FOLHA DE SP - 31/03
E se o livro do Eclesiastes estiver certo e não existir nada de novo sob o Sol?
Você lembra do filme com Jack Nicholson chamado "Melhor É Impossível"? Há uma cena em que ele, um obsessivo-compulsivo (diríamos, um caso grave de TOC), de repente, saindo do analista, se dá conta: "E se melhor do que isso for impossível?". Referia-se a seu quadro tenso, cheio de rituais obsessivos, mas rasgado por um esforço cotidiano de enfrentá-lo.
Pois bem, outro dia, em meio a uma aula com alunos de graduação, discutindo se é melhor ser religioso ou não, essa questão apareceu: "E se a vida não puder ser melhor do que isso?". Ou: "E se uma vida melhor for impossível de se conseguir?". Que vida é essa da qual falávamos? O que pensa um jovem de 20 anos acerca do que seja qualidade de vida?
A questão se apresentou quando ouvíamos uma menina, religiosa, dizer o quanto melhor era a qualidade de vida que se tinha vivendo dentro de uma comunidade religiosa. Melhores amizades, melhor namoro, meninos mais honestos, melhores férias, melhor convívio com os pais, enfim, melhor tudo que importa, apesar de nunca ser perfeito.
Os semiletrados pensam que jovens gostam de ser "livres".
Risadas? Jovens querem famílias estáveis, casa com segurança, futuro garantido, um grupo para dizer que é seu, códigos que os definam de forma clara e distinta, enfim, de um quadro de referências que torne o mundo significativo e seu.
Quando encontram, aderem de forma muito mais direta do que pessoas com mais de 30. Estas já começam a entrar no desgaste cético que a vida impõe a todos nós. Da louça que lavamos, do sexo meia boca que fazemos à arte que cultivamos.
Basta ver o caráter dogmático do movimento estudantil pra ver esse tipo de adesão direta e sem medo dos jovens. Às vezes temo que mais atrapalhamos os jovens do que os ajudamos com o conjunto de exigências que fazemos a eles: sejam diferentes, mudem o mundo, rompam com tudo, inventem-se. Woodstock foi um surto do qual eles já se curaram, mas nós não.
Mas, de volta a: "E se a vida não puder ser melhor do que isso?".
O problema era: É melhor viver sem religião ou viver aceitando um código religioso claro?
E vejam: no dia a dia, os poucos jovens religiosos que conheço no meio que frequento costumam ser melhores alunos, mais atentos ao que se fala em sala de aula, menos inseguros com relação a temas como sexo, drogas e rock and roll, assim como também quando se fala de futuros relacionamentos. Enfim, parecem saber mais o que querem e serem menos permeáveis às modinhas bobas que existem por aí.
A conclusão parece ser que uma adesão a uma vida religiosa sem exageros de contenção de comportamento nutre mais esses meninos e meninas ao redor dos 20 anos do que a parafernália de teorias que a filosofia ou as ciências humanas produziram nos últimos séculos.
É como se as religiões tradicionais (como digo sempre, se você quiser uma religião, pegue uma com mais de mil anos...) carregassem uma sabedoria mais instalada, apesar de silenciosa, com relação ao que de fato eles precisam.
E se tivermos alcançado algum limite nas utopias propostas para a modernidade? E se o surto do século 18 pra cá tiver se esgotado como fórmula e chegarmos à conclusão que, como pequenos ajustes aqui e ali, pequenas correções de percurso (um cuidado com os recursos do meio ambiente, uma sensibilidade maior aos riscos de um materialismo extremado, maior longevidade, beijo gay na novela das nove), a vida se impõe em seu ritmo como sempre se impôs aos nossos ancestrais?
E se o velho ritmo de nascer, crescer, plantar, colher, reproduzir e morrer, com variações criadas pela Apple, for tudo o que temos? E se for justamente essa "perenidade do esforço" impermeável às modas de comportamento a realidade silenciosa da vida?
E se o Eclesiastes, livro que compõe o conjunto de quatro textos da Bíblia hebraica (que os cristãos chamam de Velho Testamento) conhecidos como Sabedoria Israelita (Provérbios, Eclesiastes, Livro de Jó e Cântico dos Cânticos) estiver certo, e não existir nada de novo sob o Sol? E se tudo for, como diz o sábio bíblico, vaidade e vento que passa?
segunda-feira, março 31, 2014
Limites da proteção - MAURICIO CANÊDO PINHEIRO
O GLOBO - 31/03
Conteúdo nacional não deve ser fim em si mesmo, mas ferramenta temporária de apoio
Ganhou destaque recentemente a declaração da presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, de que a prioridade da empresa é o aumento da produção, e não a exigência de conteúdo nacional. É uma boa notícia, mas também mais um sintoma de que essa política precisa ser reformulada.
Políticas públicas têm custos e benefícios. Com políticas industriais não é diferente. No caso específico da política de conteúdo nacional, os benefícios dizem respeito aos empregos e renda gerados. Por sua vez, os custos estão associados à compra de insumos domésticos mais caros (ou de qualidade menor) do que sua contrapartida importada. Note que esses custos se materializam mesmo que no longo prazo a indústria doméstica se torne competitiva.
O balanço entre custos e benefícios somente é positivo se os requerimentos de conteúdo nacional não forem muito agressivos e se a política for temporária. Em outras palavras, se o hiato de preço entre o bem nacional e importado não for muito grande e cair ao longo do tempo.
No caso brasileiro, há indícios de que os requerimentos de conteúdo nacional são excessivamente altos. O próprio posicionamento recente da Petrobras corrobora essa afirmação. Além disso, esses requerimentos abrangem uma gama muito ampla de setores, muitos deles não associados diretamente à área de petróleo. Não é possível ser competitivo em tudo. Finalmente, não parece haver sinais claros de que a proteção aos fornecedores domésticos diminuirá no longo prazo.
O contraponto com a experiência norueguesa — na qual pretensamente o Brasil se inspirou, e que muitas vezes é citada como exemplo de sucesso em políticas de conteúdo nacional no setor de petróleo — é bastante ilustrativo. Diferentemente do Brasil, lá não houve preocupação com o encadeamento doméstico para muitos setores. Foram escolhidos alguns poucos setores em que o país ainda não estava presente de forma significativa, mas nos quais era possível atingir competitividade internacional em alguns anos. E, embora diversas medidas governamentais tenham sido adotadas para desenvolver empresas locais e para favorecer a contratação de empresas norueguesas em determinadas circunstâncias, nunca se recorreu a requerimentos de percentuais mínimos de conteúdo local ou algo semelhante. Note-se que há evidências de que, mesmo no caso norueguês, os custos da política industrial não foram desprezíveis.
O conteúdo nacional pode ser uma ferramenta muito poderosa para alavancar setores industriais ligados à extração de petróleo e gás no Brasil. No entanto, ele não deve ser um fim em si mesmo, mas uma ferramenta temporária de apoio. Ele deve ser removido ao longo do tempo, pela gradual exposição à competição internacional. Caso contrário, há o risco de que os setores contemplados pela política se desenvolvam voltados apenas para o mercado doméstico. Neste caso, dificilmente serão capazes de atingir competitividade no mercado internacional. Já fizemos isso no passado e sabemos que essa é a receita certa para o fracasso.
Conteúdo nacional não deve ser fim em si mesmo, mas ferramenta temporária de apoio
Ganhou destaque recentemente a declaração da presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, de que a prioridade da empresa é o aumento da produção, e não a exigência de conteúdo nacional. É uma boa notícia, mas também mais um sintoma de que essa política precisa ser reformulada.
Políticas públicas têm custos e benefícios. Com políticas industriais não é diferente. No caso específico da política de conteúdo nacional, os benefícios dizem respeito aos empregos e renda gerados. Por sua vez, os custos estão associados à compra de insumos domésticos mais caros (ou de qualidade menor) do que sua contrapartida importada. Note que esses custos se materializam mesmo que no longo prazo a indústria doméstica se torne competitiva.
O balanço entre custos e benefícios somente é positivo se os requerimentos de conteúdo nacional não forem muito agressivos e se a política for temporária. Em outras palavras, se o hiato de preço entre o bem nacional e importado não for muito grande e cair ao longo do tempo.
No caso brasileiro, há indícios de que os requerimentos de conteúdo nacional são excessivamente altos. O próprio posicionamento recente da Petrobras corrobora essa afirmação. Além disso, esses requerimentos abrangem uma gama muito ampla de setores, muitos deles não associados diretamente à área de petróleo. Não é possível ser competitivo em tudo. Finalmente, não parece haver sinais claros de que a proteção aos fornecedores domésticos diminuirá no longo prazo.
O contraponto com a experiência norueguesa — na qual pretensamente o Brasil se inspirou, e que muitas vezes é citada como exemplo de sucesso em políticas de conteúdo nacional no setor de petróleo — é bastante ilustrativo. Diferentemente do Brasil, lá não houve preocupação com o encadeamento doméstico para muitos setores. Foram escolhidos alguns poucos setores em que o país ainda não estava presente de forma significativa, mas nos quais era possível atingir competitividade internacional em alguns anos. E, embora diversas medidas governamentais tenham sido adotadas para desenvolver empresas locais e para favorecer a contratação de empresas norueguesas em determinadas circunstâncias, nunca se recorreu a requerimentos de percentuais mínimos de conteúdo local ou algo semelhante. Note-se que há evidências de que, mesmo no caso norueguês, os custos da política industrial não foram desprezíveis.
O conteúdo nacional pode ser uma ferramenta muito poderosa para alavancar setores industriais ligados à extração de petróleo e gás no Brasil. No entanto, ele não deve ser um fim em si mesmo, mas uma ferramenta temporária de apoio. Ele deve ser removido ao longo do tempo, pela gradual exposição à competição internacional. Caso contrário, há o risco de que os setores contemplados pela política se desenvolvam voltados apenas para o mercado doméstico. Neste caso, dificilmente serão capazes de atingir competitividade no mercado internacional. Já fizemos isso no passado e sabemos que essa é a receita certa para o fracasso.
Torneira fechada - VERA MAGALHÃES - PAINEL
FOLHA DE SP - 31/03
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) anuncia hoje que vai ampliar para toda a região metropolitana de São Paulo a oferta de desconto a consumidores que reduzirem em 20% o uso de água. Atualmente, o bônus de 30% na conta vale só para regiões abastecidas pelo sistema Cantareira. O governo decidiu estender a campanha ao constatar a queda dos níveis de reservatórios depois que passou a usar a água de outros sistemas para abastecer as casas onde havia risco de racionamento.
No cano Alckmin também vai apresentar uma nova obra do governo que vai transferir água do rio Grande para o sistema Alto Tietê, aumentando sua capacidade de abastecimento. O projeto, que prevê a construção de uma estação de tratamento, deve ser concluído em um mês.
Manobra... Em reunião na última semana, o núcleo da campanha de Alexandre Padilha (PT) ao governo de São Paulo disse temer que Alckmin tente dividir com Dilma o desgaste por um possível racionamento este ano.
... hidráulica Se a ANA (Agência Nacional de Águas) não aprovar o pedido paulista de transposição do rio Paraíba do Sul, o tucano poderia dizer que o governo federal recusou ajudar o sistema de abastecimento do Estado.
Pouso... O PSB encontrou um flat de três quartos para Eduardo Campos morar em São Paulo durante a campanha presidencial. O apartamento fica em Moema, bairro conhecido por abrigar "forasteiros", por ser perto do aeroporto de Congonhas.
... autorizado O próprio Campos visitou o endereço antes de dar aval à nova casa.
De casa A Consulplan, empresa que projetou uma obra para o governo Campos com preço R$ 700 milhões mais alto do que o refeito pelo Dnit, auxilia projetos viários de Pernambuco desde 2010. A firma já recebeu R$ 25 milhões do Estado.
Hermanos 1 O PSDB promove em maio um seminário sobre política na América Latina, reunindo ex-presidentes e novas lideranças do continente. A ideia é projetar Aécio Neves fora do país e fazer um contraponto às alianças do PT na região.
Hermanos 2 A mesa dos veteranos contará com FHC, Álvaro Uribe (Colômbia) e Ricardo Lagos (Chile). A dos novatos reunirá o presidenciável tucano, o venezuelano Henrique Capriles e Sergio Massa, opositor de Cristina Kirchner na Argentina.
Surpresa O governo pediu que senadores sejam mais discretos sobre as manobras contra a CPI da Petrobras, para evitar que a oposição se arme para um contra-ataque.
A sério Do líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), sobre a declaração de Eduardo Campos de que a ampliação da CPI "cheira a infantilidade": "Vamos mostrar à oposição que não estamos para brincadeira".
De perto Líderes da base foram avisados de que a presidente Dilma Rousseff pode chamá-los para uma reunião hoje à tarde. O tema não foi anunciado, mas parlamentares creem que a mudança na articulação política do governo estará em pauta.
Número dois O secretário-executivo de Ricardo Berzoini na Secretaria de Relações Institucionais será Luiz Azevedo, que trabalhou na pasta nas gestões de Alexandre Padilha e Luiz Sérgio.
Fator RH Em 2011, Azevedo pediu demissão de outro cargo da secretaria após enviar, por engano, um e-mail a deputados e senadores com as explicações do então ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, sobre suas atividades de consultoria.
Tiroteio
"Em 1964, as elites combatiam as reformas de Jango. Hoje, a coligação PSDB-PSB combate as conquistas sociais de Lula e Dilma."
DO DEPUTADO CARLOS ZARATTINI (PT-SP), sobre os ataques de Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) aos governos petistas neste ano eleitoral.
contraponto
Palanque fúnebre
Os convidados de Dilma Rousseff no avião presidencial conversavam descontraídos na manhã do dia 20 de março, quando a comitiva viajava de Belém a Marabá --cidade ao sul da capital paraense.
No meio do voo, a aeronave sacolejou ao enfrentar turbulência. A senadora Kátia Abreu (PMDB-TO) brincou:
--Seria horrível se esse avião caísse... Quando alguém morre numa tragédia com gente importante, os jornais só noticiam: "morreram fulano de tal e outros políticos".
Jader Barbalho (PMDB-PA) arrematou:
--Vamos ter que disputar até o público do enterro!
Ordem quer flexibilizar segredo profissional - ADRIANA AGUIAR
VALOR ECONÔMICO - 31/03
O Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é claro: o profissional deve guardar segredo sobre todas as confidências de seu cliente. Agora, porém, 19 anos depois da edição da norma, a advocacia pretende flexibilizar essa regra. Um artigo, previsto no anteprojeto de alteração do código, colocado em consulta pública no início do mês, no portal da OAB, estabelece que o advogado deverá renunciar ao mandato e agir de acordo com "os ditames de sua consciência e conforme as circunstâncias recomendarem" se o seu cliente confessar ter cometido um crime, no qual um inocente esteja respondendo por ele.
O dispositivo tem provocado polêmica entre os advogados que consideram perigoso relativizar o segredo profissional. A minuta com o novo texto foi elaborada pela Comissão Especial para Estudo da Atualização do Código de Ética e Disciplina da OAB, cujo relator é o conselheiro Paulo Roberto de Gouvêa Medina. A consulta ficará aberta por 90 dias.
Dentro desse prazo, a classe jurídica poderá propor modificações no texto. A entidade já recebeu 218 sugestões até o dia 21. A ideia é elaborar um novo texto para entrar em vigor no início do ano que vem, segundo o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho. O atual é antigo, e acrescenta o presidente da entidade, precisa de atualizações.
Segundo o advogado criminalista Pierpaolo Bottini, do Bottini & Tamasauskas Advogados, essa previsão de quebra do segredo profissional "é muito complicada". Isso porque, segundo ele, o advogado e seu cliente têm uma relação de plena confiança. "Todos os documentos e confidenciais ficam protegidos pelo mais estrito sigilo", diz. O profissional só poderia quebrar essa regra, acrescenta Bottini, se o cliente o enganar e passa a utilizar essa proteção para cometer atos ilícitos. "Nas demais hipóteses não concordo com a quebra de sigilo. O advogado não tem que fazer o papel de polícia ou do Ministério Público e denunciar o seu cliente."
Até mesmo com a recente edição das leis de combate à lavagem de dinheiro e anticorrupção, Bottini acredita que o sigilo do advogado sobre o seu cliente deve ser absoluto. "Mesmo com essas leis, não há previsão de que o advogado tenha que entregar informações", diz. Até porque, segundo o advogado, o Estatuto da OAB, já prevê a inviolabilidade dos escritórios de advocacia e dos documentos fornecidos pelos clientes. "Nem com ordem judicial, esses documentos podem ser retirados."
O artigo, tal como está redigido, pode comprometer a relação advogado e cliente, segundo a professora de Direito Penal da escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, Heloísa Estellita. "O cliente, especialmente na esfera penal, não vai mais sentir segurança para fornecer todas as informações, porque ele não tem a garantia de que elas não serão reveladas pelo advogado", afirma.
Segundo Heloísa, o advogado já pode recusar-se a continuar no caso, no momento que quiser. Porém, dar o poder de decisão para o profissional sobre as informações confidenciais seria "extremamente delicado", acrescenta. A professora ainda afirma que o artigo 23 do Código Penal, também protege o advogado, ao quebrar o sigilo profissional, em estado de necessidade, em legítima defesa ou em estrito cumprimento de dever legal. "Nesses casos, as exceções já estão previstas", diz. "O texto do artigo está confuso e poderia ser alterado para estar em consonância com o Código Penal e o Estatuto da Advocacia."
O advogado João Biazzo, do Aidar SBZ Advogados, também concorda que o artigo é polêmico. Para ele, denunciar o crime confessado por cliente é extrapolar as funções do profissional. "Isso é dever do Estado e não do advogado", afirma.
