sábado, fevereiro 20, 2010

AUGUSTO NUNES

VEJA ONLINE

Só consegue ser amigo do governo do Irã quem despreza a liberdade

20 de fevereiro de 2010

Afrontados pela fraude colossal que viciou as eleições presidenciais, centenas de milhares de manifestantes expuseram-se nas ruas do Irã à truculência do Exército regular e à cólera das milícias a serviço dos aiatolás . O mundo civilizado comoveu-se com a coragem das multidões de manifestantes anônimos. Lula enxergou algo parecido com um jogo de futebol.

Primeiro, comparou os atos de protesto à reação de torcedores que não aceitam a derrota do time. Depois, exigiu respeito ao placar criminosamente adulterado. Nos meses seguintes, oposicionistas que não seguiram o conselho de Lula foram torturados e mortos. O estadista brasileiro não viu nada demais. No fim do ano, recepcionou Mahmoud Ahmadinejad com honras de estadista. E vai retribuir a visita em maio.

Indignadas com o cinismo de Ahmadinejad, que continuou a montar nas sobras o arsenal nuclear cuja existência sempre negou em público, as nações desenvolvidas exigiram que o farsante deixasse de mentiras. O mundo civilizado hoje vê com perturbadora nitidez um psicopata no comando de um regime primitivo. Lula só consegue enxergar um bom companheiro.

Ahmadinejad lhe prometera usar a energia nuclear só para fins pacíficos, revelou há três meses. Depois da notícia, a gabolice de praxe: “Ele não teria motivos para mentir para mim”. O espancador da verdade garante que o Holocausto não existiu e garante que não pretende atacar Israel. Lula acha a primeira afirmação um tanto exagerada e acredita na segunda.

Em 11 de fevereiro, no meio da entrevista coletiva em Brasília, uma jornalista perguntou o que o chanceler Celso Amorim achava da revelação feita horas antes por Ahmadinejad: o Irá já tem condições de produzir a bomba e é, portanto, “um país nuclear”. Visivelmente perturbado, um gaguejante Amorim primeiro duvidou do que ouviu, depois lamentou o que ouviu e enfim prometeu pensar no que ouviu. No dia seguinte, retomou a lengalenga exasperante: “Precisamos conversar bastante com o Irã”, disse o áulico de todos os chefes.

O governo brasileiro nunca quis conversa com o presidente colombiano Alvaro Uribe, para que ele tentasse convencer o vizinho a parar de tratar os narcoguerrilheiros das FARC como “insurgentes”. Tampouco quis conversa com o governo interino de Honduras, para saber o que fez Manuel Zelaya para justificar a deposição. Mas quer muita conversa com os companheiros iranianos. Esses merecem toda a paciência do mundo.

A paciência acabou, avisa o comportamento dos países que contam, todos convencidos de que chegou a hora de tratar com dureza os provocadores atômicos. Sempre do lado errado, Lula comunicou que não aceitará a adoção de “medidas unilaterais” contra o governo amigo. Parece brincadeira, mas ele acredita mesmo na Teoria do Ponto G, segundo a qual o mundo já não consegue viver sem ouvir a voz do Brasil.

O presidente nunca folheou um livro de História e é desoladoramente ignorante em geopolítica. O cérebro baldio facilita as coisas. Permite-lhe, por exemplo, embarcar alegremente na fantasia do “protagonismo” alcançado por um país que ainda não descobriu como tirar das trevas 10 milhões de analfabetos ou mandar para a cadeia um único corrupto da classe executiva. Difícil é entender a inexistência, nas cercanias de Lula, de alguém capaz de dizer-lhe que nenhum chefe de governo tem o direito de cobrir de ridículo uma nação inteira.

Melhor assim. Quanto mais demorada for a parceria com o Irã, mais tempo terá o eleitorado brasileiro para entender que a política externa da companheirada antecipa as bandidagens que, se pudesse, já estaria praticando no Brasil. Quem se desmancha em agrados com a Venezuela de Chávez sonha com o “controle social da mídia”. Só pode ser parceiro do Irã dos aitolás quem despreza a democracia e odeia a liberdade. Os amigos estrangeiros só fazem por lá o que os stalinistas farofeiros pretendem fazer por aqui.

RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA
Mandela e o poder da inspiração
RUTH DE AQUINO
Revista Época
RUTH DE AQUINO
é diretora da sucursal de ÉPOCA no Rio de Janeiro
raquino@edglobo.com.br

"Agradeço a todos os deuses por meu espírito invencível. Sou o dono de meu destino. Sou o capitão de minha alma.” Essas palavras poderiam soar recheadas de arrogância. Não na boca de Nelson Mandela, o líder sul-africano que ficou preso 27 anos e dali saiu para reconciliar seu país. Não há ceticismo que resista ao filmeInvictus. Se você ainda não viu a atuação impecável de Morgan Freeman como Mandela – e se algum ressentimento perturba seu sono –, entre no cinema hoje.

Há muitos motivos para ver Invictus. E o maior deles não é ser fã de rúgbi ou entender as regras desse jogo que combina força brutal e agilidade. Tampouco é o fato de a África do Sul sediar a próxima Copa do Mundo em julho. O maior motivo para ver Invictus é entender a nós mesmos, nossa força ou limitação, sós ou em equipe. Perceber com mais clareza o jogo cotidiano da liderança, em casa e no trabalho. Confrontar nossa verdade, sem subterfúgios ou rancores. O filme ajudará você a saber se seu chefe o inspira realmente. Ou se você inspira os que trabalham a seu lado.

Uma cena tocante é o chá entre Mandela e o capitão da seleção sul-africana de rúgbi, François Pienaar, o louro africâner de temperamento contido representado por Matt Damon. Ao contrário de seus camaradas, Mandela intuía que os Springboks, mesmo com bandeira e hino associados ao apartheid, poderiam ser usados para unir negros e brancos numa imensa torcida arco-íris.

