quinta-feira, abril 25, 2019

Matemática rende uma reforma da Previdência por ano - MARCELO VIANA

FOLHA DE SP - 25/04

Profissões matematizadas podem contribuir com R$ 1 trilhão por ano para a economia


Marcelo Viana - Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France


Já escrevi aqui sobre o valor material da matemática. Da otimização de redes de produção e distribuição ao desenvolvimento de tecnologias de comunicação e informação, o conhecimento matemático é protagonista na economia mundial da era da internet. Quanto vale isso em dinheiro?

No início da década, quatro países —Reino Unido, França, Holanda e Austrália— realizaram estudos técnicos para quantificar a contribuição da matemática às suas economias. As conclusões foram análogas e impressionantes: de 10% a 11% dos empregos estão em profissões com forte conteúdo matemático, e essas atividades geram de 13% a 16% do PIB (produto interno bruto) desses países.

Traduzido para o Brasil, significa que a matemática pode somar R$ 1 trilhão (por ano!) à nossa economia. É o que o governo federal pretende economizar, em dez anos, com a reforma da Previdência. Como realizar esse potencial?

Mais um país europeu, a Espanha, acaba de publicar um estudo desse tipo. Por ser um caso um pouco mais próximo do nosso, as conclusões são especialmente interessantes para o Brasil. Os números são menores, mas ainda assim impressionantes. Atividades com forte incorporação da matemática criam 6% dos empregos e geram 10,1% do PIB da Espanha, ou seja, 103 bilhões de euros (R$ 455 bilhões) por ano.

Incluindo impactos indiretos, sobe para 19,4% dos empregos e 26,9% do PIB. As atividades mais impactadas são a informática, as telecomunicações, as finanças e a indústria de energia.

A produtividade dessas profissões matematizadas é comparável à dos países mais avançados: 47,20 euros (R$ 208,40) por hora. Segundo o estudo, "a diferença de impacto se explica pela estrutura produtiva espanhola, que está mais orientada para atividades com menor presença de profissões que requerem certa intensidade matemática".

O estudo contém diversas recomendações para sair desse relativo atraso, todas relevantes para o Brasil: tornar a matemática protagonista no sistema educacional, melhorar o diálogo entre o meio acadêmico e o empresariado, promover a pesquisa e as aplicações da matemática.

Há anos, a comunidade científica brasileira insiste que gasto em ciência não é custo, é investimento. Não conheço outro com retorno de R$ 1 trilhão por ano. Você conhece?

Carlucho: queima a rosca com a nomeação do priminho R$ 23.000,00

Leo Índio e Carlucho em folguedos. Numa das imagens, aparece Bolsonaro, o tiozão. Ascensão meteórica em Brasília. 

O novo projeto de reforma tributária - CELSO MING

O Estado de S.Paulo - 25/04

Na ânsia de mostrar serviço, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, saiu na frente do Executivo e, já em janeiro, patrocinou o projeto de reforma tributária elaborado e debatido há anos no Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), dirigido pelo economista Bernard Appy. Esse texto foi transformado em Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/19 e apresentado à Câmara pelo deputado Baleia Rossi (PMDB-SP).

Embora seja de entendimento mais complicado, porque é assunto de alguma densidade técnica, as mudanças tributárias analisadas nesta Coluna mexerão com a vida econômica de todo consumidor. Por isso, convém destrinchá-lo.

Este projeto é mais abrangente e mais consistente do que aquele que está sendo preparado pelo secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, porque unifica não só impostos federais (PIS, Cofins, IPI), mas, também, o ICMS, cobrado pelos Estados, e o ISS, cobrado pelos municípios. O nome proposto: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Funcionará nos mesmos moldes do atual ICMS que, em outros países, leva o nome de Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Isto é, será cobrado em cada fase da produção. As parcelas das etapas intermediárias funcionarão como crédito a ser abatido do pagamento subsequente até que este seja feito pelo consumidor final.

Diferentemente do caótico ICMS, cobrado tanto na origem como no destino do bem ou do serviço, o IBS será cobrado apenas no destino, ou seja, apenas no município de domicílio do consumidor. Aí vai uma questão, ainda sem solução. Na proposta, explica Appy, o destino da receita do IBS acabará sendo determinado pelo CPF do consumidor, acoplado a seu CEP de residência. Significa isso que o contribuinte terá de alterar seu CPF a cada mudança de domicílio?

