? Ou a desigualdade será para sempre uma herança, que passaremos de geração a geração?
Editoria de Arte/Folhapress
O filho de Cesar Maia - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 29/10
Temer desce, Rodrigo Maia sobe. Cresceu, encorpou e está cheio de minhocas na cabeça
Michel Temer foi o grande vencedor na votação das duas denúncias de Rodrigo Janot, certo? Nem tanto, porque Temer vem encolhendo a cada pesquisa, a cada delação e a cada ginástica para salvar o pescoço na Câmara. E, quanto mais ele encolhe, mais Rodrigo Maia infla.
Derrotada a segunda denúncia na Câmara, quem ocupou os espaços na mídia não foi Temer, foi Maia. Isso diz muito. Diz, por exemplo, que Temer venceu, mas está em contagem regressiva para virar passado, enquanto Maia afirma-se no presente e se lança para o futuro.
Há uma fatalidade histórica nessa balança entre Temer e Maia: presidentes fracos, Congresso forte. Foi assim com Sarney e Ulysses o tempo todo, com Fernando Henrique e Antônio Carlos Magalhães em alguns momentos e com Dilma e Eduardo Cunha, principalmente no fim da era PT.
Como o próprio Maia repete, por mais fraco que seja, um presidente sempre é forte, porque tem os “instrumentos” – a caneta, por exemplo. Mas, se a principal meta de Temer é a reforma da Previdência, ele só tem alguma chance se Maia usar seus próprios “instrumentos”.
É Maia quem define a pauta, “esquece” ou não pedidos de impeachment, articula com os líderes, conhece cada deputado, sabe ler (e, quando necessário, manipular) o regimento. Temer tem o pão e quer fazer um sanduíche, mas é Maia quem está com a faca e o queijo na mão.
Até o impeachment de Dilma, só quem acompanha a política de perto sabia quem era Rodrigo Maia, “o filho do Cesar Maia”, que tem eleições apertadas no Rio e teve míseros 3% para a prefeitura em 2012. Mas o menino cresceu, encorpou, está cheio de minhocas na cabeça. Depois de abanar a mosca azul na primeira denúncia, não voltou a ser cotado para o lugar de Temer numa “emergência”, mas, dia sim, dia não, tem de negar que seja candidato ao governo do Rio ou à Presidência em 2018.
Terra arrasada, o Estado de Cabral e Pezão é propício a novos nomes, e a presidência da Câmara é alavanca poderosa e chance única de exposição. A primeira entrevista após a votação da denúncia de Temer foi de Maia, que não saiu mais de TVs, rádios, jornais e blogs. Ele, porém, está convencido que a calamidade no Rio exige a experiência dos ex-prefeitos Cesar Maia e Eduardo Paes.
Quanto à Presidência: se até o Luciano Huck é lembrado, por que não quem já é o segundo na linha sucessória? O campeão das pesquisas é réu em sete processos, já condenado em um, seguido de um deputado cuja principal credencial é ter sido militar há décadas. E, quando há tantos nomes, é porque nenhum é levado a sério. Sempre cabe mais um.
Rodrigo Maia, porém, demonstra alguma maturidade ao repetir sempre que conhece sua real dimensão e que, ao contrário de um Ulysses, não tem estatura, por ora, para tal audácia. Sua obsessão é encorpar o DEM, tenha que nome vier a ter, e ele se enfurece quando o PMDB de Temer e Romero Jucá intercepta potenciais adesões ao seu partido. Mexeu com o DEM, mexeu com Maia. Mas o DEM errou ao não aproveitar o excesso de exposição e o vento a favor para soltar o balão Maia para 2018. Não para ganhar, mas para fortalecer a sigla e os trunfos de negociação.
Independente do que o futuro lhe reserva, Rodrigo Maia, aos 47 anos, assumiu protagonismo na crise e Temer não tem alternativa: com ele, a reforma da Previdência já é muito difícil; sem ele, fica praticamente impossível. Como, aliás, fica muito difícil até governar.