A origem desse artigo, segundo o relator do anteprojeto, conselheiro da OAB Paulo Roberto de Gouvêa Medina, está nas legislações de outros países e na doutrina. "A intenção é que inocentes parem de responder pelos crimes que não cometeram", diz. Para Medina, contudo, é importante ressaltar que não há uma imposição no artigo, apenas uma liberação desse advogado para que haja de acordo com a sua consciência. "O anteprojeto está em consulta publica justamente para receber sugestões", afirma.
Para o presidente Marcus Vinicius Furtado Coêlho "todas as sugestões e críticas são muito bem-vindas". Ele afirma que as informações colhidas serão analisadas e debatidas na XXII Conferência Nacional dos Advogados, em outubro, no Rio de janeiro. Assim, a perspectiva do presidente é a de que o novo Código de Ética seja votado pelo Conselho Federal até o fim do ano, para vigorar em 2015.
Novo código impede pagamento de baixos honorários
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) resolveu entrar efetivamente no combate ao pagamento de baixos honorários a advogados. O anteprojeto que pretende alterar o Código de Ética e Disciplina prevê, no parágrafo único do artigo 29, que quando as empresas públicas ou privadas forem detectadas pagando honorários considerados "aviltantes", o respectivo departamento jurídico será solicitado a intervir para corrigir o abuso, "sem prejuízo de providências que a Ordem dos Advogados do Brasil venha a tomar junto aos órgãos competentes, com o mesmo objetivo".
Segundo advogados, esse dispositivo deve inibir a atuação de escritórios que atuam na chamada advocacia contenciosa de massa e que, pelo volume de processos, cobram valores muito abaixo dos previstos na tabela de honorários da OAB. De acordo com João Biazzo, do Aidar SBZ Advogados, a guerra de preços entre os escritórios "é absurda" e esses pagamentos de honorários considerados aviltantes são comuns no mercado.
A alteração representa uma inovação do anteprojeto, segundo o relator, conselheiro Paulo Roberto de Gouvêa Medina. "Não é fácil coibir essas situações. Por isso, está prevista a responsabilização do advogado que responde pelo escritório ou departamento jurídico, que pode passar a sofrer um processo disciplinar na OAB", diz. Segundo o conselheiro, o assunto tem sido amplamente discutido na Ordem, que formou uma comissão para elaborar uma resolução específica sobre o tema.
A ideia do artigo, segundo o presidente nacional da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho, é fazer o advogado ser selecionado pela qualidade, e não pelo preço. Segundo Coêlho, a advocacia não é uma profissão com feição mercadológica e, a partir das sugestões que vierem na consulta pública do anteprojeto, o objetivo é aperfeiçoar o combate ao problema.
Para o advogado Marcelo Knopfelmacher, diretor presidente do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA), porém, esse artigo pode se tornar letra morta e não ter eficácia prática. "Causa estranheza a intervenção do departamento jurídico. Ele não tem autonomia para intervir nos preços pagos. Transferir essa responsabilidade ao departamento jurídico é complicado", diz.
Norma poderá prever o pro bono
Dois outros pontos que interessam à advocacia também foram tratados no anteprojeto que prevê a alteração do Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB): a publicidade, que não deve ter alteração significativa, e a previsão da atividade pro bono (gratuita) pelo profissional.
A advocacia pro bono já é exercida em larga escala pelo país. Porém, não está prevista no Código de Ética para que advogados sejam responsabilizados por eventuais irregularidades ao praticá-la.
O artigo 30 do novo texto prevê que "no exercício da advocacia pro bono, como defensor nomeado, conveniado ou dativo, o advogado empregará todo o zelo e dedicação necessários, de forma que a parte por ele assistida se sinta amparada e confie no seu patrocínio".
Para Marcos Fuchs, diretor executivo do Instituto Pro Bono "só o fato de finalmente termos uma menção à advocacia pro bono já é um avanço e uma conquista muito valiosa". Isso deve, segundo Fuchs, permitir que os advogados possam atuar gratuitamente para pessoas físicas e entidades em todo o território nacional.
Hoje, o tema, tratado em resolução de 2002 da seccional paulista da OAB, traz uma restrição: a advocacia pro bono deve ocorrer apenas para auxiliar pessoas jurídicas sem fins lucrativos, do terceiro setor. Segundo Fuchs, o Conselho Federal da OAB também tem trabalhado na elaboração de uma resolução específica para dar maior transparência à atividade.
Para o advogado Marcelo Knopfelmacher, diretor presidente do Movimento de Defesa da Advocacia (MDA), o artigo 30 do novo texto traz um reforço para uma atividade. "Mas seria conveniente haver a regulamentação mais específica que limite a quantidade de casos e que discrimine quais os requisitos para que a atividade seja gratuita".
Apesar da expectativa de alguns advogados, a questão da publicidade não foi alterada substancialmente. O texto manteve a linha de orientação do código vigente e do Provimento nº 94, de 2000. Os dispositivos ressaltam que a publicidade deve ter caráter informativo e não persuasivo. E continua a proibição dos atos que visem à captação de clientela.
Segundo o relator do anteprojeto, conselheiro da OAB Paulo Roberto Gouvêa Medina, o texto preserva a linha tradicional e segue o modelo francês e português, que difere substancialmente do americano, no qual a advocacia é uma atividade empresarial como qualquer outra. "Esse tema não deve ser alterado não só pelos nossos costumes, mas pelo risco que pode trazer em tempo de proliferação indiscriminada dos cursos de direito", afirma.
Para o advogado João Biazzo, do Aidar SBZ Advogados, os artigos que tratam de publicidade detalham mais o que é ou não permitido, sem grandes alterações. "Muitas das atualizações confirmam decisões dos tribunais de ética."
Esplanada das montadoras - DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR
CORREIO BRAZILIENSE - 31/03
O Brasil é país governado pela indústria automobilística. As ambições e desatinos desse conluio empresarial degradam a nação. Seus interesses pecuniários sobrepõem-se aos princípios básicos da democracia, controlando grande parte do aparelho do Estado. A ditadura do automóvel tomou conta não apenas das ruas, praças e avenidas, mas também de câmaras legislativas, do Congresso Nacional e do Poder Executivo.
Prova maior do aparelhamento automobilístico do Estado brasileiro é a recente tentativa de mudança do projeto urbano da capital da República, produto do talento nacional, reconhecido no seu valor artístico, arquitetônico, histórico, tombado como Patrimônio Cultural da Humanidade.
Indiferentes aos princípios que norteiam a cidadania, deputados da Câmara Legislativa aprovaram intervenção na obra que transformou o cerrado em sede monumental da Capital da Esperança. Pretendem desfazer a beleza e a dimensão da Esplanada dos Ministérios. Querem invadir seu subsolo com vagas para 10 mil veículos. Falam em nome de benefícios para o povo brasiliense. Praticam, no entanto, vergonhosa submissão às estratégias impositivas da indústria de automotivos.
A Esplanada dos Ministérios é monumento da República. Tem de ser entendida como intocável. Se não há espaço para estacionar carros dos servidores que ali trabalham, ou do público que para lá se dirige, a solução não é violar recantos e estruturas de Brasília, infestando-os com as metástases do pior câncer tecnológico que tomou conta do organismo das cidades.
A tirania da indústria de automóveis precisa ser desmascarada. A capital da República deveria estar na vanguarda da mobilidade urbana representada pela rede de metrô, tão eficientemente implantada nos países que respeitam os direitos do cidadão. O subsolo não pode ser transformado em pátio de montadoras. Deve ser reservado às linhas de metrô, a serem espalhadas por todo o Plano Piloto e cidades do DF para garantir deslocamento rápido, seguro, de baixo custo, capaz de devolver à população os pontos urbanos hoje ocupados pelas viaturas. Essa modalidade de transporte público não se instala há décadas no país porque as empresas que produzem e vendem carros detêm o controle das instâncias decisórias de todos os governos.
A arrogância legislativa que pretende estacionar automóveis no subsolo da Esplanada dos Ministérios, engarrafando ainda mais o coração do patrimônio cultural da humanidade, deve ser rejeitada pela sociedade. Se algum dia for entendida válida qualquer mudança no terreno da praça central de Brasília, que ali sejam construídas creches de qualidade para acomodar a população infantil, filha de grande número de mães que trabalham nas estruturas de cada um dos abundantes ministérios. Por que carro, não criança? A resposta é fácil. Carro é política e financeiramente rentável. Criança não vota, é desprezada pela classe dominante.
Na cidade de Melbourne, Austrália, há uma linha de metrô de superfície que circula o dia inteiro à volta do grande centro urbano. Tem qualidade, pontualidade, segurança e é gratuita. Grande número de pessoas usa aquele meio de transporte. Se algo comparável fosse desenvolvido na Esplanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes, a demanda de vagas de estacionamento desapareceria imediatamente. No entanto, como a desova diária de carros não pode ser interrompida, as referências históricas e monumentais de todos os municípios brasileiros encontram-se ameaçadas, se não já destruídas e transformadas em garagens. Na França, cabe às montadoras custear boa parte das vias de circulação de carros. No Brasil, o sistema viário é custeado unicamente pelo Estado, logo, pelos cidadãos.
Os fabricantes de automóveis comandam o poder no país. Determinam redução de juros e facilitação de crédito para garantir venda de veículos. Forçam a manutenção do preço de combustíveis abaixo do valor requerido pelo equilíbrio da economia. Enganam, iludem e engodam os brasileiros por meio de propaganda desonesta. Só mostram imagens de veículos em paraísos da natureza, embelezados por mulheres lindas e atraentes, jamais nas filas de congestionamento em que passarão a circular, se adquiridos.
Brasília merece respeito. É orgulho do povo brasileiro. É patrimônio histórico e cultural da humanidade. Não pode ser desvirtuada de sua vocação por medidas irresponsáveis e devastadoras. Se atingida, de fato, pelo projeto legislativo que quer desfigurá-la, deixará de ter uma Esplanada dos Ministérios. Despontará a Esplanada das Montadoras.
Prova maior do aparelhamento automobilístico do Estado brasileiro é a recente tentativa de mudança do projeto urbano da capital da República, produto do talento nacional, reconhecido no seu valor artístico, arquitetônico, histórico, tombado como Patrimônio Cultural da Humanidade.
Indiferentes aos princípios que norteiam a cidadania, deputados da Câmara Legislativa aprovaram intervenção na obra que transformou o cerrado em sede monumental da Capital da Esperança. Pretendem desfazer a beleza e a dimensão da Esplanada dos Ministérios. Querem invadir seu subsolo com vagas para 10 mil veículos. Falam em nome de benefícios para o povo brasiliense. Praticam, no entanto, vergonhosa submissão às estratégias impositivas da indústria de automotivos.
A Esplanada dos Ministérios é monumento da República. Tem de ser entendida como intocável. Se não há espaço para estacionar carros dos servidores que ali trabalham, ou do público que para lá se dirige, a solução não é violar recantos e estruturas de Brasília, infestando-os com as metástases do pior câncer tecnológico que tomou conta do organismo das cidades.
A tirania da indústria de automóveis precisa ser desmascarada. A capital da República deveria estar na vanguarda da mobilidade urbana representada pela rede de metrô, tão eficientemente implantada nos países que respeitam os direitos do cidadão. O subsolo não pode ser transformado em pátio de montadoras. Deve ser reservado às linhas de metrô, a serem espalhadas por todo o Plano Piloto e cidades do DF para garantir deslocamento rápido, seguro, de baixo custo, capaz de devolver à população os pontos urbanos hoje ocupados pelas viaturas. Essa modalidade de transporte público não se instala há décadas no país porque as empresas que produzem e vendem carros detêm o controle das instâncias decisórias de todos os governos.
A arrogância legislativa que pretende estacionar automóveis no subsolo da Esplanada dos Ministérios, engarrafando ainda mais o coração do patrimônio cultural da humanidade, deve ser rejeitada pela sociedade. Se algum dia for entendida válida qualquer mudança no terreno da praça central de Brasília, que ali sejam construídas creches de qualidade para acomodar a população infantil, filha de grande número de mães que trabalham nas estruturas de cada um dos abundantes ministérios. Por que carro, não criança? A resposta é fácil. Carro é política e financeiramente rentável. Criança não vota, é desprezada pela classe dominante.
Na cidade de Melbourne, Austrália, há uma linha de metrô de superfície que circula o dia inteiro à volta do grande centro urbano. Tem qualidade, pontualidade, segurança e é gratuita. Grande número de pessoas usa aquele meio de transporte. Se algo comparável fosse desenvolvido na Esplanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes, a demanda de vagas de estacionamento desapareceria imediatamente. No entanto, como a desova diária de carros não pode ser interrompida, as referências históricas e monumentais de todos os municípios brasileiros encontram-se ameaçadas, se não já destruídas e transformadas em garagens. Na França, cabe às montadoras custear boa parte das vias de circulação de carros. No Brasil, o sistema viário é custeado unicamente pelo Estado, logo, pelos cidadãos.
Os fabricantes de automóveis comandam o poder no país. Determinam redução de juros e facilitação de crédito para garantir venda de veículos. Forçam a manutenção do preço de combustíveis abaixo do valor requerido pelo equilíbrio da economia. Enganam, iludem e engodam os brasileiros por meio de propaganda desonesta. Só mostram imagens de veículos em paraísos da natureza, embelezados por mulheres lindas e atraentes, jamais nas filas de congestionamento em que passarão a circular, se adquiridos.
Brasília merece respeito. É orgulho do povo brasileiro. É patrimônio histórico e cultural da humanidade. Não pode ser desvirtuada de sua vocação por medidas irresponsáveis e devastadoras. Se atingida, de fato, pelo projeto legislativo que quer desfigurá-la, deixará de ter uma Esplanada dos Ministérios. Despontará a Esplanada das Montadoras.
Até o BC teme o pior - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE
CORREIO BRAZILIENSE - 31/03
O Relatório Trimestral de Inflação (RTI) não é um papelucho qualquer. Não se trata de um libelo raivoso de oposicionistas empenhados em denegrir a gestão da economia pelo governo federal. Tampouco é um texto produzido por profissionais do mercado financeiro destinado a orientar a clientela de investidores sobre os perigos ou vantagens da conjuntura. É muito mais do que isso.
Previsto nas regras que instituíram no país o controle severo e transparente da inflação, o RTI é preparado pelo Banco Central (BC) e é tão importante quanto a fixação de metas anuais a serem cumpridas pela autoridade monetária, ou a agenda previamente divulgada de reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) para deliberar sobre as taxas básicas de juros.
No relatório, a autoridade é obrigada a expor dados e suas opiniões sobre como tem se comportado a economia, de modo geral, e a evolução da inflação em particular. A ideia é transmitir ao mercado e à sociedade que cenário o órgão responsável pelo cumprimento das metas de inflação fixadas com dois anos de antecedência pelo Conselho Monetário Nacional traça para a economia do país neste e no próximo ano.
Por tudo isso, o RTI do primeiro trimestre de 2014, divulgado na semana passada, não pode deixar de ser levado em conta pelos agentes do mercado financeiro - normalmente atentos - e até mesmo por todo o governo. Mais do que nos relatórios anteriores, no de março o BC realça sua condição de autoridade monetária (que deveria ser até mais independente do que lhe permite o Planalto).
Sem promessas vãs e sem cenários róseos orientados pelo marketing político, o relatório chama a atenção para as pedras que a gestão da política fiscal (gastos crescentes do governo) tem colocado em seu caminho. E, com precisão técnica, destaca uma das faces da "criatividade contábil" utilizada para melhorar a foto das contas públicas: o represamento de preços administrados.
É o caso dos combustíveis, sabidamente defasados em relação ao custo da importação pela Petrobras, com o equivocado propósito de "segurar" a inflação. Como uma inflamação tratada a analgésicos, essa postergação apenas deu mais tempo para agravar o problema. No campo fiscal, o ano começou com a varrição das despesas para cobrir as trapalhadas no setor de energia elétrica, afetado por medidas que pretendiam baixar as tarifas ao consumidor, para debaixo do tapete de 2015.
Foi por essas e por outras dificuldades fora de seu controle que o relatório do BC elevou a expectativa de inflação de 5,5% para 6,1% este ano e para 5,5% em 2015. Pior: revelou discreto, mas incontido pessimismo em suas previsões de crescimento da economia, baixando a estimativa de 2,3% para 2%. Essas projeções, vindas de onde vieram, revelam a certeza do BC de que ficará mais uma vez sozinho no combate à inflação e sugerem a necessidade de mudanças urgentes na orientação da economia.
Por ora, corremos o risco de ficarmos de fora daquilo que o ministro Guido Mantega, da Fazenda, anunciou na sexta-feira a estudantes da Fundação Getulio Vargas: "Estamos nas vésperas de um novo ciclo de crescimento". Ele se referia à economia mundial.
Previsto nas regras que instituíram no país o controle severo e transparente da inflação, o RTI é preparado pelo Banco Central (BC) e é tão importante quanto a fixação de metas anuais a serem cumpridas pela autoridade monetária, ou a agenda previamente divulgada de reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) para deliberar sobre as taxas básicas de juros.
No relatório, a autoridade é obrigada a expor dados e suas opiniões sobre como tem se comportado a economia, de modo geral, e a evolução da inflação em particular. A ideia é transmitir ao mercado e à sociedade que cenário o órgão responsável pelo cumprimento das metas de inflação fixadas com dois anos de antecedência pelo Conselho Monetário Nacional traça para a economia do país neste e no próximo ano.
Por tudo isso, o RTI do primeiro trimestre de 2014, divulgado na semana passada, não pode deixar de ser levado em conta pelos agentes do mercado financeiro - normalmente atentos - e até mesmo por todo o governo. Mais do que nos relatórios anteriores, no de março o BC realça sua condição de autoridade monetária (que deveria ser até mais independente do que lhe permite o Planalto).
