quarta-feira, fevereiro 28, 2018

O drama dos venezuelanos no Brasil - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 28/02

Os venezuelanos que fogem para a Colômbia ou para o Brasil são autênticos refugiados, e deveriam ser oficialmente reconhecidos como tais


O número de venezuelanos que cruzam a fronteira com o Brasil aumentou drasticamente nos últimos meses, coincidindo com a deterioração total das condições de vida no país governado ditatorialmente por Nicolás Maduro. Hiperinflação e escassez de alimentos e artigos de higiene levam inúmeras famílias à miséria, e aqueles que têm condição de deixar o país não hesitam em fazê-lo. Colômbia e Brasil são os destinos favoritos pela proximidade, e Boa Vista, capital de Roraima, já recebeu cerca de 40 mil venezuelanos, aumentando a população da cidade em mais de 10%. O governo brasileiro publicou, no início deste ano, uma medida provisória e dois decretos sobre a assistência emergencial aos venezuelanos, reconhecendo a “crise humanitária” na Venezuela e instaurando um Comitê Federal de Assistência Emergencial. Os textos, no entanto, são pouco claros em relação a como tratar, na prática, esses imigrantes.

Os venezuelanos que fogem para a Colômbia ou para o Brasil são autênticos refugiados, e deveriam ser oficialmente reconhecidos como tais. Ainda que a maioria deles não seja o que consideraríamos “perseguidos” pela ditadura bolivariana, como pessoas com atuação pública de oposição ao regime – o que faria delas um alvo claro da repressão e justificaria não só a condição de refugiado, mas também de asilado político –, a Lei 9.474/1997, que a atual Lei de Migração reconhece como o marco legal que deve ser observado em relação a refugiados, inclui nesta categoria todo aquele que, “devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”. Ora, diante de uma ditadura que deixa seu povo sem alimento, criando uma situação na qual falta o básico nos hospitais e crianças subnutridas morrem de fome, qualquer pessoa, ainda mais quando é responsável por uma família, buscaria deixar semelhante inferno. Se consideramos refugiados os que fogem de guerras civis no Oriente Médio por quererem apenas sobreviver, não temos como negar esse mesmo status aos venezuelanos que fogem da fome e da miséria provocadas pelo bolivarianismo.

Não há motivo algum para temer o influxo de venezuelanos

Dar essa possibilidade aos venezuelanos é uma forma de lhes recuperar a dignidade. Isso porque, assim que um indivíduo faz a solicitação de refúgio para si e seus familiares, recebe um protocolo que permite sua permanência no Brasil, com emissão de uma carteira de trabalho provisória, dando a essa pessoa a chance de exercer trabalho remunerado de acordo com as leis brasileiras. E é isso que os venezuelanos querem: poder sustentar dignamente a si mesmos e aos seus, algo que na Venezuela já se tornou impossível pela aguda deterioração da economia. Entre permanecerem amontoados em Roraima, em condições nem sempre dignas (mas ainda melhores que as encontradas em seu país de origem), e tentarem uma vida melhor em outras regiões do Brasil, não há por que acreditar que os venezuelanos não optariam pela segunda alternativa. A sociedade civil tem um papel fundamental na inserção dessas pessoas e suas famílias: igrejas, entidades assistenciais e do setor produtivo são redes que podem ajudar na busca por emprego e realocação.

No entanto, a crise humanitária escancarou uma deficiência do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), que em 2017 recebeu quase 34 mil pedidos de refúgio, sendo metade deles de venezuelanos. O órgão não tinha escritório em Roraima, e foi socorrido pelo Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur), que abriu representações em Boa Vista e em Manaus (AM). Para contornar esse problema, o governo brasileiro tem preferido a concessão de residência temporária de dois anos, aplicável a cidadãos de países que fazem fronteira com o Brasil, mas não integram o Acordo de Residência do Mercosul – é o caso da Venezuela. Essa possibilidade existe desde março de 2017, por meio de uma resolução normativa do Conselho Nacional de Imigração. Já a Lei de Migração, sancionada em maio de 2017, ainda prevê o “visto temporário para acolhida humanitária”, mas que depende de regulamentação.