PUGILATO
Assim como Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski no mensalão, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso dividem o ringue na Lava Jato. Quem ganha? Ninguém. Todos perdem, mas quem perde mais é o Supremo Tribunal Federal do nosso pobre Brasil.
Temer desce, Rodrigo Maia sobe. Cresceu, encorpou e está cheio de minhocas na cabeça
Michel Temer foi o grande vencedor na votação das duas denúncias de Rodrigo Janot, certo? Nem tanto, porque Temer vem encolhendo a cada pesquisa, a cada delação e a cada ginástica para salvar o pescoço na Câmara. E, quanto mais ele encolhe, mais Rodrigo Maia infla.
Derrotada a segunda denúncia na Câmara, quem ocupou os espaços na mídia não foi Temer, foi Maia. Isso diz muito. Diz, por exemplo, que Temer venceu, mas está em contagem regressiva para virar passado, enquanto Maia afirma-se no presente e se lança para o futuro.
Há uma fatalidade histórica nessa balança entre Temer e Maia: presidentes fracos, Congresso forte. Foi assim com Sarney e Ulysses o tempo todo, com Fernando Henrique e Antônio Carlos Magalhães em alguns momentos e com Dilma e Eduardo Cunha, principalmente no fim da era PT.
Como o próprio Maia repete, por mais fraco que seja, um presidente sempre é forte, porque tem os “instrumentos” – a caneta, por exemplo. Mas, se a principal meta de Temer é a reforma da Previdência, ele só tem alguma chance se Maia usar seus próprios “instrumentos”.
É Maia quem define a pauta, “esquece” ou não pedidos de impeachment, articula com os líderes, conhece cada deputado, sabe ler (e, quando necessário, manipular) o regimento. Temer tem o pão e quer fazer um sanduíche, mas é Maia quem está com a faca e o queijo na mão.
Até o impeachment de Dilma, só quem acompanha a política de perto sabia quem era Rodrigo Maia, “o filho do Cesar Maia”, que tem eleições apertadas no Rio e teve míseros 3% para a prefeitura em 2012. Mas o menino cresceu, encorpou, está cheio de minhocas na cabeça. Depois de abanar a mosca azul na primeira denúncia, não voltou a ser cotado para o lugar de Temer numa “emergência”, mas, dia sim, dia não, tem de negar que seja candidato ao governo do Rio ou à Presidência em 2018.
Terra arrasada, o Estado de Cabral e Pezão é propício a novos nomes, e a presidência da Câmara é alavanca poderosa e chance única de exposição. A primeira entrevista após a votação da denúncia de Temer foi de Maia, que não saiu mais de TVs, rádios, jornais e blogs. Ele, porém, está convencido que a calamidade no Rio exige a experiência dos ex-prefeitos Cesar Maia e Eduardo Paes.
Quanto à Presidência: se até o Luciano Huck é lembrado, por que não quem já é o segundo na linha sucessória? O campeão das pesquisas é réu em sete processos, já condenado em um, seguido de um deputado cuja principal credencial é ter sido militar há décadas. E, quando há tantos nomes, é porque nenhum é levado a sério. Sempre cabe mais um.
Rodrigo Maia, porém, demonstra alguma maturidade ao repetir sempre que conhece sua real dimensão e que, ao contrário de um Ulysses, não tem estatura, por ora, para tal audácia. Sua obsessão é encorpar o DEM, tenha que nome vier a ter, e ele se enfurece quando o PMDB de Temer e Romero Jucá intercepta potenciais adesões ao seu partido. Mexeu com o DEM, mexeu com Maia. Mas o DEM errou ao não aproveitar o excesso de exposição e o vento a favor para soltar o balão Maia para 2018. Não para ganhar, mas para fortalecer a sigla e os trunfos de negociação.
Independente do que o futuro lhe reserva, Rodrigo Maia, aos 47 anos, assumiu protagonismo na crise e Temer não tem alternativa: com ele, a reforma da Previdência já é muito difícil; sem ele, fica praticamente impossível. Como, aliás, fica muito difícil até governar.
