terça-feira, agosto 23, 2016

R$ 1 bilhão por dia - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 23/08

SÃO PAULO - A festa foi bonita. Mas, exceto por Munique-72 e Atlanta-96, marcados por ataques terroristas, o espetáculo olímpico é sempre bacana. O problema é o custo. E aqui fica difícil qualificar a Rio-16 de qualquer expressão mais leve do que aventura irresponsável.

Pelo quadro publicado na edição de ontem da Folha, a Olimpíada consumiu R$ 39 bilhões, dos quais R$ 17 bilhões são dinheiro público, que é o que nos diz respeito. Como foram 17 dias de eventos e competições, temos a bagatela de R$ 1 bilhão por dia. Esses são dados oficiais, então não será surpresa se ainda aparecerem mais alguns restos a pagar.

É claro que nem tudo é dinheiro jogado fora. Uma parte dos custos se refere a investimentos que ficam, como o Metrô, no qual a administração estadual colocou R$ 8,6 bilhões. A dificuldade aqui é que o governo fluminense, agora virtualmente falido, poderia ter feito uso mais sábio de tais recursos. O mesmo vale para outros legados. Será que eles eram mesmo prioridade?

Raciocínio semelhante pode ser feito para o desempenho esportivo. Como mostrou Roberto Dias na edição de ontem, o Brasil aumentou significativamente os investimentos públicos em esporte, que saltaram de R$ 2 bilhões no ciclo 2008-2012 para R$ 3,7 bilhões em 2012-16, para que obtivéssemos no Rio apenas duas medalhas a mais do que em Londres.

E, convenhamos, apoiar o alto rendimento para ganhar medalhas me parece um objetivo meio besta. Investimentos públicos em esporte deveriam estar voltados principalmente para dar condições para a população exercitar-se e motivá-la a fazê-lo, melhorando sua qualidade de vida e reduzindo as contas da saúde.

Não ignoro que organizar um evento como a Olimpíada traz ganhos difíceis de ponderar, como a melhora da autoestima nacional e da imagem externa do país. Custa-me crer, porém, que tais benefícios justifiquem o R$ 1 bilhão por dia.


Fidel Castro e a opção errada - ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR

ESTADÃO - 23/08

Endeusamento do Estado e do ditador não impedirá chegada da riqueza a Cuba



Dias atrás o mundo foi sacudido por uma notícia que parecia ter importância: o nonagésimo aniversário do ditador Fidel Castro. Em verdade, esse deveria ser um momento de tristeza universal, porque os males por ele impostos ao povo cubano só desaparecerão a partir do momento em que lá acontecer o milagre da democracia, com eleições livres e um Judiciário independente do governo.

Sem presos políticos julgados pela ditadura, sem freios sociais que impeçam a livre movimentação do povo, serão inevitáveis em Cuba o contágio e a influência da riqueza americana (a próspera Flórida está a apenas 90 km de Cuba).

As crianças cubanas desde muito cedo são submetidas a intensa lavagem cerebral destinada a mostrar que Fidel Castro é quase um deus, porque “salvou” a população cubana das monstruosidades do capitalismo e impediu que os vícios burguesia contaminassem o país. Pessoas que cresceram nesse ambiente são mesmo inclinadas a idolatrar o ditador. Mas, gradativamente, percebem-se sinais de mudanças e por isso o endeusamento do Estado e de seu ditador, com o consequente empobrecimento da população, não será suficiente para impedir a chegada da riqueza.

É incrível que o ideal comunista por mais de um século tenha contaminado até mesmo pessoas inteligentes. Tudo começou com o filósofo prussiano G. W. Hegel, atração máxima de Karl Marx.

Hegel defendia a ideia de que toda vida está em constante fluxo e o momento da criação inicia um processo que termina com a dissolução e morte. Assim, na sua visão, que ao mesmo tempo encantou e assustou parte da burguesia europeia, toda ideia (tese) é inevitavelmente contrariada por um conceito oposto (antítese) e de sua luta surge a síntese. Quando a síntese nasce e se impõe, assume a feição de tese, renovando o círculo.

O trio hegeliano tese-antítese-síntese, conhecido como tríade, expõe um processo que recebeu a denominação de dialética, palavra tantas vezes repetida, mas cujo significado grande parte das pessoas jamais entendeu direito.

O ideal comunista surgiu desse conceito, pois Hegel dizia que a dialética é o caminho que a vida segue e continuará a seguir sempre. Contaminado por esse pensamento, que foi moda em sua época, Marx defendeu a ideia de que o ideal seria introduzir na dialética o elemento luta – e, mais que isso, a sua inevitabilidade.

Enfim, a luta sempre existiu, entre o velho e o novo, com a vitória inevitável do novo. Na visão apaixonada de Marx, que contaminou as gerações e ainda hoje encontra defensores nos partidos de esquerda brasileiros, assim como o feudalismo venceu a escravidão, no curso da História o socialismo substituirá o capitalismo.

As ideias de Marx não eram nada pacifistas, porque defendia a destruição da burguesia e do capitalismo, com sua substituição pelo proletariado, culminando com o sonho de um processo social em que o Estado, tendo sido ao longo dos séculos servo da burguesia, acabaria extinto, com a implantação do comunismo.

Em alguns pontos de seu pensamento Marx pareceu prever situações que vemos em alguns países nos dias presentes. Para ele, o capitalismo é suicida e restará tão desmoralizado que a crise econômica inevitável apresentará clara feição revolucionária (parece ter acertado quando voltamos os olhos para o que aconteceu em Cuba, com Fidel Castro, e agora com a Venezuela, em ruínas).

A utopia comunista sempre foi muito sedutora, por vários motivos, mas sobretudo porque, segundo ela, a sociedade sem classes, quando for atingida, levará ao desaparecimento não só do Estado, como também das diferenças nacionais e à ausência de ódio entre os povos. Enfim, com o desaparecimento do capitalismo, as pessoas viveriam como irmãos, em que de cada um se exigiria conforme sua capacidade e a cada um se daria conforme sua necessidade.