Ocorre que, para conseguir a residência temporária, o venezuelano precisa abrir mão da solicitação de refúgio. É uma escolha delicada: por um lado, a opção pelo status de refugiado, cujos direitos e deveres estão mais claramente estabelecidos, pode levar anos; por outro, a residência temporária é concedida rapidamente, mas tem uma situação jurídica ainda nebulosa – a resolução normativa de 2017, por exemplo, nada diz sobre a possibilidade de emissão de carteira de trabalho para os detentores da residência temporária. Por isso, na impossibilidade de reforçar a estrutura do Conare para processar mais rapidamente as solicitações de refúgio, a alternativa ideal seria melhorar a regulamentação do visto humanitário e da residência temporária, especialmente no que diz respeito à possibilidade de exercer trabalho remunerado no Brasil, para que não fiquem lacunas e os próprios venezuelanos, bem como seus potenciais empregadores, tenham mais segurança a respeito do que podem ou não fazer.

Não há motivo algum para temer o influxo de venezuelanos: são pessoas que estão fugindo de um regime assassino, em busca de uma chance; não vêm para causar encrenca, nem para alterar fundamentalmente a ordem local (o que é o temor de muitos europeus a respeito dos fluxos de refugiados dos últimos anos); muitos deles são trabalhadores qualificados e, quando o bolivarianismo cair e a democracia retornar à Venezuela, permitindo que as pessoas voltem a viver dignamente, boa parte certamente regressaria à terra natal. A “acolhida humanitária”, descrita na Lei de Migração como um dos princípios e diretrizes que regem a política migratória brasileira, não pode ser apenas palavreado vago: precisa ser concretamente aplicada. Os venezuelanos que fogem do socialismo chavista precisam ser acolhidos como qualquer um de nós gostaria de sê-lo se tivesse de deixar o Brasil caso nosso país vivesse uma destruição semelhante àquela promovida pelo bolivarianismo.


Em defesa do Código Florestal - ALDO REBELO

O Estado de S.Paulo - 28/02


Mapa de equilíbrio estratégico entre a exploração e a conservação da natureza, o Código Florestal Brasileiro, aprovado pelo Congresso Nacional em 2012, no mais amplo debate legislativo desde a Constituição de 1988, ainda sofre nos tribunais a perseguição de correntes que criminalizam a agricultura. A elas não importa que o Brasil utilize apenas 7,6% de seu território continental para a produção de alimentos, ante 18% nos EUA e até 65% na Europa. Nem levam em conta que somos o país que mais preservou sua mata nativa, mantendo de pé 66% da vegetação original de seus 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Importa caracterizar-nos como predadores.

Vale destacar que o Código Florestal foi celebrado na Conferência do Clima, em Paris, como fiador dos compromissos brasileiros para as metas de redução das emissões de carbono. Nas audiências públicas realizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), representantes do Ministério do Meio Ambiente apresentaram a lei como o instrumento capaz de oferecer proteção aos agricultores e à natureza.

O jogo bruto é travado, de um lado, por um movimento ambiental bem-intencionado, mas mal informado, e, de outro, por grupos extranacionais que pregam a redução da área cultivada para favorecerem a exportação de seus produtos agropecuários, com os quais concorre o nosso agronegócio.

Ignorando o pacto tecido arduamente no Congresso, com apoio dos principais partidos do governo e da oposição, esses grupos recorreram ao STF para que vários artigos do código sejam declarados inconstitucionais. Seu breviário é um ambientalismo faccioso, que extrapola a necessária e indispensável proteção que a todos nos cabe garantir ao planeta. Mas desdenham da importância histórica, social e econômica da agropecuária e a estigmatizam como o cavalo de Átila, que não deixava nascer grama onde passava. A rigor, em cinco séculos de trabalho duro o agricultor soube preservar a natureza e destina boa parte da propriedade à proteção do meio ambiente.

Na Amazônia, a exigência da reserva é de 80% da propriedade. Mas em Roraima o total das áreas de conservação e terras indígenas chega a 66% da superfície estadual, sobrando apenas 7% para a agropecuária. Por isso reduzimos as exigências. Esse foi um caso em que, na elaboração do Código Florestal, consideramos, como deve ser próprio das leis, peculiaridades da diversa realidade nacional.