Sem promessas vãs e sem cenários róseos orientados pelo marketing político, o relatório chama a atenção para as pedras que a gestão da política fiscal (gastos crescentes do governo) tem colocado em seu caminho. E, com precisão técnica, destaca uma das faces da "criatividade contábil" utilizada para melhorar a foto das contas públicas: o represamento de preços administrados.
É o caso dos combustíveis, sabidamente defasados em relação ao custo da importação pela Petrobras, com o equivocado propósito de "segurar" a inflação. Como uma inflamação tratada a analgésicos, essa postergação apenas deu mais tempo para agravar o problema. No campo fiscal, o ano começou com a varrição das despesas para cobrir as trapalhadas no setor de energia elétrica, afetado por medidas que pretendiam baixar as tarifas ao consumidor, para debaixo do tapete de 2015.
Foi por essas e por outras dificuldades fora de seu controle que o relatório do BC elevou a expectativa de inflação de 5,5% para 6,1% este ano e para 5,5% em 2015. Pior: revelou discreto, mas incontido pessimismo em suas previsões de crescimento da economia, baixando a estimativa de 2,3% para 2%. Essas projeções, vindas de onde vieram, revelam a certeza do BC de que ficará mais uma vez sozinho no combate à inflação e sugerem a necessidade de mudanças urgentes na orientação da economia.
Por ora, corremos o risco de ficarmos de fora daquilo que o ministro Guido Mantega, da Fazenda, anunciou na sexta-feira a estudantes da Fundação Getulio Vargas: "Estamos nas vésperas de um novo ciclo de crescimento". Ele se referia à economia mundial.
Descrédito da política fiscal - JORGE J. OKUBARO
O Estado de S.Paulo - 31/03
Ao aprovar, com ressalvas, as contas do segundo ano do governo Dilma, o Tribunal de Contas da União (TCU) advertiu para a deterioração da política fiscal e para o risco de as demonstrações contábeis e financeiras ficarem ainda mais desacreditadas. Por causa das manobras utilizadas pelo governo para alcançar o superávit primário que tem anunciado, nem mesmo o órgão incumbido de fiscalizar a aplicação dos recursos da União consegue aferir com precisão qual é seu real valor, como admitiu o relatório do TCU.
O uso dessas manobras, advertiu em entrevista o autor do relatório, ministro José Jorge, pode desmoralizar o superávit primário - que indica a capacidade do governo de honrar a dívida pública e, por isso, é importante indicador de austeridade financeira - apresentado pelas autoridades, tornando-o algo parecido com a inflação anunciada pelo governo argentino, na qual ninguém acredita. Seria uma forma de "argentinização" das contas públicas brasileiras.
De acordo com o relatório, nos últimos anos "mudanças metodológicas e transações atípicas cada vez mais complexas" tornaram o acompanhamento e a fiscalização do superávit primário "um verdadeiro desafio" para todos, inclusive para o TCU. "Supostos ganhos" que resultarem dessa prática, advertiu ainda o relatório, "podem ser suplantados pela perda de credibilidade do indicador", pois, por mais criativas e complexas que sejam as manobras contábeis, "elas acabam sendo identificadas e quantificadas pelos demais agentes do mercado, que passam a desconfiar da real capacidade do governo de obter tal resultado".
Nos últimos três dias do ano passado, para engordar artificialmente o superávit primário do exercício fiscal, o governo Dilma sacou R$ 12 bilhões do Fundo Soberano do Brasil, criado para ser utilizado em períodos de dificuldades econômicas, e antecipou R$ 7 bilhões de dividendos que deveria receber da Caixa Econômica Federal e do BNDES ao longo de vários anos. Além disso, para fechar as contas do ano passado, o governo abateu de suas despesas, como era permitido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), R$ 39,3 bilhões em investimento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O TCU observou que, com o desconto dos gastos com o PAC, a meta do superávit primário foi reduzida de R$ 97 bilhões para R$ 57,7 bilhões, valor que, por meio de outros artifícios, o governo cumpriu com folga, pois contabilizou um resultado primário de R$ 85 bilhões. O relatório deixa claro que esse resultado não decorreu de uma efetiva redução de gastos, mas da postergação de pagamentos, por meio de restos a pagar, que superaram R$ 80 bilhões, e receitas extraordinárias.
Quanto aos gastos efetivos do governo, boa parte não produziu os resultados esperados pelo País. Como vem ocorrendo desde a chegada do PT ao poder, projetos deficientes, atrasos frequentes que deterioram o que já foi executado, falhas de fiscalização do andamento das obras em execução, entre outros problemas de gestão, impõem gastos adicionais e retardam a conclusão dos investimentos.
Na parte estritamente contábil, o TCU identificou o não registro, pela Secretaria do Tesouro Nacional, do passivo atuarial do regime de previdência do funcionalismo público, e que está estimado em R$ 1,25 trilhão no projeto de LDO para 2014, em exame pelo Congresso. Com a contabilização desse valor, como exige o TCU, "o patrimônio líquido da União passaria de um valor positivo de R$ 761 bilhões para um valor negativo de R$ 490 bilhões", observou o relatório das contas do governo de 2012.
O Tesouro argumenta que o cálculo do passivo atuarial exige estudos adicionais e que seu reconhecimento nas contas da União deve ter, como contrapartida, o lançamento dos ativos correspondentes à capitalização do fundo que administrará a previdência do servidor público. É preciso que os cálculos do passivo atuarial e do ativo sejam apresentados para que o contribuinte saiba com clareza o tamanho do rombo.
Ao aprovar, com ressalvas, as contas do segundo ano do governo Dilma, o Tribunal de Contas da União (TCU) advertiu para a deterioração da política fiscal e para o risco de as demonstrações contábeis e financeiras ficarem ainda mais desacreditadas. Por causa das manobras utilizadas pelo governo para alcançar o superávit primário que tem anunciado, nem mesmo o órgão incumbido de fiscalizar a aplicação dos recursos da União consegue aferir com precisão qual é seu real valor, como admitiu o relatório do TCU.
O uso dessas manobras, advertiu em entrevista o autor do relatório, ministro José Jorge, pode desmoralizar o superávit primário - que indica a capacidade do governo de honrar a dívida pública e, por isso, é importante indicador de austeridade financeira - apresentado pelas autoridades, tornando-o algo parecido com a inflação anunciada pelo governo argentino, na qual ninguém acredita. Seria uma forma de "argentinização" das contas públicas brasileiras.
De acordo com o relatório, nos últimos anos "mudanças metodológicas e transações atípicas cada vez mais complexas" tornaram o acompanhamento e a fiscalização do superávit primário "um verdadeiro desafio" para todos, inclusive para o TCU. "Supostos ganhos" que resultarem dessa prática, advertiu ainda o relatório, "podem ser suplantados pela perda de credibilidade do indicador", pois, por mais criativas e complexas que sejam as manobras contábeis, "elas acabam sendo identificadas e quantificadas pelos demais agentes do mercado, que passam a desconfiar da real capacidade do governo de obter tal resultado".
Nos últimos três dias do ano passado, para engordar artificialmente o superávit primário do exercício fiscal, o governo Dilma sacou R$ 12 bilhões do Fundo Soberano do Brasil, criado para ser utilizado em períodos de dificuldades econômicas, e antecipou R$ 7 bilhões de dividendos que deveria receber da Caixa Econômica Federal e do BNDES ao longo de vários anos. Além disso, para fechar as contas do ano passado, o governo abateu de suas despesas, como era permitido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), R$ 39,3 bilhões em investimento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
O TCU observou que, com o desconto dos gastos com o PAC, a meta do superávit primário foi reduzida de R$ 97 bilhões para R$ 57,7 bilhões, valor que, por meio de outros artifícios, o governo cumpriu com folga, pois contabilizou um resultado primário de R$ 85 bilhões. O relatório deixa claro que esse resultado não decorreu de uma efetiva redução de gastos, mas da postergação de pagamentos, por meio de restos a pagar, que superaram R$ 80 bilhões, e receitas extraordinárias.
Quanto aos gastos efetivos do governo, boa parte não produziu os resultados esperados pelo País. Como vem ocorrendo desde a chegada do PT ao poder, projetos deficientes, atrasos frequentes que deterioram o que já foi executado, falhas de fiscalização do andamento das obras em execução, entre outros problemas de gestão, impõem gastos adicionais e retardam a conclusão dos investimentos.
Na parte estritamente contábil, o TCU identificou o não registro, pela Secretaria do Tesouro Nacional, do passivo atuarial do regime de previdência do funcionalismo público, e que está estimado em R$ 1,25 trilhão no projeto de LDO para 2014, em exame pelo Congresso. Com a contabilização desse valor, como exige o TCU, "o patrimônio líquido da União passaria de um valor positivo de R$ 761 bilhões para um valor negativo de R$ 490 bilhões", observou o relatório das contas do governo de 2012.
O Tesouro argumenta que o cálculo do passivo atuarial exige estudos adicionais e que seu reconhecimento nas contas da União deve ter, como contrapartida, o lançamento dos ativos correspondentes à capitalização do fundo que administrará a previdência do servidor público. É preciso que os cálculos do passivo atuarial e do ativo sejam apresentados para que o contribuinte saiba com clareza o tamanho do rombo.
Brics, entre o pragmatismo e a ambição - ADRIANA ERTHAL ABDENUR
O GLOBO - 31/03
Ao buscar status e projeção, o Brasil corre o risco de aderir, de forma passiva, a posicionamentos alheios que não convêm necessariamente aos interesses nacionais
Em breve, o Itamaraty deve lançar o primeiro Livro Branco da política externa brasileira. A tarefa é tão bem-vinda quanto delicada, pois o documento requer um equilíbrio bem pensado entre princípios abstratos e metas concretas. No que diz respeito ao Brics, é particularmente importante que o agrupamento seja tratado como um meio, e não como um fim da política externa.
Não se trata apenas de uma questão de semântica. Embora todos os estados busquem aumentar a sua influência na arena internacional, existe uma rampa escorregadia entre o pragmatismo e a busca pelo poder. Como percebemos em diversas ocasiões ao longo da última década, a tentativa de exercer influência, conduzida sem metas claras, leva a um distanciamento excessivo e prejudicial dos objetivos prioritários da política externa brasileira: o desenvolvimento socioeconômico e a paz.
O Brics é uma configuração inédita, cuja flexibilidade permite que o Brasil estreite seus laços com outras potências emergentes em um espírito de contestação às normas e estruturas da governança global. Tudo isso é saudável — na medida em que o Brics confere novo peso às reivindicações históricas que o Brasil mantém no plano internacional.
No entanto, essa aproximação deixa de ser benéfica quando se transforma em projeto de poder caro e arriscado, de retorno incerto para a população brasileira. Ao buscar status e projeção, o Brasil corre o risco de aderir, de forma passiva, a posicionamentos alheios que não convêm necessariamente aos interesses brasileiros, passando a ver o agrupamento, de forma errônea, como uma alternativa que se contrapõe ao paradigma ocidental. Ao fazê-lo, a política externa brasileira põe em xeque as conquistas de autonomia acumuladas ao longo das últimas décadas, pois substitui um polo de atração por outro (o eixo Rússia-China). Optar por um projeto de poder difuso também significa abrir mão da identidade de país democrático que zela pelos direitos humanos — aspecto que fica decididamente em segundo plano quando o Brasil age ou se posiciona via Brics.
O diferencial do Brasil é justamente poder agir como ponte entre diversos mundos, mobilizando apoio e recursos. Se uma ponta da estrutura desaba, perdemos acesso a todo um universo de ideias e oportunidades. Isso vale tanto para o Norte quanto para o Sul. O antagonismo em relação a qualquer grupo de estados leva a uma contradição em termos: uma espécie de “universalismo seletivo” que simplesmente inverte os exageros de outras épocas, em vez de corrigi-los.
Por outro lado, vislumbrar o Brics como mecanismo permite a retomada dos objetivos fundamentais da política externa: o desenvolvimento socioeconômico e a garantia da paz e da estabilidade. O Brics nada mais é que uma plataforma de conveniência, cuja utilidade e relevância variam de acordo com o tema e a conjuntura. Em certos casos, iniciativas e discussões podem, sim, contribuir para os objetivos prioritários. Em outros momentos, é necessário reconhecer que o alinhamento com os demais integrantes do Brics pode não interessar ou, até mesmo, distrair a política externa brasileira das suas metas reais.
O Livro Branco representa um marco importante no diálogo que o Itamaraty constrói com o resto da sociedade brasileira. Após a sua publicação, a atuação do Brasil no exterior será avaliada em relação aos princípios e objetivos nele codificados. A iniciativa oferece uma oportunidade para que o pragmatismo e universalismo da política externa sejam resgatados, a serviço do desenvolvimento e da paz, e de forma a beneficiar a população brasileira.
Ao buscar status e projeção, o Brasil corre o risco de aderir, de forma passiva, a posicionamentos alheios que não convêm necessariamente aos interesses nacionais
Em breve, o Itamaraty deve lançar o primeiro Livro Branco da política externa brasileira. A tarefa é tão bem-vinda quanto delicada, pois o documento requer um equilíbrio bem pensado entre princípios abstratos e metas concretas. No que diz respeito ao Brics, é particularmente importante que o agrupamento seja tratado como um meio, e não como um fim da política externa.
Não se trata apenas de uma questão de semântica. Embora todos os estados busquem aumentar a sua influência na arena internacional, existe uma rampa escorregadia entre o pragmatismo e a busca pelo poder. Como percebemos em diversas ocasiões ao longo da última década, a tentativa de exercer influência, conduzida sem metas claras, leva a um distanciamento excessivo e prejudicial dos objetivos prioritários da política externa brasileira: o desenvolvimento socioeconômico e a paz.
O Brics é uma configuração inédita, cuja flexibilidade permite que o Brasil estreite seus laços com outras potências emergentes em um espírito de contestação às normas e estruturas da governança global. Tudo isso é saudável — na medida em que o Brics confere novo peso às reivindicações históricas que o Brasil mantém no plano internacional.
No entanto, essa aproximação deixa de ser benéfica quando se transforma em projeto de poder caro e arriscado, de retorno incerto para a população brasileira. Ao buscar status e projeção, o Brasil corre o risco de aderir, de forma passiva, a posicionamentos alheios que não convêm necessariamente aos interesses brasileiros, passando a ver o agrupamento, de forma errônea, como uma alternativa que se contrapõe ao paradigma ocidental. Ao fazê-lo, a política externa brasileira põe em xeque as conquistas de autonomia acumuladas ao longo das últimas décadas, pois substitui um polo de atração por outro (o eixo Rússia-China). Optar por um projeto de poder difuso também significa abrir mão da identidade de país democrático que zela pelos direitos humanos — aspecto que fica decididamente em segundo plano quando o Brasil age ou se posiciona via Brics.
O diferencial do Brasil é justamente poder agir como ponte entre diversos mundos, mobilizando apoio e recursos. Se uma ponta da estrutura desaba, perdemos acesso a todo um universo de ideias e oportunidades. Isso vale tanto para o Norte quanto para o Sul. O antagonismo em relação a qualquer grupo de estados leva a uma contradição em termos: uma espécie de “universalismo seletivo” que simplesmente inverte os exageros de outras épocas, em vez de corrigi-los.
Por outro lado, vislumbrar o Brics como mecanismo permite a retomada dos objetivos fundamentais da política externa: o desenvolvimento socioeconômico e a garantia da paz e da estabilidade. O Brics nada mais é que uma plataforma de conveniência, cuja utilidade e relevância variam de acordo com o tema e a conjuntura. Em certos casos, iniciativas e discussões podem, sim, contribuir para os objetivos prioritários. Em outros momentos, é necessário reconhecer que o alinhamento com os demais integrantes do Brics pode não interessar ou, até mesmo, distrair a política externa brasileira das suas metas reais.
O Livro Branco representa um marco importante no diálogo que o Itamaraty constrói com o resto da sociedade brasileira. Após a sua publicação, a atuação do Brasil no exterior será avaliada em relação aos princípios e objetivos nele codificados. A iniciativa oferece uma oportunidade para que o pragmatismo e universalismo da política externa sejam resgatados, a serviço do desenvolvimento e da paz, e de forma a beneficiar a população brasileira.
Brasil impõe perda de competitividade - SÉRGIO LEO
VALOR ECONÔMICO - 31/03
Cuba anunciou que abrirá seu mercado aos investidores internacionais, com incentivos fiscais para instalação de indústrias no país, mas o Brasil, que financia a construção bilionária de um porto na ilha, está em desvantagem. Suas empresas terão dificuldades para aproveitar as oportunidades da bem localizada ilha caribenha.
A posição desvantajosa foi criada pelo próprio governo brasileiro, com a Medida Provisória 627, a ser votada amanhã no plenário da Câmara. A medida, criada para reduzir as brechas para evasão de tributos, montou, na prática, um mecanismo que impede empresas brasileiras de competir usando vantagens como as criadas pelo governo cubano, entre outros.
A Receita Federal, madrinha da MP 627, buscou cumprir seu papel de arrecadadora. Empresas brasileiras, especialmente exportadoras de commodities, aproveitaram lacunas legais existentes para vender seus produtos a preços artificialmente baixos a subsidiárias montadas em países com os quais o Brasil tinha acordos contra bitributação. A partir desses países, as empresas vendiam seus produtos ao consumidor final, concentrando o lucro na subsidiária e driblando o Fisco.
A Receita já havia tomado providências legítimas para fechar essa brecha, com regras que permitem tributar exportação de commodities com base nas cotações internacionais. O problema, para as multinacionais brasileiras, é que o Fisco decidiu ir além, e, com a MP 627, pesou a mão sobre empresas que nada tinham a ver com as peraltices tributárias de algumas exportadoras.
Na prática, a MP 627 determina que, após pagar lá fora o imposto sobre o lucro das coligadas no exterior, as multinacionais brasileiras pagarão, adicionalmente, no Brasil, a diferença entre esse tributo e a alíquota de 34% cobrada em território brasileiro. Se o imposto das operações europeias for de 20%, por exemplo, a multi brasileira pagará 14% ao Fisco nacional.