– François – diz Mandela, sorrindo –, você tem um emprego muito difícil, um enorme desafio.

– Seu desafio é maior, senhor presidente.

– Mas não é minha cabeça que eles querem degolar a cada jogo, François.

O maior motivo para ver Invictus é entender nossa força
e nossa limitação, confrontar nossa verdade

É neste momento que Mandela faz perguntas decisivas – e o filme é muito mais sobre perguntas do que respostas: “Como você inspira seus jogadores? Como os faz crer que eles são melhores do que realmente são?”.

Todos que lideram um grupo – de cinco pessoas apenas ou 100 milhões – deveriam se perguntar o mesmo diariamente.

Sim, Invictus é um filme de Clint Eastwood. Da delicadeza e simplicidade de As pontes de Madison (1995) até as últimas superproduções, Eastwood se consagrou como diretor. Mas quem acreditou primeiro na história foi Morgan Freeman. Ele leu o livro de um jornalista sobre Mandela e quis crer que nenhum outro ator poderia ser tão convincente na pele do líder sul-africano. Foi Freeman quem levou o roteiro para Eastwood. Estudou pessoalmente a postura generosa e altiva de Mandela, o sorriso plácido e contagiante, o jeito de dançar com as mãos e os quadris e o hábito de arrumar sua própria cama ao acordar. Aprendeu especialmente com Mandela seu jeito de desconcertar as pessoas, a determinação de vencer com honestidade, sem golpes baixos. “Não quero perturbar o inimigo, mas quero ganhar. Como ganhar?” (A Nova Zelândia era a favorita na final memorável de 1995.)

Mandela é um guerreiro que fez da serenidade e do perdão sua maior arma. O poema “Invictus”, que dá título ao filme, é do inglês William Ernest Henley. Na cela mínima ou nos trabalhos forçados no pátio da cadeia, Madiba (apelido de Mandela) repetiu para si milhares de vezes que não importava “se o portão era estreito ou se sua sentença era repleta de castigos”. Seu corpo estava ali. Mas seu espírito não fora subjugado. Ao ser libertado há 20 anos, em fevereiro de 1990, havia ódio entre brancos e negros – e entre negros e negros. Mandela só pensava em seu país, não em vingança. Queria recuperar a confiança da comunidade internacional, acabar com a segregação racial, evitar uma guerra civil. Acolhia seus ex-algozes com boas palavras e cumprimentos calorosos, sem ingenuidade. Transpirava uma confiança inabalável na humanidade.

Mandela foi prêmio Nobel da Paz em 1993. Hoje, tem 91 anos. Tive o privilégio, como jornalista, de encontrá-lo em sua visita ao Brasil, em 1991.

Qualquer ser humano sabe quando está diante de um líder que o inspira a ser melhor do que é na realidade. Invictus é sobre isso. Sobre o poder da inspiração. Num jogo, numa conversa, numa vida ou na condução de um país.

