domingo, março 20, 2016

Sim, nós temos instituições - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA


A solidez institucional do Brasil tem sido destaque no exterior. Assim reconheceu a Standard & Poor"s ao anunciar a perda do grau de investimento do país. Uma avaliação correta. Aqui, todavia, fala-se que o PT degradou as instituições. Questiona-se até se algum dia já tivemos boas instituições.

O general Rômulo Bini Pereira, ex-chefe do Estado-Maior da Defesa, põe em dúvida se "as instituições de nosso país estão consolidadas e funcionando corretamente", como frequentemente se diz. Fosse o caso, "a Nação não estaria convivendo com o que tem sido considerado o pior período da história nacional, em que se nota visível e crescente decadência moral e ética no campo interno e preocupante descrença externa quanto ao futuro do Brasil" (Estadão, 8/11/2015).

Os economistas Zeina Latif e Marcos Lisboa e o cientista político Carlos Melo — três de nossos melhores analistas — falam coisa semelhante, embora reconheçam os avanços institucionais dos últimos anos, que o general parece ignorar. Para se contraporem aos que creem na solidez de nossas instituições, apontam retrocessos dos últimos anos e o abandono da tarefa permanente de aperfeiçoamento institucional (Estadão, 21/2/2016).

Para eles, "as regras fiscais foram sistematicamente desrespeitadas e o regime de metas de inflação foi enfraquecido". Mais: "houve retrocesso na microeconomia, com intervenções discricionárias do Poder Executivo; ingerência sobre tarifas públicas, bancos públicos e empresas estatais; e distribuição de privilégios para empresas e setores selecionados". As agências reguladoras "foram fragilizadas". E por aí afora.

Tudo isso é verdade. As consequências da mais desastrosa administração da República estão à vista. O PT fragilizou instituições relevantes para o ambiente de negócios, mas não fez o mesmo nas instituições fundamentais, isto é, aquelas que controlam o governo e evitam a continuidade de líderes ineptos e más políticas públicas.

No século XVI, iniciou-se o processo pelo qual o Ocidente suplantou as potências econômicas e militares da época: China e índia. Três séculos depois, avanços institucionais inspirados nos ideais da Renascença e do Iluminismo consolidaram a democracia e a economia de mercado. Pesos e contrapesos asseguram o controle recíproco do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, preservando esses dois alicerces da prosperidade. Não à toa, o comunismo vicejou apenas onde inexistiam tais mecanismos institucionais.

No Brasil, consideram-se instituições apenas as organizações estatais e privadas, mas elas compreendem também a imprensa, os mercados e as crenças da sociedade. Para Douglass North, "as crenças determinam as escolhas feitas pelos indivíduos". O aprendizado gera mudanças mentais e "desenvolve a estrutura para interpretar sinais recebidos pelos sentidos". Isso é evidente na crescente intolerância dos brasileiros à inflação sem controle e à corrupção.

As instituições não garantem a boa escolha de governantes. O eleitorado pode ser induzido a erro por mistificação e propaganda enganosa financiada ilegalmente, o que obstrui a concorrência no jogo eleitoral. A reeleição de Dilma é uma nítida demonstração do poder danoso desses fatores.

Quanto ao controle do governo, as instituições evitam a perpetuação das más escolhas. Cedo ou tarde, os erros e seus efeitos são detectados e em seguida corrigidos pela eleição de um novo líder. O descalabro pode criar o ambiente para a escolha de um aventureiro que piore a situação, mas estamos longe desse risco.

A Operação Lava-Jato demonstra a força de nossas instituições fundamentais, o que está sendo impulsionado pelas novas crenças da sociedade, pela imprensa livre e pelo funcionamento dos mercados. Há sinais de que haverá, agora ou em 2018, uma renovação de liderança capaz de restabelecer a responsabilidade e a eficiência das políticas públicas, a qualidade do governo, a ética e o desenvolvimento do país.

Será fácil, felizmente, reverter a degradação institucional da era petista. Difícil seria se o PT houvesse conspurcado e destruído as instituições fundamentais. O partido até quis uma lei para controlar a imprensa. Em vão.



A lealdade de Aragão - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 20/03

O ex-subprocurador-geral da República, Eugênio Aragão, resolveu mostrar para Lula toda sua lealdade e, nomeado ministro da Justiça, desandou a falar contra a Operação Lava-Jato. Ameaçou afastar de investigações criminais delegados e agentes suspeitos de vazamento de informações sigilosas, e classificou de "extorsão" o método usado pelos procuradores para obterem as delações premiadas.

Aragão é o mesmo a que o ex-presidente Lula se referiu numa conversa com seu ex-ministro Paulo Vannuchi, dos Direitos Humanos, quando se queixava da atuação dos procuradores do Ministério Público: "O problema é o seguinte, Paulinho. Nós temos que comprar essa briga. Eu sei que é difícil, sabe. Eu às vezes até fico pensando se o Aragão deveria cumprir um papel de homem naquela porra, porque o Aragão parece nosso amigo, parece, parece, parece, mas tá sempre dizendo 'olha. sabe, porra'", diz Lula para Vannuchi.

As declarações recentes de Aragão provocaram uma reação vigorosa da Associação Nacional dos Delegados, que amanhã se reunirá para decidir se entra na Justiça com um mandado de segurança para impedir afastamentos preventivos de policiais federais. Também o deputado federal Raul Jungmann entrará com uma ação em defesa da imparcialidade na atuação da Polícia Federal. Impetrará um mandado de segurança coletivo no STJ contra o ministro, para impedir que ele dê ordens ou orientações para a substituição sumária ou arbitrária de equipes de agentes da Polícia Federal envolvidos na Lava-Jato, sem a apuração e demonstração adequada dos fatos que a justifiquem.

O deputado do PPS, que foi o autor da ação no Supremo que redundou na saída do ministro da Justiça anterior, entrou também com outra ação do mesmo teor no Supremo Tribunal Federal contra Aragão. A ministra Cármen Lúcia já deu dez dias para que o novo ministro se defenda, e Jungmann acha que até lá ele não deveria tomar nenhuma medida.