PUGILATO
Assim como Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski no mensalão, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso dividem o ringue na Lava Jato. Quem ganha? Ninguém. Todos perdem, mas quem perde mais é o Supremo Tribunal Federal do nosso pobre Brasil.
Lições ainda não aprendidas da Revolução Russa - EDITORIAL O GLOBO
O Globo - 29/10
Apesar do fracasso do movimento que tomou o poder em 1917, a alma autoritária do bolchevismo ainda encanta políticos brasileiros ditos de esquerda
A força da efeméride do centenário da Revolução Russa, neste mês de outubro, inundou os meios de comunicação no mundo de reportagens e análises. De forma merecida. A ruptura de séculos da monarquia czarista, no decorrer de 1917, retirou a Rússia de uma longa hibernação e a tornou um símbolo da promessa de um novo tempo em que haveria justiça e igualdade social.
Não deu certo, mas, mesmo como eixo de um império, o soviético, mantido sob a força das armas, a Rússia, polo aglutinador da União Soviética, e o comunismo continuaram a ser referência para forças políticas no Ocidente, não apenas partidos comunistas. O aceno da igualdade tornou-se mais forte que os anseios milenares de liberdade.
Mesmo hoje, conhecidos os massacres de dezenas de milhões, de forma direta ou pela fome, por Josef Stalin e Mao Tsé-Tung, a versão stalinista chinesa, ainda há quem se deixe seduzir por propostas que fazem a concessão de permitir que um Estado opressivo controle a sociedade, em troca de um suposto igualitarismo e da hipotética erradicação da miséria.
Cuba, um parque temático stalinista caribenho, demonstrou que o máximo que se consegue é uma distribuição igualitária da pobreza, garantidas algumas necessidades básicas. Exceto a liberdade. Claro, a elite cubana tem outro padrão de vida. Poderia ter sido diferente se a Constituinte eleita na Rússia, em novembro de 1917, com a mobilização também de forças democráticas, os mencheviques, não tivesse sido fechada à força em janeiro de 1918 pelos bolcheviques de Lenin. Iniciou-se um longo inverno, encerrado apenas em 1989, quando a demolição do Muro de Berlim marcou a dissolução da União Soviética.
A centralização de tudo no deus Estado pareceu, em alguns momentos, ser melhor escolha que o livre mercado e a democracia. Houve avanços tecnológicos trombeteados pela propaganda soviética. O Ocidente, depois da quebra de 1929, adotou alguns mecanismos de regulação do capitalismo. Mas os soviéticos, ao contrário do que faria a China de Deng Xiaoping, ao usar mecanismos das economias de mercado, não se ajustou, e todo o sistema ruiu, em meio à baixa produtividade, à burocracia, à ineficiência.
A própria realidade atual da Rússia é um atestado da condenação histórica da revolução bolchevique. Basta lembrar que a Rússia que emergiu do comunismo é um Estado também autoritário, com um regime autocrata e seus braços semiclan-destinos de inteligência e polícia política, atuando também no exterior, e governada por um Vladimir Putin que faz as vezes de czar. Os russos continuam imperialistas e expansionistas, vide a Crimeia.
Na essência, foi este modelo de Estado hipertrofiado que inspirou constituintes brasileiros da Carta de 1988, um ano antes da queda do Muro. Este é o pano de fundo da falência fiscal brasileira. E a alma autoritária do bolchevismo ainda encanta políticos brasileiros ditos de esquerda. Neste aspecto, o Brasil ainda não rompeu o Século XXI
Apesar do fracasso do movimento que tomou o poder em 1917, a alma autoritária do bolchevismo ainda encanta políticos brasileiros ditos de esquerda
A força da efeméride do centenário da Revolução Russa, neste mês de outubro, inundou os meios de comunicação no mundo de reportagens e análises. De forma merecida. A ruptura de séculos da monarquia czarista, no decorrer de 1917, retirou a Rússia de uma longa hibernação e a tornou um símbolo da promessa de um novo tempo em que haveria justiça e igualdade social.