Nada disso aconteceu, porque com o passar dos tempos se viu que a substituição do novo pelo velho, nos regimes socialistas, levou não à irmandade entre as pessoas e os povos, mas ao endeusamento do Estado, com o empobrecimento da população. Os exemplos da Alemanha comunista e da extinta União Soviética deixaram claro que a igualdade de todos, prevista por Hegel e Marx, acabou por igualar salários entre pessoas de diferentes capacidade de produção.

O resultado dessa conduta ideológica, por ser antieconômica e levar à pobreza coletiva, levou insatisfação crescente aos governados, culminando com o fim da utopia em praticamente todo o mundo. Menos afetados pelo lado ideológico, os chineses descobriram que mesmo num país governado por partido comunista o lucro não é coisa ruim.

Realmente, com sua incrível sensibilidade, na década de 1980 o líder chinês Deng Xiaoping percebeu claramente que os trabalhadores de uma fábrica, iguais em seus salários e produção, se tornavam diferentes e lucrativos para o Estado quando ganhavam um plus caso produzissem mais. Com essa perspectiva de lucros, que contaminou a massa trabalhadora, a produção chinesa cresceu ao ponto em que se encontra hoje, como segunda economia mundial. Isso a despeito de o país ser governado pelo Partido Comunista. Enfim, os chineses descobriram o lucro e que gerar riquezas, ao invés de igualar a pobreza entre todos, é o caminho para proporcionar aos governados um padrão de vida coletivo nunca antes conhecido na China.

Costuma-se dizer que Marx, ao fim de sua vida, chegou a declarar: “Eu não sou marxista”. É possível que seja verdade, mas se não for e ele estivesse vivo ainda hoje, após os despenhadeiros econômicos vividos pela extinta União Soviética, pela Alemanha Oriental e por Cuba, ele talvez reconhecesse: “Eu não disse nada daquilo”.

*Desembargador aposentado do TJSP, foi secretário da Justiça de SP. e-mail: aloisio.parana@gmail.com

Nem tudo é desgraça - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 23/08

Vamos admitir: nós, brasileiros, morríamos de medo de que fosse tudo um vexame e, antes mesmo que começasse, estávamos loucos para a Olimpíada passar logo. Pois agora estamos orgulhosos, com a sensação de que tudo deu certo e morrendo de saudade. Se tudo o que é bom acaba rápido, a Olimpíada acabou muito rápido, deixando um gostinho de “quero mais”.

Como nada é perfeito, muito menos o Brasil e o Rio, tivemos ônibus de estrangeiros apedrejado, um soldado da Força Nacional assassinado com um tiro na cabeça, um técnico alemão morto num acidente de trânsito e um festival de pequenos furtos – de carteiras, celulares, objetos pessoais. Sem falar na ciclovia que desabou, na “piscina verde” e nas críticas às condições (ou falta de) das águas cariocas e nos entupimentos da Vila Olímpica.

Todas essas coisas poderiam ter acontecido em qualquer outra parte do mundo, com exceção, talvez, do soldado vítima do tiro ao entrar por engano na Favela da Maré. Mas, dificilmente, o clima de festa teria sido tão contagiante. Logo, o Brasil tem desvantagens que não são exclusividades brasileiras, mas tem festas com muita personalidade.

Os piores temores geraram intensos debates dentro e fora do País, mas só antes do início dos Jogos. Bastou a bela e criativa cerimônia de abertura, que cativou a imprensa mundo afora, para que ninguém mais falasse ou sequer se lembrasse de atentados terroristas, de Estado Islâmico, Al-Qaeda, Aedes aegypti, zika, dengue, chikungunya e H1N1.

Negros, louros, mulatos, mulheres e homens de todos os cantos do mundo caíram na maior farra e houve até o triste episódio do norte-americano Ryan Lochte inventando uma mentira cabeludíssima só para, aparentemente, esconder da namorada que andava chegando às 7 da manhã no hotel. Mas não há notícia de epidemias, gripes, contágios.

Dentro das quadras e piscinas, o Brasil pouco evoluiu: com 200 milhões de habitantes, sol o ano inteiro, florestas, oceanos, mares, rios e cachoeiras, poderia sonhar, e sonhou, em ficar entre os dez primeiros, mas acabou em 13.º lugar, com 19 medalhas, sete delas de ouro. Com essas condições e esses anos todos para se preparar, poderia sair melhor.

Mas também é justo destacar que as nossas medalhas foram emocionantes. Rafaela Silva, no judô, Thiago Braz, com o recorde do salto em vara, Alison “Mamute” e Bruno Schmidt, no vôlei de praia, o time do Bernardinho, que começou mal, foi crescendo e levou o ouro. Tudo foi disputado, chorado, comemorado à brasileira. E o Isaquias, que sai da Olimpíada com três medalhas, direto da Bahia para o mundo? E o choro do Diego Hypólito ao ganhar a prata?

E não foi só isso. Difícil descrever o fascínio dos brasileiros diante de Usain Bolt, Michael Phelps, Simone Biles? Tudo aqui pertinho, no Rio, no Brasil. Arenas, pistas e a grande maioria das piscinas deram conta, a iluminação foi perfeita e a torcida brasileira... bem, foi a torcida brasileira.

Além disso, o Rio herda dessas duas semanas o BRT, o novo metrô, dois museus, o Porto Maravilha. O estádio aquático pode ser desmontado e instalado em comunidades carentes, parte significativa do Complexo de Marechal será delegado ao Exército, Marinha e Aeronáutica, para treinar jovens talentos e patrocinar atletas prontos.