"O mais interessante seria o pedido de liminar determinar que, para evitar prejuízos ou dúvidas durante a tramitação do mandado de segurança, o ministro, pessoalmente ou por seus subordinados, se abstenha de dar ordens ou orientações a qualquer membro da PF a não ser por ato administrativo escrito e autuado em expediente administrativo regular, bem como de se reunir ou se comunicar com qualquer autoridade da PF sem o registro completo do conteúdo das conversas, por meio eletrônico, que deve ser conservado para apresentação imediata à autoridade judicial, caso requisitado".

Aragão também é membro do Ministério Público, mas como fazia parte da instituição antes da Constituinte de 1988, que proibiu que seus membros fossem nomeados para o Poder Executivo ou exercessem outras funções que não o magistério, se considera apto a assumir o ministério. Não é esse o entendimento do STF, defende Jungmann, baseando-se em um acórdão do ex-ministro Eros Grau, aprovado pelo plenário, que diz que os procuradores anteriores à Constituinte podem optar por manterem garantias e vantagens burocráticas da carreira, mas não estão isentos das proibições que visam garantir a independência dos poderes.

Até mesmo no Conselho Superior do Ministério Público Federal, que tem um entendimento mais flexível sobre a interpretação da Constituição e autorizou a posse de Aragão no ministério, o relator do caso considerou que ele não tinha condições de assumir o Ministério da Justiça porque, segundo o subprocurador-geral da República, Carlos Frederico Santos, não fez a opção pelo regime anterior, conforme exige a Constituição Federal.

No mesmo parecer, o subprocurador diz também que há conflito de interesse na nomeação, pois Aragão até recentemente era subprocurador-geral eleitoral, por três anos, o que o impediria de ser subordinado "àqueles que participaram do pleito passado", comprometendo a independência do Ministério Público.

O temor diante das intempestivas declarações do recém-nomeado ministro é que ele tenha sido nomeado justamente para conter as investigações da Lava-Jato.

Furto, inépcia e corrupção - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 20/03

O populismo idealista e a demagogia se apossaram do Brasil. Os idealistas jamais suporiam que Lula se apropriaria por engano de valiosas peças dos palácios que ocupou. Foi o único a fazê-lo na história republicana. Mas a nota do Instituto Lula dando conta do engano não foi espontânea. Durante a vistoria dos contêineres que guardam seus presentes (milhões de dólares) verificou-se que muitas coisas não lhe foram presenteadas, mas estavam presentes no patrimônio do ex-presidente, de resto em nome de terceiros, como o tríplex de Guarujá e o sítio de Atibaia. Dizem existir fazendas, ações e aplicações no exterior que virão à tona no seu tempo devido.

As manifestações de 13 de março de 2016- as maiores da história do Brasil- focaram em três anseios compartilhados por 70% da nação: uma investigação completa nos bens do ex-presidente para levá-lo à prisão, se for o caso (e parece que é); o impedimento da presidente mais inepta que o nosso país jamais teve; e, por último, a recuperação da ética na política e nos negócios, além da reanimação da economia da nação, metida em severa recessão, a pior do mundo, descontada a Venezuela. Foi causada pela presidente Dilma e pelo próprio Lula, com a tal "nova matriz econômica" baseada no aumento da dívida pública (70% do PIB, caminhando para 80%) para financiar gastos e concessões de créditos às famílias, hoje endividadas e inadimplentes, por causa da inflação e do desemprego.

Doravante, o tempo nos mostrará um governo isolado, sem ter o que oferecer à nação, seja na política seja na economia, por absoluta falta de apoio dos eleitores, dos partidos e do empresariado, cercado por colaborações premiadas, sem recursos, sem chance alguma de organizar um governo de salvação nacional. A Dilma, só restarão duas opções viáveis e rápidas: renunciar ou sofrer o impeachment, cujos fundamentos são aqueles postos perante a Câmara dos Deputados e outros novos, como veremos.

As manifestações deram apoio integral ao juiz Sérgio Moro. As críticas à condução sob vara do ex-presidente que impetrara habeas corpus e dissera que não iria caíram por terra. O povo gostou. Quem achou que a medida foi excessiva errou. O povo apoiou o juiz, referendou seu ato e encorajou-o a continuar o desbarate da corrupção vigente no país. Por derradeiro, se mais de 88 réus foram conduzidos sob coerção, qual a razão de não o fazer relativamente a Lula? Toda intimação judicial é imperativa. Quando há suspeita de desobediência, o juiz autoriza os condutores a levar, à força, o investigado. No caso, o juiz foi gentil, impediu as algemas. Mas, não pensem os do PMDB e do PSDB, os do PTB et caterva, que as passeatas não os atingiram. Toda a classe política está sob a suspeição das ruas. Todo o sistema político e os políticos continuarão a ser vigiados. Pela primeira vez na história do país, as classes médias - as que, ao cabo, decidem - tomaram as rédeas da política.

Nem pensem os parlamentares que, por emenda à Constituição, é possível instituir semipresidencialismo à moda de Portugal ou da França. Só plebiscito ou constituinte exclusiva poderá fazê-lo. As alternativas estão postas: impeachment, cassação pelo Tribunal Superior Eleitoral ou renúncia (ou, no limite, intervenção militar). O Brasil não aguenta mais 2 anos e 9 meses sob o governo desmoralizado de Dilma. Até lá, o país terá sido destruído. Cabe ao Congresso dar solução rápida ao impasse. As ruas falaram. E uma figura exponencial da República, Delcídio do Amaral. A delação deve ser vista com prova testemunhal superqualificada quanto aos seus correligionários no tangente a fatos sibilados aqui e acolá e agora reafirmados. A referência a enredos do passado criam atoarda mais são inservíveis. Há fatos sob crivo do Judiciário que transitaram em julgado, como alguns da época de FHC (Furnas etc.).

Graves são as denúncias de interferência contínua para obstruir o mensalão e a Lava- Jato, envolvendo Lula e Dilma, agora corroboradas pela delinquência gravada de Aloizio Mercadante. As redes sociais noticiaram o encontro em Lisboa com o ministro Lewandowski, a nomeação do ministro Navarro - que realmente votou pela soltura dos empreiteiros cinco vezes -, mas não foi referendado pelos seus pares, as incumbências dadas a Delcídio pelo amigo Lula, a plena consciência da Dilma no caso da refinaria de Pasadena, as declarações do ex-ministro da Justiça sob novos rumos na Operação Lava-Jato, além de seus encontros com advogados, segundo ele sempre casuais.