O código de 2012 manteve o espírito conservacionista que distingue o Brasil como país pioneiro na proteção de recursos naturais essenciais, como as florestas e a água. A tradição já vinha das propostas do patriarca José Bonifácio no século 19 e figurou nos códigos de 1934 e de 1965, além da rígida lei de proteção da fauna promulgada em 1967. O zelo ambiental bem calibrado não impediu o excepcional desenvolvimento do agronegócio, que em anos recentes se tornou tecnologicamente avançado e viga mestra da economia. Mas nas décadas de 1980 e 1990 a legislação passou a ser retalhada e adulterada por numerosos enxertos urdidos a trouxe-mouxe, alheios à realidade do campo. Fazia-se necessário, no ambiente de contraditórios do Parlamento, a partir de inúmeras consultas técnicas e mais de 200 audiências públicas e privadas por todo o País, reintroduzir o princípio da razoabilidade num labirinto legiferante.

Daí germinou a patranha da suposta anistia concedida a desmatadores dispensados de recuperar a reserva legal para manter uma porcentagem da propriedade com espécies nativas. Os críticos reclamam ao Supremo que o Código de 2012 retroagiu a 2008 para livrar agricultores dessa obrigação, e que a lei não pode ter efeito retroativo. Ora, a celeuma em torno da suposta anistia não tem outro lastro senão portarias e uma medida provisória que nem foi votada, as quais, elas, sim, retroagiram aos primórdios da colonização.

Todo o ousado e suado processo de conquista e consolidação do território nacional, incluindo as capitanias hereditárias, a epopeia dos bandeirantes, a penetração da agropecuária nos sertões, o ciclo do açúcar, a grande lavoura cafeeira, tudo foi considerado desmatamento ilegal, embora na época não o fosse, a ser punido séculos depois por uma norma de... 2008.

O proprietário de um sítio em Pernambuco cuja mata nativa tivesse sido derrubada pelo donatário Duarte Coelho para plantio de cana-de-açúcar no século 16 foi tachado de delinquente 400 anos depois, quando o ato passou a ser considerado delito ambiental. Multados, impedidos de obter financiamento rural, a maioria esmagadora dos agricultores foi intimada a recuperar a reserva legal mesmo que a propriedade estivesse sendo explorada desde a gênese do País.

A medida infeliz castigou principalmente o pequeno produtor, sobretudo em minifúndios, onde quase toda a propriedade é usada para plantio. Eles detinham nada menos que 90% dos imóveis rurais, com área média de minúsculos 26 hectares.

Ao dispensá-los da exigência, embora obrigando-os a manter ao menos a reserva que tinham em 2008 e a recuperar o que derrubaram depois dessa data, o código desfez uma patacoada. Ademais, já estava em vigor o Decreto n.º 7.029, de 10/12/2009, que instituíra o Programa Mais Ambiente, para permitir aos proprietários rurais autuados obterem a “regularização ambiental”. Quem tivesse desmatado “qualquer tipo de vegetação nativa” teria suspensas as multas lavradas até a véspera da publicação do decreto. O código apenas recuou para 2008 o marco de 2009 estabelecido pelo decreto.

Portanto, não concedeu anistia alguma. E se a tivesse concedido, apenas teria dado razão ao chiste do Barão de Itararé, que tanto citamos na época: “Anistia é um ato pelo qual os governos resolvem perdoar generosamente as injustiças e os crimes que eles mesmos cometeram”.

Mandato duplo para o BC, com inflação e desemprego, é uma péssima ideia - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 28/02

Práticas internacionalmente consagradas apontam para inflação como objetivo a ser perseguido


A autonomia do Banco Central retornou à ribalta como parte da “Agenda 15”, um conjunto de medidas que o governo pretende tornar prioritárias agora que a reforma previdenciária foi definitivamente legada à próxima administração.