Olimpíadas não resolvem os males nacionais, mas ajudam a sacudir positivamente a autoestima do País e a mostrar que, “yes, we can”, sim, nós podemos fazer uma festa muito bonita de abertura, receber bem milhares de estrangeiros, criar as condições necessárias para realizar os jogos mais importantes do planeta. O impeachment da primeira presidente mulher, a crise econômica, o desemprego, a Lava Jato e a desigualdade social continuam, mas a Olimpíada deixa uma nação de alma lavada, com a sensação de dever cumprido.


O Complexo de Lindbergh - KIM KATAGUIRI

FOLHA DE SP - 23/08

Lindbergh Farias (PT-RJ) causou um dano imenso ao país. E aqui não me refiro à sua vergonhosa atuação como senador da República, mas ao trauma que deixou em toda uma geração.

Símbolo das manifestações contra o ex-presidente Fernando Collor, o então ativista rapidamente se tornou o queridinho da imprensa. Apesar de, na época, ser do PCdoB e, portanto, defender ideias absolutamente retrógradas, pintaram nele a imagem de uma juventude que renovaria a política, a representação da esperança de um novo país pós-impeachment.

A ascensão política de Lindbergh Farias foi meteórica. De deputado federal para prefeito de Nova Iguaçu (RJ), de prefeito para Senador. Igualmente veloz foi o desgaste de sua imagem. Logo que entrou no Senado, seguiu a política hipócrita de seu partido, o PT, e se aliou ao seu antigo inimigo, Fernando Collor. Mais recentemente, o ex-cara-pintada e o ex-presidente se encontraram na Lava Jato, ambos alvos de inquéritos. O frescor da nova política —que seria trazida por um jovem militante comunista— mostrou ser apenas um bafo da velha politicagem.

Como bem definiu Reinaldo Azevedo, Lindbergh é um cara-pintada que virou cara de pau. Antes, liderava movimentos estudantis pelo impeachment de Collor. Hoje, além de ser aliado dele, diz que impeachment é golpe. Não há decepção maior para aqueles que o apoiaram na época, mas mantiveram a coerência e também tomaram as ruas contra o governo Dilma.

É exatamente por isso que diversas pessoas têm criticado a iniciativa de alguns líderes de movimentos de rua, como Fernando Holiday, do MBL, que está concorrendo à vereança em São Paulo. Quem foi cara-pintada e não superou o trauma Lindbergh crê que não é possível participar de movimentos de rua e atuar na política institucional sem abrir mão de todas as virtudes. Isso, na prática, é criminalizar a política. Se as virtudes e os ideais de uma pessoa não conseguem nem sequer sobreviver a uma eleição, então devemos jogar a democracia no lixo. Essa mentalidade foi genialmente batizada por um colega de movimento de "Complexo de Lindbergh".

"Ah, mas Lindbergh também era honesto, idealista, foi a política que o corrompeu!". Antes de qualquer coisa, é preciso desmentir essa história de que Lindbergh mudou. Em sua essência, ele sempre foi o que é. Já quando protestava contra Collor, era militante do PCdoB e "companheiro" de luta de Lula. Ele sempre defendeu os mesmos ideais. A única diferença é que passou de comunista revolucionário a comunista fisiológico -o que, levando-se em consideração as implicações de ser revolucionário, é um inegável avanço.

Os caras-pintadas que se decepcionaram com Lindbergh não podem ser reféns de um complexo que só beneficia aqueles que só estão na política para que a coisa pública atenda aos seus fins privados -e isso, como sabemos, inclui certos companheiros do partido de "Lindinho". Só será possível mudar se não criminalizarmos a mudança possível.

Lições dos jogos - MÍRIAM LEITÃO

O Globo - 23/08

Sem tempo para o descanso, o Brasil entra esta semana na reta final do processo de impeachment, que tem sido longo e tenso. A crise econômica permanece entre nós. Os Jogos Olímpicos se foram. Quando o fogo apagou no Maracanã, em noite de chuva e ventos fortes, o estádio fez o som de lamento. O trabalho para o sucesso da Rio 2016 continua porque é a hora de realizar o planejado e consolidar o legado.

Para que uma Olimpíada dê certo, é preciso muita estratégia, planejamento e trabalho, antes; boa execução e sorte, durante; e novo esforço, depois. Agora é a hora de confirmar o legado. A luta para evitar a repetição de Atenas, com seus equipamentos esportivos abandonados, tem que ser retomada agora, para realizar o que foi planejado e transformar arenas e ginásios em escolas, centros esportivos e de lazer. Para isso, será preciso investimento e esforço de manutenção, num país que permanece em crise fiscal.

O que o Rio ganhou é óbvio: BRT, VLT, vias expressas, túneis, uma linha de metrô, Centro renovado. O que o Rio não conseguiu também é óbvio, mas diz muito do Brasil como um todo. O país sabe que seu ponto fraco é o saneamento básico e seria maravilhoso ter despoluído as águas da Guanabara. Seria o nosso ouro olímpico e não o obtivemos. O que precisa ser feito, contudo, é muito mais difícil, amplo e desafiador do que limpar a Baía para os Jogos. Os percentuais de esgoto canalizado e tratado no Brasil são muito menores do que seria de se esperar dado o nível em que está o nosso desenvolvimento. Que esta seja uma lição a tirar da Rio 2016: ficamos envergonhados com a sujeira da Baía, mas os Jogos foram apenas por 17 dias, e essas águas sujas continuarão aqui. O investimento em saneamento básico é fundamental também pela mensagem divulgada na abertura da Olimpíada: o planeta é um só e estamos em contagem regressiva diante dos riscos da mudança climática. Neste cenário, a água é o bem precioso a se preservar. Os rios do Brasil não podem continuar sendo esgoto.