Para assegurar a independência federativa, o imposto será recolhido à conta única do Comitê Gestor, organismo cuja administração será partilhada de maneira paritária pela Receita Federal e por representantes dos Estados e dos municípios. Tal futuro Comitê Gestor será encarregado de transferir, em regime automático, a parcela do imposto correspondente a cada esfera de governo.

As alíquotas correspondentes à parcela dos Estados e municípios poderão variar para cima ou para baixo do valor de referência, de maneira a garantir a autonomia de cada ente federativo.

A questão aparentemente mais complicada é a que prevê dupla transição. A primeira delas tem a ver com o que Appy chama de “transição na distribuição federativa da receita”. É a definição de um período de dez anos entre o sistema atual e o seguinte, de maneira a não produzir nem aumento da carga tributária nem perdas para cada nível de governo. É um período em que o novo imposto tomará progressivamente o espaço dos anteriores. Essa suavização foi o jeito encontrado para reduzir eventuais resistências dos políticos. Também ajudará a eliminar os compromissos assumidos pelos Estados que, na guerra fiscal, concederam desonerações de ICMS para estimular a instalação de fábricas. Essas desonerações desaparecerão a partir do momento em que o imposto será cobrado apenas no destino e não mais no Estado que concedeu a vantagem fiscal.

A segunda transição, de até 50 anos, tem por objetivo reduzir as perdas que o novo tributo imporá aos Estados e municípios “exportadores” de mercadorias e serviços, na medida em que beneficiará apenas os “importadores”.

Mas não há compensação para o caso de municípios-sede de grandes plantas industriais e de refinarias, como Paulínia e Cubatão, que hoje têm grande participação nas receitas do ICMS e que perderão grande parte dessa vantagem quando o imposto passar a ser cobrado no destino. Para Appy, “o critério que hoje beneficia Paulínia e Cubatão, por exemplo, produz brutal distorção federativa”.

O novo imposto exigirá nova atitude nas políticas de desenvolvimento regional. Appy observa que as políticas que vigoram hoje, como as das zonas francas, são ineficientes. A reforma é oportunidade para corrigir esse defeito. Hoje, a maioria das isenções e incentivos fiscais tem por base o imposto que deixa de ser cobrado onde o produto é produzido. Quando o IBS for cobrado apenas no destino, os benefícios desaparecidos terão de ser substituídos por novos mecanismos de incentivo.

Appy acredita que, graças à simplificação e à transparência do sistema, essa reforma aumentará em 10% o potencial de crescimento da economia e, nessas condições, aumentará a arrecadação, sem aumento da carga tributária.

Carteira verde e amarela - JOSÉ PASTORE

O Estado de S.Paulo - 25/04/2019

O Brasil tem espaço para reduzir os encargos sociais e criar novas oportunidades de trabalho


O governo pretende criar a carteira de trabalho verde e amarela, optativa para os jovens que começam a trabalhar, com menos encargos sociais e com o objetivo de gerar mais empregos.

A ideia é boa, mas há desafios. No Brasil, a contratação de empregados envolve despesas com encargos sociais e com remuneração de tempos não trabalhados que ultrapassam 100%. Um grande número dessas despesas decorre de mandamentos constitucionais: aposentadoria, FGTS, 13.º salário, repouso semanal remunerado, férias anuais, abono de férias, indenização na despedida,

aviso prévio, auxílio enfermidade, seguro de acidentes do trabalho e outros. Vários desses encargos incidem uns sobre outros. Só os citados geram despesas da ordem de 70% do salário.

Do ponto de vista político, acho difícil de aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional que venha a retirar esses direitos da Carta Magna. Ou seja, a carteira verde e amarela tem pouca chance para contratar jovens que trabalhem como empregados. O que fazer, então?

É verdade que o emprego convencional, assalariado, com habitualidade, subordinação e por prazo indeterminado, como reza o art. 3.º da CLT, será predominante por muito tempo. Mas, ao lado dele, multiplicam-se as novas formas de trabalhar – trabalho atípico, flexível, independente, autônomo, casual, por demanda, por projeto, etc. – que se afastam da relação de subordinação que caracteriza o emprego. Elas atendem os contratantes e os que desejam (ou precisam) trabalhar com flexibilidade e autonomia. Os jovens, em especial, valorizam muito mais a liberdade, a satisfação no trabalho, o crescimento pessoal do que as regras rígidas da relação de emprego. Para eles, as proteções das leis do emprego não servem porque estão atreladas ao emprego, e não às pessoas. Eles precisam de proteções portáteis que lhes permitam fazer zigue-zagues ao longo da sua carreira, passando por diferentes formas de trabalhar e estando sempre protegidos. É neste terreno que a carteira verde e amarela pode vingar.