Nesse contexto voltou ao debate um possível mandato duplo para o BC, contemplando não apenas a meta para a inflação mas também outra para desemprego. Trata-se de uma péssima ideia, apesar da aparente nobreza de propósito.

A destacar, em primeiro lugar, a diferença entre independência e autonomia no caso do BC. Embora ambas requeiram a fixação de mandatos para os dirigentes da instituição (tipicamente alternados com mandatos presidenciais), um BC independente pode escolher seus próprios objetivos, enquanto no segundo caso a liberdade da instituição se limita à decisão sobre os meios para atingir objetivos determinados pelo Executivo.

Assim, por exemplo, o BC independente poderia determinar qual sua meta para a inflação, bem como tomar as decisões de política monetária que acredita corretas; no caso da autonomia, o executivo fixa a meta, e o BC, à luz disso, determina a trajetória de taxas de juros coerente com o objetivo. A discussão no Brasil aponta para o segundo arranjo.

Imagine agora um Banco Central autônomo a quem o executivo determina dois objetivos: uma meta para a inflação e outra para a taxa de desemprego, ainda que o BC tenha apenas um instrumento: a política monetária (a taxa Selic).

O problema é que há uma troca de curto prazo entre a inflação e desemprego, embora esta não persista no longo prazo. Caso o Banco Central busque uma taxa de desemprego menor do que a coerente com a inflação na meta, acabará fazendo com que esta se acelere.

A aceleração inesperada pode reduzir salários reais e induzir empresas a contratar mais, reduzindo o desemprego, mas, à medida que a expectativa de inflação mais elevada se incorpora às demandas salariais, esse efeito desaparece e, no fim da história, teremos apenas inflação mais alta, sem ganho persistente de desemprego.

Pelo contrário, quando o BC tiver que trazer a inflação de volta à meta, haverá aumento de desemprego até que a inflação e as expectativas convirjam, como bem ilustrado pela nossa experiência recente.

Por outro lado, se o Banco Central optar apenas pela meta de inflação, sua diretoria terá de lidar permanentemente com a ameaça de sanções por ignorar a outra perna do mandato. Não é difícil concluir que, sob tal cenário, a autonomia do Banco Central ficaria comprometida.

Pode-se, claro, apontar para o arranjo institucional do Fed (Federal Reserve), cujo mandato abarca inflação, desemprego e taxas de juros (um triplo mandato) como contraexemplo.

Trata-se, porém, de um erro, porque o Fed é independente: apesar do mandato triplo, é ele que determina seus objetivos. Em particular, há objetivo numérico apenas para a inflação, não para o desemprego nem para taxas de juros, como expresso aqui.

As práticas internacionalmente consagradas apontam para a inflação como o objetivo do Banco Central. Em que pese a preferência nacional pelas jabuticabas, ao menos nesse caso poderíamos tentar aprender com os erros dos outros, já que com os nossos não parecemos aprender jamais.

A inflação sumiu! - FÁBIO ALVES

ESTADÃO - 28/02

Taxa acumulada em 12 meses deve voltar a subir, mas sem fôlego para assustar o BC


Após a divulgação do IPCA de setembro do ano passado, quando o índice oficial de inflação acumulou alta de 2,54% em 12 meses ante a taxa anualizada de 2,46% em agosto, os analistas foram unânimes em dizer que o vale nos preços ao consumidor havia ficado para trás e que, dali em diante, a aceleração do IPCA poderia acender um sinal amarelo no Banco Central e antecipar o fim do atual ciclo de corte de juros.

Naquela ocasião, temia-se que os preços dos alimentos voltariam a subir, após terem registrado deflação na esteira de uma safra agrícola recorde, em ritmo mais acelerado e que a recuperação da economia brasileira aqueceria a demanda de consumidores e, por tabela, os preços de bens e serviços.

Não foi o que aconteceu. Mais ainda: está em curso uma inércia inflacionária “benigna”, a qual poderá amplificar os efeitos dos preços baixos ao desestimular os vários agentes da economia a reajustar com mais força os valores cobrados por bens e serviços.