MERVAL PEREIRA

Queda de braço

O GLOBO - 20/02/10


O presidente Lula aproveitou a sua ampla popularidade para, na comemoração dos 30 anos da fundação do PT, enquadrar mais duramente ainda o partido, que já ensaiava a recuperação de sua autonomia diante da possibilidade de vitória da ministra Dilma Rousseff na sucessão presidencial.
Na presunção de que, com sua eleição, voltará a ser o centro do poder partidário no novo governo, o PT tratou de aprovar um programa mais à esquerda, com pontos que suscitaram polêmicas no Programa Nacional dos Direitos Humanos ou na Conferência Nacional de Comunicações, como a taxação de grandes fortunas, o controle social dos meios de comunicação e a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, que ainda está em discussão no Congresso.
Procurando tirar dos ombros de sua candidata oficial o esquerdismo petista, o próprio presidente disse em entrevista ao "Estadão" que o fato de o partido ter programas mais radicais não quer dizer que o futuro governo os adotará.
Também o PMDB pretende apresentar o seu programa para um eventual governo Dilma, que certamente se chocará com as diretrizes mais esquerdistas aprovadas ontem no programa do PT.
Mas o fato é que o próprio perfil político da candidata oficial, e a escolha de Marco Aurélio Garcia para coordenar sua campanha, dão coerência à tentativa petista de ir mais para a esquerda.
Entre o esquerdismo e o pragmatismo, Lula vai se equilibrando. Assim como pretende impor ao PMDB a escolha de Henrique Meirelles como vice na chapa oficial, para tranquilizar os investidores, Lula acena ao PMDB em contrapartida com acordos regionais que favoreceriam o partido em detrimento do PT, tudo com seu objetivo central, o de eleger sua sucessora.
É improvável que cumpra o que está afirmando, mas, se Lula e Dilma não forem a estados em que dois candidatos a governador sejam de sua base aliada, estarão prestando um auxílio grande à oposição, e rapidamente essa base se esfacelará.
A começar pelo PMDB, que não terá unidade suficiente para oficializar seu apoio à candidata petista sem a garantia de que o presidente popular estará presente nos palanques.
Dilma sem Lula simplesmente não existe, nem para o eleitorado nem para os partidos aliados. Lula abandonar a campanha eleitoral é uma possibilidade menor do que nevar no Nordeste.
O que ele está querendo é demonstrar dramaticamente que a receita para a vitória é a união dos aliados, tentando pressionar o PT a abrir mão de candidatura isolada em estados em que o PMDB também é forte.
A base aliada tem problemas sérios em vários estados. Na Bahia, o ministro da Integração Nacional , Geddel Vieira Lima, do PMDB, tem uma disputa pessoal com o governador Jaques Wagner, do PT, que parece ser insolúvel.
Embora tenha sido um aliado no governo Fernando Henrique, a composição com Geddel já pareceu mais fácil, a não ser que Paulo Souto, do DEM, desista da candidatura ao governo para apoiá-lo, o que parece difícil, mas não impossível, já que Souto está à frente de Geddel nas pesquisas.
Em Minas, a liderança das pesquisas é do ministro das Comunicações, Hélio Costa, do PMDB, mas o PT tem um esquema político forte que não abre mão de indicar seu candidato entre o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel e o ministro Patrus Ananias.
Costa também transita bem no PSDB do governador Aécio Neves, e daí pode sair uma negociação política que enfraqueça a base aliada do governo.
No Rio de Janeiro, a disputa entre o governador Sérgio Cabral, do PMDB, e o ex-governador Garotinho, do PR, está atingindo a candidatura de Dilma, que procurou Garotinho e irritou o governador peemedebista.
No Rio Grande do Sul, há a disputa do prefeito de Porto Alegre, José Fogaça, do PMDB, com o ex-ministro da Justiça Tarso Genro. Tido como apoiador da candidatura Serra, o prefeito peemedebista tem enviado sinais nos últimos dias de que pode ficar com Dilma, mas a relação do PT e do PMDB gaúchos é historicamente difícil.
Em Mato Grosso do Sul, o governador do PMDB, André Puccinelli, disputa a eleição contra Zeca do PT, e tem o apoio do PSDB estadual.
Essa tentativa petista de ganhar espaço para a esquerda no programa de governo de Dilma Rousseff não corresponde à trajetória do partido nos últimos anos, que o levou ao poder.
Para o cientista político Hamilton Garcia de Lima, professor do Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado da Universidade do Norte Fluminense, "os embates internos e os externos (eleitorais) foram importantíssimos para que Lula se agigantasse e, de certa maneira, se autonomizasse diante do próprio partido".
Segundo ele, somente depois de perder novamente no primeiro turno para Fernando Henrique, na eleição de 1998, "Lula e seu grupo se convenceram de que deviam mudar de rumo e romper com a obstinada postura antidemocrática da esquerda petista".
A Carta ao Povo Brasileiro, na eleição de 2002, inaugurou, na visão de Hamilton Garcia, "uma mudança fundamental no pacto petista, agora baseado na franca superioridade da intuição pragmática dos sindicalistas sobre o cálculo estratégico da esquerda".
Outro especialista em PT, o cientista político Paulo Roberto Figueira Leal, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), diz que "a busca pela maximização de votos acabou por conduzir o PT - sobretudo a partir do final dos anos 90 - a uma postura de maior aproximação com setores do eleitorado que não eram suas bases originárias".
Na sua análise, "se Dilma ganhar com o apoio dos eleitores 'lulistas' (muitos deles ideologicamente conservadores), não é razoável imaginar que esta conexão venha a ser substituída por um reavivamento das conexões mais esquerdistas dos primeiros anos do partido". (Amanhã, O Lulismo e o petismo)

J. R. GUZZO

REVISTA VEJA
J. R. Guzzo

Os nomes na tela

"Lula está tão convencido de que seu governo é uma obra-prima,
e de que o de seu adversário é o pior de todos os tempos,
que o eleitorado não terá alternativa, em 3 de outubro,
a não ser votar ‘sim’, ou nele"

Os melhores planos de batalha, como muitos generais têm aprendido ao longo da vida prática, frequentemente não resistem aos dez primeiros minutos de combate. O que estava previsto nos cálculos não acontece como deveria acontecer; acabam acontecendo, em vez disso, coisas que ninguém previu. O inimigo insiste em não reagir como se esperava que reagisse. Os aliados também, sobretudo quando começam a achar que algo não está saindo do jeito que queriam, ou esperavam. Em suma, quando estoura o tiroteio de verdade, as ideias que até então pareciam ser as mais inteligentes do mundo correm o sério risco de se desmanchar; os comandantes presentes ao campo vão perdendo pouco a pouco sua feição serena, própria aos estrategistas, e assumindo o rosto do jogador que manda para o espaço seus planos de ação anteriores e sai com tudo em busca da carta que vai salvar a noite. A campanha presidencial de 2010, que na semana passada consagrou enfim a ministra Dilma Rousseff como candidata oficial do governo e do PT, promete oferecer mais uma boa oportunidade para verificar como vão conviver nos próximos meses o plano-mestre que o mundo oficial elaborou para ganhar as eleições e o que acontecerá, de fato, no mundo das realidades.

O que se pode dizer no momento é que o projeto eleitoral do governo, obra cuja autoria principal é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, prevê um grande alicerce central – convencer o público de que as eleições presidenciais de outubro próximo estão sendo disputadas pelo próprio Lula e pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. É o tal "plebiscito" de que o governo tanto tem falado nos últimos tempos. Mais do que escolher o nome do próximo presidente da República, o eleitorado teria de julgar o desempenho do presidente atual e compará-lo com o do seu antecessor; deveria dizer, em termos de "sim" ou "não", se aprova esse desempenho ou, então, se ele é melhor que o de FHC. Caso o eleitor entenda o espírito da coisa, a fatura estaria praticamente liquidada. Lula está tão convencido de que seu governo é uma obra-prima, e de que o de seu adversário é o pior de todos os tempos, que o eleitorado não terá alternativa, em 3 de outubro, a não ser votar "sim", ou nele. A dificuldade principal desse plano é que Lula e Fernando Henrique não são candidatos a cargo nenhum. Seus nomes e retratos não vão aparecer na tela de votação, no dia das eleições; em seu lugar o cidadão terá diante de si os candidatos reais, e só poderá escolher entre eles. E aí?