O Brasil já tem algumas regras para proteger os que trabalham fora do vínculo empregatício, como é o caso das proteções previdenciárias do trabalhador que recebe por meio do Recibo de Profissional Autônomo (RPA) ou do microempreendedor individual (MEI). Além disso, há as proteções previdenciárias para os que contribuem individual ou facultativamente ao INSS.

Mas, é claro, precisamos ir além. Se o regime de capitalização social for aprovado na reforma da Previdência Social, estarão abertas oportunidades valiosas para proteger o trabalho fora da relação de emprego por meio de planos de seguro e de previdência privada. Muitos países avançados já fazem isso.

Em suma, o Brasil tem espaço para reduzir os encargos sociais e criar novas oportunidades de trabalho. Nos Estados Unidos, por exemplo, o jovem que estuda e trabalha algumas horas por semana em restaurantes, lojas, escolas, hospitais, etc., tem suas proteções garantidas mediante o recolhimento de uma contribuição de 15,3% que inclui 12,4% para a Previdência Social (Social Security )e 2,9% para o seguro de saúde (Medicare). Como o Brasil já tem o Sistema Único de Saúde (SUS) que dá acesso gratuito a todos os brasileiros, seria razoável fixar em 12% a contribuição ao INSS para os detentores da carteira verde e amarela, podendo ser compartilhada entre contratantes e contratados. Alternativamente, poder-se-ia simplificar as regras do artigo 3.º da CLT, que trata do vínculo empregatício. Deixo isso para os juristas.

Brasil, um país 1%: emprego e impostos indicam que economia anda no ritmo de 2017 e 2018 - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 25/04

Não há, por ora, motivos para acreditar que esta situação de modorra mude antes da metade do ano


A cada semana aparecem sintomas de que a economia brasileira se acomodou a um ritmo de crescimento de pouco mais de 1% ao ano, como em 2017 e 2018.

Os sinais mais recentes de lerdeza vieram dos balanços de março do emprego com carteira assinada e da arrecadação federal de impostos, divulgados nesta quarta-feira (24) pelo governo.

Desde outubro do ano passado, o número de empregos com carteira assinada cresce em torno de 1,4% ao ano. Nesse ritmo, apenas em março de 2022 o país voltaria a ter empregos formais na mesma quantidade de março de 2015. Não é uma previsão, claro, mas uma medida do tamanho do atraso e do estrago.
Desempregado mostra carteira de trabalho em fila por vaga no centro de SP -

Desde outubro do ano passado, o valor da receita de impostos do governo federal cresce cada vez mais devagar. A arrecadação do primeiro trimestre foi apenas 1,1% maior que a do início do ano passado (em termos reais: descontada a inflação). É outro indício de economia devagar, quase parando.

O emprego com carteira anda mal por causa da indústria, entre os grandes setores da economia. As fábricas até pareciam se animar um pouco em abril e maio do ano passado. A partir de outubro, o caldo entornou, e a panela de empregos novos ficou vazia. Desde então, o número de pessoas empregadas com carteira assinada é praticamente o mesmo (na comparação com o mesmo mês do ano anterior).

Há regiões e estados com problemas mais sérios de emprego, como o Nordeste, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, entre os maiores. A indústria pernambucana sangra empregos, assim como a fluminense, em particular nas fábricas de alimentos, bebidas, mecânicas e de material de transporte.

A construção civil, o grande setor que proporcionalmente perdeu mais empregos no país, ainda se recupera, mas de modo quase imperceptível, para não dizer irrelevante.

Os focos de crise são, pois, praticamente os mesmos desde o início desta recuperação, que, na verdade, falhou. O país está em uma espécie qualquer de depressão.