De setembro em diante, a inflação acumulada em 12 meses foi, de fato, subindo, embora bastante gradativamente, até atingir alta de 3,02% no IPCA-15 de janeiro. Mas perdeu ímpeto desde então, com o IPCA fechado de janeiro e também o IPCA-15 de fevereiro anotando alta de 2,86% no acumulado de 12 meses. Aliás, o IPCA de janeiro apresentou uma grande surpresa para baixo, quando o índice subiu 0,29%, abaixo até do piso das projeções dos analistas.

Não à toa que a mediana das estimativas dos analistas consultados na pesquisa Focus, do BC, apontava no início deste ano uma inflação de 3,95% em 2018. No mais recente levantamento da Focus, essa projeção caiu para 3,73%.

Na opinião de um experiente economista paulista, a contribuição da inércia “benigna” é inegável, mas, a priori, para este ano, ela já está na conta dos agentes de mercado e do próprio BC.

“A questão que fica é se, caso haja nova surpresa baixista neste ano, com o IPCA ficando novamente em patamares mais baixos do que os estimados até poucas semanas atrás, as projeções para 2019 começarão a ser revistas. Até agora, nem Focus nem projeções do BC sofreram alteração para 2019”, diz o economista paulista. Na mais recente pesquisa Focus, a estimativa de inflação no ano que vem seguiu inalterada pela 46.ª semana seguida em 4,25%.

Para um renomado executivo financeiro, o impacto da inércia quando a inflação está baixa é tornar mais demorado o processo de convergência de volta à meta do BC, de 4,5% neste ano e 4,25% em 2019.

“Os agentes repassam a inflação passada abaixo da meta para os preços futuros, dando mais conforto ao Banco Central para manter a política monetária em campo expansionista”, explica ele. “Os núcleos de inflação, que refletem uma medida de inflação subjacente, estão andando abaixo da meta, relevando exatamente este efeito.”

Assim como no ano passado, a safra agrícola atual caminha para um resultado elevado, o que poderá tornar mais lenta a normalização nos preços dos alimentos. No IPCA-15 de fevereiro, o grupo Alimentação e Bebidas teve alta de 0,13%, bem abaixo da alta de 0,76% no IPCA-15 de janeiro.

“A safra atual favorável e os altos estoques de passagem apontam para oferta ainda abundante de produtos agrícolas”, comenta o executivo financeiro acima. “Isso tem levado analistas e o BC a reavaliar para baixo o ritmo de normalização de preços agrícolas.”

O grupo de preços “serviços subjacentes”, monitorados com atenção pelo BC por ser mais sensível à atividade econômica, subiu 0,25% no IPCA-15 de fevereiro versus alta de 0,38% no índice de janeiro.

O comportamento nos últimos meses de vários preços tem reforçado a estimativa de uma inflação mais próxima de 3,5% do que 4,0% neste ano, a não ser que ocorra um grande estresse no mercado e a cotação do dólar dispare e mude de patamar.

A taxa acumulada de 12 meses da inflação deve sim voltar a acelerar, após perder força desde meados de janeiro. Mas a questão é que tal aceleração parece não ter fôlego suficiente para assustar o BC. Interessante é o alerta feito pelos economistas do banco francês Société Générale em relatório recente: a inflação baixa no Brasil ainda está disseminada e, possivelmente, se tornando entrincheirada.

* É COLUNISTA DO BROADCAST

Mudanças históricas, juros histéricos - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 28/02

Situação do crédito melhora, continua desmanche da banca estatal e juros roubam poder de consumo


CHEQUE ESPECIAL e cartão continuam arapucas assassinas mesmo depois da conversa de mudanças do BC e dos bancos. No entanto, a situação geral do crédito no país continuava a melhorar em janeiro, apesar do noticiário pessimista sobre o balanço dos empréstimos bancários, divulgado nesta terça (27).

Cheque especial e cartão de crédito rotativo ou parcelado levam menos de 3% do total do dinheiro emprestado pelos bancos. Desgraçam a vida de muita gente, mas não dizem muito sobre o crédito e a economia.