Aí, para a superior estratégia oficial dar certo, e para todos os efeitos práticos, o eleitor terá de clicar em "Dilma" e não no seu principal adversário, possivelmente o governador José Serra, ou em qualquer dos demais candidatos. Lula e os cérebros políticos que o cercam apostam que será assim. Bom mesmo, para o governo, seria se a Constituição tivesse sido mudada e o presidente pudesse estar disputando um terceiro mandato, como se sonhou durante algum tempo; mas acabou não dando certo, e o que sobrou de mais próximo a isso foi o plano ora em execução. Suas chances de sucesso começam com a utilização, como jamais se viu antes neste país, da máquina pública em favor da candidatura oficial. Continuam com a vantagem no tempo de propaganda pelo rádio e televisão. Contam, sempre, com uma arma que Lula maneja melhor que ninguém: a técnica de inventar inimigos, como Fernando Henrique apontou recentemente, para travar batalhas imaginárias. Esses inimigos não têm nome: são "eles", apenas. Podem, portanto, ser acusados de absolutamente tudo. "Eles" vão acabar com o Bolsa Família. "Eles" vão acabar com as "obras do PAC", que incluem, na interpretação oficial, tudo o que está sendo construído em algum lugar do Brasil por governos estaduais e municipais, empresas estatais e companhias privadas. "Eles" vão entregar as estatais ao capital estrangeiro. "Eles" querem que a oposição ganhe as eleições porque não se conformam que Lula esteja fazendo um governo "em favor dos pobres". Há, enfim, a fé sem limites na própria superioridade. A candidata Dilma, inclusive, parece ter descoberto uma fórmula para calcular, matematicamente, quanto o governo Lula é melhor que o anterior. Segundo a conta da ministra, é "400 vezes" melhor.

O presidente, além disso, acaba de lembrar que ganhou prêmios dos jornais El País e Le Mondee que Fernando Henrique não ganhou nada de nenhum dos dois; o que mais o eleitorado poderia querer? Respostas, mesmo, só depois que a batalha começar.

THE FLASH NA TERCEIRA IDADE

FERNANDO DE BARROS E SILVA

"A mulher do Lula"

FOLHA DE SÃO PAULO - 20/02/10


BRASÍLIA - Debates intermináveis, ânimos alterados, faíscas no ar. Esqueça tudo isso. A febre do assembleísmo desta vez não se apossou do PT. Ontem, durante as discussões em torno da política de alianças e das diretrizes para o programa de governo de Dilma Rousseff, o clima do 4º Congresso Nacional do partido não poderia ser mais frio, cordato e comportado.
No auditório, os delegados mais pareciam um rebanho de ovelhas. Falas breves e quase sempre mornas eram seguidas de votações previsíveis a favor da direção partidária. Mesmo as concessões pontuais à esquerda -destacadas com tanto estardalhaço- parecem ser apenas migalhas de pão amanhecido do socialismo para satisfazer uma militância já satisfeita pelo lulismo.
O congresso do PT cumpre um roteiro de cartas marcadas. As ovelhas negras e desgarradas perderam o antigo apelo e hoje são espécimes exóticas a enfeitar a paisagem. Nesse ambiente pacificado de cima para baixo, não há, como diz um dirigente petista, nenhuma disposição para tornar visíveis atritos ou divergências que possam atrapalhar a candidatura de Dilma.
A ex-prefeita Marta Suplicy fala em "amadurecimento político" para descrever o que o secretário-geral, José Eduardo Cardozo, chama de "o mais calmo dos congressos do PT". O fato, muito evidente em Brasília, é que o partido ritualiza sua rendição ao êxito do lulismo.
Candidata indicada pelo presidente, Dilma será hoje referendada com festa pelo PT. Mais definida ideologicamente do que Lula, a ministra será naturalmente acolhida pela base social histórica do petismo. Seu desafio não é esse, mas antes o contrário: sendo cria de Lula, ela terá de transpor os limites do partido para alcançar a massa que compõe a base social do lulismo.
Essa é a "grande interrogação" da campanha, que a euforia de hoje não irá dissipar. Como diz Maria da Conceição Tavares, convidada de honra do congresso petista, para o povão, Dilma é "a mulher do Lula". Só veremos lá adiante, nas urnas, o que pensam disso os filhos do casal.

DIOGO MAINARDI

REVISTA VEJA
Diogo Mainardi

A grande arca da TV Brasil

"A mandinga contra a ‘hegemonia cultural americana’ pode
parecer ridiculamente antediluviana, mas os orangotangos e
os patos do petismo se sentem reconfortados por ela"

Deus passa o dia inteiro com a TV ligada. Ele só assiste à TV Brasil. Ninguém assiste aos programas do canal, segundo os dados do Ibope. Somente Ele. Deus é o único espectador da TV Brasil. Como é que eu sei disso? Lula contou. Está lá, nas tábuas da lei do lulismo, o Dicionário Lula, de Ali Kamel: "Deus me deu o segundo mandato para fazer a TV pública brasileira".

Lula, como Noé, respondendo ao chamado do Onipotente, fez o que lhe foi ordenado. Primeiro, ele construiu a grande arca da TV Brasil, revestindo-a de betume. Em seguida, embarcou nela um casal de cada espécie - um orangotango e uma orangotanga, um pato e uma pata, um Franklin Martins e uma Dilma Rousseff - e conduziu-os por quarenta dias e quarenta noites até os montes Ararat do éter, a fim de que eles se multiplicassem incestuosamente e povoassem a "TV pública brasileira" com seus descendentes.

Agora Deus tem outro plano. Ele decidiu destruir a TV a cabo. Ele disse a Marco Aurélio Garcia: "O fim de Law & Order é chegado perante mim". Marco Aurélio Garcia, coordenador do programa de Dilma Rousseff, lhe obedeceu. Se Deus fizer com que Dilma Rousseff seja eleita, repetindo o que Ele já fez com Lula, "tudo o que há na TV a cabo expirará". Marco Aurélio Garcia é autor de alguns dos maiores mitos apócrifos do lulismo. O último deles foi comparar American Idol à Quarta Frota dos Estados Unidos. Como sabemos que Deus elege o presidente do Brasil de olho na TV, escolhendo candidatos que lhe garantam programas como ABZ do Ziraldo, Dilma Rousseff já está eleita. O Brasil seria poupado de um monte de aborrecimentos se, para trocar de canal, Deus simplesmente usasse o controle remoto.