A gente tem costumado atribuir a frustração das previsões de crescimento à incerteza provocada por crises políticas anuais desde 2013 ou indefinição a respeito do conserto das contas públicas. Mas a vida do analista fica fácil, assim. Em parte, atribui-se o erro de estimativa a um efeito maior (e até então desconhecido) da incerteza sobre a atividade econômica.

Pode até ser. Pode ser coisa pior, um defeito mais crônico. Pode ser simples falta de um impulso de demanda (um empurrão qualquer do gasto do governo ou das empresas, investimento extra, difícil de fazer).

O fato é que não aumenta de modo relevante o investimento em novas instalações produtivas, construções, máquinas, equipamentos, o que faz a diferença na aceleração (ou freio) do ritmo da economia.

Há quem diga que, sem consertos de fundo, que dão resultados em médio e longo prazo, a coisa não vai. Mas não haverá longo prazo caso sobrevenha uma explosão qualquer de impaciência no curto prazo, “fadiga de reformas”, tumulto social e político.

Conviria pensar se a direção de curto prazo da economia está adequada. Obviamente, não virá milagre do crescimento, mas isso não é motivo para justificar passividade em temas que vão de juros a concessões de obras, por exemplo.

Em suma, não há, por ora, motivos para acreditar que esta situação de modorra mude antes da metade do ano. Pode piorar, se continuarem os surtos de tolice, picuinha oligofrênica e incompetência do comando do governo.

Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA)

Outra década perdida? - JOSÉ SERRA

O Estado de S.Paulo - 25/04

A solução para nossos problemas econômicos exige voto distrital misto e parlamentarismo


Tudo leva a crer que o ano de 2019 fechará mais uma “década perdida”, numa frustrante repetição do que ocorreu nos anos 1980. A expressão, na verdade um tanto exagerada e catastrofista, foi cunhada com relação àqueles anos, quando a economia brasileira, até então invejada por sua pujança, tropeçou no desequilíbrio externo e na superinflação, exibindo um crescimento medíocre do PIB, muito distante do ritmo do pós-guerra: cerca de 17% em dez anos. A presente década pode terminar sendo, em matéria de dinamismo econômico, pior do que aquela.

É bem verdade, porém, que a “década perdida”, numa perspectiva econômica, é um tanto injusta com o Brasil dos anos 80. Dado o crescimento rápido verificado no após guerra – e em parte devido às suas lacunas –, grandes problemas foram se acumulando, sintetizados na inflação galopante e no desequilíbrio externo, marcas da nossa transição de economia agrícola para industrial no historicamente curto espaço de 50 anos. Metrópoles expandiram-se com infraestrutura deficiente e a oferta agrícola não acompanhava a demanda crescente. Ademais, a população padecia de níveis muito baixos de instrução e pouco acesso à saúde.

Como é sabido, o modelo de desenvolvimento por substituição de importações que prevaleceu no pós-guerra, associado à urbanização rápida e à lenta modernização da agricultura, produziu uma economia concentrada, protegida da competição externa e menos propensa à inovação, e por isso mesmo sujeita a fortes pressões inflacionárias. A essas pressões estruturais se sobrepôs um relaxamento fiscal que decorreu de nossa complexa redemocratização, cujo momento crítico foi a Assembleia Nacional Constituinte.

A nova Carta trouxe-nos um federalismo mal calibrado e pouco consequente do ponto de vista fiscal, com a complicação suplementar de ter consolidado um corporativismo indomável e “de luta” no serviço público – que por bom tempo conseguiu passar-se por “defesa dos trabalhadores”. A fome juntou-se à vontade de comer e, unidas, confluíram num arranjo político fiscalmente precário, por mais que alguns governantes, aqui e ali, tenham tentado retirar a água do convés com pequenos baldes.

O Plano Real representou a grande guinada, ao controlar a superinflação aberta que se arrastara até 1994, por meio de uma engenhosa regra de desindexação. Logo após, outra grande obra política de Fernando Henrique Cardoso foi realizada: a renegociação das dívidas dos Estados e municípios, que garantiu a geração de superávits primários nos entes subnacionais e praticamente extinguiu os bancos estaduais, verdadeiras usinas de inflação.

Ainda assim, o Brasil pós-década de 80 não foi capaz de sustentar um regime fiscal conducente à estabilidade com crescimento. Nossas taxas de juros sempre foram muito elevadas, deprimindo o investimento e onerando as contas públicas. E a partir do segundo governo Lula houve um grande relaxamento fiscal.

