O GLOBO - 20/02/10
O presidente Lula aproveitou a sua ampla popularidade para, na comemoração dos 30 anos da fundação do PT, enquadrar mais duramente ainda o partido, que já ensaiava a recuperação de sua autonomia diante da possibilidade de vitória da ministra Dilma Rousseff na sucessão presidencial.
Na presunção de que, com sua eleição, voltará a ser o centro do poder partidário no novo governo, o PT tratou de aprovar um programa mais à esquerda, com pontos que suscitaram polêmicas no Programa Nacional dos Direitos Humanos ou na Conferência Nacional de Comunicações, como a taxação de grandes fortunas, o controle social dos meios de comunicação e a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais, que ainda está em discussão no Congresso.
Procurando tirar dos ombros de sua candidata oficial o esquerdismo petista, o próprio presidente disse em entrevista ao "Estadão" que o fato de o partido ter programas mais radicais não quer dizer que o futuro governo os adotará.
Também o PMDB pretende apresentar o seu programa para um eventual governo Dilma, que certamente se chocará com as diretrizes mais esquerdistas aprovadas ontem no programa do PT.
Mas o fato é que o próprio perfil político da candidata oficial, e a escolha de Marco Aurélio Garcia para coordenar sua campanha, dão coerência à tentativa petista de ir mais para a esquerda.
Entre o esquerdismo e o pragmatismo, Lula vai se equilibrando. Assim como pretende impor ao PMDB a escolha de Henrique Meirelles como vice na chapa oficial, para tranquilizar os investidores, Lula acena ao PMDB em contrapartida com acordos regionais que favoreceriam o partido em detrimento do PT, tudo com seu objetivo central, o de eleger sua sucessora.
É improvável que cumpra o que está afirmando, mas, se Lula e Dilma não forem a estados em que dois candidatos a governador sejam de sua base aliada, estarão prestando um auxílio grande à oposição, e rapidamente essa base se esfacelará.
A começar pelo PMDB, que não terá unidade suficiente para oficializar seu apoio à candidata petista sem a garantia de que o presidente popular estará presente nos palanques.
Dilma sem Lula simplesmente não existe, nem para o eleitorado nem para os partidos aliados. Lula abandonar a campanha eleitoral é uma possibilidade menor do que nevar no Nordeste.
O que ele está querendo é demonstrar dramaticamente que a receita para a vitória é a união dos aliados, tentando pressionar o PT a abrir mão de candidatura isolada em estados em que o PMDB também é forte.
A base aliada tem problemas sérios em vários estados. Na Bahia, o ministro da Integração Nacional , Geddel Vieira Lima, do PMDB, tem uma disputa pessoal com o governador Jaques Wagner, do PT, que parece ser insolúvel.
Embora tenha sido um aliado no governo Fernando Henrique, a composição com Geddel já pareceu mais fácil, a não ser que Paulo Souto, do DEM, desista da candidatura ao governo para apoiá-lo, o que parece difícil, mas não impossível, já que Souto está à frente de Geddel nas pesquisas.
Em Minas, a liderança das pesquisas é do ministro das Comunicações, Hélio Costa, do PMDB, mas o PT tem um esquema político forte que não abre mão de indicar seu candidato entre o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel e o ministro Patrus Ananias.
Costa também transita bem no PSDB do governador Aécio Neves, e daí pode sair uma negociação política que enfraqueça a base aliada do governo.
No Rio de Janeiro, a disputa entre o governador Sérgio Cabral, do PMDB, e o ex-governador Garotinho, do PR, está atingindo a candidatura de Dilma, que procurou Garotinho e irritou o governador peemedebista.
No Rio Grande do Sul, há a disputa do prefeito de Porto Alegre, José Fogaça, do PMDB, com o ex-ministro da Justiça Tarso Genro. Tido como apoiador da candidatura Serra, o prefeito peemedebista tem enviado sinais nos últimos dias de que pode ficar com Dilma, mas a relação do PT e do PMDB gaúchos é historicamente difícil.
Em Mato Grosso do Sul, o governador do PMDB, André Puccinelli, disputa a eleição contra Zeca do PT, e tem o apoio do PSDB estadual.
Essa tentativa petista de ganhar espaço para a esquerda no programa de governo de Dilma Rousseff não corresponde à trajetória do partido nos últimos anos, que o levou ao poder.
Para o cientista político Hamilton Garcia de Lima, professor do Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado da Universidade do Norte Fluminense, "os embates internos e os externos (eleitorais) foram importantíssimos para que Lula se agigantasse e, de certa maneira, se autonomizasse diante do próprio partido".
Segundo ele, somente depois de perder novamente no primeiro turno para Fernando Henrique, na eleição de 1998, "Lula e seu grupo se convenceram de que deviam mudar de rumo e romper com a obstinada postura antidemocrática da esquerda petista".
A Carta ao Povo Brasileiro, na eleição de 2002, inaugurou, na visão de Hamilton Garcia, "uma mudança fundamental no pacto petista, agora baseado na franca superioridade da intuição pragmática dos sindicalistas sobre o cálculo estratégico da esquerda".
Outro especialista em PT, o cientista político Paulo Roberto Figueira Leal, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), diz que "a busca pela maximização de votos acabou por conduzir o PT - sobretudo a partir do final dos anos 90 - a uma postura de maior aproximação com setores do eleitorado que não eram suas bases originárias".
Na sua análise, "se Dilma ganhar com o apoio dos eleitores 'lulistas' (muitos deles ideologicamente conservadores), não é razoável imaginar que esta conexão venha a ser substituída por um reavivamento das conexões mais esquerdistas dos primeiros anos do partido". (Amanhã, O Lulismo e o petismo)
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