A presidente deu atestado falso de posse ao seu primeiro-ministro. Prevaricou contra a probidade administrativa, crime de responsabilidade conforme artigo 85, V da Constituição, além de obstar o livre exercício do Judiciário (II do mesmo artigo). São novos motivos para o impeachment, a bem da ética e da economia. A indignidade desse governo é inimaginável até para correr da polícia.


Ceticismo com o governo Temer - SAMUEL PESSÔA

Folha de SP - 20/03

A possibilidade de o governo Dilma Rousseff acabar antes de dezembro de 2018 aumentou muito nos últimos dias. As movimentações de nosso "Castelo de Cartas" são tão rápidas que qualquer prognóstico mais definitivo tem que ser visto com muita cautela.

De qualquer forma, a sinalização dos mercados é de otimismo em
relação a um possível governo Michel Temer. Penso que os mercados subestimam fortemente a natureza de nossos desequilíbrios estruturais.

Se é verdade que nossos problemas estruturais foram agravados pela omissão do governo petista em encaminhar soluções para eles e também pela incompetência generalizada da gestão do PT, que adiciona dificuldades às já existentes, é necessário saber que a retirada de Dilma do Palácio do Planalto e a indicação de Temer não serão uma solução.

As ruas pensam que nossos problemas estruturais se resumem
à corrupção, que teria atingido valores extraordinários com o petismo. A troca no Planalto faria aparecer recursos vultosos no caixa do Tesouro, tornando possível uma solução para nossa crise fiscal. Os fatos vindos a público pela Operação Lava Jato somente reforçam esse diagnóstico.

As ruas estão erradas. Nossos problemas estruturais se devem a uma série de benefícios, regimes especiais, isenções e privilégios, com variados graus de legitimidade, que foram adicionados à legislação. O resultado é que o gasto público cresce além do crescimento da economia nos últimos 25 anos.

Nessa conta entram a receita compulsória do Sistema S, que sustenta, por exemplo, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo); a contribuição sindical; as aposentadorias e pensões integrais de servidores públicos; a liberalidade da legislação com as greves de servidores; os inúmeros regimes tributários especiais, inclusive Simples e a tributação pelo lucro presumido; o crédito direcionado com elevados subsídios públicos; universidade pública gratuita para filhos da classe A; etc.

Incluem-se nessa lista o eficiente e barato programa Bolsa Família, a aposentadoria por tempo de serviço que resulta em aposentados aos 54 anos, a regra de valorização do salário mínimo, que impacta diretamente o gasto público etc.

Fica claro que o grau de legitimidade e de capacidade de minorar a enorme desigualdade e pobreza não é igual para todos os itens da lista. Vários, pelo contrário, agravam nossa desigualdade e elevam a pobreza. Será necessário definir objetivos para cada programa, avaliá-los e reajustar ou eliminar o que não se justifica.

A lista é longa e certamente quase todo brasileiro é, de alguma forma, beneficiado por algum item da lista. A construção das condições para a retomada do crescimento passará pelo enfrentamento dos excessos de nosso Estado e dependerá da capacidade de nosso sistema político de redesenhá-lo de sorte a termos um Estado mais funcional e que conduza ao crescimento econômico com igualdade.

Sou cético quanto à capacidade de um governo Temer, mesmo com o apoio de sólida base parlamentar, de redesenhar nosso Estado sem que esse tema seja tratado de forma explícita em um processo eleitoral.

O problema somos todos nós. As ruas não estão preparadas para essa mensagem.

Preferem a ilusão de que o fim do PT no governo nos redimirá e resolverá nosso conflito distributivo ao eliminar a corrupção. Não é o caso.


Políticos lavados a jato - DORA KRAMER

ESTADÃO - 20/03

Depois de dois anos de investigações com foco principal em Curitiba, chegou a hora de a Operação Lava Jato fazer a onça beber água em Brasília. A força-tarefa já entregou à Procuradoria-Geral da República todas as informações relativas aos investigados com foro especial de Justiça. Vale dizer, deputados, senadores e governadores.

Há cerca de dez dias a força-tarefa esteve em Brasília para uma reunião na Procuradoria-Geral da República para tratar dos muitos pedidos de abertura de inquéritos e apresentação de denúncias contra deputados e senadores. Ao que consta, o senador Fernando Collor seria um dos primeiros alvos. A apresentação da denúncia e o pedido de prisão preventiva contra o presidente cassado estariam prontos.

Na mesma operação seriam alcançados os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha. Isso sem contar outras figuras do PMDB, como o senador Edison Lobão. O destino do vice-presidente, Michel Temer, estaria nas mãos de Jorge Zelada, que ainda não decidiu optar pela delação premiada de acordo com o que circula entre os procuradores.

A ofensiva da Lava Jato na direção dos políticos já deveria ter sido deflagrada na semana passada, mas foi adiada devido aos tumultos dos últimos dias. Uma das inquietações era a possibilidade concreta de o ex-presidente Luiz Inácio da Silva ter a prisão preventiva decretada pelo juiz Sérgio Moro (em decorrência do pedido do Ministério Público de São Paulo transferido pela Justiça local ao Paraná) já naquela quinta-feira em que estava marcada a posse dele na chefia da Casa Civil.

Corre a informação entre os procuradores de que a Agência Brasileira de Informações (Abin) estava monitorando os movimentos em Curitiba e, por isso, concluiu que o juiz Sérgio Moro pediria a prisão preventiva de Lula no mesmo dia em que tomaria posse no novo cargo. Daí a pressa da presidente Dilma em formalizar a posse com edição extra do Diário Oficial da União e o pedido de assinatura antecipado do termo de posse.

Os investigadores monitoravam Lula, mas a agência da Presidência também acompanhava os movimentos dos promotores e, por isso, sabiam da possibilidade de ocorrer uma ordem de prisão para ser cumprida na quinta-feira. Sem a proteção do foro especial, provavelmente Lula estaria hoje numa cela em Curitiba. O que volta a ser uma possibilidade, diante da liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de suspender a posse do ex-presidente.

É fantástico. O senador Delcídio Amaral tinha ontem uma entrevista marcada para ir ao ar hoje à noite na TV Globo. Diria, entre outras coisas, que procurou o filho de Nestor Cerveró para tentar silenciar o ex-diretor da Petrobrás, na condição de executor de uma “operação sistemática” do Planalto para obstruir as investigações da Lava Jato.

