Mapa de equilíbrio estratégico entre a exploração e a conservação da natureza, o Código Florestal Brasileiro, aprovado pelo Congresso Nacional em 2012, no mais amplo debate legislativo desde a Constituição de 1988, ainda sofre nos tribunais a perseguição de correntes que criminalizam a agricultura. A elas não importa que o Brasil utilize apenas 7,6% de seu território continental para a produção de alimentos, ante 18% nos EUA e até 65% na Europa. Nem levam em conta que somos o país que mais preservou sua mata nativa, mantendo de pé 66% da vegetação original de seus 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Importa caracterizar-nos como predadores.
Vale destacar que o Código Florestal foi celebrado na Conferência do Clima, em Paris, como fiador dos compromissos brasileiros para as metas de redução das emissões de carbono. Nas audiências públicas realizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), representantes do Ministério do Meio Ambiente apresentaram a lei como o instrumento capaz de oferecer proteção aos agricultores e à natureza.
O jogo bruto é travado, de um lado, por um movimento ambiental bem-intencionado, mas mal informado, e, de outro, por grupos extranacionais que pregam a redução da área cultivada para favorecerem a exportação de seus produtos agropecuários, com os quais concorre o nosso agronegócio.
Ignorando o pacto tecido arduamente no Congresso, com apoio dos principais partidos do governo e da oposição, esses grupos recorreram ao STF para que vários artigos do código sejam declarados inconstitucionais. Seu breviário é um ambientalismo faccioso, que extrapola a necessária e indispensável proteção que a todos nos cabe garantir ao planeta. Mas desdenham da importância histórica, social e econômica da agropecuária e a estigmatizam como o cavalo de Átila, que não deixava nascer grama onde passava. A rigor, em cinco séculos de trabalho duro o agricultor soube preservar a natureza e destina boa parte da propriedade à proteção do meio ambiente.
Na Amazônia, a exigência da reserva é de 80% da propriedade. Mas em Roraima o total das áreas de conservação e terras indígenas chega a 66% da superfície estadual, sobrando apenas 7% para a agropecuária. Por isso reduzimos as exigências. Esse foi um caso em que, na elaboração do Código Florestal, consideramos, como deve ser próprio das leis, peculiaridades da diversa realidade nacional.
O código de 2012 manteve o espírito conservacionista que distingue o Brasil como país pioneiro na proteção de recursos naturais essenciais, como as florestas e a água. A tradição já vinha das propostas do patriarca José Bonifácio no século 19 e figurou nos códigos de 1934 e de 1965, além da rígida lei de proteção da fauna promulgada em 1967. O zelo ambiental bem calibrado não impediu o excepcional desenvolvimento do agronegócio, que em anos recentes se tornou tecnologicamente avançado e viga mestra da economia. Mas nas décadas de 1980 e 1990 a legislação passou a ser retalhada e adulterada por numerosos enxertos urdidos a trouxe-mouxe, alheios à realidade do campo. Fazia-se necessário, no ambiente de contraditórios do Parlamento, a partir de inúmeras consultas técnicas e mais de 200 audiências públicas e privadas por todo o País, reintroduzir o princípio da razoabilidade num labirinto legiferante.
Daí germinou a patranha da suposta anistia concedida a desmatadores dispensados de recuperar a reserva legal para manter uma porcentagem da propriedade com espécies nativas. Os críticos reclamam ao Supremo que o Código de 2012 retroagiu a 2008 para livrar agricultores dessa obrigação, e que a lei não pode ter efeito retroativo. Ora, a celeuma em torno da suposta anistia não tem outro lastro senão portarias e uma medida provisória que nem foi votada, as quais, elas, sim, retroagiram aos primórdios da colonização.
Todo o ousado e suado processo de conquista e consolidação do território nacional, incluindo as capitanias hereditárias, a epopeia dos bandeirantes, a penetração da agropecuária nos sertões, o ciclo do açúcar, a grande lavoura cafeeira, tudo foi considerado desmatamento ilegal, embora na época não o fosse, a ser punido séculos depois por uma norma de... 2008.
O proprietário de um sítio em Pernambuco cuja mata nativa tivesse sido derrubada pelo donatário Duarte Coelho para plantio de cana-de-açúcar no século 16 foi tachado de delinquente 400 anos depois, quando o ato passou a ser considerado delito ambiental. Multados, impedidos de obter financiamento rural, a maioria esmagadora dos agricultores foi intimada a recuperar a reserva legal mesmo que a propriedade estivesse sendo explorada desde a gênese do País.
A medida infeliz castigou principalmente o pequeno produtor, sobretudo em minifúndios, onde quase toda a propriedade é usada para plantio. Eles detinham nada menos que 90% dos imóveis rurais, com área média de minúsculos 26 hectares.
Ao dispensá-los da exigência, embora obrigando-os a manter ao menos a reserva que tinham em 2008 e a recuperar o que derrubaram depois dessa data, o código desfez uma patacoada. Ademais, já estava em vigor o Decreto n.º 7.029, de 10/12/2009, que instituíra o Programa Mais Ambiente, para permitir aos proprietários rurais autuados obterem a “regularização ambiental”. Quem tivesse desmatado “qualquer tipo de vegetação nativa” teria suspensas as multas lavradas até a véspera da publicação do decreto. O código apenas recuou para 2008 o marco de 2009 estabelecido pelo decreto.
Portanto, não concedeu anistia alguma. E se a tivesse concedido, apenas teria dado razão ao chiste do Barão de Itararé, que tanto citamos na época: “Anistia é um ato pelo qual os governos resolvem perdoar generosamente as injustiças e os crimes que eles mesmos cometeram”.
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