Há muitas lições a se tirar dos Jogos. O Brasil deve continuar com planos de aumentar suas medalhas olhando para todas as modalidades de esporte e não apenas aquelas que têm mais prestígio ou aquelas em que somos tradicionalmente bons. A canoagem não parecia estar em nenhuma dessas categorias, mas na manhã do sábado a Lagoa lotada de brasileiros torcia para a dupla Isaquias e Erlon. Cada esporte pode ser destaque se houver investimento. Uma potência olímpica se faz com preparação de todas as modalidades.


A lição das Forças Armadas é a de dar ao atleta um apoio de vários anos, mas este é apenas um dos programas dos militares. É preciso manter o que está dando certo, ampliando o trabalho de criação de mentalidade esportiva entre as crianças em projetos como o que acolhe 21 mil crianças em treinamentos no “contraturno”, ou seja, no período em que não estão em aulas.

É fundamental que dentro das escolas seja incentivada a prática de esportes, não para criar atletas mas para preparar para a vida. A luta de proteção dos jovens tem nos esportes e nas artes aliados fortes como temos vistos nos casos que se destacam. O de Rafaela Silva no Projeto Reação é um exemplo.

O Brasil atraiu menos turistas do que poderia porque houve uma sucessão de temores, alguns, fundados, outros, frutos do pessimismo que cercou a realização dos Jogos num país que vive crise política, recessão econômica e ainda teve surtos de doenças graves. Mesmo assim, o resultado de fortalecer o Brasil como destino de turismo pode ser capitalizado se houver um trabalho em cima do que deu certo na Olimpíada do Rio. Nada virá por gravidade, mas o turismo brasileiro é subdimensionado e precisa de visão estratégica.

Não foi o jeitinho brasileiro, mas sim o trabalho que permitiu o sucesso. Mas a superação do inesperado sempre exigirá o improviso. Na cerimônia de encerramento, ele foi necessário. O cano de onde saiu Mario Bros, ou melhor, o primeiro ministro Shinzo Abe, danificou o piso do Maracanã, que foi forrado de madeira pintada de branco para permitir a projeção. Quem viu, prendeu a respiração diante do esforço silencioso e, na penumbra, executado pelos trabalhadores para consertar os danos, enquanto rolavam os discursos. Deu certo e a festa continuou.

Autoridade supranacional para a hidrovia - RUBENS BARBOSA

ESTADÃO - 23/08

Uso da malha fluvial poderia reduzir entre 40% e 60% o custo da movimentação de carga


A Hidrovia Paraná-Paraguai poderia transformar-se no projeto síntese da integração regional, beneficiando cinco países – Bolívia, Paraguai, Uruguai, Argentina e Brasil. Se plenamente utilizada, poderia ampliar a competitividade internacional do agronegócio e abriria perspectivas de investimentos não só no setor agrícola e agroindustrial, mas também no de minerais.

As dificuldades que cercam o aproveitamento pleno da hidrovia são resultado da baixa prioridade atribuída pelo poder público ao transporte fluvial, que tanto contribuiu para o rápido desenvolvimento de vastas regiões nos Estados Unidos e na Europa. No momento em que se fala em melhorar a competitividade do Brasil, o uso da malha fluvial poderia reduzir entre 40% e 60% o custo da movimentação de carga para grãos e minérios.

O descaso crônico em relação a esse meio de transporte é responsável pelas grandes dificuldades que hoje existem para o aproveitamento das hidrovias: insuficiência de recursos, infraestrutura, conflitos na utilização das águas (a construção de hidrelétricas sem eclusas), as questões ambientais, jurídicas e burocráticas, a ausência de uma política de investimentos e logística deficiente.

Governo e setor privado deveriam trabalhar juntos para modificar essa situação e transformar a Paraná-Paraguai em fator significativo para o escoamento da crescente produção agrícola e de atração de investimento para a hidrovia e para o setor produtivo agroindustrial e mineral. O equívoco de não pensar estrategicamente pode ser corrigido se o governo brasileiro criar as condições políticas para atender às futuras necessidades de transporte e escoamento desses produtos.

Uma das razões das dificuldades de enfrentar os problemas que existem para um melhor aproveitamento da Hidrovia Paraná-Paraguai é o tratamento que se dá ao assunto nos cinco países. A Comissão Intergovernamental da Hidrovia, órgão responsável pelo acompanhamento dos assuntos técnicos da hidrovia, ocupa o terceiro nível burocrático nos Ministérios dos Transportes e de Relações Exteriores dos cinco países. Será necessário elevar o nível administrativo desse assunto por meio de reuniões regulares de nível ministerial para examinar os principiais temas de interesse dos cinco países. Com isso estará sendo dado um passo importante para tratar os assuntos da hidrovia com viés político, e não apenas técnico.

Estudos recentes do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan), órgão da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), e do Ministério do Planejamento do Brasil dispõem de dados atualizados sobre o transporte de carga e sobre as obras para melhorar a navegabilidade e seus custos, para corrigir o curso da hidrovia, para aprofundar o calado de seu leito; e também sobre os impactos ambientais do pleno aproveitamento da hidrovia, sobretudo no Pantanal.

A responsabilidade, até aqui, pelo atraso no aproveitamento pleno da hidrovia deve ser repartida entre os cinco países, que tratam de forma burocrática questões relevantes como investimentos, meio ambiente e o uso da hidrovia. Como forma de superar essa dificuldade, chegou o momento de os cinco países darem conjuntamente séria consideração ao estabelecimento de uma autoridade supranacional para gerir a hidrovia, a exemplo do que ocorre na Europa com o Danúbio e o Reno; e nos EUA, com o Mississippi. O governo brasileiro, por intermédio do Itamaraty, já sinalizou sua disposição de avançar nesse sentido.

Existindo vontade política, a criação dessa autoridade retiraria das burocracias governamentais o tratamento do assunto e integraria de forma natural o setor privado na discussão e na solução das dificuldades que sempre existirão. Para tanto seria crucial obter, no Brasil, o respaldo político dos governos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e da Frente Parlamentar das Hidrovias da Câmara dos Deputados. Em nível técnico, seriam importantes a abertura de amplo diálogo entre os governos estaduais, o Ministério Público e o Judiciário para a busca de soluções alternativas para os impasses jurídicos existentes; e o entendimento com o Ministério do Meio Ambiente para o estabelecimento de referências para a análise do aproveitamento de rios navegáveis no transporte de mercadorias.