Nesse percurso de tropeços das contas públicas foram feitas várias tentativas de controle pela edição de novas regras fiscais. O exemplo mais importante foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, que cumpriu importante papel, apesar que vários de seus dispositivos terem sido interpretados de forma equivocada, como no caso de se permitir que em Estados e municípios parcelas importantes dos gastos com aposentados e despesas de pessoal não fossem computadas na apuração do porcentual máximo de 60% de gastos com o funcionalismo. Vários Estados continuam até hoje formalmente enquadrados nessa regra, mesmo sem conseguir manter a folha em dia. Surreal! O Brasil é bom para criar regras fiscais – e melhor ainda para driblá-las.

A possibilidade de desagregação fiscal nos governos subnacionais ainda representa uma grande ameaça. Se não for contida, não só continuará tolhendo o crescimento econômico, como poderá ressuscitar a inflação. Por trás de tudo isso está o nosso sistema político disfuncional e fragmentado.

As dificuldades que se insinuam para a reforma da Previdência nada mais são do que um sintoma dessa doença do nosso corpo político. O Congresso tornou-se uma federação de quase 30 partidos, nenhum deles em condições de liderar uma maioria apta a implantar o que deseja a sociedade: um Estado saneado e apto gerencialmente a entregar serviços de qualidade em educação, saúde e segurança. Ao contrário, o atual sistema político não forma maiorias programáticas, é implacável em opor vetos e está continuamente dando lugar à expansão de gastos.

A dinâmica formal do Congresso revela essa disfunção. Como existem numerosos partidos, cada qual com seus líderes, um simples encaminhamento de voto toma longas horas, às vezes dias. Um partido pequeno pode entremear esse suplício com questões de ordem variadas e, assim, obstruir votações.

Os presidentes das Casas e das comissões têm de recorrer a acordos prévios com todas as lideranças para que as votações sejam concluídas. O risco, obviamente, é a diluição de todas as propostas votadas quando a questão é controversa. As exceções são os momentos em que a votação contempla o interesse geral dos parlamentares, como no caso da aprovação em tempo recorde da emenda do orçamento impositivo. Aliás, se prevalecer a redação atual, o pouco poder de barganha que restou ao Executivo será obliterado.

O presidencialismo é condenado por essa fragmentação, que só tende a aumentar. A solução para nossos problemas econômicos exige, ao menos como condição para se tornar politicamente viável, a adoção de um novo sistema eleitoral e um outro sistema de governo: o voto distrital misto e o parlamentarismo. Com eles, abrimos a possibilidade de os próximos anos se inscreverem numa década ganha, em vez de mais uma vez perdida. Como e o porquê é um tema para próximos artigos.

*Senador (PSDB-SP)

Polêmicas que emburrecem - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP 
24/05

O Brasil perde tempo com idiotices de um aloprado


O Brasil, tão atrasadinho, coitado, está retrocedendo ainda mais no no quesito inteligência, ao dar corda às polêmicas suscitadas por essa tremenda fraude chamada Olavo de Carvalho.

Esse astrólogo funciona mais ou menos assim: se a mídia toda está discutindo quem é o melhor jogador do mundo, se Messi ou Cristiano Ronaldo, ele entra com um palpite imbecil. Diz que o melhor é, na verdade, Deyverson, esse medíocre centroavante palmeirense.

O palpite é tão cretino e tão inusitado que, naturalmente, induz à polêmica, que é o esporte em que o astrólogo se sente à vontade. É claro que todas as pessoas que tenham ao menos meio neurônio não ligam a mínima para o que diz Carvalho.

Mas sempre há os de miolo mole que param para pensar se, de repente, o astrólogo não tem razão e se Deyverson não é de fato melhor que Messi e CR7. Também sempre há os que, incapazes de se destacar em seus ambientes a partir de uma argumentação racional, apegam-se às idiotices de Carvalho como forma de aparecer.

O que choca é que uma pessoa como Hamilton Mourão, que fez todos os cursos necessários para chegar ao generalato, entre na pilha do chamado bruxo de Virgínia e se deixe envolver nas polêmicas idiotas que ele promove.

Que os filhos do presidente se animem a servir de alto-falante para Carvalho até dá para entender. Afinal, nenhum deles nem o pai são exatamente gênios da raça.