No caso cubano, como em qualquer outro país de destino do investimento brasileiro, a empresa com sede no Brasil pagará, sempre, mais que sua concorrente de outra nacionalidade. Estranha maneira de cumprir a promessa oficial de estimular a internacionalização das empresas brasileiras.
Os acordos contra bitributação assinados pelo Brasil, em geral, garantem que só se pode cobrar imposto no país onde o lucro gerado. Para contornar esse compromisso e também não explicitar uma tributação sobre o patrimônio das empresas, não prevista em lei, a Receita, na MP, recorreu à criatividade linguística: prevê tributar a parcela do ajuste do valor do investimento equivalente aos lucros .
A MP engrossou o cipoal de regulamentos que amarra as companhias brasileiras e reduz sua capacidade de competir no mercado externo. Após a edição da MP, a interpretação de seus contorcionismos verbais exigiu horas extras nos departamentos jurídicos das empresas - já obrigadas pela complexidade tributária nacional a manter um número desproporcionalmente alto de funcionários para cuidar das relações com os cobradores de impostos no Brasil.
Algumas mudanças no texto foram feitas, nos últimos meses, para eliminar efeitos indesejáveis não previstos pelos próprios técnicos da Receita. Após conversa dos executivos com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e negociações com o relator da MP, deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foram amenizados alguns dos artigos da medida. A principal mudança foi um desconto de nove pontos percentuais, que reduziu a mordida da Receita: a não ser que estejam em paraísos fiscais, ou em países de tributação muito baixa (subtributação, no jargão do Fisco), as empresas poderão somar ao imposto local mais nove pontos percentuais e pagar apenas a diferença entre essa soma e os 34% do tributo no Brasil.
As alterações na MP reduziram a perda de competitividade para algumas das multinacionais brasileiras, especialmente nas subsidiárias localizadas na Europa e nos Estados Unidos. Já aquelas que se expandiram, ou pretendem expandir-se para o Oriente Médio, a América Latina e a África, aproveitando incentivos locais, continuam sujeitas integralmente à nova taxação. Em boa parte dessas regiões ocorre o que o Fisco considera subtributação .
É grande a quantidade de jabuticabas tributárias, medidas inéditas no mundo, que impõem uma carga sobre as empresas brasileiras superior à sofrida pelos concorrentes internacionais. Países europeus não tributam o lucro de controladas no exterior; os EUA, somente o retorno desse lucro sob a forma de dividendos. Enquanto outros países permitem, sem tributar, que suas empresas reinvistam no exterior os lucros obtidos fora de sua origem, o Fisco brasileiro reduz os recursos disponíveis pelas empresas brasileiras, ao capturar parte dos lucros.
A lista de companhias atingidas é variada, de grandes empreiteiras à Ambev, da Braskem aos fabricantes de carne apoiados pelo BNDES em seu esforço exportador. Estão dificultando até a consolidação de nossa operações no exterior, com esse modelo de tributação , queixa-se o diretor-executivo da BRF Marcos Jank.
Estamos impossibilitados de expandir nossas operações em locais como o Oriente Médio , avisa ele. A BRF pagará 34% de impostos em países onde concorrentes europeus pagarão 10%, com isenção de 95% dos dividendos pagos à matriz. Não temos como competir, teremos de repensar nossos planos de expansão , comenta, vocalizando queixas similares de outros executivos de empresas brasileiras.
A MP 627 é um sintoma da falta de articulação entre as políticas macroeconômica, industrial e comercial brasileiras. Não à toa, nos diálogos promovidos pelo Itamaraty, a pedido da presidente Dilma Rousseff, para formular seu livro branco da política externa, uma das sugestões mais lembradas foi a criação de mecanismos, no governo, para coordenar a esquizofrênica atuação do Brasil na projeção de seus interesses no campo internacional.
Empresas brasileiras sofrem com carga das jabuticabas tributárias
Cuba anunciou que abrirá seu mercado aos investidores internacionais, com incentivos fiscais para instalação de indústrias no país, mas o Brasil, que financia a construção bilionária de um porto na ilha, está em desvantagem. Suas empresas terão dificuldades para aproveitar as oportunidades da bem localizada ilha caribenha.
A posição desvantajosa foi criada pelo próprio governo brasileiro, com a Medida Provisória 627, a ser votada amanhã no plenário da Câmara. A medida, criada para reduzir as brechas para evasão de tributos, montou, na prática, um mecanismo que impede empresas brasileiras de competir usando vantagens como as criadas pelo governo cubano, entre outros.
A Receita Federal, madrinha da MP 627, buscou cumprir seu papel de arrecadadora. Empresas brasileiras, especialmente exportadoras de commodities, aproveitaram lacunas legais existentes para vender seus produtos a preços artificialmente baixos a subsidiárias montadas em países com os quais o Brasil tinha acordos contra bitributação. A partir desses países, as empresas vendiam seus produtos ao consumidor final, concentrando o lucro na subsidiária e driblando o Fisco.
A Receita já havia tomado providências legítimas para fechar essa brecha, com regras que permitem tributar exportação de commodities com base nas cotações internacionais. O problema, para as multinacionais brasileiras, é que o Fisco decidiu ir além, e, com a MP 627, pesou a mão sobre empresas que nada tinham a ver com as peraltices tributárias de algumas exportadoras.
Na prática, a MP 627 determina que, após pagar lá fora o imposto sobre o lucro das coligadas no exterior, as multinacionais brasileiras pagarão, adicionalmente, no Brasil, a diferença entre esse tributo e a alíquota de 34% cobrada em território brasileiro. Se o imposto das operações europeias for de 20%, por exemplo, a multi brasileira pagará 14% ao Fisco nacional.
No caso cubano, como em qualquer outro país de destino do investimento brasileiro, a empresa com sede no Brasil pagará, sempre, mais que sua concorrente de outra nacionalidade. Estranha maneira de cumprir a promessa oficial de estimular a internacionalização das empresas brasileiras.
Os acordos contra bitributação assinados pelo Brasil, em geral, garantem que só se pode cobrar imposto no país onde o lucro gerado. Para contornar esse compromisso e também não explicitar uma tributação sobre o patrimônio das empresas, não prevista em lei, a Receita, na MP, recorreu à criatividade linguística: prevê tributar a parcela do ajuste do valor do investimento equivalente aos lucros .
A MP engrossou o cipoal de regulamentos que amarra as companhias brasileiras e reduz sua capacidade de competir no mercado externo. Após a edição da MP, a interpretação de seus contorcionismos verbais exigiu horas extras nos departamentos jurídicos das empresas - já obrigadas pela complexidade tributária nacional a manter um número desproporcionalmente alto de funcionários para cuidar das relações com os cobradores de impostos no Brasil.
Algumas mudanças no texto foram feitas, nos últimos meses, para eliminar efeitos indesejáveis não previstos pelos próprios técnicos da Receita. Após conversa dos executivos com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e negociações com o relator da MP, deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foram amenizados alguns dos artigos da medida. A principal mudança foi um desconto de nove pontos percentuais, que reduziu a mordida da Receita: a não ser que estejam em paraísos fiscais, ou em países de tributação muito baixa (subtributação, no jargão do Fisco), as empresas poderão somar ao imposto local mais nove pontos percentuais e pagar apenas a diferença entre essa soma e os 34% do tributo no Brasil.
As alterações na MP reduziram a perda de competitividade para algumas das multinacionais brasileiras, especialmente nas subsidiárias localizadas na Europa e nos Estados Unidos. Já aquelas que se expandiram, ou pretendem expandir-se para o Oriente Médio, a América Latina e a África, aproveitando incentivos locais, continuam sujeitas integralmente à nova taxação. Em boa parte dessas regiões ocorre o que o Fisco considera subtributação .
É grande a quantidade de jabuticabas tributárias, medidas inéditas no mundo, que impõem uma carga sobre as empresas brasileiras superior à sofrida pelos concorrentes internacionais. Países europeus não tributam o lucro de controladas no exterior; os EUA, somente o retorno desse lucro sob a forma de dividendos. Enquanto outros países permitem, sem tributar, que suas empresas reinvistam no exterior os lucros obtidos fora de sua origem, o Fisco brasileiro reduz os recursos disponíveis pelas empresas brasileiras, ao capturar parte dos lucros.
A lista de companhias atingidas é variada, de grandes empreiteiras à Ambev, da Braskem aos fabricantes de carne apoiados pelo BNDES em seu esforço exportador. Estão dificultando até a consolidação de nossa operações no exterior, com esse modelo de tributação , queixa-se o diretor-executivo da BRF Marcos Jank.
Estamos impossibilitados de expandir nossas operações em locais como o Oriente Médio , avisa ele. A BRF pagará 34% de impostos em países onde concorrentes europeus pagarão 10%, com isenção de 95% dos dividendos pagos à matriz. Não temos como competir, teremos de repensar nossos planos de expansão , comenta, vocalizando queixas similares de outros executivos de empresas brasileiras.
A MP 627 é um sintoma da falta de articulação entre as políticas macroeconômica, industrial e comercial brasileiras. Não à toa, nos diálogos promovidos pelo Itamaraty, a pedido da presidente Dilma Rousseff, para formular seu livro branco da política externa, uma das sugestões mais lembradas foi a criação de mecanismos, no governo, para coordenar a esquizofrênica atuação do Brasil na projeção de seus interesses no campo internacional.
As novas lições de Cristina Kirchner - RODRIGO BOTERO MONTOYA
O GLOBO - 31/03
Governo não parece disposto a reduzir desequilíbrios nas tarifas de serviços públicos e no preço dos combustíveis
Há alguns anos, quando os países europeus sofriam as consequências da crise financeira, Cristina Kirchner costumava dar lições em fóruns internacionais e apresentar a condução da economia argentina como um modelo a imitar. Era parte do peculiar estilo diplomático kirchnerista que um editorial de “La Nación”, de Buenos Aires, descreve assim: “Agressivo, arrogante, sempre disposto a criar conflitos, com a indignação e a petulância como componentes centrais permanentes...”
As circunstâncias criaram a necessidade de modificar esse discurso. Em parte porque, apesar das dificuldades, os países europeus começam a sair da crise. Mas, além disso, porque o suposto modelo econômico do regime mostrou-se uma ficção que está desmoronando. Não obstante termos de intercâmbio favoráveis à Argentina, e taxas de juros internacionais baixas, o governo enfrenta condições de estancamento econômico, com um ritmo de inflação superior a 30% ao ano. O nível de reservas internacionais vem caindo. A forma discricionária como se administra o controle de importações cria atritos com os sócios comerciais, incluindo os integrantes do Mercosul.
As autoridades econômicas se esforçam para recompor as relações com a comunidade financeira internacional, tendo em vista a frágil situação econômica. É preciso obter uma elevada soma de recursos externos para evitar um colapso. Isso implicou moderar o estilo prepotente com o qual se tratavam os credores e os investidores estrangeiros. Depois da expropriação, em 2012, do investimento da Repsol na empresa petrolífera YPF, anunciando que não se iria pagar, o governo decidiu negociar uma indenização. A expropriação havia deteriorado, sem necessidade, as relações diplomáticas com a Espanha.
O país aceitou iniciar negociações com os membros do Clube de Paris, para começar a pagar as dívidas pendentes com os governos dos países industrializados. Um obstáculo previsível para a renegociação da dívida em moratória com os países-membros do Clube de Paris é o requisito de que um eventual acordo deverá estar sujeito ao monitoramento do Fundo Monetário Internacional, algo a que a Argentina resiste. Aceitar este requisito, por sua vez, iria requerer normalizar as relações com o FMI, ao qual não se permitiu fazer a revisão periódica da economia argentina nos últimos sete anos.
O governo não parece disposto a implementar um programa coerente para reduzir os desequilíbrios que se acumularam nas tarifas dos serviços públicos, no preço dos combustíveis e nas contas fiscais. Continua utilizando o recurso de emissão monetária para financiar o gasto público. É difícil combater a inflação ao mesmo tempo que se nega sua existência. O uso sistemático da mentira destruiu a credibilidade governamental.
Na etapa final de seu mandato, e sem a possibilidade de se perpetuar no poder, Cristina Kirchner está tendo que reconhecer que os fatos são teimosos e aprender que, como afirmava Keynes, com a economia se pode fazer qualquer coisa, menos evitar as consequências.
Governo não parece disposto a reduzir desequilíbrios nas tarifas de serviços públicos e no preço dos combustíveis
Há alguns anos, quando os países europeus sofriam as consequências da crise financeira, Cristina Kirchner costumava dar lições em fóruns internacionais e apresentar a condução da economia argentina como um modelo a imitar. Era parte do peculiar estilo diplomático kirchnerista que um editorial de “La Nación”, de Buenos Aires, descreve assim: “Agressivo, arrogante, sempre disposto a criar conflitos, com a indignação e a petulância como componentes centrais permanentes...”
As circunstâncias criaram a necessidade de modificar esse discurso. Em parte porque, apesar das dificuldades, os países europeus começam a sair da crise. Mas, além disso, porque o suposto modelo econômico do regime mostrou-se uma ficção que está desmoronando. Não obstante termos de intercâmbio favoráveis à Argentina, e taxas de juros internacionais baixas, o governo enfrenta condições de estancamento econômico, com um ritmo de inflação superior a 30% ao ano. O nível de reservas internacionais vem caindo. A forma discricionária como se administra o controle de importações cria atritos com os sócios comerciais, incluindo os integrantes do Mercosul.
As autoridades econômicas se esforçam para recompor as relações com a comunidade financeira internacional, tendo em vista a frágil situação econômica. É preciso obter uma elevada soma de recursos externos para evitar um colapso. Isso implicou moderar o estilo prepotente com o qual se tratavam os credores e os investidores estrangeiros. Depois da expropriação, em 2012, do investimento da Repsol na empresa petrolífera YPF, anunciando que não se iria pagar, o governo decidiu negociar uma indenização. A expropriação havia deteriorado, sem necessidade, as relações diplomáticas com a Espanha.
O país aceitou iniciar negociações com os membros do Clube de Paris, para começar a pagar as dívidas pendentes com os governos dos países industrializados. Um obstáculo previsível para a renegociação da dívida em moratória com os países-membros do Clube de Paris é o requisito de que um eventual acordo deverá estar sujeito ao monitoramento do Fundo Monetário Internacional, algo a que a Argentina resiste. Aceitar este requisito, por sua vez, iria requerer normalizar as relações com o FMI, ao qual não se permitiu fazer a revisão periódica da economia argentina nos últimos sete anos.
O governo não parece disposto a implementar um programa coerente para reduzir os desequilíbrios que se acumularam nas tarifas dos serviços públicos, no preço dos combustíveis e nas contas fiscais. Continua utilizando o recurso de emissão monetária para financiar o gasto público. É difícil combater a inflação ao mesmo tempo que se nega sua existência. O uso sistemático da mentira destruiu a credibilidade governamental.
Na etapa final de seu mandato, e sem a possibilidade de se perpetuar no poder, Cristina Kirchner está tendo que reconhecer que os fatos são teimosos e aprender que, como afirmava Keynes, com a economia se pode fazer qualquer coisa, menos evitar as consequências.
Dilma – Marketing x realidade - CARLOS ALBERTO DI FRANCO
O ESTADÃO - 31/03
A imagem da presidente Dilma Rousseff construída pelo publicitário João Santana tem dois pilares de sustentação: ética e competência gerencial. Santana, apoiado em sua fina sensibilidade marqueteira, captou as demandas da sociedade. Ninguém aguentava mais a roubalheira que terminou na grande síntese da picaretagem: o mensalão. Mas os brasileiros também queriam um país melhor administrado, alguém que fosse capaz de dar respostas às demandas por educação, saúde, logística etc. Vendeu-se, então, a imagem da gerentona. Dilma, ao contrário de Lula, seria uma administradora focada, competente, exigente com os resultados da gestão pública.
O marketing, apoiado em fabulosos gastos de propaganda, continua firme. Mas a imagem real de Dilma Rousseff começa a ruir como um castelo de cartas. O perfil ético da administradora que combate “os malfeitos” já não se sustenta. O vale-tudo, o pragmatismo para construir a reeleição, a irresponsabilidade na gestão da economia, sempre subordinada aos interesses da campanha (basta pensar no uso político da Petrobras e na postergação do aumento da conta de energia para 2015), pulverizou os apelos do marketing. Eu mesmo, amigo leitor, não obstante minhas divergências ideológicas com a presidente da República, tinha alguma expectativa com o seu governo. Hoje minha esperança é zero.
Mas o pior estava por vir. A suposta competência de Dilma Rousseff foi engolida pelo lamentável episódio da compra da refinaria em Pasadena. A imagem da administradora detalhista e centralizadora simplesmente acabou. Dilma, então presidente do Conselho de Administração da Petrobras, autorizou a empresa a comprar 50% da refinaria por valor 8,5 vezes maior que o pago pela Astra, um ano antes, pela refinaria inteira. Confrontada por documentos inéditos atestando o voto favorável, ela admitiu, em nota da Presidência da República, que se baseara em um mero resumo executivo, “técnica e juridicamente falho”, dos termos da transação. Executivos da Petrobras disseram que Dilma e todo o Conselho de Administração tinham à disposição, em 2006, o processo completo. Resumo da ópera: aprovou sem ler uma transação que dilapidou o dinheiro público. Administração temerária é o mínimo que se pode deduzir. Estarrecedor.
O ex-procurador-geral da República Roberto Gurgel considera “extremamente grave”o caso em que a Petrobras teve prejuízo bilionário. Se houver indícios de responsabilidade da presidente Dilma no caso, ela deverá ser ouvida em Brasília pelo Ministério Público. “A partir do momento em que surjam indícios do envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro, a investigação tem de ser deslocada para o procurador-geral da República”, afirmou Gurgel em entrevista ao UOL.