A plena utilização da Hidrovia Paraná-Paraguai, se efetivamente incluída entre as prioridades do governo, seria uma realização de grande visibilidade e ressaltaria concretamente a prioridade que o Brasil atribui à integração sul-americana, já que beneficiaria os cinco países por onde passa. O setor privado e o governo deveriam voltar suas atenções para a Hidrovia Paraná-Paraguai, que pode transformar-se em verdadeiro símbolo de integração da América do Sul e ser um marco no processo de privatização sul-americano.

Para tanto deveria ser dado tratamento político aos temas da hidrovia por meio de reuniões ministeriais (Transportes e Relações Exteriores), adicionalmente às reuniões técnicas da Comissão Interministerial da Hidrovia (CIH) com o objetivo de:

-Ajustar, no que couber, inclusive tornando-o permanente, o acordo de transporte fluvial pela Hidrovia Paraguai-Paraná (Porto de Cáceres-Porto de Nueva Palmira) da Aladi (7/7/1992)

-Discutir e aprovar a criação de uma autoridade supranacional que, a exemplo do que ocorre nos Rios Danúbio, Ródano e mesmo no Mississippi, seria responsável pela operação de todos os aspectos relacionados com o transporte fluvial na hidrovia (incluída a questão dos investimentos).

Num projeto desse porte, a vontade política é crucial para poder emendar o Acordo de Transporte Fluvial, a exemplo do que foi feito na Europa na convenção sobre regime de navegação no Danúbio, em Belgrado, em 18/8.1948.

*Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

Primeira vez - BERNARDO MELLO FRANCO

FOLHA DE SP - 23/08

A tocha olímpica mal se apagou e a Lava Jato voltou a incendiar o noticiário. A Procuradoria-Geral da República interrompeu as negociações com Léo Pinheiro, o ex-presidente da OAS. Ele acenava com uma delação capaz de implodir boa parte do sistema político.

O empreiteiro sugere ter dinamite para abalar todas as facções em guerra pelo poder. Até ser preso, ele era próximo de altos personagens do governo afastado e do interino. Também circulava na cúpula do Judiciário, uma zona de sombra que começa a ser iluminada pela investigação.

Pinheiro já deu pistas sobre Lula, Michel Temer e Aécio Neves, para citar apenas três políticos graúdos que orbitam sua delação. Ele participou das obras no sítio de Atibaia, negociou um repasse de R$ 5 milhões com o presidente interino e relatou o suposto pagamento de propinas na maior obra do tucano em Minas.

Os três citados negaram qualquer irregularidade, e o ônus das provas cabe ao empreiteiro, que ainda precisaria apresentá-las. O que importa aqui é mostrar como sua rede de contatos era ecumênica -e por isso, tornou-se especialmente explosiva.

Agora surgiu um fato novo: a revista "Veja" noticiou que Pinheiro citou o ministro Dias Toffoli, do STF, em conversas para fechar a delação. A menção parece frágil à primeira vista, mas elevou ao máximo a tensão entre a corte e os investigadores.

Sob forte pressão, a Procuradoria anunciou nesta segunda (22) que a negociação com o empreiteiro foi interrompida. Fontes da operação alegam que o motivo foi a quebra de confidencialidade. Ao evitar uma explicação pública, a Lava Jato jogou água no moinho de especulações.

Há diversas teorias na praça, mas nenhuma delas pode driblar um fato concreto. É a primeira vez que o vazamento de informações é usado como motivo para melar um acordo de delação. As acusações de Delcídio do Amaral, Sérgio Machado e Ricardo Pessoa jorraram à vontade antes de os três se livrarem da cadeia.


Decisão controvertida - MERVAL PEREIRA

O Globo - 23/08
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, está sendo instado a mudar a decisão de cancelar as negociações da delação premiada do ex-presidente da empreiteira OAS Léo Pinheiro, transformando-a em uma suspensão temporária, enquanto novas regras são negociadas.

Janot irritou-se com o vazamento de partes da delação na revista “Veja”, em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli aparece, numa sugestão de acusação que apenas se insinua, segunda a própria reportagem.

O ministro teria consultado o empreiteiro a respeito de infiltrações em sua casa, que sugeriu uma empresa para tratar do caso. Ambos afirmam que foi Toffoli quem pagou o conserto, mas na reportagem há insinuações de que, se o ex-presidente da OAS citou esse caso, é porque indicava ter mais coisas a contar.

A reforma da casa do ministro do STF é citada lateralmente na reportagem, dando a entender que, na delação definitiva, Léo Pinheiro poderia revelar que a empreiteira fez a obra. Por enquanto, porém, não há essa acusação direta ao ministro, o que torna inexplicável sua citação no contexto da delação premiada da empreiteira.

O que chamou a atenção na decisão de Janot é a sua originalidade, pois diversas vezes houve vazamentos de informações sobre delações premiadas, e em nenhum momento o Ministério Público tomou medida tão radical.

Por isso mesmo, a decisão do procurador-geral está provocando uma onda de boatos em Brasília, o principal deles sobre uma possível ação de ministros do Supremo pressionando o Ministério Público no sentido de invalidar a delação, para que o STF não fique exposto publicamente.

Não parece razoável, no entanto, que essa pressão tenha partido do próprio Supremo, pois prejudicaria mais a imagem da instituição do que o envolvimento de um de seus ministros em acusações vagas que até o momento não se revelam consistentes a ponto de justificar investigações.