Como líder do governo, o senador dirá que atendia a uma política dos ocupantes da máquina do Estado. Ele promete contar o passo a passo de uma operação para atrapalhar a ação da Justiça como política de Estado. “Uma ação sistêmica”, de acordo com Delcídio.

Digital. A prova cabal de que Aloizio Mercadante agiu a mando da presidente Dilma Rousseff ao abordar o assessor do senador Delcídio Amaral sugerindo que pesasse consequências antes de colaborar com as investigações, é que o ministro não foi demitido.

Se tivesse atuado à revelia da chefia, colocando a presidente numa situação constrangedora, logicamente estaria fora do governo.

Ponto final. “Aqueles que não gostam de política serão governados por aqueles que gostam” (Platão).


Do delírio à realidade - SUELY CALDAS

O Estado de São Paulo - 20/03

Se o governo Dilma estava esvaziado, desnorteado e sem rumo, agora conseguiu piorar com a nomeação do ex-presidente Lula para o ministério. A ideia não foi um tiro no pé, foi direto na cabeça. Serviria para tirar o juiz Sérgio Moro do caminho de Lula, mas nem isso conseguiu ainda. Agonizante, a gestão Dilma ainda não morreu, mas entrou em coma, o tiro apressou o impeachment e o fim parece inevitável com a debandada de partidos que antes já vinham dando precário apoio ao governo. Lula é hábil negociador, conseguirá reconquistar apoios de partidos e empresários, virar de vez a página da crise política e pôr o Brasil nos trilhos do crescimento. Delirar é recurso dos desesperados. E, como tudo dá errado, o PT apela para o delírio.

Lula é hábil articulador quando tem um arsenal de ofertas para agradar ao interlocutor. Foi o que ele fez todo o tempo em seus oito anos de governo. O político quer verba, cargo (de preferência em estatal) ou um favorzinho para livrá-lo de enrascadas; o empresário gosta de benefícios fiscais, dinheiro barato de bancos públicos e gordos contratos financeiros com o governo – as empreiteiras até se organizaram em cartel para ratear contratos na Petrobrás. Com farto arsenal em seu poder, Lula multiplicou o troca-troca – triste marca de sua gestão. A prática resultou no mensalão, no petrolão e numa conta bilionária subtraída dos brasileiros.

Hoje o hábil articulador negocia de mãos vazias. Até seu indiscutível encanto pessoal murchou, suas piadas perderam a graça. Não tem o que oferecer e a moeda de troca que faria sucesso agora – livrar políticos enfiados até o pescoço na Operação Lava Jato – ele não tem a mínima chance de passar: a Polícia Federal rechaça e o inábil e arrogante falador acaba de comprar briga feia com o Poder Judiciário ao chamá-lo de “covarde”. Há muito, investidores e empresários não acreditam, nada esperam do governo e fazem campanha aberta e entusiasmada pelo seu fim, pregando a renúncia ou o impeachment da submissa Dilma Rousseff.

Aquele Lula de inegável prestígio popular sumiu com as manifestações de rua que o repudiam e pedem sua prisão. No lugar de beijos e abraços carinhosos, ele agora se esconde, vive encurralado, não aparece em público. Pena, porque seu carisma de líder popular lhe daria poder para fazer o que precisa ser feito: construir as reformas, dar ao País uma nova estrutura política, tributária, administrativa, previdenciária e trabalhista para atrair investimentos e conduzir o País ao crescimento e progresso econômico. Mas a ambição de perpetuar o PT no poder o levou para o lado oposto.

Há décadas as reformas estão na agenda. Hoje a mais urgente para as contas públicas é a previdenciária, mas a tributária é a que mais tem poder de dinamizar a economia e fazer justiça social. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) acaba de concluir estudo em que revela que os brasileiros têm a maior carga tributária do continente: pagam 33,4% do PIB em impostos, o dobro da média de 22 países da América Latina e do Caribe. Ou seja, todo mês você, caro leitor, e todos nós, brasileiros, transferimos em média 33,4% de nossa renda ao governo. Se seu salário é de R$ 5 mil, R$ 1.670 ficam com o governo, e com R$ 3.330 você se vira para pagar aluguel, educação das crianças, roupa, calçado, remédios, alimentação da família, etc. E mais: a estrutura de impostos é extremamente injusta, pois o País tributa menos a renda e o lucro e cobra mais da seguridade social. Enquanto aqui a renda e o lucro geram só 20,7% da arrecadação, nos demais países representam 27,8% do total, e a proporção chega a 33,8% nos países ricos da OCDE. Proporcionalmente à sua renda, aqui os pobres pagam mais impostos que os ricos.

E como os governos devolvem essa carga ao contribuinte? Com escândalos de corrupção, serviços públicos precários, gestão paralisada, como agora, o custo de sustentar 32 ministérios e igual número de partidos políticos. Enquanto isso o País afunda em recessão, desemprego e 700 mil pessoas perderam seus planos de saúde.

O último capítulo (2) - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

O ESTADO DE S. PAULO - 20/03

Já comentamos que o governo Dilma Rousseff entrou no seu último capítulo. Nestas últimas semanas, o acúmulo de evidências nessa direção foi avassalador. Chamo a atenção para os principais eventos: a) A prisão do marqueteiro do PT, João Santana. Existem notícias de que sua mulher, pelo menos, faria uma delação premiada.

b) Delações bombásticas vieram a público, especialmente a de Delcídio Amaral. Outras estão a caminho. Falamos aqui dos executivos da Andrade Gutierrez e do ex-deputado Pedro Corrêa.

c) As gigantescas manifestações de domingo, dia 13 de março, mostraram que o País não está dividido como nas eleições, mas que está contra o PT, Dilma e Lula, em grande maioria. Aliás, as últimas pesquisas de opinião já mostravam essa situação. Os apoiadores tradicionais do governo calaram-se, abstendo-se de lançar bobagens, como "varanda gourmet", "coxinhas" e outras tentativas de desqualificação semelhantes.