A imprensa não pode admitir, mais uma vez, que a técnica da submersão acabe por tirar o foco de um escândalo de grandes proporções. É preciso empunhar o bisturi e lancetar o tumor da irresponsabilidade com o dinheiro público. Chega! Boa parte do noticiário de política, mesmo em ano eleitoral, não tem informação. Está dominado pelo declaratório e ofuscado pelos lances do marketing político. Dilma Rousseff continua sendo apenas uma embalagem. Mas seu verdadeiro conteúdo começa a aparecer.
A programação eleitoral é, quando muito, uma aproximação da verdadeira face dos candidatos. Tem muito espetáculo e pouca informação. Só o jornalismo independente pode mostrar o verdadeiro rosto dos candidatos. Sem maquiagem e sem efeitos especiais. Temos o dever de fazê-lo.
A imagem da presidente Dilma Rousseff construída pelo publicitário João Santana tem dois pilares de sustentação: ética e competência gerencial. Santana, apoiado em sua fina sensibilidade marqueteira, captou as demandas da sociedade. Ninguém aguentava mais a roubalheira que terminou na grande síntese da picaretagem: o mensalão. Mas os brasileiros também queriam um país melhor administrado, alguém que fosse capaz de dar respostas às demandas por educação, saúde, logística etc. Vendeu-se, então, a imagem da gerentona. Dilma, ao contrário de Lula, seria uma administradora focada, competente, exigente com os resultados da gestão pública.
O marketing, apoiado em fabulosos gastos de propaganda, continua firme. Mas a imagem real de Dilma Rousseff começa a ruir como um castelo de cartas. O perfil ético da administradora que combate “os malfeitos” já não se sustenta. O vale-tudo, o pragmatismo para construir a reeleição, a irresponsabilidade na gestão da economia, sempre subordinada aos interesses da campanha (basta pensar no uso político da Petrobras e na postergação do aumento da conta de energia para 2015), pulverizou os apelos do marketing. Eu mesmo, amigo leitor, não obstante minhas divergências ideológicas com a presidente da República, tinha alguma expectativa com o seu governo. Hoje minha esperança é zero.
Mas o pior estava por vir. A suposta competência de Dilma Rousseff foi engolida pelo lamentável episódio da compra da refinaria em Pasadena. A imagem da administradora detalhista e centralizadora simplesmente acabou. Dilma, então presidente do Conselho de Administração da Petrobras, autorizou a empresa a comprar 50% da refinaria por valor 8,5 vezes maior que o pago pela Astra, um ano antes, pela refinaria inteira. Confrontada por documentos inéditos atestando o voto favorável, ela admitiu, em nota da Presidência da República, que se baseara em um mero resumo executivo, “técnica e juridicamente falho”, dos termos da transação. Executivos da Petrobras disseram que Dilma e todo o Conselho de Administração tinham à disposição, em 2006, o processo completo. Resumo da ópera: aprovou sem ler uma transação que dilapidou o dinheiro público. Administração temerária é o mínimo que se pode deduzir. Estarrecedor.
O ex-procurador-geral da República Roberto Gurgel considera “extremamente grave”o caso em que a Petrobras teve prejuízo bilionário. Se houver indícios de responsabilidade da presidente Dilma no caso, ela deverá ser ouvida em Brasília pelo Ministério Público. “A partir do momento em que surjam indícios do envolvimento de pessoa com prerrogativa de foro, a investigação tem de ser deslocada para o procurador-geral da República”, afirmou Gurgel em entrevista ao UOL.
A imprensa não pode admitir, mais uma vez, que a técnica da submersão acabe por tirar o foco de um escândalo de grandes proporções. É preciso empunhar o bisturi e lancetar o tumor da irresponsabilidade com o dinheiro público. Chega! Boa parte do noticiário de política, mesmo em ano eleitoral, não tem informação. Está dominado pelo declaratório e ofuscado pelos lances do marketing político. Dilma Rousseff continua sendo apenas uma embalagem. Mas seu verdadeiro conteúdo começa a aparecer.
A programação eleitoral é, quando muito, uma aproximação da verdadeira face dos candidatos. Tem muito espetáculo e pouca informação. Só o jornalismo independente pode mostrar o verdadeiro rosto dos candidatos. Sem maquiagem e sem efeitos especiais. Temos o dever de fazê-lo.
Adeus, República do Powerpoint - VINICIUS MOTA
FOLHA DE SP - 31/03
SÃO PAULO - O episódio da compra suspeita e perdulária de uma refinaria nos EUA pela Petrobras desmoralizou o que restava da República do Powerpoint. Foi para o vinagre a imagem de gerentonas insaciáveis de Dilma Rousseff e Graça Foster, a chefe da estatal.
Com ar de quem fica estupefato diante da malandragem revelada, Foster contou a "O Globo" que acabara de descobrir um tal comitê de proprietários, que dava as cartas na refinaria de Pasadena. Esta Folha constatou facilmente que o comitê desfilava cristalino na abertura do contrato de acionistas para a compra da fábrica. Era claro e piscante desde 1º de setembro de 2006.
Graça, obcecada pelas matrizes de múltiplas entradas, pela microgerência e pelo controle corporativo, ainda não sabia? Não sabia dos principais contornos de um negócio suspeito, mesmo tendo assumido a presidência da empresa em fevereiro de 2012? Não sabia, tendo frequentado a diretoria desde setembro de 2007?
Mas a reputação de Graça Foster era só um derivativo, mísera fração centesimal da cultivada por bajuladores sobre sua chefe, a presidente Dilma. Esta sim, a fanática da planilha, a militante da minúcia, a profetisa do debate técnico extenuante, até a sexta casa após a vírgula.
Por que esta Dilma, como chefe do conselho da Petrobras, não pediu o powerpoint detalhado da transação de Pasadena quando o colegiado deu aval à operação? Para mortais comuns do conselho, essa discussão poderia soar pequena demais para avaliar a estratégia de uma empresa multibilionária. Não para a Dilma decantada pelas musas da planilha.
E o que dizer da imagem da faxineira do início do governo? Dilma manteve durante 3/4 de seu mandato um diretor na Petrobras que ela julga responsável por um relatório omisso sobre a refinaria. Num lance patético, alguém se lembrou de demiti-lo retroativamente, por algo que era notório havia mais de sete anos.
A primeira sondagem - PAULO GUEDES
O GLOBO - 31/03
Simonsen pedira demissão em 1979 convencido da impropriedade de uma política econômica expansionista durante a crise do petróleo
Aconteceu no último governo do regime militar, de João Figueiredo. A escalada inflacionária prosseguia em direção aos três dígitos anuais. A culpa seria atribuída ao segundo choque do petróleo, mas na verdade estávamos vulneráveis nos fronts externo e interno. O ritmo acelerado de endividamento externo no governo Geisel deixara mais frágeis as contas externas.
Enquanto isso, prosseguia a excessiva expansão do crédito interno. O ministro da Agricultura, Delfim Netto, parecia ter pretensões políticas. "Plante que o João Garante": essa era a senha para a conta sem limites aberta para o crédito agrícola no orçamento monetário.
O ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen, pedira demissão em 1979 convencido da impropriedade de uma política expansionista durante a crise do petróleo. As pressões de custos se propagaram em uma economia indexada, repassadas automaticamente aos preços em meio ao descontrole monetário.
Simonsen se convencera da insanidade desse esforço "desenvolvimentista", dessa tentativa de reedição do "milagre econômico", que atribuía ao plantio de Roberto Campos e Octávio Bulhões, e não à colheita de Delfim.
"Nunca pensei que Delfim acreditasse nessa história de derrubar a inflação através do preço da comida, em meio ao descontrole monetário", dizia Simonsen. E divertia-se contando a piada do grupo de ópera ambulante que se exibia em pequenas cidades italianas. "A cada apresentação, o tenor encerrava o ato vaiado estrepitosamente.
Mas retirava-se às gargalhadas, para ainda maior irritação da plateia. Perguntado a respeito, fulminava em novo ataque de risos: "Se não gostaram do tenor, esperem o barítono"." Parecia-me obviamente inadequada a política macroeconômica: correções monetária e cambial prefixadas, e irrealistas ante políticas monetária e fiscal frouxas.
Eu criticava ferozmente o governo em jornais e televisões. Fui chamado a Brasília para uma conversa com Delfim. Ao final, pediu-me que fosse falar com o presidente do Banco Central, que me disse então: "Simonsen simulou uma gripe e indicou você para a palestra que daria. Suas críticas foram gravadas e entregues ao Delfim. Há uma diretoria vaga no Banco Central. Delfim te chamou pensando em você para essa vaga." Para minha surpresa, completou: "Quer que você afunde conosco." A primeira vez, a gente nunca esquece.
Enquanto isso, prosseguia a excessiva expansão do crédito interno. O ministro da Agricultura, Delfim Netto, parecia ter pretensões políticas. "Plante que o João Garante": essa era a senha para a conta sem limites aberta para o crédito agrícola no orçamento monetário.
O ministro do Planejamento, Mário Henrique Simonsen, pedira demissão em 1979 convencido da impropriedade de uma política expansionista durante a crise do petróleo. As pressões de custos se propagaram em uma economia indexada, repassadas automaticamente aos preços em meio ao descontrole monetário.
Simonsen se convencera da insanidade desse esforço "desenvolvimentista", dessa tentativa de reedição do "milagre econômico", que atribuía ao plantio de Roberto Campos e Octávio Bulhões, e não à colheita de Delfim.
"Nunca pensei que Delfim acreditasse nessa história de derrubar a inflação através do preço da comida, em meio ao descontrole monetário", dizia Simonsen. E divertia-se contando a piada do grupo de ópera ambulante que se exibia em pequenas cidades italianas. "A cada apresentação, o tenor encerrava o ato vaiado estrepitosamente.
Mas retirava-se às gargalhadas, para ainda maior irritação da plateia. Perguntado a respeito, fulminava em novo ataque de risos: "Se não gostaram do tenor, esperem o barítono"." Parecia-me obviamente inadequada a política macroeconômica: correções monetária e cambial prefixadas, e irrealistas ante políticas monetária e fiscal frouxas.
Eu criticava ferozmente o governo em jornais e televisões. Fui chamado a Brasília para uma conversa com Delfim. Ao final, pediu-me que fosse falar com o presidente do Banco Central, que me disse então: "Simonsen simulou uma gripe e indicou você para a palestra que daria. Suas críticas foram gravadas e entregues ao Delfim. Há uma diretoria vaga no Banco Central. Delfim te chamou pensando em você para essa vaga." Para minha surpresa, completou: "Quer que você afunde conosco." A primeira vez, a gente nunca esquece.
PeTerização da Petrobras - PAULO BROSSARD
ZERO HORA - 31/03
Não é necessário ser douto para compreender a enormidade do que foi sendo feito com a Petrobras
Em 2005 a empresa belga Astra Oil adquiriu a refinaria de Pasadena, no Texas, por US$ 42,5 milhões. No ano seguinte _ 2006 _, o Conselho de Administração da Petrobras, então presidido pela atual presidente da República, Dilma Rousseff, autorizou a aquisição de 50% das ações da refinaria por US$ 360 milhões. Adquirindo a metade das ações, granjeou também um sócio, que conservava a outra metade e com o qual, parece, não teria especiais relações. Em 2007 a Petrobras recebeu de sua consocia oferta dos restantes 50%, sem obter a anuência do Conselho da empresa, o que levou a belga a exigir da Petrobras, nos termos contratuais, a compra das ações restantes.
A Petrobras se envolveu em vários litígios sem êxito, e em 2010 a Justiça Federal do Texas lhe determinou pagasse os restantes 50% por US$ 639 milhões.
Repetindo, em 2012 pagou a empresa Astra pelos 50% das ações a importância US$ 820,5 milhões, somados honorários e despesas. Quer dizer, a refinaria que em 2005 fora adquirida pela empresa belga por U$S 42 milhões, já custava à Petrobras US$ 820,5 milhões. Ao cabo, desembolsara mais de US$ 1 bilhão, cerca de US$ 1,2 bilhão.
Esse o resumo do resumo de uma refinaria por fim reconhecida como obsoleta, que nunca chegara a funcionar, a estória de uma entidade que haveria de transformar-se em monumental e malcheiroso elefante branco.
Isto posto, dizendo o que é notório, estava armado com pompa e circunstância o maior dos escândalos administrativos e políticos da empresa que chegou a ser em ordem de grandeza a 12ª em termos mundiais, caindo para o 120º lugar em cinco anos, segundo o jornal Financial Times. Esse dado completa de uma forma visível o perfil daquilo que se poderia chamar de forma melíflua uma insensatez; em verdade, a meu juízo, talvez não fosse o maior escândalo, mas adquiriu tais dimensões que, certo ou erradamente, veio a ser proclamado como o maior. Nem foi apenas uma sandice.
Esses números, desidratados, mas objetivos, são de tal significação que não é necessário ser douto para compreender a enormidade do que foi sendo feito com a Petrobras.
Se eu tivesse de definir o quadro instaurado poderia dizer que o chão está resvaladio, mas prefiro dizer movediço. Basta registrar que a senhora presidente da República, que é candidata à reeleição, em dias, caiu sete pontos em sua popularidade. Fato a assinalar, se não estou em erro, resulta na progressiva inserção do partido na administração, não apenas em sua vida administrativa, mas em suas entranhas, com a tendência de chegar à intimidade da mancebia; o fenômeno não é bom, nem para a administração nem para o partido, cuja evolução natural no plano dos partidos, sempre foi em outro sentido. A verdade é que, hoje, a questão da refinaria se confunde com a Petrobras, e esta se identifica com aquela. Aliás, esse dado não é de ser estranhado, uma vez que a refinaria desde seu nascimento está ligada à pessoa, nem mais nem menos, que exerce a presidência da República, sem ela a refinaria não teria nascido, sem ela não teria continuado a viver, ainda que viver morrendo e, sem ela, talvez a Petrobras poderia continuar a ser a 12ª empresa no âmbito mundial.
No período eleitoral a então candidata ameaçava que seu adversário iria privatizar a Petrobras. Seus companheiros de partido, alguns dos quais hoje estão na penitenciária, criaram o pejorativo de privatização na palavra privataria.
Pois bem, o que o partido da presidente está fazendo na Petrobras enseja a criação de outro neologismo: a PeTerização da empresa, que já foi orgulho nacional.
Não é necessário ser douto para compreender a enormidade do que foi sendo feito com a Petrobras
Em 2005 a empresa belga Astra Oil adquiriu a refinaria de Pasadena, no Texas, por US$ 42,5 milhões. No ano seguinte _ 2006 _, o Conselho de Administração da Petrobras, então presidido pela atual presidente da República, Dilma Rousseff, autorizou a aquisição de 50% das ações da refinaria por US$ 360 milhões. Adquirindo a metade das ações, granjeou também um sócio, que conservava a outra metade e com o qual, parece, não teria especiais relações. Em 2007 a Petrobras recebeu de sua consocia oferta dos restantes 50%, sem obter a anuência do Conselho da empresa, o que levou a belga a exigir da Petrobras, nos termos contratuais, a compra das ações restantes.
A Petrobras se envolveu em vários litígios sem êxito, e em 2010 a Justiça Federal do Texas lhe determinou pagasse os restantes 50% por US$ 639 milhões.
Repetindo, em 2012 pagou a empresa Astra pelos 50% das ações a importância US$ 820,5 milhões, somados honorários e despesas. Quer dizer, a refinaria que em 2005 fora adquirida pela empresa belga por U$S 42 milhões, já custava à Petrobras US$ 820,5 milhões. Ao cabo, desembolsara mais de US$ 1 bilhão, cerca de US$ 1,2 bilhão.
Esse o resumo do resumo de uma refinaria por fim reconhecida como obsoleta, que nunca chegara a funcionar, a estória de uma entidade que haveria de transformar-se em monumental e malcheiroso elefante branco.
Isto posto, dizendo o que é notório, estava armado com pompa e circunstância o maior dos escândalos administrativos e políticos da empresa que chegou a ser em ordem de grandeza a 12ª em termos mundiais, caindo para o 120º lugar em cinco anos, segundo o jornal Financial Times. Esse dado completa de uma forma visível o perfil daquilo que se poderia chamar de forma melíflua uma insensatez; em verdade, a meu juízo, talvez não fosse o maior escândalo, mas adquiriu tais dimensões que, certo ou erradamente, veio a ser proclamado como o maior. Nem foi apenas uma sandice.
Esses números, desidratados, mas objetivos, são de tal significação que não é necessário ser douto para compreender a enormidade do que foi sendo feito com a Petrobras.
Se eu tivesse de definir o quadro instaurado poderia dizer que o chão está resvaladio, mas prefiro dizer movediço. Basta registrar que a senhora presidente da República, que é candidata à reeleição, em dias, caiu sete pontos em sua popularidade. Fato a assinalar, se não estou em erro, resulta na progressiva inserção do partido na administração, não apenas em sua vida administrativa, mas em suas entranhas, com a tendência de chegar à intimidade da mancebia; o fenômeno não é bom, nem para a administração nem para o partido, cuja evolução natural no plano dos partidos, sempre foi em outro sentido. A verdade é que, hoje, a questão da refinaria se confunde com a Petrobras, e esta se identifica com aquela. Aliás, esse dado não é de ser estranhado, uma vez que a refinaria desde seu nascimento está ligada à pessoa, nem mais nem menos, que exerce a presidência da República, sem ela a refinaria não teria nascido, sem ela não teria continuado a viver, ainda que viver morrendo e, sem ela, talvez a Petrobras poderia continuar a ser a 12ª empresa no âmbito mundial.