O mesmo Deus que elege o presidente do Brasil pode matar o presidente dos Estados Unidos. De uns tempos para cá, alguns pastores americanos passaram a imprecar para que Deus mate Barack Obama. Eles entoam o Salmo 109: "Sejam poucos os seus dias, e outro tome o seu ofício". Marco Aurélio Garcia entoa o Salmo 109 contra o doutor House e a Quarta Frota Naval dos Estados Unidos. A mandinga contra a "hegemonia cultural americana" pode parecer ridiculamente antediluviana, mas os orangotangos e os patos do petismo se sentem reconfortados por ela. Para Marco Aurélio Garcia e suas criaturas, reunidos no congresso do PT, o paraíso terrestre está localizado na central nuclear iraniana de Natanz. Lula quer viver 950 anos, como Noé. Por isso, em 16 de maio, ele visitará o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad (Salmo 109 nele!) e obterá seu apoio para a candidatura de Dilma Rousseff. O apoio de Deus? Esse ele já tem.

ARI CUNHA

Réquiem para o Legislativo local

CORREIO BRAZILIENSE - 20/02/10


Tristes episódios os da Câmara Legislativa. Distritais se negam e não adotam decisão. Encostada no erário suga o dinheiro que nem sempre existe. Paulo Octávio disse que atendeu a recomendação do presidente Lula. Lula não se mete na política do Distrito Federal. É homem de discernimento. Paulo Octávio não sabe o que fazer. Distritais se escondem, espicham o cobertor que é pequeno. As pernas ficam de fora. Não há tranquilidade em ninguém. Os dedos da mão são muitos para contar os que têm juízo. Triste fim de um Legislativo que substituiu a Comissão do Senado. Acabar com a Câmara seria o melhor para a cidade. Democracia que constrói é a que pune a corrupção. Obituário lamentável para o Legislativo de Brasília.


A frase que não foi pronunciada

“Facilidade de perdão é incentivo ao crime.”
Ministro Marco Aurélio, ao deitar a cabeça no travesseiro.




Pioneiro

»
Na data de hoje, há 48 anos, o coronel Sereno era apresentado por Walmores Barbosa ao colunista. O fato ocorreu no Bloco 11 da 108 Sul. É dia para não esquecer nenhum desses amigos. Walmores já se foi. O coronel Sereno está na reserva. A melhor foto dele foi quando o corpo de Juscelino saía da Catedral. Tudo é lembrança.

Presente

»
Marcos Vinícios Vilaça, presidente da Academia Brasileira de Letras, enviou livro de Josué Montello. São crônicas escritas no correr dos anos. Histórias humanas bem tratadas pelo linguajar alegre do escritor maranhense. Certa vez, em companhia de Nita e Edílson Varela, estivemos no apartamento do intelectual em Paris.

Aviões

»
O que menos interessa às empresas de aviação é o conforto do passageiro. No Brasil não há classe executiva. O passageiro, gordo ou magro, é espremido numa poltrona que o proíbe de movimentos. Alimentação de baixa qualidade para tarifas cobradas às largas. Pode ser com aprovação da Infraero.

Cinco milhões

»
Raios caem nos temporais. São milhões por ano. Estudioso no assunto explica que o Brasil tem subsolo de metais não aproveitados, como o nióbio. E acrescenta que seria riqueza sem fim, se tudo fosse explorado.

Porta aberta

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Luiz Mendonça é jornalista e superintendente do Arquivo Público do Distrito Federal. Seu trabalho é abrir as portas para a história de Brasília. Na sua expressão, “arquivo parado é apenas um arquivo morto”. Daí o seu desejo de ouvir o maior número de brasilienses sobre suas atividades e sua vida no Distrito Federal.

Jereissati

»
Senador pelo PSDB do Ceará, Tasso Jereissati é dos maiores acionistas individuais da Coca Cola no mundo. Sondou a oportunidade para adquirir os outros 60% que pertence à holding da gigante americana.

Águas em S.Paulo

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Águas deslizam em São Paulo apavorando o homem e destruindo obras. As chuvas que continuam caindo são as piores dos últimos 63 anos. Projeto para renovar a infraestrutura não foi realizado. Só dentro de 10 a 15 anos a coisa poderá fluir sem trapalhadas.

Passagem de nível

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Brasília foi inaugurada com as passagens de nível ligando leste a oeste, construídas apenas nas superquadras sul de números pares. Em pouco tempo, o trânsito ficou apertado. Foi quando o prefeito da época mandou abrir as passagens nas superquadras. O trânsito aumentou. Hoje restam as filas e dificuldades para alcançar a pista das tesourinhas.

Construção

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A Asa Norte custou a ser construída. No Lago Norte, eram pistas desertas. Possível ver animais estranhos atravessando o asfalto. Nos dias frios, cobras de larga envergadura dormitavam no asfalto quente. Era a busca de calor. E eram desviadas pelos poucos motoristas.

Residências

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O prefeito de Brasília mandou construir apartamentos em quadras de quatro andares. Moradias eram usadas pelos funcionários recém-chegados. Alguns vindos do Rio alegavam morar na praia em apartamento com varandas. Era a condição exigida para melhores residências.