Ademais, avança rapidamente a percepção de que a situação econômica e social continua a se deteriorar acentuadamente. Em particular, o meio empresarial começa a se dar conta de que: a) As empresas que,nos últimos anos, se abraçaram ao governo e suas benesses, na imensa maioria dos casos, quebraram ou estão a caminho da insolvência. Aliás, é essa uma lição que resultará: após a queda do governo, veremos uma substancial melhora da governança pública e privada do País, e isso será uma das alavancas da reconstrução de nossa capacidade de crescer, totalmente destruída pela "genialidade" da política econômica dos últimos anos.

b) O espaço de manobra para acomodar problemas empresariais está se tornando muito pequeno. Fundos de pensão estatais, Caixa Econômica Federal e o BNDES estão sofrendo de falta de recursos e fazendo frente a uma elevação no número de investigações sobre suas operações realizadas nos últimos anos.

c) A crise financeira das empresas só aumenta. Nunca se viu tanta gente grande totalmente atrapalhada e até considerando soluções mais radicais. Mesmo empresas que não têm nada a ver com o governo, como as do comércio, estão sofrendo. Muitas delas já estão em recuperação judicial ou discutindo essa possibilidade com seus advogados e bancos. O mercado de bônus fechou completamente.

Isso está obrigando os empresários e suas representações a sair da zona de conforto, a ir para a rua (como no último domingo) e a apoiar uma mudança rápida de governo, como a única forma de recuperar a perspectiva de voltar a crescer. Ninguém vem a público para apoiar o Executivo já há muito tempo. Ao contrário, muitos líderes empresariais estão falando abertamente que a mudança tem de ocorrer e rápido.

Não dá mais. O PT, Lula e Dilma devem prestar atenção: não é apenas o "mercado", mas todo o mundo empresarial chegou finalmente à conclusão de que não dá mais, que o governo é irrecuperável e que tem de terminar logo.

Mas,e o Lula? Não vai resolver a situação?

Minha percepção é que o ex-presidente não conseguirá alterar o curso de final de feira em que o governo se transformou. A deterioração da situação avançou muito em todas as frentes e ninguém mais está disposto a abrir créditos de confiança. O mais importante de tudo é que o grupo que está agarrado ao poder está subestimando gravemente o grau de indignação que tomou conta da sociedade, abrangendo regiões, idades, níveis de renda e níveis de educação, como ficou expresso nas manifestações do último dia 13 e nas pesquisas recentes.

Ofensas. Não bastasse isso, desde o final de quarta-feira até o momento em que acabo de escrever este artigo, na sexta-feira à tarde, tudo andou errado com o novo superministro. As gravações que vieram a público ofenderam gravemente, e numa linguagem de muito baixo nível, todo o judiciário, o que levou o ministro do Supremo Celso de Mello a fazer uma das mais duras intervenções dos últimos tempos. Ofenderam também a Procuradoria da República, o Congresso e praticamente todos os outros elementos da sociedade.

Um volume inusitado de ações judiciais trava neste momento a posse efetiva da Casa Civil. Além disso, até agora nenhuma mudança relevante ocorreu, quer no Ministério, quer na política econômica. Claro que isso ainda pode ocorrer, mas parece razoável imaginar que teremos apenas mais do mesmo, e isso é totalmente insuficiente para melhorar a situação econômica.

No Congresso Nacional, as indicações são de elevação no suporte ao processo de impeachment, o que levou a quase totalidade dos analistas políticos a colocar na faixa do 60%-70%a probabilidade de vitória do impedimento.

Em resumo, tudo indica que o cenário com o qual a MB Associados vem trabalhando desde setembro do ano passado vai se materializar ao final deste semestre. Neste caso, no segundo semestre viveremos num outro país, muito melhor e mais promissor.

Recentemente,alguém me lembrou de uma frase antológica do Ministro Mario Henrique Simonsen, que se aplica com precisão ao ex-presidente Lula: "O problema do trapezista aparece quando ele começa a pensar que sabe voar. Aí, vai ao chão".


O mistério do 'evento 133' - ELIO GASPARI

O GLOBO - 20/03

Consultando-se as agendas da doutora Dilma, de Nosso Guia e do juiz Sergio Moro, vê-se que, por algum motivo, eles ficaram apressados na quarta-feira (16).
Lula e Dilma tomaram café da manhã juntos. Era sabido que ele temia ser preso e que ela o convidara para o governo.

Pouco depois das 11 horas, o juiz Sergio Moro suspendeu várias interceptações telefônicas, inclusive a de um celular "laranja" de Lula. Passados alguns minutos, o Planalto informou que ele iria para a chefia da Casa Civil.

Às 13h32, Dilma telefonou a Lula, avisando que estava remetendo "o termo de posse", para usá-lo "em caso de necessidade". (Para a série mistérios da alma de Dilma: precisava telefonar?)

Às 15h34, a PF informou que ouviu a conversa e, às 16h19, Moro retirou o sigilo que protegia tanto a investigação como os grampos. Às 18h40, o diálogo foi ao ar.

Os grampos de Lula mostram um homem escaldado, ressentido e acuado. Quem o viu no dia seguinte mediu seu abatimento. Basta ler as conversas para se ver como alguns petistas já fugiam dele. Seu recurso aos palavrões é um dos melhores documentos da retórica desabusada que lhe deu popularidade e agora lhe dá a cama de pregos.

Quando Dilma nomeou Lula para a chefia da Casa Civil, sabia que estava blindando-o. Quando Moro aceitou o grampo feito depois de ter determinado a suspensão das interceptações, também sabia que o curto diálogo incendiaria o debate.

Explicando sua decisão de incluir o "evento 133", que grampeou Dilma, Moro disse: "Não havia reparado antes no ponto, mas não vejo maior relevância". Pode-se fazer tudo por Moro, menos papel de bobo. Sua explicação ofende a inteligência alheia, e a repercussão do gesto mostrou sua relevância.

O juiz tem tanta convicção de que está sempre certo que se julga incapaz de errar.

MADAME NATASHA

Madame Natasha zela pelo uso correto do idioma e sabe que as palavras são como as facas: servem para cortar carne à mesa ou para esfaquear os outros na rua.
Ela concedeu uma das suas bolsas de estudo ao prefeito do Rio, Eduardo Paes, pelo vocabulário que usou durante o piti que teve ao cuidar do atendimento de seu filho no hospital Lourenço Jorge.