No período eleitoral a então candidata ameaçava que seu adversário iria privatizar a Petrobras. Seus companheiros de partido, alguns dos quais hoje estão na penitenciária, criaram o pejorativo de privatização na palavra privataria.
Pois bem, o que o partido da presidente está fazendo na Petrobras enseja a criação de outro neologismo: a PeTerização da empresa, que já foi orgulho nacional.
ONGs “governamentais” - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 31/03
A excessiva dependência que muitas ONGs têm de recursos do poder público ajuda a entender o uso de entidades de fachada para desvio de verbas e outras irregularidades
A condescendente Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável por prestar assessoria imediata à Presidência da República em assuntos relativos ao patrimônio público e ao cumprimento dos preceitos éticos no âmbito da administração federal, descobriu que há 28 contratos firmados entre o Ministério do Trabalho e ONGs com “indícios graves” de irregularidades. Quem revelou o dado foi o próprio chefe da CGU, ministro Jorge Hage, em audiência na Câmara Federal na última quarta-feira.
O ministro do Trabalho, Manoel Dias, também presente à audiência, defendeu-se alegando faltar à sua pasta estrutura para fiscalizar o cumprimento das finalidades e as prestações de contas dos convênios que mantém com centenas de organizações não governamentais. E chorou quando confrontado com denúncias de que também ele teria se servido de uma ONG de seu estado (Santa Catarina) para dar emprego a apaniguados.
Não é de hoje que o Ministério do Trabalho tem sido foco de denúncias do tipo. Feudo do PDT e do presidente da legenda, Carlos Lupi, a pasta é tão frequentemente citada por envolvimento em escândalos do gênero que as revelações da CGU já não mais surpreendem, principalmente quando se recorda ter sido o próprio Lupi defenestrado do cargo em 2011 –medida inócua, já que Lupi foi substituído pelo correligionário pedetista indicado por ele. O que surpreende, mesmo, é que, ainda que tão antigas e tão conhecidas sejam as maracutaias que se articulam nos gabinetes do Ministério do Trabalho, elas parecem ser inesgotáveis. Repetem-se indefinidamente até o próximo escândalo, sem que para os primeiros se tenham tomado as necessárias medidas corretivas.
Mas ainda mais surpreendente é a generalizada incompreensão do que deva ser uma organização não governamental. ONGs são entidades sumamente importantes, e muitos brasileiros saberão citar imediatamente ONGs famosas e admiradas, seja no campo da saúde, da educação, da preservação ambiental, da luta por direitos de minorias e tantas outras áreas. De Alexis de Tocqueville a Robert Putnam, diversos estudiosos escreveram sobre a importância de associações que congregam cidadãos com um objetivo em comum; as sociedades mais saudáveis são aquelas em que existe uma sólida cultura de participação comunitária. Quando ONGs e outras entidades agem, elas não “cumprem um papel que deveria ser do Estado”; em vez disso, colocam em prática o saudável princípio segundo o qual as instâncias superiores da sociedade só deveriam atuar quando as instâncias superiores não tivessem a capacidade de agir em determinada situação.
Mas a denominação é autoexplicativa: “não governamental”. ONGs precisam ser independentes do Estado, mas no Brasil se criou uma situação em que há organizações “não governamentais” que só devem sua existência à ajuda do governo, em vez de mobilizar a própria sociedade para lhe prover os recursos necessários. O contrário disso – isto é, a dependência da boa vontade dos governos em lhes bancar – é que gera as distorções que desembocam na corrupção e na instrumentalização política de grande número de ONGs. Trata-se de um mal que precisa ser superado, visando, sobretudo, a proteger com o manto da respeitabilidade muitas organizações que, de fato, prestam serviços inestimáveis à população. Caso contrário, correm o risco de cair na vala comum das milhares de ONGs que se prestam apenas a servir a interesses escusos, como os desvendados na investigação sobre o Ministério do Trabalho.
A excessiva dependência que muitas ONGs têm de recursos do poder público ajuda a entender o uso de entidades de fachada para desvio de verbas e outras irregularidades
A condescendente Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável por prestar assessoria imediata à Presidência da República em assuntos relativos ao patrimônio público e ao cumprimento dos preceitos éticos no âmbito da administração federal, descobriu que há 28 contratos firmados entre o Ministério do Trabalho e ONGs com “indícios graves” de irregularidades. Quem revelou o dado foi o próprio chefe da CGU, ministro Jorge Hage, em audiência na Câmara Federal na última quarta-feira.
O ministro do Trabalho, Manoel Dias, também presente à audiência, defendeu-se alegando faltar à sua pasta estrutura para fiscalizar o cumprimento das finalidades e as prestações de contas dos convênios que mantém com centenas de organizações não governamentais. E chorou quando confrontado com denúncias de que também ele teria se servido de uma ONG de seu estado (Santa Catarina) para dar emprego a apaniguados.
Não é de hoje que o Ministério do Trabalho tem sido foco de denúncias do tipo. Feudo do PDT e do presidente da legenda, Carlos Lupi, a pasta é tão frequentemente citada por envolvimento em escândalos do gênero que as revelações da CGU já não mais surpreendem, principalmente quando se recorda ter sido o próprio Lupi defenestrado do cargo em 2011 –medida inócua, já que Lupi foi substituído pelo correligionário pedetista indicado por ele. O que surpreende, mesmo, é que, ainda que tão antigas e tão conhecidas sejam as maracutaias que se articulam nos gabinetes do Ministério do Trabalho, elas parecem ser inesgotáveis. Repetem-se indefinidamente até o próximo escândalo, sem que para os primeiros se tenham tomado as necessárias medidas corretivas.
Mas ainda mais surpreendente é a generalizada incompreensão do que deva ser uma organização não governamental. ONGs são entidades sumamente importantes, e muitos brasileiros saberão citar imediatamente ONGs famosas e admiradas, seja no campo da saúde, da educação, da preservação ambiental, da luta por direitos de minorias e tantas outras áreas. De Alexis de Tocqueville a Robert Putnam, diversos estudiosos escreveram sobre a importância de associações que congregam cidadãos com um objetivo em comum; as sociedades mais saudáveis são aquelas em que existe uma sólida cultura de participação comunitária. Quando ONGs e outras entidades agem, elas não “cumprem um papel que deveria ser do Estado”; em vez disso, colocam em prática o saudável princípio segundo o qual as instâncias superiores da sociedade só deveriam atuar quando as instâncias superiores não tivessem a capacidade de agir em determinada situação.
Mas a denominação é autoexplicativa: “não governamental”. ONGs precisam ser independentes do Estado, mas no Brasil se criou uma situação em que há organizações “não governamentais” que só devem sua existência à ajuda do governo, em vez de mobilizar a própria sociedade para lhe prover os recursos necessários. O contrário disso – isto é, a dependência da boa vontade dos governos em lhes bancar – é que gera as distorções que desembocam na corrupção e na instrumentalização política de grande número de ONGs. Trata-se de um mal que precisa ser superado, visando, sobretudo, a proteger com o manto da respeitabilidade muitas organizações que, de fato, prestam serviços inestimáveis à população. Caso contrário, correm o risco de cair na vala comum das milhares de ONGs que se prestam apenas a servir a interesses escusos, como os desvendados na investigação sobre o Ministério do Trabalho.
Isolado e limitado - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 31/03
Por qualquer critério que se olhe, o Brasil apresenta ao menos uma grande anomalia quando comparado a outros países de peso: o fechamento ao comércio exterior e a falta de integração às maiores cadeias de produção globais.
Agravado nas últimas duas décadas, esse processo de isolamento representa cada vez mais um fator limitante para a produtividade e o crescimento econômico.
Não por acaso, todos os países que se aproximaram da fronteira tecnológica e elevaram depressa seu nível de renda per capita, notadamente na Ásia, valeram-se da alavanca da integração comercial --dinâmica que tem se acelerado.
O Brasil, entretanto, segue o caminho oposto. Pressionado pelo câmbio valorizado e pelo aumento das importações, o governo aumentou tarifas, definiu regras de conteúdo nacional e isolou ainda mais as empresas da concorrência internacional, na esperança de que defenderia o mercado interno.
Pura ilusão. O deficit comercial no segmento de média e alta tecnologia, por exemplo, beira os US$ 100 bilhões e a produtividade patina.
Felizmente, muitas lideranças empresariais brasileiras percebem que o rumo está errado. Nesse contexto, é auspiciosa a divulgação, pelo Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), de cálculos mostrando os ganhos que o país teria se fechasse acordos comerciais abrangentes, especialmente com Europa e EUA.
O estudo indica que a redução de 100% das tarifas da indústria, 70% das agrícolas e 25% das outras barreiras não tarifárias resultaria em US$ 86 bilhões a mais em exportações e importações, montante 18% superior ao atual.
Embora os valores sejam estimados e exista um impacto negativo mínimo no saldo comercial (deficit de US$ 600 milhões), a lógica principal permanece: é preciso se integrar para competir.
Há questões geopolíticas envolvidas. A definição de padrões tecnológicos confere vantagens aos que estiverem inseridos às cadeias de produção. Quem estiver fora, possivelmente assim permanecerá.
O Brasil precisa sair do imobilismo. Deve romper com as amarras do Mercosul, mas sem abandonar a construção de um centro competitivo na América Latina.
A negociação com a Europa é a mais avançada e, segundo o trabalho do Iedi, a que oferece mais ganhos. Que prossiga com rapidez, com as salvaguardas devidas para que as empresas possam se ajustar a uma nova e necessária realidade.
Agravado nas últimas duas décadas, esse processo de isolamento representa cada vez mais um fator limitante para a produtividade e o crescimento econômico.
Não por acaso, todos os países que se aproximaram da fronteira tecnológica e elevaram depressa seu nível de renda per capita, notadamente na Ásia, valeram-se da alavanca da integração comercial --dinâmica que tem se acelerado.
O Brasil, entretanto, segue o caminho oposto. Pressionado pelo câmbio valorizado e pelo aumento das importações, o governo aumentou tarifas, definiu regras de conteúdo nacional e isolou ainda mais as empresas da concorrência internacional, na esperança de que defenderia o mercado interno.
Pura ilusão. O deficit comercial no segmento de média e alta tecnologia, por exemplo, beira os US$ 100 bilhões e a produtividade patina.
Felizmente, muitas lideranças empresariais brasileiras percebem que o rumo está errado. Nesse contexto, é auspiciosa a divulgação, pelo Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), de cálculos mostrando os ganhos que o país teria se fechasse acordos comerciais abrangentes, especialmente com Europa e EUA.
O estudo indica que a redução de 100% das tarifas da indústria, 70% das agrícolas e 25% das outras barreiras não tarifárias resultaria em US$ 86 bilhões a mais em exportações e importações, montante 18% superior ao atual.
Embora os valores sejam estimados e exista um impacto negativo mínimo no saldo comercial (deficit de US$ 600 milhões), a lógica principal permanece: é preciso se integrar para competir.
Há questões geopolíticas envolvidas. A definição de padrões tecnológicos confere vantagens aos que estiverem inseridos às cadeias de produção. Quem estiver fora, possivelmente assim permanecerá.
O Brasil precisa sair do imobilismo. Deve romper com as amarras do Mercosul, mas sem abandonar a construção de um centro competitivo na América Latina.
A negociação com a Europa é a mais avançada e, segundo o trabalho do Iedi, a que oferece mais ganhos. Que prossiga com rapidez, com as salvaguardas devidas para que as empresas possam se ajustar a uma nova e necessária realidade.
Para nunca mais se repetir - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 31/03
A democracia representativa enfrenta com êxito a pesada herança da ditadura, e está provado que não há outro regime melhor
Não há, na história de quase 125 anos da República, fato político de maior sobrevida que o golpe de 64. Em 1980 não se discutiram os 50 anos da Revolução de 30; nem 1987, meio século da instituição do Estado Novo, inspirou a edição de livros, a organização de debates e amplas edições especiais em revistas e jornais para analisar o apagão institucional patrocinado em 37 por Getúlio Vargas e militares.
A seguir o clichê, poder-se-ia admitir que 1964 seria “um ano que ainda não acabou”. Não chega a tanto. O ciclo de 64, radicalizado pelo AI-5 em dezembro de 68, quase um golpe dentro do golpe, foi encerrado 21 anos depois com a bem-sucedida transição, sem violência, de volta à democracia, assentada em bases institucionais três anos depois, em 1988, na promulgação de uma Constituição que trouxe de volta direitos civis e liberdades. Confirmou-se, assim, a abertura de novo ciclo, hoje já de 26 anos ininterruptos de vigência do estado democrático de direito, o mais longo período da República brasileira sem recaídas autoritárias.
Trata-se de uma conquista a ser sempre defendida, porque, entre outros motivos, foi obtida num país com longeva tradição de Estado forte, de excessiva presença do poder público na vida da sociedade. Infelizmente, visões autoritárias da realidade brasileira continuam presentes na vida do país.
É provável que esta fixação em 64 seja sinal de que é necessário continuar a fortalecer a ideia da democracia representativa como valor absoluto, sem relativismos, e exorcizar de vez tentações autoritárias à direita e à esquerda.
Reflexões sobre este processo levaram as Organizações Globo, por meio do GLOBO, a reconhecer, no ano passado, que fora um erro editorial apoiar o golpe (http://memoria.oglobo.globo.com/jornalismo/opiniao/o-globo-faz-autocriacutetica-em-relaccedilatildeo-ao-apoio-ao-golpe-de-64-12018073). Concluiu-se que, com base na perspectiva histórica dada pela passagem do tempo, está claro que, com todas as imperfeições do regime, nenhum modelo é melhor, em todos os sentidos, que o democrático, com Poderes independentes e rodízio, por eleição popular, no comando do Executivo e na aferição periódica do apoio do eleitorado aos ocupantes das Casas legislativas. Duas décadas de regime militar e um pouco mais que isso de democracia permitem comparações bastante objetivas entre a ditadura e o período em curso. Cabe lembrar que o golpe de 64, como relatam historiadores e cientistas políticos, tem suas raízes lançadas na década de 20, pelo movimento de tenentes reformistas, cansados daquela primeira fase da República, tripulada por ex-monarquistas aristocratas. Intervencionistas, os tenentes tinham pressa e queriam usar o poder do Estado (Exército) para modernizar o país, como acontecera no próprio fim da monarquia.
Foram força importante na Revolução de 30, estiveram depois em quarteladas diversas e nunca demonstraram grande apreço pelo poder civil. No golpe de 64, alguns que atuaram no tenentismo da década de 20 estavam reunidos: Ernesto Geisel, Castello Branco, Cordeiro de Farias, Juarez Távora e Juracy Magalhães, por exemplo.
Para turbinar todo aquele processo da década de 60, João Goulart, herdeiro da Presidência depois da renúncia inesperada de Jânio, optou pela radicalização do cunhado Leonel Brizola e desenhou no cenário político de 1963 um golpe de esquerda. Dessa forma estimulou sua derrubada.
O que seria uma intervenção cirúrgica, garantidas as eleições presidenciais em 65, prolongou-se por duas décadas. Tempo suficiente para os tenentes dos anos 1920 colocarem em prática, enfim, seu projeto de salvação nacional. E falharam.
Se modernizaram a infraestrutura, fecharam o país ao processo de interdependência econômica e chegaram a impedir que o Brasil se beneficiasse por inteiro da fase inicial da revolução da microeletrônica e dos computadores pessoais. Avançaram em instituições econômicas, mas sucumbiram ao erro de cevar um Estado intervencionista. Caíram na ilusão de conviver com uma inflação elevada, apenas na aparência domada pelo mecanismo pernicioso da correção monetária, e lançaram as sementes da hiperinflação da década de 80. Cujo terreno foi aplainado de vez pela quebra externa do país, em virtude da outra ilusão da ditadura, a de viver de poupança externa.
O traço de tragédia no regime militar foi dado pela violência dos agentes públicos. O fato de que parte da esquerda pegou em armas não justificava que as Forças Armadas atuassem por meio de braços semiclandestinos, e tudo com o conhecimento dos mais altos escalões, inclusive em Brasília. Itália e Alemanha, no pós-guerra, enfrentaram e venceram grupos radicais armados, sem arranhar a democracia. No Brasil, ao lado da violência física houve o uso da censura, característica deste tipo de regime, vê-se hoje na Venezuela, no Equador etc.
Recentes reportagens do GLOBO, em que se elucida o destino do deputado Rubens Paiva, desde que foi preso em sua casa no Leblon, até o martírio nos porões do DOI-Codi e o desaparecimento do corpo, jogado ao mar, denunciam o ponto a que chegaram instituições seculares e honradas, como o Exército, influenciadas por um projeto ideológico delirante de criação de um “Brasil grande” a qualquer custo. Mesmo do terrorismo de Estado.
A democracia restaurada recebeu pesada herança de graves problemas, e os equacionou. A Lei de Anistia, ampla e recíproca, base da transição pacífica, costuma ser criticada por vítimas daquele terror — é compreensível —, mas existe uma Comissão da Verdade atuante. Não se deve mesmo esquecer o que aconteceu, até em respeito às famílias atingidas pela violência oficial. A comissão e a atuação livre da imprensa iluminam os subterrâneos daqueles tempos sombrios.
Se nada está definitivamente resolvido, o obstáculo da inflação, que parecia insuperável, foi ultrapassado com grande inventividade por economistas e políticos tucanos a partir do governo de Itamar Franco. Os desníveis sociais, por sua vez, terminaram atenuados com o aprofundamento das políticas de transferência direta de renda por meio de Lula e seu PT.
Só essas duas vitórias bastariam para tirar qualquer dúvida sobre qual o melhor dos regimes — embora tanto o fim da superinflação quanto os avanços sociais não sejam conquistas definitivas. Bastam erros persistentes de política econômica para se colocar tudo a perder. Mas é indiscutível, e está comprovado, que é preferível enfrentar na liberdade as sérias dificuldades que aí estão.