Vários ministros se mostraram surpresos com a decisão intempestiva de Janot, sem entender o que realmente a motivou. Atribui-se a decisão ao sentimento do procurador-geral de que pessoas ligadas a Léo Pinheiro tenham vazado a informação, mesmo incipiente, para obrigar o Ministério Público a aceitar a delação nos termos em que o empreiteiro deseja.

Há, ao contrário, quem atribua aos próprios procuradores da Lava-Jato a divulgação dessa acusação com vistas a atingir o ministro Dias Toffoli, que deu um habeas corpus para soltar o exministro Paulo Bernardo, acusado de ter desviado dinheiro do crédito consignado, na época em que era ministro do Planejamento.

A decisão foi duramente criticada em artigo na “Folha de S. Paulo”, assinado pelos procuradores que atuam na Lava-Jato Carlos Fernando dos Santos Lima e Diogo Castor de Mattos. Os dois acusaram Toffoli, com linguagem irônica, de ter ignorado “duas instâncias inferiores, os juízes naturais competentes”, criando “o foro privilegiado para marido de senadora”.

O fato é que, em ambos os casos, como em outros anteriores, as motivações do vazamento mereciam ser investigadas. A medida mais consequente teria sido abrir uma investigação para saber de onde veio o vazamento, e a quem ele beneficia, e não anular a delação.

Mesmo porque, se o réu quiser mesmo fazer a delação, ele pode fazê-la diante de um Juiz, que não terá como se negar a ouvi-lo. Essa é uma situação que constrange todos os envolvidos, a começar pelo Ministério Público, e que terá que ser esclarecida para que as investigações, e o próprio instrumento da delação premiada, não fiquem sob suspeita.

O rival de Paes - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 23/08

Na cidade remodelada, com saúde, transporte e habitação insuficientes, emergiu uma nova liderança. O problema do prefeito é a paixão pela própria imagem no espelho


Aconteceu na primavera de oito anos atrás. O Rio acabara de passar à fase final da disputa para sediar a Olimpíada de 2016 com Chicago (EUA), Tóquio (Japão) e Madri (Espanha).

A delegação do Brasil foi comemorar num restaurante aos pés da Acrópole de Atenas — obra simbólica da modernidade da Grécia do século V, antes de Cristo, erguida por Péricles, um democrata reformador, sob influência da mulher Aspásia de Mileto, e com ajuda do escultor Fídias, cuja empreitada foi marcada por acusações de desvio de verbas.

À mesa sentaram-se burocratas olímpicos, ministros do governo Lula, o governador Sérgio Cabral e o prefeito Cesar Maia, ladeado pelo então secretário estadual de Esportes Eduardo Paes. “Era um fim de tarde maravilhoso”, recorda uma testemunha. A vitória do Rio na seleção para a final cicatrizava feridas políticas. Maia e Paes, por exemplo, degustavam cervejas gregas como se não houvesse um passivo sobre a mesa: num flerte com a soberba, o prefeito vitorioso em três eleições vetara o secretário de Esportes na disputa sucessória.

Maia liderava o DEM e costurara um acordo com o PMDB excluindo Paes. O prefeito, à época com 63 anos, apostava na eleição de quatro meses à frente como trampolim para a disputa presidencial dois anos depois. Esse acordo durou até às vésperas da viagem a Atenas. Foi quando o PMDB de Cabral trocou o DEM de Maia pela aliança com o PT de Lula. O candidato passou a ser Alessandro Molon (hoje na Rede).

Cervejas gregas não são boas, concordaram Maia e Paes, que logo passaram ao inevitável — mágoas e eleições. Maia falou sobre lealdades na política. Mencionou a “entrega” da cabeça de Paes pelo PMDB. Ele conteve uma reação da mulher, Cristine, e lembrou a Maia que podia esperar, tinha apenas 39 anos.

De madrugada, no hotel em Atenas, Maia foi surpreendido por notícias sobre o rompimento do acordo PMDB-PT, seguido pelo anúncio da candidatura de Paes. Lula avalizava, optando por rifar “esse Molon” — como habitualmente se referia ao seu candidato no Rio.

Oito anos depois, Maia é vereador e Paes é prefeito, em segundo mandato, de uma cidade olímpica orgulhosa por ter limpado a poeira do cartão-postal. Por trás do legado, visível numa metrópole esteticamente remodelada para os Jogos, mas ainda deficiente em transportes, saúde e habitação, consolidou-se no Estado do Rio uma nova liderança política.

Paes deverá ser o mais influente eleitor no embate municipal, em outubro, a bordo de duas candidaturas — a do PMDB é mais visível—, e de uma virtual aliança com o PSDB, na qual se ajeita o DEM, com tempo de propaganda superior à soma dos adversários. O prefeito anuncia que planeja disputar o governo estadual em 2018.

É, hoje, o pré-candidato com maior viabilidade. E é, também, o mais volátil. Frequentemente se deixa atropelar pela presunção e intolerância à crítica. Num exemplo recentemente, sugeriu a moradores/eleitores insatisfeitos que se mudassem do Rio e definiu a cidade vizinha de Maricá como “uma merda de lugar”.

Do antecessor Maia, herdou a paixão pela própria imagem no espelho. Por isso, o maior rival político de Paes continua sendo ele mesmo.

A prova de fogo do teto do gasto - EDITORIAL GAZETA DO POVO

GAZETA DO POVO - PR - 23/08

Governo precisa demonstrar capacidade de negociação para aperfeiçoar projeto que estipula teto para o gasto público



Teve início efetivamente nesta segunda-feira (19) o que será o primeiro grande teste político do governo Michel Temer. A proposta de emenda constitucional que cria um teto para o gasto público começou a ser avaliada por uma comissão especial do Congresso. Sua tramitação, importante para dar respaldo legal ao ajuste fiscal, deve ocorrer ainda neste segundo semestre. Sem um plano alternativo, a equipe econômica depende dessa PEC para confirmar a rota de recuperação da economia.veja também
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Nos primeiros 100 dias de gestão, Temer teve uma relação ambígua diante do Congresso. Fez diversas concessões que não combinavam com o momento de austeridade fiscal, mas esse movimento foi interpretado como um preço a ser pago pela interinidade. Na tramitação da PEC do teto do gasto, a situação será outra. O governo, confirmado o impeachment de Dilma Rousseff pelo Senado, não será mais interino e dependerá do ajuste fiscal para tocar outras demandas do país.