Descontente com o serviço de um médica, ele lhe disse: "A senhora está demitida. Não quero mais ouvir a sua voz, aqui não estou falando como cidadão, mas como seu patrão. Não quero mais que você trabalhe para mim".

Natasha sabe que o prefeito se tem em muito boa conta. O doutor acha que Lula se meteu nas encrencas de Atibaia porque tem "alma de pobre". Ele não é patrão da médica, nem ela é sua empregada. Ambos são servidores públicos, servem ao público e, de certa maneira, a médica acaba sendo uma das patroas de Paes.

FÚRIA ARRECADADORA

Na sua fúria arrecadadora, o governo cozinha o restabelecimento de um sistema de bônus para os auditores da Receita Federal, vinculando-os ao desempenho (leia-se multas cuja cobrança foi efetivada).

Em tese, pode ser bom, mas também pode criar uma indústria de multas. Em qualquer caso, em vez de discutir o salário dos servidores, inventa-se um gatilho.

Pelas contas do oficialismo, pode render dinheiro gordo. Para quem conhece a Receita, será um perigoso esparadrapo.

Os auditores da Receita estão em greve branca desde agosto, e o governo finge que esse problema não existe.

RISCO

Se a doutora Dilma resolver jogar o governo em aventuras econômicas, é certo que Alexandre Tombini deixará o Banco Central.

Por maiores que sejam suas lealdades, Nelson Barbosa também deixará o Ministério da Fazenda antes de atentar contra a própria biografia.

No caso de Barbosa, o teste é fácil: na hora em que ele ficar parecido com Guido Mantega, vai-se embora.

BOMBA-RELÓGIO

Se e quando Lula tiver terminado de arrumar sua mesa no Planalto, verá que ficou numa gaveta o projeto de liberação dos planos de saúde individuais.

A iniciativa tem fortes padrinhos e esteve perto de ser aprovada ao tempo em que Aloizio Mercadante estava na Casa Civil. Com a chegada de Jaques Wagner, a oposição de uma parte da burocracia da saúde bloqueou o ofensiva. O próprio Wagner condenava a ideia.

Lula encontrará vários defensores da liberação na antessala de seu gabinete. São velhos amigos seus, do PT e de suas campanhas.

VERDADES PETISTAS

Lula não é dono do tríplex do Guarujá; Lula não é dono do sítio de Atibaia; Lula não usa celular.

VELÓRIO

Nos seus momentos de tristeza, Lula costuma dizer que gostaria de assistir ao próprio funeral. Que os deuses lhe deem longa vida, mas lhe ofereceram um grande ensaio geral.

MORO ERROU O TIRO NO EXEMPLO DE NIXON


Justificando a sua decisão de divulgar o grampo de uma conversa de Lula com a presidente da República, o juiz federal Sergio Moro disse o seguinte:

"Nem mesmo o supremo mandatário da República tem um privilégio absoluto no resguardo de suas comunicações, aqui colhidas apenas fortuitamente, podendo ser citado o conhecido precedente da Suprema Corte norte-americana em US v. Nixon, 1974, ainda um exemplo a ser seguido".

Moro divulgou um telefonema dado por Dilma a Lula horas antes. A Suprema Corte americana ordenou que o presidente Richard Nixon entregasse as transcrições de 43 conversas ocorridas semanas ou mesmo meses antes na Casa Branca.

Nixon era paranoico, mas grampeou o Salão Oval achando que nada havia de anormal nisso. Antes dele, Lyndon Johnson e John Kennedy gravaram tudo o que puderam. Franklin Roosevelt gravou pouca coisa, porque a engenhoca era do tamanho de um frigobar.

A Suprema Corte não botou os áudios no ar em poucas horas. As transcrições instruíram o processo e não esquentaram o debate além do ponto a que se havia chegado.

O que a corte discutiu foi o direito do presidente de blindar suas fitas. Afinal, o grampo não era da polícia, era dele. Não se conhece qualquer decisão judicial que permita botar no ar uma conversa do presidente dos Estados Unidos grampeada horas antes.

O juiz que fritou Nixon chamava-se John Sirica e, na juventude, fora boxeador. Era republicano, tinha horror a criminosos e sempre que podia espichava-lhes as penas.

Curiosidade: Nixon renunciou 16 dias depois da sentença unânime da corte.


A culpa é do Zé - EUGÊNIO BUCCI

REVISTA ÉPOCA

Fulano critica a imprensa com sangue nos olhos e disciplina férrea – e se sente tocado, predestinado


O companheiro Fulano de Tal não perdoa os meios de comunicação. Para ele, “a grande mídia” move um combate cerrado “contra as conquistas da classe trabalhadora”. Ninguém lhe tira da cabeça que foi “a grande mídia” que levou milhões de manifestantes às ruas para gritar contra o governo no domingo passado, dia 13 de março.

Implacável, critica a imprensa com sangue nos olhos e disciplina férrea. Não que seja um profissional do ramo. Ao contrário de uns aí que ganham dinheiro agenciado por autoridades para atacar repórteres e redações inteiras nas redes sociais, ele não fatura nada. Se faz seus discursos contra o “quarto poder”, ele os faz por militância. “A luta de classes é hoje travada no interior dos meios de comunicação”, ele avalia.

Há uns dois anos, leu um livro sobre a Escola de Frankfurt e, pelo que entendeu, todo mundo que ocupa um cargo de editor para cima num jornal ou numa emissora de TV é pau-mandado “dos patrões”. Os repórteres, não. “O repórter também é explorado.” Já o editor e seus chefes são capachos da “direita” e destilam “preconceito contra a esquerda”. “É assim que a propaganda reacionária funciona.”

Fulano fica indignado quando vê tanta gente acreditando em notícias de jornais, de revistas e de emissoras de rádio e televisão. “São uns alienados!” Chega a sentir raiva do povo, mas rapidamente se lembra de que o povo não é vilão, mas “vítima”. Esse pensamento o acalma, a raiva passa, e ele repete para si mesmo: o que falta ao povo é “conscientização”. A palavra “conscientização” é pura dialética a seus ouvidos.

Coerente, o companheiro Fulano se dedicar a sua missão de “conscientizar” os telespectadores oprimidos. Esse é o combate prioritário, ele tem certeza, reconfortado em sua autoimagem de detentor de portentosa capacidade intelectual e admirável compromisso de classe.