História de Brasília

Os pavilhões das Metas e o da exposição da Spvea, fechados, naturalmente, deviam ser reabertos para oferecer informações aos turistas sobre a cidade. (Publicado em 25/2/1961)

JOSÉ SERRA

REVISTA VEJA

Vida longa à Nova República

Nos 25 anos passados desde a redemocratização, a sociedade brasileira amadureceu, alcançou a estabilidade política e encontrou o rumo do crescimento


José Serra é governador de São Paulo e provável candidato do PSDB à Presidência da República

Carlos Namba
UM MARCO PARA O BRASIL
O comício das Diretas Já em São Paulo,
em 1984, foi a senha de que a Nova República
estava prestes a vir à luz

A Nova República completa 25 anos em março, mês em que Tancredo Neves deveria tomar posse na Presidência. Há razões para sustentar que se trata da fase da história do Brasil com o maior número de conquistas de indiscutível qualidade política e humana.

Em primeiro lugar, o país nunca havia conhecido um quarto de século ininterrupto de democracia de massas. É nítido o contraste com a oligárquica República Velha, de eleições a bico de pena, sacudida por intervenções nos estados, revoluções e instabilidade.

O período supera igualmente a fase democrática após a queda de Getúlio Vargas, em 1945. E não só pela duração – o regime da Constituição de 1946 foi desfeito em menos de vinte anos pelo golpe que derrubou João Goulart. A Nova República vai muito além na expansão sem precedentes da cidadania e na eliminação quase total das restrições ao direito de voto, com o eleitorado praticamente se confundindo com o universo da população adulta.

Longe de acarretar maior instabilidade, a ampliação da participação das massas populares coincide com um período de completa ausência de conspirações, golpes militares, quarteladas, intervenções preventivas e epílogos políticos trágicos ou temerários. Bem diferente do período anterior, que teve Aragarças e Jacareacanga, durante o governo de Juscelino Kubitschek; o movimento do marechal Lott, de 11 de novembro de 1955; o suicídio de Vargas, em 1954; e a renúncia de Jânio Quadros, em 1961.

Desde a Questão Militar do Império, passando pela primeira década da República, pela Revolta da Armada, pelo tenentismo, pela Revolução de 1924, pela de 1930, pela de 1932, pela insurreição comunista de 1935, pelo golpe de novembro de 1937 e pelo golpe de 1964, é a primeira vez que o fator militar desaparece da política brasileira, e a hipótese do golpe dos quartéis se torna na prática impensável.

Não se pode atribuir essa tranquilidade à ausência de fatores de desestabilização, que foram às vezes dramáticos: a doença e a morte inesperada do presidente eleito no momento mesmo da transição do regime militar para o civil, o processo de impeachment e afastamento de Collor.

Muito menos se pode alegar que tudo se deve a uma conjuntura econômico-social particularmente favorável. Ao contrário: boa parte dos últimos 25 anos se desenrolou sob o signo da aceleração da inflação, até atingir o limiar da hiperinflação, com o agravamento dos conflitos distributivos. Em seguida, houve a fase das grandes crises financeiras mundiais (1994-1995, 1997-1998, 2007-2008). Convém não esquecer a coincidência também com as décadas perdidas em matéria de crescimento econômico. Não faltaram reveses sérios que, em outras épocas, teriam abalado as instituições. Um dos maiores foi o fracasso do Plano Cruzado e dos inúmeros planos que se sucederam, alguns com medidas draconianas, como o confisco da poupança.

Não obstante tais obstáculos, a Nova República conseguiu completar com normalidade uma conquista que permaneceu fora do alcance dos regimes do passado. A alternância tranquila no poder de forças político-partidárias antagônicas provocava sempre a polarização e a radicalização da sociedade brasileira. São exemplos os períodos de 1954-1955 e, com consequências mais graves, entre 1961 e 1964. Neste quarto de século, a alternância passou a fazer parte das conquistas adquiridas: já ninguém mais contesta a legitimidade das vitórias eleitorais, do processo democrático e do natural desejo dos adversários vitoriosos de governar sem perturbações.

"Neste quarto de século, a alternância de poder passou a fazer parte das conquistas adquiridas: já ninguém mais contesta a legitimidade das vitórias eleitorais, do processo democrático e do natural desejo dos adversários vitoriosos de governar sem perturbações"

O resultado é ainda mais impressionante quando se observa que uma dessas alternâncias aparentemente mais contrastantes foi a chegada ao poder do Partido dos Trabalhadores, encarado, a princípio, se não como força desestabilizadora, ao menos de comportamento radical e deliberadamente à margem na política nacional. Basta lembrar, como exemplo, a decisão do PT de punir seus deputados que votaram em Tancredo Neves no Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, e sua recusa em homologar a Constituição de 1988.

O PT, aliás, acabou por ser, por paradoxal que pareça, um dos principais beneficiários dos grandes erros históricos de julgamento que cometeu. Nos dois primeiros casos, porque a eleição do primeiro presidente civil e as conquistas sociais e culturais da Constituição foram os fatores-chave que possibilitaram criar o clima que eventualmente conduziria o partido ao poder. Outros erros históricos seguiram-se àqueles. O partido também se opôs à estabilização da economia brasileira, denunciando com estridência o Plano Real, o Proer e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas soube, posteriormente, colher seus bons frutos.

Este último exemplo, o da estabilização, é especialmente notável. Os governos militares, apesar dos 21 anos de poder discricionário em termos de elaboração de leis e normas, com elevado grau de repressão social e sindical, fracassaram por completo em liquidar a herança da inflação, acelerada na segunda metade dos anos 1950, mas que provinha do fim da
II Guerra Mundial. Pior do que isso: agravaram em muito o problema ao criar a indexação da moeda, que tanto iria complicar o combate à inflação. Ao mesmo tempo, conduziram o país para a gravíssima crise da dívida externa a partir de 1981-1982, dando início a quase uma década e meia perdida no que respeita ao crescimento econômico.