Em ritmo ainda lerdo, mas acelerando, aumenta o total de dinheiro novo emprestado. De maio de 2014 até meados do ano passado, a concessão de crédito diminuía. No início deste 2018, crescia 4,5% em relação ao ano passado (média trimestral, em relação ao mesmo período de 2017; crescimento real). Os novos empréstimos de janeiro ainda são menores que os de 2015, uma miséria, mas estamos saindo do buraco.

A despesa mensal das famílias com o pagamento de suas dívidas (o serviço da dívida) baixou ao menor nível médio desde fevereiro de 2011. O gasto com amortização é o menor desde 2005, pelo menos.

O serviço da dívida apenas não é menor porque o gasto com juros ainda é brutal, cerca de 47% do total do pagamento mensal das dívidas, nas mesmas alturas recordes de 2016. Em 2014, os juros levavam 42% do serviço da dívida; em 2010, 36%. Ou seja, o peso dos juros está roubando um pedaço gordo do potencial de consumo dos brasileiros.

O total de dinheiro já emprestado (o estoque) ainda cai, é verdade. Mas esses dados são um tanto atrapalhados pelo encolhimento dos bancos públicos.

O total de crédito desaba nos estatais, em especial no BNDES. Parou agora de cair nos bancos privados nacionais e cresce nos estrangeiros (é um avanço agressivo do Santander para ganhar mercado).

O total de crédito ainda cai porque está em curso a reversão da mudança histórica e calamitosa que foi a estatização de parte gorda do crédito bancário entre fins de Lula 2 e Dilma Rousseff, financiada com aumento da dívida pública. O desmanche ocorre porque:

1) Há redução deliberada do tamanho do BNDES e, em menor escala, da Caixa;

2) Dadas a crise e a ruína dos investimentos, as empresas buscam menos dinheiro no BNDES;

3) O mercado de capitais ocupa parte do espaço do BNDES;

4) Os excessos dos anos Dilma tolheram a capacidade de empréstimos dos bancos públicos, que ficaram com pouco capital.

Em meados de 2008, começo da virada estatista, o crédito nos bancos estatais equivalia a uns 13% do PIB; nos bancos privados, 24% do PIB. Em março de 2014, o crédito dos estatais dobrara, para 26% do PIB. Nos privados, ficara relativamente na mesma.

O crescimento do crédito bancário estatal em apenas seis anos equivaleu à criação de um banco do tamanho do Bradesco ou do Itaú. O crédito dos bancos estatais ainda supera o dos privados.

Na média, a taxa de juros bancária e os spreads continuam nos níveis ruins de 2015 (ruim até para a indecência habitual). Algumas linhas tiveram progressos maiores (veículos) e outras estão em baixas históricas (imóveis, embora talvez o crédito ainda esteja difícil). Mas juros são assunto para outra coluna desta semana.

Muito além da compra parcelada sem juro - RAQUEL BALARIN

Valor Econômico - 28/02

O avanço da tecnologia e a queda na taxa de juro no país estão provocando mudanças profundas no sistema financeiro brasileiro, uma pequena revolução silenciosa, com dimensões que ainda passam despercebidas. Nas últimas semanas, a discussão sobre compras parceladas "sem juros" no cartão de crédito tomou conta das páginas de jornais e sites, mas a medida é só uma pequena amostra do que está em discussão.

No Brasil, os bancos são, acima de tudo, pragmáticos. Defendem seus negócios e seus ganhos, mas quando percebem que a maré começa a puxar fortemente para outro lado, deixam-se levar e abraçam as novas ideias como se tivessem sido favoráveis a elas desde o princípio. Foi assim, por exemplo, com o crédito consignado, que começou em bancos menores, em Minas Gerais, com forte apoio do PMDB na época. Foi assim, também, com o recente movimento das "fintechs". Hoje, os dois principais bancos brasileiros, Itaú e Bradesco, mantêm centros dedicados a start-ups e empresas de Inovação, o Cubo e o Habitat.

A maré mostrou aos bancos que viria dessas empresas de tecnologia a mais nova onda de concorrência no setor, e não de instituições financeiras tradicionais. Abraçar ideias inovadoras e apoiar empresas menores permitiram que as instituições financeiras brasileiras começassem a se preparar para uma briga muito maior no horizonte: a da disputa com as grandes companhias de tecnologia, como Amazon, Google, Facebook e Apple.