Os últimos 12 destes 50 anos têm sido especialmente ricos. O principal partido da esquerda brasileira, o PT, tem a experiência de exercício do poder no Planalto e, há tempos, lideranças suas reconheceram haver diferenças entre o discurso de oposição e o de situação. O PT amadurece e em algum momento terá de demonstrar que aprende com os erros.
A ressaltar, o elevado estágio de consolidação das instituições democráticas e republicanas, de que o julgamento do mensalão é exemplo.
Há, hoje, no Judiciário zelosos protetores da Constituição, em cujas cláusulas pétreas estão garantidas as bases da democracia representativa.
Qualquer reflexão nestes 50 anos do golpe reforça o papel do estado democrático de direito nos avanços do país a partir do fim da ditadura. E aumenta a responsabilidade de todos na defesa do regime, numa fase especialmente turva em algumas regiões latino-americanas, com a perigosa benevolência por parte de inquilinos do poder em Brasília.
Foi a busca por um sistema mais “eficiente” de governo que resultou em 64 e 68. Não se pode admitir que este erro seja mais uma vez cometido.
A democracia representativa enfrenta com êxito a pesada herança da ditadura, e está provado que não há outro regime melhor
Não há, na história de quase 125 anos da República, fato político de maior sobrevida que o golpe de 64. Em 1980 não se discutiram os 50 anos da Revolução de 30; nem 1987, meio século da instituição do Estado Novo, inspirou a edição de livros, a organização de debates e amplas edições especiais em revistas e jornais para analisar o apagão institucional patrocinado em 37 por Getúlio Vargas e militares.
A seguir o clichê, poder-se-ia admitir que 1964 seria “um ano que ainda não acabou”. Não chega a tanto. O ciclo de 64, radicalizado pelo AI-5 em dezembro de 68, quase um golpe dentro do golpe, foi encerrado 21 anos depois com a bem-sucedida transição, sem violência, de volta à democracia, assentada em bases institucionais três anos depois, em 1988, na promulgação de uma Constituição que trouxe de volta direitos civis e liberdades. Confirmou-se, assim, a abertura de novo ciclo, hoje já de 26 anos ininterruptos de vigência do estado democrático de direito, o mais longo período da República brasileira sem recaídas autoritárias.
Trata-se de uma conquista a ser sempre defendida, porque, entre outros motivos, foi obtida num país com longeva tradição de Estado forte, de excessiva presença do poder público na vida da sociedade. Infelizmente, visões autoritárias da realidade brasileira continuam presentes na vida do país.
É provável que esta fixação em 64 seja sinal de que é necessário continuar a fortalecer a ideia da democracia representativa como valor absoluto, sem relativismos, e exorcizar de vez tentações autoritárias à direita e à esquerda.
Reflexões sobre este processo levaram as Organizações Globo, por meio do GLOBO, a reconhecer, no ano passado, que fora um erro editorial apoiar o golpe (http://memoria.oglobo.globo.com/jornalismo/opiniao/o-globo-faz-autocriacutetica-em-relaccedilatildeo-ao-apoio-ao-golpe-de-64-12018073). Concluiu-se que, com base na perspectiva histórica dada pela passagem do tempo, está claro que, com todas as imperfeições do regime, nenhum modelo é melhor, em todos os sentidos, que o democrático, com Poderes independentes e rodízio, por eleição popular, no comando do Executivo e na aferição periódica do apoio do eleitorado aos ocupantes das Casas legislativas. Duas décadas de regime militar e um pouco mais que isso de democracia permitem comparações bastante objetivas entre a ditadura e o período em curso. Cabe lembrar que o golpe de 64, como relatam historiadores e cientistas políticos, tem suas raízes lançadas na década de 20, pelo movimento de tenentes reformistas, cansados daquela primeira fase da República, tripulada por ex-monarquistas aristocratas. Intervencionistas, os tenentes tinham pressa e queriam usar o poder do Estado (Exército) para modernizar o país, como acontecera no próprio fim da monarquia.
Foram força importante na Revolução de 30, estiveram depois em quarteladas diversas e nunca demonstraram grande apreço pelo poder civil. No golpe de 64, alguns que atuaram no tenentismo da década de 20 estavam reunidos: Ernesto Geisel, Castello Branco, Cordeiro de Farias, Juarez Távora e Juracy Magalhães, por exemplo.
Para turbinar todo aquele processo da década de 60, João Goulart, herdeiro da Presidência depois da renúncia inesperada de Jânio, optou pela radicalização do cunhado Leonel Brizola e desenhou no cenário político de 1963 um golpe de esquerda. Dessa forma estimulou sua derrubada.
O que seria uma intervenção cirúrgica, garantidas as eleições presidenciais em 65, prolongou-se por duas décadas. Tempo suficiente para os tenentes dos anos 1920 colocarem em prática, enfim, seu projeto de salvação nacional. E falharam.
Se modernizaram a infraestrutura, fecharam o país ao processo de interdependência econômica e chegaram a impedir que o Brasil se beneficiasse por inteiro da fase inicial da revolução da microeletrônica e dos computadores pessoais. Avançaram em instituições econômicas, mas sucumbiram ao erro de cevar um Estado intervencionista. Caíram na ilusão de conviver com uma inflação elevada, apenas na aparência domada pelo mecanismo pernicioso da correção monetária, e lançaram as sementes da hiperinflação da década de 80. Cujo terreno foi aplainado de vez pela quebra externa do país, em virtude da outra ilusão da ditadura, a de viver de poupança externa.
O traço de tragédia no regime militar foi dado pela violência dos agentes públicos. O fato de que parte da esquerda pegou em armas não justificava que as Forças Armadas atuassem por meio de braços semiclandestinos, e tudo com o conhecimento dos mais altos escalões, inclusive em Brasília. Itália e Alemanha, no pós-guerra, enfrentaram e venceram grupos radicais armados, sem arranhar a democracia. No Brasil, ao lado da violência física houve o uso da censura, característica deste tipo de regime, vê-se hoje na Venezuela, no Equador etc.
Recentes reportagens do GLOBO, em que se elucida o destino do deputado Rubens Paiva, desde que foi preso em sua casa no Leblon, até o martírio nos porões do DOI-Codi e o desaparecimento do corpo, jogado ao mar, denunciam o ponto a que chegaram instituições seculares e honradas, como o Exército, influenciadas por um projeto ideológico delirante de criação de um “Brasil grande” a qualquer custo. Mesmo do terrorismo de Estado.
A democracia restaurada recebeu pesada herança de graves problemas, e os equacionou. A Lei de Anistia, ampla e recíproca, base da transição pacífica, costuma ser criticada por vítimas daquele terror — é compreensível —, mas existe uma Comissão da Verdade atuante. Não se deve mesmo esquecer o que aconteceu, até em respeito às famílias atingidas pela violência oficial. A comissão e a atuação livre da imprensa iluminam os subterrâneos daqueles tempos sombrios.
Se nada está definitivamente resolvido, o obstáculo da inflação, que parecia insuperável, foi ultrapassado com grande inventividade por economistas e políticos tucanos a partir do governo de Itamar Franco. Os desníveis sociais, por sua vez, terminaram atenuados com o aprofundamento das políticas de transferência direta de renda por meio de Lula e seu PT.
Só essas duas vitórias bastariam para tirar qualquer dúvida sobre qual o melhor dos regimes — embora tanto o fim da superinflação quanto os avanços sociais não sejam conquistas definitivas. Bastam erros persistentes de política econômica para se colocar tudo a perder. Mas é indiscutível, e está comprovado, que é preferível enfrentar na liberdade as sérias dificuldades que aí estão.
Os últimos 12 destes 50 anos têm sido especialmente ricos. O principal partido da esquerda brasileira, o PT, tem a experiência de exercício do poder no Planalto e, há tempos, lideranças suas reconheceram haver diferenças entre o discurso de oposição e o de situação. O PT amadurece e em algum momento terá de demonstrar que aprende com os erros.
A ressaltar, o elevado estágio de consolidação das instituições democráticas e republicanas, de que o julgamento do mensalão é exemplo.
Há, hoje, no Judiciário zelosos protetores da Constituição, em cujas cláusulas pétreas estão garantidas as bases da democracia representativa.
Qualquer reflexão nestes 50 anos do golpe reforça o papel do estado democrático de direito nos avanços do país a partir do fim da ditadura. E aumenta a responsabilidade de todos na defesa do regime, numa fase especialmente turva em algumas regiões latino-americanas, com a perigosa benevolência por parte de inquilinos do poder em Brasília.
Foi a busca por um sistema mais “eficiente” de governo que resultou em 64 e 68. Não se pode admitir que este erro seja mais uma vez cometido.
Meio século depois - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S.Paulo -31/03
Ao completarem-se 50 anos do movimento civil-militar de 31 de março de 1964, é possível ter uma visão mais serena e objetiva, tanto das condições que levaram a ele como dos primórdios do regime então implantado e o seu desvio do curso original imaginado, em especial, pelas lideranças civis. Facilitado pela perspectiva de meio século, esse esforço de compreensão dos fatos, assim como de seu dramático contexto histórico, é importante, sobretudo, para as novas gerações.
O governo do presidente João Goulart teve sua origem numa crise - a da renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961 - e em crise viveu até ser deposto. Goulart nunca se conformou com a solução de compromisso que, vencendo a resistência dos ministros militares, possibilitou sua posse - a instauração do parlamentarismo, no qual dividia seus poderes com o primeiro-ministro.
Ao mesmo tempo que se esforçava para conseguir a volta do presidencialismo, o que aconteceu com o plebiscito de janeiro de 1963, Goulart mobilizou sindicatos e lideranças radicais para impor as chamadas reformas de base "na lei ou na marra". Reformas de cunho socialista, embora ele não tivesse mandato popular para isso, pois foi eleito vice - e não em sua chapa, como então permitia a lei eleitoral - de um presidente nitidamente conservador. Nem para sua tentativa de dar papel preponderante aos sindicatos na condução do País, no que foi chamado de república sindicalista.
Assistiu-se então a uma mistura explosiva de avanço desses grupos para o controle do Estado e de desordem na economia e na administração. O líder comunista Luís Carlos Prestes chegou a dizer que os comunistas já estavam no governo, embora ainda não no poder. Leonel Brizola criou as unidades paramilitares "Grupos dos 11". A economia degringolava, com inflação alta e baixo crescimento.
O quadro se completa com a revolta dos sargentos, em setembro de 1963, e com a dos marinheiros, em 25 de março de 1964, que, atingindo em cheio a disciplina, espinha dorsal das Forças Armadas, colocou os militares em choque direto com o governo e precipitou sua intervenção. A reação de lideranças civis e da maioria da população ficou evidente na grande "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", que reuniu 500 mil pessoas em São Paulo, em 19 de março. Em 13 de março, no famoso Comício da Central, no Rio, em defesa das reformas de base, Goulart reunira bem menos apoiadores - 150 mil. Marchas semelhantes foram feitas em outras capitais. E sua deposição foi comemorada por 1 milhão de pessoas no Rio, no dia 2 de abril.
É importante assinalar que tudo isso se passou em meio à guerra fria. Para os Estados Unidos e seus aliados, era intolerável a possibilidade de o Brasil aderir ao campo comunista. Recorde-se que em outubro de 1962, por causa da recusa dos Estados Unidos de aceitar a presença em Cuba de mísseis ali colocados pela União Soviética, o mundo esteve à beira de uma guerra nuclear. Este era um dado incontornável da realidade.
Com base no Ato Institucional baixado pelos militares, o governo do marechal Castelo Branco começou um bem-sucedido trabalho de saneamento das finanças e reorganização político-administrativa do País. Na economia e na modernização da administração, o regime obteve inegáveis êxitos. O mesmo não aconteceu na política.
O Ato Institucional n.º 2, o AI-2, de 27 de outubro de 1965, desviou o movimento de seu rumo. Mais grave do que extinguir os partidos foi, como assinalou o Estado em vários editoriais - notadamente os de 28 e 29 de outubro -, tornar permanentes medidas de emergência, excepcionais e transitórias, destinadas a recolocar o País no caminho democrático. O AI-2 marca o afastamento do Estado do movimento. A sua componente civil foi definhando e ele se tornou essencialmente militar. Começou ali o processo que levou ao autoritarismo e ao arbítrio do AI-5, à censura, à repressão, ao cerceamento das liberdades civis e dos direitos individuais.
A redemocratização viria ao fim de duas décadas de arbítrio, graças à persistência de milhares de brasileiros que se comportaram de forma pacífica e ordeira, repudiando tanto a violência empregada por aqueles que escolheram equivocadamente a luta armada quanto a brutalidade dos agentes do regime de exceção.
Ao completarem-se 50 anos do movimento civil-militar de 31 de março de 1964, é possível ter uma visão mais serena e objetiva, tanto das condições que levaram a ele como dos primórdios do regime então implantado e o seu desvio do curso original imaginado, em especial, pelas lideranças civis. Facilitado pela perspectiva de meio século, esse esforço de compreensão dos fatos, assim como de seu dramático contexto histórico, é importante, sobretudo, para as novas gerações.
O governo do presidente João Goulart teve sua origem numa crise - a da renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961 - e em crise viveu até ser deposto. Goulart nunca se conformou com a solução de compromisso que, vencendo a resistência dos ministros militares, possibilitou sua posse - a instauração do parlamentarismo, no qual dividia seus poderes com o primeiro-ministro.
Ao mesmo tempo que se esforçava para conseguir a volta do presidencialismo, o que aconteceu com o plebiscito de janeiro de 1963, Goulart mobilizou sindicatos e lideranças radicais para impor as chamadas reformas de base "na lei ou na marra". Reformas de cunho socialista, embora ele não tivesse mandato popular para isso, pois foi eleito vice - e não em sua chapa, como então permitia a lei eleitoral - de um presidente nitidamente conservador. Nem para sua tentativa de dar papel preponderante aos sindicatos na condução do País, no que foi chamado de república sindicalista.
Assistiu-se então a uma mistura explosiva de avanço desses grupos para o controle do Estado e de desordem na economia e na administração. O líder comunista Luís Carlos Prestes chegou a dizer que os comunistas já estavam no governo, embora ainda não no poder. Leonel Brizola criou as unidades paramilitares "Grupos dos 11". A economia degringolava, com inflação alta e baixo crescimento.
O quadro se completa com a revolta dos sargentos, em setembro de 1963, e com a dos marinheiros, em 25 de março de 1964, que, atingindo em cheio a disciplina, espinha dorsal das Forças Armadas, colocou os militares em choque direto com o governo e precipitou sua intervenção. A reação de lideranças civis e da maioria da população ficou evidente na grande "Marcha da Família com Deus pela Liberdade", que reuniu 500 mil pessoas em São Paulo, em 19 de março. Em 13 de março, no famoso Comício da Central, no Rio, em defesa das reformas de base, Goulart reunira bem menos apoiadores - 150 mil. Marchas semelhantes foram feitas em outras capitais. E sua deposição foi comemorada por 1 milhão de pessoas no Rio, no dia 2 de abril.
É importante assinalar que tudo isso se passou em meio à guerra fria. Para os Estados Unidos e seus aliados, era intolerável a possibilidade de o Brasil aderir ao campo comunista. Recorde-se que em outubro de 1962, por causa da recusa dos Estados Unidos de aceitar a presença em Cuba de mísseis ali colocados pela União Soviética, o mundo esteve à beira de uma guerra nuclear. Este era um dado incontornável da realidade.
Com base no Ato Institucional baixado pelos militares, o governo do marechal Castelo Branco começou um bem-sucedido trabalho de saneamento das finanças e reorganização político-administrativa do País. Na economia e na modernização da administração, o regime obteve inegáveis êxitos. O mesmo não aconteceu na política.
O Ato Institucional n.º 2, o AI-2, de 27 de outubro de 1965, desviou o movimento de seu rumo. Mais grave do que extinguir os partidos foi, como assinalou o Estado em vários editoriais - notadamente os de 28 e 29 de outubro -, tornar permanentes medidas de emergência, excepcionais e transitórias, destinadas a recolocar o País no caminho democrático. O AI-2 marca o afastamento do Estado do movimento. A sua componente civil foi definhando e ele se tornou essencialmente militar. Começou ali o processo que levou ao autoritarismo e ao arbítrio do AI-5, à censura, à repressão, ao cerceamento das liberdades civis e dos direitos individuais.
A redemocratização viria ao fim de duas décadas de arbítrio, graças à persistência de milhares de brasileiros que se comportaram de forma pacífica e ordeira, repudiando tanto a violência empregada por aqueles que escolheram equivocadamente a luta armada quanto a brutalidade dos agentes do regime de exceção.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
CUNHA RECUA DE CPI DE OLHO EM PRESIDIR A CÂMARA
Líder do PMDB e articulador do “blocão” que tentou emparedar o governo, o deputado Eduardo Cunha (RJ) quer mais do que se acertar com o Planalto, saindo da linha de frente da CPI da Petrobras: ele pretende disputar a presidência da Câmara, em substituição ao parceiro Henrique Alves (PMDB-RN). Mas terá de ignorar o acordo de revezamento que dá ao PT o direito de apontar o próximo presidente.
PT FEZ SUA PARTE
O acordo PT-PMDB, formalizado por escrito, devolveu o ex-presidente Marco Maia (PT-RS) ao baixo clero e garantiu o cargo a Alves.
ESTOU EM OUTRA
Signatário do acordo com o PT, Henrique Alves já prioriza a campanha ao governo potiguar, e não ousaria contrariar seu líder Eduardo Cunha.
MAIOR BANCADA
É da tradição da Câmara e do Senado a maior bancada escolher o presidente da Casa. Na Câmara, a maior bancada é a petista.
O PETRÓLEO É DELES
Do advogado Luiz Fernando Pereira, sobre o escândalo na Petrobras: “Alguns levaram muito ao pé da letra o lema ‘o petróleo é nosso’”.