O projeto enviado ao Congresso prevê que os gastos públicos serão corrigidos apenas pela inflação do ano anterior, uma variável independente do crescimento da receita. No médio prazo, esse instrumento permite que o déficit público caia na medida em que a arrecadação pública cresça mais do que a inflação. A expectativa é que se produza superávit primário dentro de quatro anos se essa regra for seguida.

O mérito da proposta é que ela impõe à União uma disciplina fiscal rígida o suficiente para ser crível no longo prazo. Ela permitiria ao governo escapar de vinculações que o obrigam a gastar percentuais fixos da receita com algumas áreas, abrindo o espaço fiscal necessário para a dívida pública cair.

A ideia, no entanto, tem pontos fracos. O primeiro é sua vulnerabilidade política. As vinculações de receitas, por mais incongruentes que sejam com a boa gestão fiscal, refletem anseios fortes o suficiente para terem se tornado lei. Além disso, o plano precisa necessariamente ser casado com a reforma da Previdência. Isso porque o gasto previdenciário não pode ser limitado à inflação do ano anterior por estar sujeito a fatores fora do controle do governo. Sem uma reforma, há risco de outras áreas perderem muitos recursos para que seja respeitado o teto de gastos proposto na PEC.

Há um terceiro problema. Imposto por muito tempo, o teto de gastos pode tornar o Estado menor do que deve ser. Em um prazo acima de oito ou dez anos, quando o país já tiver recuperado sua capacidade de entregar superávits primários, a correção do gasto pela inflação fará o governo perder uma parcela significativa de sua receita em relação ao PIB. Levada por muito tempo, essa situação poderia limitar de forma desnecessária a capacidade de atuação do governo.

Diante da urgência de se reverter a trajetória das contas públicas, é realmente necessário um instrumento poderoso e com ampla abrangência como o proposto pelo governo. Ele precisa ser aperfeiçoado para permitir uma reavaliação de seus resultados ao longo dos anos e para que seja flexibilizado em momentos de necessidade, desde que não esteja ameaçada a trajetória de queda da dívida pública.

A maior dificuldade para Temer será o fato de não possuir um plano alternativo. Por isso esta será a prova de fogo para ele demonstrar que é capaz de defender com propriedade suas propostas, aperfeiçoando o texto original no processo. Ao Congresso cabe encarar de frente sua responsabilidade central de colocar as contas públicas em ordem. Se não houver consenso para este projeto avançar, os parlamentares terão de apresentar alguma solução que entregue resultado semelhante.

O último ato - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - RS - 23/08


Nove meses depois da abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara, o Senado começa nesta semana o julgamento final da mandatária afastada, para encerrar um momento delicado da história do país, marcado por uma profunda crise política, social, econômica e moral. Ainda que as acusações oficiais sejam de difícil compreensão, todo o Brasil sabe que o julgamento é prioritariamente político. A presidente está sendo impedida de governar muito mais devido à complacência de seu governo com os desvios da Petrobras e a sua incapacidade de superar a crise econômica, em boa parte devido à falta de um mínimo de diálogo com o Congresso, indispensável para a aprovação de medidas emergenciais, do que pelas irregularidades fiscais apontadas.

É importante reconhecer nesse processo que, por contradições inerentes à política, muitos dos responsáveis pelo julgamento no Congresso estão envolvidos de alguma forma nas acusações da Lava-Jato. A presidente optou por fazer sua própria defesa perante os legisladores insistindo em não ter cometido crime, mas as acusações que pesam contra ela não podem ser desconsideradas. Afinal, envolvem o uso abusivo das finanças públicas com interesses eleitorais, com a edição de três decretos de créditos suplementares sem autorização do Congresso e as chamadas pedaladas fiscais, que consistem em atraso deliberado nos pagamentos da União para bancos públicos.

O importante, nesse doloroso processo de impeachment, é que os trâmites sejam efetivados e concluídos rigorosamente de acordo com a lei e com a Constituição. É o que vem sendo feito até agora, com amplo direito de defesa para a acusada e vigilância atenta das instituições democráticas.

Teto de gastos é um divisor de águas para o país - EDITORIALO GLOBO

O Globo - 23/08

Limitar a evolução de dispêndios à inflação do ano anterior é medida lógica para acabar com o desvario de se permitir o crescimento autônomo de despesas


Confirmados os prognósticos para o julgamento do impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff, Michel Temer terá de enfrentar, logo em seguida, a decisiva agenda legislativa do teto para os gastos públicos. Não será fácil esta batalha, crucial para a estabilização do país e, por decorrência, o governo. A aprovação da emenda constitucional é chave para que as despesas públicas reduzam o ritmo de crescimento, e mude a percepção real de que o Tesouro ruma para a insolvência (default).

O conceito do teto é simples e lógico, para este momento crítico do país no lado fiscal da economia: as despesas primárias (exceto os juros da dívida) só serão ampliadas, durante nove anos, para compensar a inflação do período anterior. Ou seja, não haverá crescimento real. A medida é imprescindível porque essas despesas têm crescido sistematicamente mais que a inflação e o próprio PIB, numa marcha batida para um calote na dívida pública. E é por isso que a carga tributária no Brasil — aproximadamente 36% do PIB, antes da crise — não parou de subir. Desde o início da era tucana, 1994, aumentou cerca de dez pontos percentuais de PIB.