Assim como os veículos de comunicação, que tiveram de aprender a trabalhar com essas empresas em um modelo de competição e de parceria ao mesmo tempo, também os bancos estão no mesmo caminho. Na última semana, por exemplo, o Bradesco anunciou sua parceria com o Google Pay, para correntistas com cartão de crédito Visa. O aplicativo dos smartphones com sistema operacional Android permite pagar compras sem a necessidade do cartão físico ou da digitação de senhas. Basta aproximar o celular da maquininha do lojista - a conectividade por NFC permite a comunicação sem fio e com segurança entre dispositivos próximos. A Apple deve em breve lançar o mesmo recurso no Brasil -- em seu site, é possível ver telas com a logo do Itaú aplicado.

O Banco Central está acompanhando bem de perto a evolução tecnológica e tem se dedicado a realizar uma série de mudanças nas regras para permitir que esses avanços não fiquem apenas no ambiente dos bancos, mas que cheguem aos consumidores e às empresas. O segmento de cartões tem recebido uma atenção especial. O objetivo é que o cartão de débito seja de fato utilizado como meio de pagamento. Para ampliar seu uso, será preciso reduzir a taxa cobrada, hoje um percentual sobre o valor da operação e dividida em três componentes: o "fee" da bandeira, um custo de intercâmbio cobrado pelos bancos e um custo cobrado pelo adquirente. Com a entrada de novas empresas no mercado de adquirentes, como Eleven e Stone, uma parte dessa taxa já se reduziu. Mas ainda é preciso discutir como reduzir a taxa de intercâmbio cobrada por bancos e que é negociada entre a bandeira do cartão e a instituição financeira.

Em países como os Estados Unidos, a taxa cobrada no débito é mista, ou seja, tem um valor fixo por operação e um percentual sobre o volume da operação - US$ 0,20 mais 0,05% sobre operação. A cobrança passa por regulamentação do governo. Um especialista explica que há espaço para que o Banco Central brasileiro pressione as instituições a reduzir as taxas porque em uma venda com débito, o dinheiro está disponível na conta corrente do comprador. Não há risco de crédito. "Não faz sentido termos taxas para débito e crédito tão próximas se o risco de um meio e outro é tão diferente."

No caso do cartão de crédito, há muita polêmica sobre um possível fim da compra parcelada no cartão sem juros. O foco da discussão, entretanto, é o de dar transparência para o juro que está embutido na operação - seja ele pago pelo consumidor ao lojista ou ao banco que passaria a oferecer uma linha de crédito no cartão. Da mesma forma como o fim da hiperinflação levou a um ciclo de ajustes em instituições financeiras e no comércio, também a nova fase de juros mais baixos deve provocar uma reacomodação. Algumas grandes redes de varejo têm hoje uma parte importante de seus ganhos atrelados à cobrança de juro em vendas parceladas, no cartão de crédito ou não. É natural, portanto, que haja uma certa queda-de-braço entre grandes lojistas e bancos para ver quem vai ficar com esse ganho. O desenho final pode vir a ser o de uma compra ter um preço mais baixo para o pagamento à vista e dois preços a prazo na cobrança no cartão - um com a taxa de juro cobrada pelo lojista (financiamento loja) e outro com a taxa cobrada pelo banco que concedeu o crédito. Nada ainda está definido. Vários desenhos estão sendo estudados e em todos eles se prevê uma redução dos prazos de repasse da compra para o lojista, hoje de 30 dias.

Para as pessoas jurídicas, o governo tem trabalhado desde o ano passado na formatação da duplicata eletrônica - que agora entrou no pacote de medidas do presidente Michel Temer para substituir o vazio deixado pela reforma da Previdência. A duplicata estará ligada aos bancos de dados fiscais das secretarias estaduais de finanças. O objetivo é casar a operação física com a transação comercial e financeira, sem a necessidade de validação em cartórios. Reduz-se a burocracia e o custo (com esperada redução nas taxas cobradas em antecipação de recebíveis) e se amplia a transparência e a formalidade.