Não deu certo, mas, mesmo como eixo de um império, o soviético, mantido sob a força das armas, a Rússia, polo aglutinador da União Soviética, e o comunismo continuaram a ser referência para forças políticas no Ocidente, não apenas partidos comunistas. O aceno da igualdade tornou-se mais forte que os anseios milenares de liberdade.
Mesmo hoje, conhecidos os massacres de dezenas de milhões, de forma direta ou pela fome, por Josef Stalin e Mao Tsé-Tung, a versão stalinista chinesa, ainda há quem se deixe seduzir por propostas que fazem a concessão de permitir que um Estado opressivo controle a sociedade, em troca de um suposto igualitarismo e da hipotética erradicação da miséria.
Cuba, um parque temático stalinista caribenho, demonstrou que o máximo que se consegue é uma distribuição igualitária da pobreza, garantidas algumas necessidades básicas. Exceto a liberdade. Claro, a elite cubana tem outro padrão de vida. Poderia ter sido diferente se a Constituinte eleita na Rússia, em novembro de 1917, com a mobilização também de forças democráticas, os mencheviques, não tivesse sido fechada à força em janeiro de 1918 pelos bolcheviques de Lenin. Iniciou-se um longo inverno, encerrado apenas em 1989, quando a demolição do Muro de Berlim marcou a dissolução da União Soviética.
A centralização de tudo no deus Estado pareceu, em alguns momentos, ser melhor escolha que o livre mercado e a democracia. Houve avanços tecnológicos trombeteados pela propaganda soviética. O Ocidente, depois da quebra de 1929, adotou alguns mecanismos de regulação do capitalismo. Mas os soviéticos, ao contrário do que faria a China de Deng Xiaoping, ao usar mecanismos das economias de mercado, não se ajustou, e todo o sistema ruiu, em meio à baixa produtividade, à burocracia, à ineficiência.
A própria realidade atual da Rússia é um atestado da condenação histórica da revolução bolchevique. Basta lembrar que a Rússia que emergiu do comunismo é um Estado também autoritário, com um regime autocrata e seus braços semiclan-destinos de inteligência e polícia política, atuando também no exterior, e governada por um Vladimir Putin que faz as vezes de czar. Os russos continuam imperialistas e expansionistas, vide a Crimeia.
Na essência, foi este modelo de Estado hipertrofiado que inspirou constituintes brasileiros da Carta de 1988, um ano antes da queda do Muro. Este é o pano de fundo da falência fiscal brasileira. E a alma autoritária do bolchevismo ainda encanta políticos brasileiros ditos de esquerda. Neste aspecto, o Brasil ainda não rompeu o Século XXI
Sinais de arbítrio - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 29/10
Conforme se desenvolve, o processo de combate à corrupção no Brasil vai acumulando seus paradoxos e contradições.
De um lado, notam-se claros sinais de um arrefecimento dos espíritos –o que permitiu a figuras como o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o próprio presidente da República sobreviverem a um conjunto de suspeitas e evidências que, em outro momento, teria motivado um cataclismo em suas bases de sustentação parlamentar.
Num movimento simétrico e inverso, verificam-se sintomas de arbítrio e exagero persecutório por parte de algumas autoridades, não por acaso algumas das mais cortejadas pela opinião pública.
Já condenado por três vezes, em processos que envolvem corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) não teve até agora, certamente, sucesso nas tentativas de se dizer vítima inocente de um complô de autoridades mal-intencionadas.
Essa tradicional elaboração retórica seria especialmente inconvincente no caso do ex-governador, cujo rastro de dólares, carros de luxo e pedrarias não tinha como desviar as autoridades do caminho da certeza e da punição.
Eis que, mesmo num caso tão desfavorável, surgem episódios capazes de atenuar, se não a culpa, ao menos as antipatias que anos de alegre destrato à moralidade administrativa suscitavam.