Os mecanismos suicidas que fazem despesas subirem mesmo quando cai a arrecadação ficaram mais visíveis com a crise deflagrada pelo lulopetismo para reeleger Dilma. Por este motivo, a participação da dívida no PIB está em alta, aproxima-se de alarmantes 80%, tendendo ao infinito, caso nada seja feito.

Efeitos negativos para o país já ocorrem na forma de rebaixamentos da nota de risco do Brasil e suas empresas. Sinônimo de juros mais altos em empréstimos externos e recuos em investimentos de fora no setor produtivo, o que significa menos empregos.

A dificuldade está em aprovar esta Proposta de Emenda à Constituição (PEC) numa Câmara onde, como já se viu, corporações de toda ordem atuam com desenvoltura. E é sabido que as demandas somadas das corporações — servidores públicos, sindicatos etc. — ultrapassam o próprio PIB. E foi para atender a corporações que se engessou o Orçamento de tal forma, com vinculações de despesas, que é ínfima a parcela de livre movimentação pelo administrador público. É assim com a Saúde e a Educação.

Há, ainda, a indexação de inúmeros gastos ditos sociais ao salário mínimo, cuja fórmula de reajuste o elevou acima da inflação até há pouco tempo. Isso ajudou a aproximar o INSS de uma explosão. O que já aconteceu em estados e municípios.

A PEC requer no mínimo três quintos dos votos na Câmara (308 deputados) para ser aprovada, em dois turnos de votação. Não parece fácil, mas precisam ser obtidos, a fim de interromper a marcha rumo à debacle fiscal.

E nem sequer é grande o sacrifício, porque os gastos continuarão a ser feitos, apenas no ritmo da inflação. A crise fiscal é tão séria que esta simples medida será capaz de melhorar as expectativas com relação ao Brasil.


A indústria e a lição dos erros - EDITORIAL ESTADÃO

ESTADÃO - 23/08

Progresso econômico para valer, sem o risco de mais um voo de galinha, só será possível se o governo tiver aprendido as lições da crise



Progresso econômico para valer, sem o risco de mais um voo de galinha, só será possível se o governo tiver aprendido as lições da crise – pelo menos em grau suficiente para evitar a repetição dos piores erros cometidos entre 2010 e 2015. Um dos enganos mais graves foi a política de estímulos fiscais e financeiros a setores e grupos, com enorme desperdício de dinheiro, desastrosa sangria do Tesouro e grave perda de produtividade e competitividade. A economia brasileira será mais segura, se a primeira reação do presidente Michel Temer, ao ouvir a expressão “política industrial”, for de cautela e até desconfiança.

Entre 2012 e 2015 a produção da indústria brasileira só cresceu em um ano (2013), apesar dos muitos estímulos oficiais e do protecionismo aduaneiro. Para o setor manufatureiro a recessão começou no meio do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, continua neste ano e, por todas as projeções, só será substituída por uma leve reativação em 2017.

As pressões para o governo manter pelo menos em parte os mecanismos de proteção nunca cessaram e tendem a intensificar-se. “Precisamos abrir, mas tem de ser uma abertura gradual”, disse em São Paulo, num evento setorial, o presidente da associação nacional das montadoras de veículos (Anfavea), Antonio Megale. Ele admitiu a necessidade de uma liberalização do mercado, até por causa de contestações na Organização Mundial do Comércio (OMC). Mas é preciso, acrescentou, reduzir apenas de forma escalonada o mecanismo de proteção, reforçado em outubro de 2012 pelo programa Inovar Auto.

É preciso, no entanto, ir muito além da eliminação das tarifas comuns do Mercosul. É indispensável enterrar o acordo automotivo com a Argentina, um pacto de mediocridade alterado várias vezes, ainda em vigor e cômodo para os envolvidos, apesar de seus defeitos.

É essencial multiplicar acordos comerciais e ir muito além de pactos automotivos. O terceiro-mundismo dos governos petistas manteve o Brasil fora dos acordos celebrados em todo o mundo, nos últimos 15 anos. Isso limitou a participação brasileira nas cadeias internacionais de produção e contribuiu para a perda de competitividade. Muitos aceitaram essa política, aparentemente mais atraídos pela acomodação do que temerosos da atrofia.

No ano passado – só para citar um exemplo – as desonerações custaram ao Tesouro Nacional R$ 103,26 bilhões. Apesar desse e de outros benefícios, a produção industrial foi 8,2% menor que a de 2014. Nesse ano, as desonerações equivaleram a R$ 99,42 bilhões, em valores atualizados para dezembro de 2015. Enquanto isso, a produção da indústria foi 3% menor que a de 2013. Em 2013, havia aumentado parcos 2,1%, depois de uma queda de 2,3% em 2012. Em todos esses anos houve incentivos fiscais ao consumo de vários tipos de produtos – com destaque para automóveis e equipamentos domésticos – e muito crédito.

A conversão da Petrobrás em instrumento de política industrial foi particularmente danosa. A exigência de uma parcela mínima de componentes nacionais no material comprado pela estatal aumentou seus custos e, portanto, diminuiu sua capacidade de investir. Os estragos foram causados também pelo controle de preços de derivados e, é claro, pela ampla pilhagem realizada à sombra da política petista, como tem mostrado claramente a Operação Lava Jato. Mas a política industrial associada ao petróleo já causaria, sozinha, enormes prejuízos à Petrobrás e à economia nacional.

O apoio financeiro a campeões escolhidos pelo governo já foi em boa parte dissecado. Ineficiente e custoso, esse tipo de ação foi um componente importante da política industrial.

O caminho indicado pelo bom senso e pela experiência é o da chamada política horizontal, com benefícios para todos os setores. Envolve itens como investimentos em infraestrutura, boa política educacional, impostos mais funcionais, eficiência do gasto público e inflação baixa. Tudo isso tem dado certo em dezenas de países. Mas envolve seriedade e competência e reduz o espaço para a malandragem barata.