O Brasil, que, segundo os estudos do professor Angus Maddison, havia sido por mais de um século, entre 1870 e 1980, o país de maior crescimento médio entre as dez maiores economias do mundo – EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, China, Índia, União Soviética, Brasil e México –, esqueceu a fórmula do crescimento e passou até a menosprezá-lo, como, aliás, ainda o fazem alguns.

Pois bem, o período de um quarto de século da Nova República, sem repressão nem poderes especiais, conseguiu finalmente derrubar a superinflação. Fez mais: resolveu o problema persistente da dívida externa herdada e até deu começo a uma retomada promissora do crescimento econômico, e à expansão do acesso das camadas de rendimentos modestos ao crédito e ao consumo, inclusive de bens duráveis.

Duas observações acautelatórias se impõem a esta altura. A primeira é que as conquistas da Segunda Redemocratização não foram o resultado de milagres instantâneos. Custaram esforços enormes e, com frequência, só se deram depois de muitas tentativas e erros. É por isso que o período tem de ser analisado na sua integridade, êxitos e fracassos juntos, já que estes são partes inseparáveis do processo de aprendizagem coletiva, para o qual contribuíram numerosos dirigentes e cidadãos numa linha de continuidade, não de negação e ruptura.

A segunda é que nenhuma conquista é definitiva, nenhum progresso é garantido e irreversível. Assim como não somos escravos dos erros do passado, tampouco devemos crer que a eventual sabedoria dos acertos de ontem se repetirá invariavelmente hoje e amanhã. É necessário destacar tal aspecto porque a estabilidade, o crescimento e os ganhos de consumo, no que concerne ao panorama econômico-social, ainda não têm garantidas as condições de sustentabilidade no médio e no longo prazos.

"As fases da história
não podem ser arbitrariamente datadas a partir de um ou outro governante ao qual queiram alguns devotar um culto de exaltação. Elas só terão coerência se corresponderem a instantes decisivos de mudança institucional: a República, a Revolução de 1930, a Primeira Redemocratização, em 1945, o golpe de 1964, a Segunda Redemocratização ou Nova República
"

Nosso dever é, por conseguinte, o de assumir com humildade e coragem a herança desses 25 anos, não para negar o passado, mas para superá-lo, a fim de fazer mais e melhor. Não é apenas por uma coincidência deste momento com o aniversário dos primeiros 25 anos da Nova República que devemos reclamar essa denominação, injustamente esquecida devido talvez às decepções dolorosas dos primeiros anos, quando a história nos surpreendeu com o desaparecimento prematuro de Tancredo Neves, o galope da superinflação e a renitência do patrimonialismo na vida pública brasileira. Mas o Brasil mudou para melhor.

A verdade é que os fatos alinhados acima, indiscutíveis na sua consistência e na sua imensa importância, atestam o discernimento e a sabedoria que deram perenidade à obra fundadora dos grandes responsáveis pela Nova República. E aqui evoco os nomes de alguns que já nos deixaram, além de Tancredo: Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Leonel Brizola, Teotônio Vilela, José Richa, Mário Covas, Sobral Pinto, Raymundo Faoro e Celso Furtado.

O exemplo inspirador de Nelson Mandela está aí para nos mostrar que a grandeza do instante fundador não se esgota naquele momento da partida, mas continua a fazer diferença no futuro. As fases da história não podem ser arbitrariamente datadas a partir de um ou outro governante ao qual queiram alguns devotar um culto de exaltação. Elas só terão coerência se corresponderem a instantes decisivos de mudança institucional: a República, a Revolução de 1930, a Primeira Redemocratização, em 1945, o golpe de 1964, a Segunda Redemocratização ou Nova República. A razão não é difícil de compreender e já está presente em Maquiavel: os fundadores de uma nova ordem na base da virtude em grande parte determinam como haverão de viver os homens e mulheres de acordo com as leis e a Constituição criadas.

O Brasil de hoje tem a cara e o espírito dos fundadores da Nova República: senso de equilíbrio e proporção; moderação construtiva na edificação de novo pacto social e político; apego à democracia, à liberdade e à tolerância; paixão infatigável pela promoção dos pobres e excluídos, pela eliminação da pobreza e pela redução da desigualdade. É na fidelidade a esse legado que haveremos de manter e superar o que até aqui se tem feito e realizar mais e melhor para o crescimento integral do povo brasileiro.

FALTA PETISTA

RUY CASTRO

Patrimônio da cultura

FOLHA DE SÃO PAULO - 20/02/10

RIO DE JANEIRO - "Mudando de conversa/ Onde foi que ficou/ Aquela velha amizade/ Aquele papo furado/ Todo fim de noite/ Num bar do Leblon/ Meu Deus do céu, que tempo bom!", cantou Doris Monteiro na noite de Quarta-Feira de Cinzas, na calçada da Toca do Vinicius, em Ipanema, depois de ter suas mãos gravadas em cimento para a Calçada da Fama.
Em seguida foi a vez do saxofonista Aurino Ferreira, veterano do Beco das Garrafas, do sexteto Bossa Rio de Sergio Mendes e músico de Wilson Simonal no apogeu do cantor, também imprimir as mãos. Aos 84 anos, firme como uma rocha e com fôlego de mergulhador, ele encarou com seu sax-barítono a juventude do quarteto No Olho da Rua, que o acompanhou em clássicos como "Insensatez", "Meditação" e "Batida Diferente".
A plateia, quase 1.000 pessoas na calçada e na rua, era composta de moradores de Ipanema -para quem os eventos da Toca só exigem trazer de casa uma cadeira de praia e sentar- e turistas de toda parte, fãs de bossa nova. A emoção provocada por Doris e a vibração gerada por Aurino não perderam em nada para o espírito do Carnaval que ainda ecoava.
Doris vem de um tempo, anos 50, em que os cantores tinham contratos fixos com boates, gravadoras, rádios e televisões e trabalhavam 365 dias por ano. Aurino faz parte da geração de músicos cariocas que, em 1959, 60, lançou as sementes do samba-jazz: possantes formações instrumentais, tocando sambas e bossas novas com liberdade jazzística e pesado sotaque de gafieira.
Uma noite como a da Toca não deveria ser vista como "nostalgia", nem dirigida apenas aos que "viveram aquele tempo". A música de Doris, de Aurino e de seus pares é um patrimônio da cultura brasileira e como tal deveria ser estudada. De preferência, ministrada por eles próprios.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