Em função de um entrevero menor, sem dúvida inspirado por suscetibilidades pessoais, o juiz federal Marcelo Bretas determinou a transferência de Cabral à penitenciária de segurança máxima de Campo Grande (MS), onde se encontram grandes traficantes e líderes de organizações criminosas.
Não se pode descartar a possibilidade de que haja entre os detentos quem tenha contas a ajustar com o ex-governador do Rio.
Mesmo excluindo a hipótese mais extrema, não há dúvida de que o regime especialmente rigoroso daquela prisão federal não se coaduna com o comportamento de Cabral –que não protagonizou tentativas de fuga, não orienta a ação de gangues armadas nem organiza revoltas em presídio.
Tudo se deve, aparentemente, a um comentário numa audiência com Bretas: uma referência, talvez provocativa, à suposta liderança da família do magistrado no ramo das bijuterias.
Utilizou-se tal menção como indício de acesso indevido a informações externas. O despacho punitivo foi confirmado por um juiz federal de segunda instância.
O caso admite recurso, e cumpre examiná-lo com urgência. Nada pior, para os objetivos da luta contra a corrupção, do que dar novos argumentos aos que atribuem a um puro espírito inquisitorial os processos em que estão envolvidos.
Conforme se desenvolve, o processo de combate à corrupção no Brasil vai acumulando seus paradoxos e contradições.
De um lado, notam-se claros sinais de um arrefecimento dos espíritos –o que permitiu a figuras como o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o próprio presidente da República sobreviverem a um conjunto de suspeitas e evidências que, em outro momento, teria motivado um cataclismo em suas bases de sustentação parlamentar.
Num movimento simétrico e inverso, verificam-se sintomas de arbítrio e exagero persecutório por parte de algumas autoridades, não por acaso algumas das mais cortejadas pela opinião pública.
Já condenado por três vezes, em processos que envolvem corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) não teve até agora, certamente, sucesso nas tentativas de se dizer vítima inocente de um complô de autoridades mal-intencionadas.
Essa tradicional elaboração retórica seria especialmente inconvincente no caso do ex-governador, cujo rastro de dólares, carros de luxo e pedrarias não tinha como desviar as autoridades do caminho da certeza e da punição.
Eis que, mesmo num caso tão desfavorável, surgem episódios capazes de atenuar, se não a culpa, ao menos as antipatias que anos de alegre destrato à moralidade administrativa suscitavam.
Em função de um entrevero menor, sem dúvida inspirado por suscetibilidades pessoais, o juiz federal Marcelo Bretas determinou a transferência de Cabral à penitenciária de segurança máxima de Campo Grande (MS), onde se encontram grandes traficantes e líderes de organizações criminosas.
Não se pode descartar a possibilidade de que haja entre os detentos quem tenha contas a ajustar com o ex-governador do Rio.
Mesmo excluindo a hipótese mais extrema, não há dúvida de que o regime especialmente rigoroso daquela prisão federal não se coaduna com o comportamento de Cabral –que não protagonizou tentativas de fuga, não orienta a ação de gangues armadas nem organiza revoltas em presídio.
Tudo se deve, aparentemente, a um comentário numa audiência com Bretas: uma referência, talvez provocativa, à suposta liderança da família do magistrado no ramo das bijuterias.
Utilizou-se tal menção como indício de acesso indevido a informações externas. O despacho punitivo foi confirmado por um juiz federal de segunda instância.
O caso admite recurso, e cumpre examiná-lo com urgência. Nada pior, para os objetivos da luta contra a corrupção, do que dar novos argumentos aos que atribuem a um puro espírito inquisitorial os processos em que estão envolvidos.
A responsabilidade do voto - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 29/10
Quem tem o poder e a responsabilidade de salvar a política é a população, ao exercer conscientemente seus direitos políticos, que são, na verdade, deveres cívicos
No Fórum Mãos Limpas & Lava Jato, promovido pelo Estado em parceria com o Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), Gherardo Colombo, juiz aposentado italiano que participou das investigações da Operação Mãos Limpas, fez um alerta. “Hoje a corrupção na Itália é a mesma do que quando começou a Mãos Limpas”, disse Colombo. Explicitava, assim, a constatação de que uma megaoperação judicial, que durou 13 anos e investigou cerca de 4 mil pessoas, não foi suficiente para diminuir a corrupção em seu país.