LOBBY VEDA MINI-PRODUÇÃO E VENDA DE ENERGIA
Se a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o governo não fossem tão suscetíveis à influência de geradoras e distribuidoras, o Brasil poderia fazer uma revolução na área de energia. Era só permitir, como na Alemanha, que cidadãos comuns e até empresas vendessem energia excedente que produzissem (eólica, solar etc). Hoje, resolução nº 482 da Aneel proíbe isso. Admite só “desconto” na conta mensal.
RENDA EXTRA
Na Europa, as famílias são estimuladas a produzir a energia que consomem e vender o excedente, garantindo-lhes renda extra.
LOBBY PODEROSO
Condomínios e produtores rurais poderiam ser estimulados a produzir e vender energia. Mas o lobby de geradores e distribuidores não deixa.
A REVOLUÇÃO
O estímulo à instalação de painéis de energia solar em unidades do “Minha Casa, Minha Vida” garantiria renda para pagar as prestações.
PULGA NA ORELHA
Gerou desconfiança o sumiço do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), dedicado com afinco ímpar à MP 627, que trata da bilionária tributação de lucros de empresas brasileiras com operação no exterior.
CHEQUE EM BRANCO
O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) critica a pressa para aprovar a MP 627 sobre tributação de lucros de empresas com operação no exterior: “Nem discutimos os artigos novos. Não vamos dar cheque em branco”.
VÍDEO
O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) promete celebrar o aniversário da ditadura divulgando vídeo “com personagens de esquerda que, com desassombro, confessam execuções sumárias, assaltos e sequestros”.
SEM MEDO DE SER FELIZ
Seguindo exemplo dos artistas que se utilizavam de pseudônimos para burlar a censura do regime militar, as “dilmas boladas” proliferam hoje e enganam a Justiça Eleitoral fazendo campanha antecipada sem medo.
VERDES NA CPI
O líder do PV, Sarney Filho (MA), pediu ao líder do PPS, Rubens Bueno (PR), para entregar só esta semana as assinaturas dos nove deputados do partido favoráveis à criação da CPMI da Petrobras.
REPULSA RECORDE
O jovem governador do Amapá, Camilo Capiberibe (PSB), não será exatamente um cabo eleitoral dos sonhos para o presidenciável Eduardo Campos: seus índices de rejeição superam os 80%.
SEM CONSIDERAÇÃO
O ex-prefeito Cesar Maia (DEM), que mantém a pré-candidatura ao governo do Rio, é só mágoas com o senador e presidenciável Aécio Neves (PSDB-MG), que até agora não o procurou para discutir aliança.
EDUCAÇÃO DO FINGIMENTO
Além da iminente greve antes do recesso de 32 dias, na Copa do Mundo, professores do DF já têm definido: começa em 23 de dezembro a “reposição das aulas” perdidas no Mundial e sua paralisação anual.
O PILOTO SUMIU
O governo da Malásia informa: fotos de satélite mostram dezenas de objetos boiando que podem ser destroços da Petrobras.
PODER SEM PUDOR
O EX-FUTURO MINISTRO
Jânio Quadros era prefeito de São Paulo, em 1988, e recebeu o jovem secretário municipal João Mellão, 31, com uma novidade:
- O senhor é o mais novo ex-futuro ministro da Administração!
Explicou que recebera um telefonema do presidente José Sarney pedindo sua liberação para o ministério. “Recusei de pronto!”, avisou.
- Mas, prefeito, eu seria o mais jovem ministro da História…
- É… – concordou Jânio – e com certeza a carreira política mais curta também… Relaxe, rapaz. E volte ao trabalho!
Líder do PMDB e articulador do “blocão” que tentou emparedar o governo, o deputado Eduardo Cunha (RJ) quer mais do que se acertar com o Planalto, saindo da linha de frente da CPI da Petrobras: ele pretende disputar a presidência da Câmara, em substituição ao parceiro Henrique Alves (PMDB-RN). Mas terá de ignorar o acordo de revezamento que dá ao PT o direito de apontar o próximo presidente.
PT FEZ SUA PARTE
O acordo PT-PMDB, formalizado por escrito, devolveu o ex-presidente Marco Maia (PT-RS) ao baixo clero e garantiu o cargo a Alves.
ESTOU EM OUTRA
Signatário do acordo com o PT, Henrique Alves já prioriza a campanha ao governo potiguar, e não ousaria contrariar seu líder Eduardo Cunha.
MAIOR BANCADA
É da tradição da Câmara e do Senado a maior bancada escolher o presidente da Casa. Na Câmara, a maior bancada é a petista.
O PETRÓLEO É DELES
Do advogado Luiz Fernando Pereira, sobre o escândalo na Petrobras: “Alguns levaram muito ao pé da letra o lema ‘o petróleo é nosso’”.
LOBBY VEDA MINI-PRODUÇÃO E VENDA DE ENERGIA
Se a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o governo não fossem tão suscetíveis à influência de geradoras e distribuidoras, o Brasil poderia fazer uma revolução na área de energia. Era só permitir, como na Alemanha, que cidadãos comuns e até empresas vendessem energia excedente que produzissem (eólica, solar etc). Hoje, resolução nº 482 da Aneel proíbe isso. Admite só “desconto” na conta mensal.
RENDA EXTRA
Na Europa, as famílias são estimuladas a produzir a energia que consomem e vender o excedente, garantindo-lhes renda extra.
LOBBY PODEROSO
Condomínios e produtores rurais poderiam ser estimulados a produzir e vender energia. Mas o lobby de geradores e distribuidores não deixa.
A REVOLUÇÃO
O estímulo à instalação de painéis de energia solar em unidades do “Minha Casa, Minha Vida” garantiria renda para pagar as prestações.
PULGA NA ORELHA
Gerou desconfiança o sumiço do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), dedicado com afinco ímpar à MP 627, que trata da bilionária tributação de lucros de empresas brasileiras com operação no exterior.
CHEQUE EM BRANCO
O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) critica a pressa para aprovar a MP 627 sobre tributação de lucros de empresas com operação no exterior: “Nem discutimos os artigos novos. Não vamos dar cheque em branco”.
VÍDEO
O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) promete celebrar o aniversário da ditadura divulgando vídeo “com personagens de esquerda que, com desassombro, confessam execuções sumárias, assaltos e sequestros”.
SEM MEDO DE SER FELIZ
Seguindo exemplo dos artistas que se utilizavam de pseudônimos para burlar a censura do regime militar, as “dilmas boladas” proliferam hoje e enganam a Justiça Eleitoral fazendo campanha antecipada sem medo.
VERDES NA CPI
O líder do PV, Sarney Filho (MA), pediu ao líder do PPS, Rubens Bueno (PR), para entregar só esta semana as assinaturas dos nove deputados do partido favoráveis à criação da CPMI da Petrobras.
REPULSA RECORDE
O jovem governador do Amapá, Camilo Capiberibe (PSB), não será exatamente um cabo eleitoral dos sonhos para o presidenciável Eduardo Campos: seus índices de rejeição superam os 80%.
SEM CONSIDERAÇÃO
O ex-prefeito Cesar Maia (DEM), que mantém a pré-candidatura ao governo do Rio, é só mágoas com o senador e presidenciável Aécio Neves (PSDB-MG), que até agora não o procurou para discutir aliança.
EDUCAÇÃO DO FINGIMENTO
Além da iminente greve antes do recesso de 32 dias, na Copa do Mundo, professores do DF já têm definido: começa em 23 de dezembro a “reposição das aulas” perdidas no Mundial e sua paralisação anual.
O PILOTO SUMIU
O governo da Malásia informa: fotos de satélite mostram dezenas de objetos boiando que podem ser destroços da Petrobras.
PODER SEM PUDOR
O EX-FUTURO MINISTRO
Jânio Quadros era prefeito de São Paulo, em 1988, e recebeu o jovem secretário municipal João Mellão, 31, com uma novidade:
- O senhor é o mais novo ex-futuro ministro da Administração!
Explicou que recebera um telefonema do presidente José Sarney pedindo sua liberação para o ministério. “Recusei de pronto!”, avisou.
- Mas, prefeito, eu seria o mais jovem ministro da História…
- É… – concordou Jânio – e com certeza a carreira política mais curta também… Relaxe, rapaz. E volte ao trabalho!
quinta-feira, março 27, 2014
Está bom ou ruim? - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 27/03
Assim como leva anos para se merecer o grau de investimento, é preciso uma série de equívocos para estragar a coisa
E então: está bom ou está ruim? Ser rebaixado por uma agência de classificação de risco é certamente ruim. Mas o mundo não acabou. Nem a bolsa despencou, nem o dólar disparou. Logo, qual o problema de uma nota mais baixa?
O problema maior está justamente na formulação dessa pergunta. Assim como leva anos para se arrumar a economia de um país — e merecer o grau de investimento — também é preciso uma série longa de equívocos para estragar a coisa. Como isso acontece devagarzinho, a gente corre o risco de se acostumar com o errado. É o que está acontecendo por aqui.
A agência Standard & Poor’s (S&P) promoveu o Brasil a grau de investimento, retirando-o do grupo dos caloteiros, só em 2008, nada menos que 14 anos depois da introdução do Real e após uma série de reformas que levaram à estabilidade. O país estava então no segundo mandato de Lula, que celebrou ruidosamente a novidade. Disse que era um momento mágico e que o Brasil recebera o carimbo de país sério.
Era por aí: o prêmio pela manutenção de uma mesma política econômica ao longo de quatro mandatos presidenciais, comandados por partidos diferentes. Em 2011, já no governo Dilma, o Brasil teve uma outra promoção, passando para o nível dois de grau de investimento. Era uma recompensa pela boa sobrevivência à crise financeira global. Desta vez, o Brasil acompanhou os principais emergentes: todos reagiram bem.
Na última segunda-feira, portanto, o Brasil retrocedeu três anos. Voltou à nota de 2008, que ainda é grau de investimento, mas apenas no primeiro nível. Mais uma bobeada — ou um conjunto de bobeadas — e o país volta ao grupo dos caloteiros conhecidos.
Mas esse fato — ter a economia brasileira permanecido como investiment grade — foi o mais acentuado por muita gente. Por exemplo: a bolsa brasileira continuou no ritmo positivo — no day after do rebaixamento emplacou sete dias úteis de alta. E o dólar continuou acomodado na casa dos R$ 2 e trinta e poucos. Os juros subiram, mas só um pouco.
Mas olhem mais para trás. Nos últimos 12 meses, a bolsa brasileira sai do positivo e se mostra como tem sido: 12% de queda. Foi um dos piores desempenhos entre as principais bolsas internacionais.
Todas as medidas do risco Brasil vêm mostrando alta desde 2012. Hoje, esse risco — medido pela taxa de juros que o governo paga por empréstimos externos ou pelo seguro contra calote — é maior do que a média da América Latina e da Ásia emergente.
Isso reflete a deterioração da política econômica especialmente nos últimos três anos. Mas o que significa deterioração?
Significa que os fundamentos — aqueles que levaram ao grau de investimento — não foram jogados no lixo, mas têm sido maltratados.
Por exemplo: ainda estamos sob o regime de metas de inflação com Banco Central independente. O BC segue os rituais desse sistema praticado por quase todos os países sérios, mas... não segue. Ficou evidente que o BC reduziu a taxa básica para 7,25%, lá atrás, para cumprir uma meta política da presidente Dilma. Tanto foi um movimento sem base técnica que hoje, com a volta da inflação, o BC colocou a taxa de juros no mesmo lugar em que estava quando a presidente Dilma assumiu, em 2011. Ou seja, esse movimento do BC só causou confusão e deixou a inflação perto e até acima do teto da meta.
É tudo assim, por um lado, por outro. A meta de inflação continua sendo de 4,5%, mas qualquer coisa abaixo dos 6,5% está bom para o governo.
O governo continua colocando no orçamento as metas de superávit primário, como manda a lei de responsabilidade fiscal, um dos pilares do grau de investimento. Mas, na execução, o governo manipula os números, inventa operações para esconder a alta da dívida, faz novas promessas — e acha que todo mundo vai acreditar.
Contou com isso por um bom tempo. Só agora a S&P resolveu reduzir a nota brasileira. As outras duas agências importantes ainda não se moveram.
Resumo da ópera: a gestão da política econômica é bastante ruim, em praticamente todas as áreas, do combate à inflação à gerência do setor elétrico e da Petrobras. Por isso o risco Brasil e a S&P derrubaram a nota brasileira. Mas, como as bases institucionais da estabilidade continuam aí, entende-se que os desvios podem ser corrigidos a tempo. Daí, a manutenção do grau de investimento.
Desse ponto de vista, o rebaixamento deve ser visto como um sinal de que, antes de mais nada, a política econômica precisa voltar aos fundamentos.
CUSTO LULA
Procurem no Google “Lula e a refinaria de Pernambuco”. Logo verão que o ex-presidente considerava (e comemorava) como sua a decisão de fazer a Refinaria Abreu e Lima, em associação e com o petróleo da PDVSA de Chávez. Era parte de sua diplomacia Sul-Sul.
Assim como leva anos para se merecer o grau de investimento, é preciso uma série de equívocos para estragar a coisa
E então: está bom ou está ruim? Ser rebaixado por uma agência de classificação de risco é certamente ruim. Mas o mundo não acabou. Nem a bolsa despencou, nem o dólar disparou. Logo, qual o problema de uma nota mais baixa?
O problema maior está justamente na formulação dessa pergunta. Assim como leva anos para se arrumar a economia de um país — e merecer o grau de investimento — também é preciso uma série longa de equívocos para estragar a coisa. Como isso acontece devagarzinho, a gente corre o risco de se acostumar com o errado. É o que está acontecendo por aqui.
A agência Standard & Poor’s (S&P) promoveu o Brasil a grau de investimento, retirando-o do grupo dos caloteiros, só em 2008, nada menos que 14 anos depois da introdução do Real e após uma série de reformas que levaram à estabilidade. O país estava então no segundo mandato de Lula, que celebrou ruidosamente a novidade. Disse que era um momento mágico e que o Brasil recebera o carimbo de país sério.
Era por aí: o prêmio pela manutenção de uma mesma política econômica ao longo de quatro mandatos presidenciais, comandados por partidos diferentes. Em 2011, já no governo Dilma, o Brasil teve uma outra promoção, passando para o nível dois de grau de investimento. Era uma recompensa pela boa sobrevivência à crise financeira global. Desta vez, o Brasil acompanhou os principais emergentes: todos reagiram bem.
Na última segunda-feira, portanto, o Brasil retrocedeu três anos. Voltou à nota de 2008, que ainda é grau de investimento, mas apenas no primeiro nível. Mais uma bobeada — ou um conjunto de bobeadas — e o país volta ao grupo dos caloteiros conhecidos.
Mas esse fato — ter a economia brasileira permanecido como investiment grade — foi o mais acentuado por muita gente. Por exemplo: a bolsa brasileira continuou no ritmo positivo — no day after do rebaixamento emplacou sete dias úteis de alta. E o dólar continuou acomodado na casa dos R$ 2 e trinta e poucos. Os juros subiram, mas só um pouco.
Mas olhem mais para trás. Nos últimos 12 meses, a bolsa brasileira sai do positivo e se mostra como tem sido: 12% de queda. Foi um dos piores desempenhos entre as principais bolsas internacionais.
Todas as medidas do risco Brasil vêm mostrando alta desde 2012. Hoje, esse risco — medido pela taxa de juros que o governo paga por empréstimos externos ou pelo seguro contra calote — é maior do que a média da América Latina e da Ásia emergente.
Isso reflete a deterioração da política econômica especialmente nos últimos três anos. Mas o que significa deterioração?
Significa que os fundamentos — aqueles que levaram ao grau de investimento — não foram jogados no lixo, mas têm sido maltratados.
Por exemplo: ainda estamos sob o regime de metas de inflação com Banco Central independente. O BC segue os rituais desse sistema praticado por quase todos os países sérios, mas... não segue. Ficou evidente que o BC reduziu a taxa básica para 7,25%, lá atrás, para cumprir uma meta política da presidente Dilma. Tanto foi um movimento sem base técnica que hoje, com a volta da inflação, o BC colocou a taxa de juros no mesmo lugar em que estava quando a presidente Dilma assumiu, em 2011. Ou seja, esse movimento do BC só causou confusão e deixou a inflação perto e até acima do teto da meta.
É tudo assim, por um lado, por outro. A meta de inflação continua sendo de 4,5%, mas qualquer coisa abaixo dos 6,5% está bom para o governo.
O governo continua colocando no orçamento as metas de superávit primário, como manda a lei de responsabilidade fiscal, um dos pilares do grau de investimento. Mas, na execução, o governo manipula os números, inventa operações para esconder a alta da dívida, faz novas promessas — e acha que todo mundo vai acreditar.
Contou com isso por um bom tempo. Só agora a S&P resolveu reduzir a nota brasileira. As outras duas agências importantes ainda não se moveram.
Resumo da ópera: a gestão da política econômica é bastante ruim, em praticamente todas as áreas, do combate à inflação à gerência do setor elétrico e da Petrobras. Por isso o risco Brasil e a S&P derrubaram a nota brasileira. Mas, como as bases institucionais da estabilidade continuam aí, entende-se que os desvios podem ser corrigidos a tempo. Daí, a manutenção do grau de investimento.
Desse ponto de vista, o rebaixamento deve ser visto como um sinal de que, antes de mais nada, a política econômica precisa voltar aos fundamentos.
CUSTO LULA
Procurem no Google “Lula e a refinaria de Pernambuco”. Logo verão que o ex-presidente considerava (e comemorava) como sua a decisão de fazer a Refinaria Abreu e Lima, em associação e com o petróleo da PDVSA de Chávez. Era parte de sua diplomacia Sul-Sul.
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