O companheiro se acha muito “de esquerda”, é claro. Com a mesma convicção, ele se acha também muito inteligente, mas não esquece a modéstia, a sua modéstia politicamente corretíssima. Seguro de que enxerga mais longe que os demais, não precisa se gabar quando percebe com nitidez cortante os truques de ilusionismo ideológico que enfeitiçam a massa ingênua. Sente-se tocado, predestinado, vocacionado, escolhido pela História (com H maiúsculo, é lógico). Sente-se ligeiramente superior, numa ponta de soberba que o incomoda, mas ele logo se perdoa por isso. Sendo tão solidário e tão desapegado de dinheiro, tão desprovido de “ambições materiais”, empenha sua perspicácia combativa para “resgatar” os “excluídos” da “alienação” e assim se purifica de sua vaidade contrarrevolucionária.

Mesmo compreensivo e fraternal, às vezes não pode evitar sua impaciência com a credulidade dos “alienados” que nem desconfiam das estratégias montadas pela burguesia para engrupi-los. Ele costuma advertir: não é somente pelos veículos jornalísticos que a burguesia engana as massas, não é só pelo jornalismo que ela constrói “hegemonia” (ele também gosta de citar Antonio Gramsci). Os piores golpes, ele pressente com sua clarividência materialista, são perpetrados pelos programas de entretenimento. Pelas novelas, principalmente. As novelas são “o ópio do povo”.

Dia desses, num churrasco, o companheiro Fulano de Tal conversava de lado com o companheiro Beltrano e o companheiro Sicrano quando, num insight, descobriu a mais nova e perversa jogada da “grande mídia” para neutralizar a “mobilização popular”. Arregalando os olhos, bateu com o fundo do copo na mesa e pontificou.

– A culpa de tudo isso aí é do Zé.

– Também acho! – emendou o Beltrano, que seguiu em tom de desabafo: – O Zé Dirceu foi longe demais...

O companheiro Fulano de Tal logo enquadrou o outro:

– Não, não é o Zé Dirceu. A culpa é do Zé de Abreu.

– O ator?

– Ator nada, companheiro. O Zé de Abreu era um agente infiltrado nas fileiras do partido só para nos desmoralizar.

Então, ele explicou sua teoria. O Zé de Abreu era o único astro de TV que apoiava publicamente Lula e o PT. Era tão escancaradamente petista que simbolizava a própria identidade do PT. Zé de Abreu e PT tinham virado sinônimos. Aí, “as elites” o escalaram para fazer papel de bandido, corrupto, ladrão e assassino na novela A regra do jogo. E o capítulo final foi ao ar justamente nas vésperas da grande manifestação.

– Foi uma jogada da mídia tucana para desconstruir a imagem de Lula e convencer o povo de que todo petista é bandido.

O companheiro Fulano de Tal não existe, evidentemente. Por isso, precisava ser inventado. E ele não perdoa os meios de comunicação.

Valem os fatos - ANA DUBEUX

CORREIO BRAZILIENSE - 20/03

Há alguns dias, encerrei meu artigo neste espaço com estas palavras: "Será difícil respirar. Que possamos sobreviver aos fatos". Àquela altura, logo depois da condução coercitiva do ex-presidente Lula à Polícia Federal, ainda com a expectativa da manifestação que reuniria milhões de pessoas nas ruas e se tornaria o maior evento político desde o movimento Diretas Já!, era fácil intuir que teríamos semanas de moer os ossos e exaltar os ânimos. Os últimos dias estão aí para provar que "sobreviver aos fatos" prossegue como um desafio. Na verdade, os desafios são bem maiores. Eu diria hoje: "Que a democracia sobreviva aos fatos, que os fatos se sobreponham às interpretações; que as leis sejam maiores que as vaidades; que as amizades vençam as adversidades políticas!".

A realidade política brasileira é hoje seriado, daqueles que hipnotizam todo mundo. Não se fala em outra coisa, e é até bom que seja assim. Esqueça o país que, há quase duas décadas, vivia enredo de estabilidade, apesar de seus altos e baixos. Não faz muito tempo, estávamos numa zona de sugestivo conforto, elogiados lá fora, com imagem preservada diante de nossos vizinhos, estes tão sujeitos a intempéries de todo tipo. De uns anos para cá, foi como se alguém tivesse aberto o forno antes do tempo: o país murchou tal como bolo solado. Houve uma série de motivos para isso, a começar por incompetência, mas entre eles há um ingrediente que fermentou a crise: a corrupção. Saiu pelos poros de um sistema político podre e deteriorado, que há tempo, e põe tempo nisso, corrói as riquezas brasileiras.

Nenhum partido político está livre dele. E, a despeito de o PT ser a bola da vez, é sabido que poucas legendas sairão incólumes da avalanche da Operação Lava-Jato. A questão que se impõe agora é se a presidente Dilma Rousseff conseguirá terminar o mandato - dúvida que se tornou imperiosa depois da ida de Lula para o governo. Há algumas variáveis que pesam nessa equação, como o rito de impeachment, os julgamentos de liminares pela Justiça sobre a permanência ou não do ex-presidente como ministro, os desdobramentos da Lava-Jato; o vazamento das escutas; a possibilidade de uma renúncia. Mas há também a voz das ruas. Como interpretá-la?

A voz das ruas não é um grito uníssono contra a corrupção, como muitos gostam de afirmar. Se fosse assim, não haveria um duelo entre o vermelho e o verde-amarelo. Haveria uma só cor e um só grito. Alguns imaginam que só o PT é corrupto; outros que, embora o PT seja, não é justo puni-lo sozinho; há os que acreditam que a saída do PT significa por si só um retrocesso social; e aqueles que imaginam que tirá-lo do poder resolveria todos os problemas.

Escolher um lado cegamente diante de um cenário tão cheio de detalhes, nuances, idas e vindas é assumir, sim, uma postura ideológica. Porque racionalmente não é possível ter confiança irrestrita nem no PT nem nos que fazem oposição a ele. As dúvidas são senhoras respeitáveis desses tempos. É perigoso ter certezas absolutas quando tantos interesses estão em jogo. Falar em golpe midiático, em golpe do Judiciário, em estado de exceção é fechar um diagnóstico às cegas. É preciso mais seriedade, mais honestidade e menos personalismo para encarar uma crise como esta. O próprio umbigo - ou o próprio olhar - não pode ser o único ponto de referência.