A análise de Colombo não representa um atestado de inutilidade da Mãos Limpas, até mesmo porque, se a operação não tivesse existido, talvez a corrupção estivesse hoje num estágio bem pior do que o verificado no início dos anos 90, quando a Mãos Limpas começou. O que a experiência italiana revela de forma cristalina é a incapacidade de a Justiça, sozinha, pôr fim a esse mal que tanto prejudica o desenvolvimento econômico e social de um país. Ainda que seja intenso e duradouro, o esforço para perseguir e punir judicialmente os políticos corruptos não é suficiente para eliminar a corrupção da política e muito menos da vida nacional.
A limitação da Justiça é confirmada pela própria atitude de alguns agentes da lei que trabalham em casos de corrupção na política. Logo constatam que, por mais bem feito que seja o seu trabalho, ele sempre será insuficiente para prover um novo patamar de moralidade pública. Diante disso, alguns se sentem tentados a extrapolar a esfera institucional de seu cargo, buscando promover, de alguma forma, mudanças políticas.
Logicamente, não é bom caminho para um Estado Democrático de Direito a eliminação ou o afrouxamento dos limites institucionais de um Poder, de um órgão ou de um cargo. Mesmo com boas intenções, o poder exercido fora dos trâmites institucionais é arbítrio – é sempre antidemocrático. Juízes ou promotores, por exemplo, não receberam votos que os legitimem para uma atuação política. Eles preservam a democracia justamente quando não agem politicamente no cumprimento de suas funções, pois assim possibilitam que o poder político seja exercido integralmente por quem foi escolhido pelo povo para essa função.
As limitações da Justiça e de seus agentes para extinguir a corrupção na política não devem levar, no entanto, ao desânimo. Para elas há solução e ela está disponível. A ressalva é simplesmente de que a resolução de tão grave problema não é fruto da esfera judicial, mas da própria política.
Num Estado Democrático de Direito, quem tem o poder e a responsabilidade de salvar a política é a população, ao exercer conscientemente seus direitos políticos, que são, na verdade, deveres cívicos. Não há solução alternativa. A atuação da Justiça é frágil e limitada para prover o patamar de moralidade pública que se espera. Por exemplo, a Lei da Ficha Limpa barra os candidatos condenados em segunda instância. Ainda que positivo, esse filtro é insuficiente.
Basta ver que a lei está vigente e a política continua um tanto suja. Além disso, não se pode esquecer que, às vezes, esse tipo de barreira pode ser contraproducente, ao levar a crer, por exemplo, que os candidatos não barrados pela Lei da Ficha Limpa são limpos e, assim, isentando o eleitor da responsabilidade de verificar o currículo de quem levará o seu voto. A responsabilidade por uma política mais limpa não é da Justiça, e sim de cada cidadão.
Recentemente o Instituto Ipsos divulgou que a Lava Jato tem o apoio de 94% da população. Esse apoio quase unânime à luta contra a corrupção é uma grande oportunidade para o País, desde que ele se manifeste no voto nas próximas eleições. Em tese, nada impede uma profunda renovação da política em 2018. Basta que o eleitor queira.
A experiência italiana é, de fato, cristalina. Ou a preocupação com a corrupção conduz a uma maior responsabilidade da população na hora de votar ou não se alcançará o patamar de moralidade pública tão almejado. Justamente por isso, é contraproducente o protagonismo político de juízes e promotores que dão a entender que o papel do cidadão se resume a “apoiar” a Lava Jato. O que o brasileiro precisa é votar responsavelmente.