A duplicata eletrônica será opcional - a tradicional continuará a ser aceita país afora. Afinal, como diz uma fonte que acompanha o processo, a tecnologia avançou muito e continua avançando, mas não dá pra esquecer que o Brasil tem grandes diferenças regionais. Não é possível comparar a infraestrutura tecnológica da avenida Faria Lima, em São Paulo, com a de uma cidade no interior da Amazônia. O que é possível dizer é que, em cinco anos, o relacionamento do consumidor e das empresas com os meios de pagamento e de crédito será totalmente diferente do desenho atual.


Tite não é um mago - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 28/02

Por ter muitas opções, como qualquer outro técnico, ele corre o risco de errar

Coutinho fez o primeiro golaço no Barcelona, à la Liverpool, driblando da esquerda para o centro e finalizando com enorme precisão. Na seleção brasileira e no Barcelona, ele, quase sempre, atua pela direita, pois, na esquerda, há dois monstros, Neymar e Iniesta. Pela direita, Coutinho não tem o mesmo brilho.

Se a recuperação de Neymar for demorada, pode até ser boa para a seleção, pois ele estará mais descansado no Mundial, além da chance de Tite treinar um substituto. O técnico tem a opção, mais provável, de escalar Coutinho, pela esquerda, e Willian, pela direita. Há outras alternativas.

Em uma ótima e detalhada entrevista ao jornal “O Globo”, Tite mostrou-se preocupado, com razão, em ter de enfrentar, na Copa, principalmente na primeira fase, adversários que jogam com uma linha de cinco e outra de quatro, recuadas. Ele disse que pretende testar, nos amistosos, uma formação tática parecida com a do Manchester City, acostumado a atuar, na Inglaterra, contra times que jogam dessa maneira.

O time atuaria com um volante (Casemiro), um meia pela direita e outro pela esquerda (Paulinho e Coutinho), dois atacantes abertos (William e, provavelmente, Douglas Costa, por causa da contusão de Neymar) e um centroavante (Gabriel Jesus). O Flamengo tem atuado assim.

Tite falou ainda da possibilidade, em certos momentos, jogar com dois atacantes, Gabriel Jesus e Firmino. Não vejo razão para isso, pois Neymar se desloca muito para o centro, para ser o segundo atacante. Com dois à frente, diminuiria seu espaço. Tite elogiou bastante Diego. Compreendo suas explicações, mas acho que ele supervaloriza a qualidade do meia do Flamengo.

Diante de tantas informações e opções, Tite, como qualquer ótimo técnico, pode ficar indeciso e tomar decisões erradas. Ele não é um super-homem, um super-técnico nem um mago. Muito pior que errar sabendo é a ignorância.

Não foi novidade a marcação passiva e recuada do Palmeiras, contra o Corinthians, assistindo aos rivais receberem a bola e trocarem passes, a poucos metros de distância. Fiz essa crítica uns dez dias atrás, após uma vitória do Palmeiras. Tratei a organizada e disciplinada marcação do Palmeiras como excessivamente racional, fria, cartesiana. Como o time ganhava, recebia só elogios.

O craque Alex, comentarista da ESPN Brasil, com sua lucidez e grandeza, comparou a marcação passiva do Palmeiras com a que ele fazia quando jogava, apenas cercando, sem desarmar. Alex sabe e reconhece as mudanças que ocorreram no futebol. Porém, o Palmeiras não perdeu somente por causa da marcação, Roger não deixou de ser um bom técnico, nem o Corinthians ganhou porque Carille mudou o sistema tático. Há muitos outros fatores envolvidos, conhecidos e desconhecidos.

Enquanto as análises das atuações e dos resultados forem sempre a partir da conduta dos técnicos, supervalorizados nas vitórias e nas derrotas, eles serão, com frequência, demitidos, com a ilusão de que o novo treinador terá a fórmula mágica para vencer.

A imprensa não tem prazer sádico em ver a demissão dos técnicos, como se queixou Dorival Júnior. Ela apenas corre atrás da notícia, pois é frequente a troca de comando após as derrotas, e também se ilude com os poderes dos professores.