Isolamento - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 20/03

O Brasil, senhoras e senhores contra ou a favor do governo, deu um show de democracia numa semana tão bombástica. No domingo, 1,4 milhão de pessoas pintaram a Paulista de verde e amarelo para gritar “Fora Lula, fora Dilma, fora PT”. Na sexta, 80 mil adotaram o vermelho para rechaçar o impeachment e berrar o oposto: “Fica Lula, fica Dilma, fica PT”. Não houve confronto, pancadaria, medo. Houve, sim, um espetáculo de cidadania, além de uma oportunidade para comparações.

Os “coxinhas” de domingo, com seus pais, filhos, vizinhos e colegas de trabalho, pareciam ir ao parque exigir um País melhor e mais digno. Os “mortadela” de sexta, cansados de guerra em manifestações, mudaram de lado: os mesmos que, corajosamente, iam às ruas para cobrar justiça e combater a corrupção, agora vão para malhar o juiz Sérgio Moro, símbolo exatamente de justiça e de combate à corrupção. E ninguém se esgoelou contra o desemprego!

Foi a eles que o ex-presidente e quase, futuro ou ex-ministro (é para não entender mesmo...) Lula se dirigiu com a camisa e a cara vermelhas, voltando no tempo. Com o mesmo carisma e tom que o transformaram no maior líder de massa da história recente, Lula ignorou o País indo ladeira abaixo com Dilma e a indústria, as lojas, os serviços despencando. Ignorou também o assalto à Petrobrás, a promiscuidade com as empreiteiras, as múltiplas empresas dos filhos nos seus próprios anos. Falou dos ganhos de seis, sete anos atrás, perdidos no espaço.

Se as imagens foram lindas e incandescentes tanto no domingo quanto na sexta, foram diferentes dimensões: 23 quarteirões da Paulista no domingo, com as mais variadas pessoas e nenhuma bandeira de partido, e onze na sexta, com militantes ou convocados pelo PT, PC do B, CUT, MST, UNE. Em décadas anteriores, muitos daqueles de domingo eram liderados por estes, da sexta, contra a ditadura, a favor das Diretas-Já, pelo impeachment de Collor. Hoje, os de vermelho fecham-se em torno deles próprios.

Isso se repetiu pelo País todo e casa com o ambiente de Brasília, onde Dilma e Lula trancam-se em palácio com os aliados incondicionais, largam pelo caminho os conquistados pelo “Lulinha Paz e Amor” e os anos de crédito, consumo e alegria e irritam os demais. O procurador-geral, Rodrigo Janot, frisou que deve o cargo à sua longa carreira. O decano do Supremo, Celso de Mello, considerou um “insulto” Lula chamar o tribunal de “acovardado” nos grampos e Gilmar Mendes virou herói das redes sociais ao suspender a nomeação de Lula para o ministério e jogá-lo de novo no colo de Moro.

A OAB – autora do pedido de impeachment de Collor – decidiu por 26 a 2 apoiar o de Dilma e a CNI prega que “é imprescindível restabelecer a governabilidade”. Só faltou a Receita Federal estranhar a carteirada de Lula para o ministro Nelson Barbosa (que é quem se sai melhor das fitas...) estancar as investigações no Instituto Lula.

Para fechar a semana, o novo ministro da Justiça, Eugênio Aragão, que era do MR-8, passou pelo Santo Daime e virou ministro porque o antecessor foi derrubado pelo STF e José Eduardo Cardozo se negava a meter a mão na PF, declara ao repórter Leandro Colon que “se sentir cheiro de vazamento (das investigações), a equipe da PF será trocada, toda”. Pronto, incendiaram de vez a PF. Ficou faltando alguma instituição?

É nesse ambiente que a Comissão do Impeachment começou a contar prazo na sexta, com quórum até nas segundas e sextas e os partidos aliados ao Planalto anunciando uma defecção por dia. Ah! Paulo Maluf estava na posse de Lula e está na comissão, mas onde estavam os outros aliados de Dilma nas manifestações de sexta-feira, afora o PC do B? Bem longe das ruas, fazendo cálculos de vantagens e desvantagens (para eles, claro) entre Dilma Rousseff e Michel Temer.


"Lula, o Musical" - SÉRGIO DÁVILA

Folha de SP - 20/03

A peça de mais sucesso da temporada atual da Broadway é o musical político "Hamilton".

Com rap e hip-hop, parte da vida do primeiro secretário de Tesouro e um dos "pais fundadores" dos Estados Unidos, Alexander Hamilton (1755/7-1804), para falar da formação do país. O casal Obama já assistiu duas vezes, uma delas em sessão especial na Casa Branca.

Os acontecimentos da última semana no Brasil nos autorizam a pensar numa versão local, tropicalizada. Proponho a farsa "Lula, o Musical - Eu Tô Mandando o 'Bessias'", a ser encenada em Brasília.

Será proibida para menores, pela fixação que o personagem principal tem na fase anal e por cenas explícitas de quebra de decoro. O tempo é o atual. O cenário é um sítio emprestado em constante reforma.

Os personagens principais:

O ex-presidente - No poder há 13 anos, tem relação de amor e ódio com as elites.

Sente-se perseguido, ameaça virar Nero e incendiar tudo. Anda pelo palco arrastando um contêiner de tralhas que não tem onde colocar.

A presidente - Depende do personagem principal e o protege, numa relação simbiótica. Fala frases sem sentido nem fim. É ela quem manda o "Bessias" do subtítulo em uma missão delicada e nunca esclarecida.

O juiz - Além de despertar ciúme (esse monstro dos olhos verdes), o mouro de Curitiba tem superpoderes. Entre eles o da escuta telefônica e o de mandar prender por tempo indeterminado. É o antagonista do personagem-título.

O prefeito do balneário - Mistura o típico malandro carioca com Justo Veríssimo, personagem de Chico Anysio que odiava pobre. Mora em Maricá, mas sonha com Petrópolis. É viciado em jogos.

"Bessias" - Na verdade Messias, é o anjo exterminador do respeito às instituições democráticas. Entrega o salvo-conduto ao ex-presidente na cena que dá início ao musical.

Público pagante - Você.