Quem tem o poder e a responsabilidade de salvar a política é a população, ao exercer conscientemente seus direitos políticos, que são, na verdade, deveres cívicos
No Fórum Mãos Limpas & Lava Jato, promovido pelo Estado em parceria com o Centro de Debate de Políticas Públicas (CDPP), Gherardo Colombo, juiz aposentado italiano que participou das investigações da Operação Mãos Limpas, fez um alerta. “Hoje a corrupção na Itália é a mesma do que quando começou a Mãos Limpas”, disse Colombo. Explicitava, assim, a constatação de que uma megaoperação judicial, que durou 13 anos e investigou cerca de 4 mil pessoas, não foi suficiente para diminuir a corrupção em seu país.
A análise de Colombo não representa um atestado de inutilidade da Mãos Limpas, até mesmo porque, se a operação não tivesse existido, talvez a corrupção estivesse hoje num estágio bem pior do que o verificado no início dos anos 90, quando a Mãos Limpas começou. O que a experiência italiana revela de forma cristalina é a incapacidade de a Justiça, sozinha, pôr fim a esse mal que tanto prejudica o desenvolvimento econômico e social de um país. Ainda que seja intenso e duradouro, o esforço para perseguir e punir judicialmente os políticos corruptos não é suficiente para eliminar a corrupção da política e muito menos da vida nacional.
A limitação da Justiça é confirmada pela própria atitude de alguns agentes da lei que trabalham em casos de corrupção na política. Logo constatam que, por mais bem feito que seja o seu trabalho, ele sempre será insuficiente para prover um novo patamar de moralidade pública. Diante disso, alguns se sentem tentados a extrapolar a esfera institucional de seu cargo, buscando promover, de alguma forma, mudanças políticas.
Logicamente, não é bom caminho para um Estado Democrático de Direito a eliminação ou o afrouxamento dos limites institucionais de um Poder, de um órgão ou de um cargo. Mesmo com boas intenções, o poder exercido fora dos trâmites institucionais é arbítrio – é sempre antidemocrático. Juízes ou promotores, por exemplo, não receberam votos que os legitimem para uma atuação política. Eles preservam a democracia justamente quando não agem politicamente no cumprimento de suas funções, pois assim possibilitam que o poder político seja exercido integralmente por quem foi escolhido pelo povo para essa função.
As limitações da Justiça e de seus agentes para extinguir a corrupção na política não devem levar, no entanto, ao desânimo. Para elas há solução e ela está disponível. A ressalva é simplesmente de que a resolução de tão grave problema não é fruto da esfera judicial, mas da própria política.
Num Estado Democrático de Direito, quem tem o poder e a responsabilidade de salvar a política é a população, ao exercer conscientemente seus direitos políticos, que são, na verdade, deveres cívicos. Não há solução alternativa. A atuação da Justiça é frágil e limitada para prover o patamar de moralidade pública que se espera. Por exemplo, a Lei da Ficha Limpa barra os candidatos condenados em segunda instância. Ainda que positivo, esse filtro é insuficiente.
Basta ver que a lei está vigente e a política continua um tanto suja. Além disso, não se pode esquecer que, às vezes, esse tipo de barreira pode ser contraproducente, ao levar a crer, por exemplo, que os candidatos não barrados pela Lei da Ficha Limpa são limpos e, assim, isentando o eleitor da responsabilidade de verificar o currículo de quem levará o seu voto. A responsabilidade por uma política mais limpa não é da Justiça, e sim de cada cidadão.
Recentemente o Instituto Ipsos divulgou que a Lava Jato tem o apoio de 94% da população. Esse apoio quase unânime à luta contra a corrupção é uma grande oportunidade para o País, desde que ele se manifeste no voto nas próximas eleições. Em tese, nada impede uma profunda renovação da política em 2018. Basta que o eleitor queira.
A experiência italiana é, de fato, cristalina. Ou a preocupação com a corrupção conduz a uma maior responsabilidade da população na hora de votar ou não se alcançará o patamar de moralidade pública tão almejado. Justamente por isso, é contraproducente o protagonismo político de juízes e promotores que dão a entender que o papel do cidadão se resume a “apoiar” a Lava Jato. O que o brasileiro precisa é votar responsavelmente.
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