Empresário quer evitar retaliação aos EUA

FOLHA DE SÃO PAULO - 20/02/10


Depois que o presidente Lula assinou, no início deste mês, a medida provisória que possibilita a retaliação cruzada contra serviços e propriedade intelectual dos Estados Unidos, empresários começaram a se movimentar para evitar a ação.
Na segunda-feira, uma delegação de empresários organizada pela Amcham (Câmara Americana de Comércio) se reunirá com o Departamento de Comércio dos EUA e com congressistas, em Washington, para tentar evitar que o Brasil pratique de fato a retaliação.
Para Gabriel Rico, diretor-executivo da entidade, medidas muito drásticas são ruins para o comércio internacional e para o consumidor.
O direito de retaliar as importações dos EUA foi conquistado pelo Brasil na OMC (Organização Mundial do Comércio) em agosto de 2009, no contencioso do algodão.
"Queremos evitar a medida. Concordamos que o Brasil tem o direito de retaliar, mas essa não é uma boa solução comercial. O melhor é negociar."
A entidade pretende propor que os EUA facilitem a entrada de produtos brasileiros no mercado americano, segundo Rico.
"Vamos tentar sensibilizar as autoridades para que os EUA demostrem boa vontade por meio de compensação, com redução de tarifas aos produtos brasileiros e cotas de produtos que possam entrar sem tarifa."
Empresários também discutirão o tema com o embaixador americano no Brasil, Thomas Shannon, na Fiesp, na segunda.

Vamos tentar sensibilizar os EUA para que demostrem boa vontade, com redução de tarifas aos produtos brasileiros e cotas de produtos que possam entrar sem tarifa
GABRIEL RICO
diretor-executivo da Amcham

Mercado farmacêutico de atacado fatura R$ 16 bi, mas sofre com a crise

O mercado farmacêutico de atacado faturou R$ 16,3 bilhões no ano passado, o que representa redução de 2,7% na comparação com o ano anterior, de acordo com levantamento da Abafarma (Associação Brasileira do Atacado Farmacêutico).
Os reflexos da crise financeira internacional foram apontados como o motivo da retração do faturamento do setor em 2009.
"A julgar pelas baixas margens operacionais e pelos prazos de pagamento engessados pela indústria, o resultado é satisfatório", afirma Luiz Fernando Buainain, presidente da Abafarma.
Enquanto o número de medicamentos vendidos diminuiu no país, o de genéricos apresentou crescimento. No ano passado, mais de 174 milhões de medicamentos genéricos foram entregues às redes varejistas, aumento de 3,8% sobre 2008.

QUILOS A MAIS
Fabricantes de chocolate esperam uma Páscoa farta, para coelho nenhum botar defeito. As indústrias investiram no aumento da produtividade e na contratação de mão de obra para atender a demanda.
"Acreditamos em uma Páscoa forte, a melhor de todos os tempos", disse Stefenson Soalheiro, da Cacau Show. A estimativa da empresa é produzir 1.700 toneladas de chocolate neste ano, com aumento de 42% sobre o ano passado.
"Com os bons indicadores e a expansão da economia, o mercado de chocolates vai acompanhar o crescimento", disse Celso Ricardo de Moraes, presidente do grupo CRM, das marcas Kopenhagen, Brasil Cacau e Dan Top. A Kopenhagen prevê aumento de até 18% na produção e nas vendas deste ano.
A Village investiu em maquinários e aumentou a produtividade da fábrica em 40%, segundo Reinaldo Bertagnon. A previsão da empresa é crescer 10% neste ano, ante os 6% da Páscoa de 2009. "Aumentou a demanda por parte do varejo. Com a economia mais estável, a situação ficou bem favorável", disse Bertagnon.

MOTOR
A primeira ação conjunta entre a Caixa e o PanAmericano financiou 35 mil motos no Brasil. O volume total de empréstimos chegou a R$ 230 milhões. A expectativa das instituições é que o volume de financiamentos alcance 50 mil até março.

TESOURA
As vendas do setor de tecidos tiveram queda de 2,5% na primeira quinzena deste mês na comparação com igual período de janeiro, segundo o Sindicato do Comércio Atacadista de Tecidos de São Paulo.

CAPITALIZAÇÃO 1
O mercado de títulos de capitalização fechou 2009 com faturamento de R$ 10,1 bilhões -alta de 12% sobre 2008, segundo a Federação Nacional de Capitalização. Para 2010, o setor prevê novo aumento de 12% no faturamento.

CAPITALIZAÇÃO 2
São Paulo encerrou 2009 com R$ 3,7 bilhões de faturamento. O Rio registrou R$ 1,1 bilhão. A Bradesco Capitalização distribuiu cerca de R$ 35 milhões em prêmios no ano passado para 1.662 títulos contemplados.

MUNDO EMPRESARIAL
O professor Paulo Roberto Feldmann irá lançar, na segunda-feira, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo, o livro "Empresas Latino-Americanas -Oportunidades e Ameaças no Mundo Globalizado" (Editora Atlas, 181 páginas). Neste livro, Feldmann analisa os principais problemas que dificultam a expansão e o sucesso das empresas da região em um mundo globalizado.


com JOANA CUNHA e ALESSANDRA KIANEK