Choca também que uma porção de gente, os jornalistas, inclusive, estamos sendo arrastados para essa besteirada toda. Temo que estejamos todos caindo em um esquema que um pilantra notório como o italiano Silvio Berlusconi adotou, conforme se pode ler em artigo para o jornal THe New York Times de Luigi Zingales (Universidade de Chicago):

Berlusconi “era tão fanaticamente obcecado com sua personalidade que qualquer debate substantivo desapareceu; o foco ficou apenas em ataques pessoais, e o efeito foi aumentar a popularidade de Berlusconi".

Vale para a Itália de Berlusconi, vale para o Brasil de Olavo de Carvalho. É o que percebeu, por exemplo, o leitor Gustavo Felício Moraes, do Rio, que escreveu no Painel do Leitor desta quarta-feira (24):

“As crises sucessivas e o desgaste provocado pelas diferentes alas do governo —a militar e a do Olavo— parecem fabricados com o objetivo de tirar o foco do principal: discutir e resolver os reais problemas da nação. Não existe um plano estratégico".

Pois é, Gustavo, um aloprado que só fanáticos levavam a sério agora frequenta dia sim, outro também, as primeiras páginas dos jornais.

É ou não é muita burrice?

Clóvis Rossi
Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

O Brasil estatista e intervencionista não deu certo - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 25/04

Pacto nacional na terceira década

O Brasil precisa marcar um encontro com a verdade, fazer uma profunda autocrítica, admitir seus pecados e firmar um pacto nacional consigo mesmo que não aceite desperdiçar mais uma década, a terceira do século 21, nem continuar patinando na pobreza e na mediocridade. A segunda década deste século já está perdida. O país continua pobre e desigual. Tendo tudo para atingir a grandeza e ser rico, o país hospeda milhões de miseráveis, outros tantos de pobres, e um padrão de vida médio bem inferior ao de nações que não têm os recursos naturais de que o Brasil dispõe.

A renda por habitante baixa (em torno de um quinto da renda per capita dos Estados Unidos), o desemprego, o baixo padrão de bem-estar social das camadas mais pobres, as más condições de saúde, o sofrível nível educacional e o assustador número de mais de 60 mil homicídios anuais são alguns aspectos do fracasso brasileiro. Durante décadas após a Segunda Guerra Mundial falou-se na ideia do “Brasil Potência” ou no “Brasil Grande no ano 2000”, mas o resultado foi o país ter adentrado o terceiro milênio mergulhado no repetitivo mar de desastres econômicos e misérias sociais.


O fato é que o Brasil estatista, intervencionista, com governo grande e regulação de todos os aspectos da vida, não deu certo

Tendo jogado fora as ondas de prosperidade ocorridas no mundo – inclusive após a crise dos anos 1980, quando a economia mundial se reformou e muitos países experimentaram expansão econômica e modernização tecnológica –, imaginava-se que o Brasil iria aproveitar os anos seguintes ao fim do regime militar em 1985, e em especial as duas primeiras décadas deste século 21, para se desenvolver. Ao adentrar o primeiro ano do terceiro milênio, o país havia conseguido vencer um fantasma que massacrou a nação por muitos anos: a inflação, que fora debelada com o Plano Real implantado em 1994. Mas não. De novo, o Brasil jogou fora uma oportunidade, terminou a primeira década deste século pobre e pode chegar ao fim da segunda década com a renda por habitante em 2020 menor que em 2010.

Em sua história política recente, após o fim do governo militar, o Brasil foi governado por todas as principais forças políticas nacionais. Em 1985, assumiu um governo civil liderado pelo PMDB, com José Sarney governando desde o primeiro mês do mandato em razão da doença e morte do titular, Tancredo Neves. Vieram as eleições diretas e o país elegeu Fernando Collor, candidato de um partido pequeno, que governou de março de 1990 a dezembro de 1992, quando foi deposto pelo Congresso Nacional. O PMDB voltou ao poder com Itamar Franco, o vice que completou o mandato de Collor até a posse de Fernando Henrique Cardoso em 1º de janeiro de 1995. Assim, de 1995 a 2002, outra força política representada por outro grande partido, o PSDB, governou o Brasil nos dois mandatos de Fernando Henrique. De 2003 a agosto de 2016, o país experimentou 13 anos e oito meses de outro grande partido, o PT, um partido de esquerda, dominado por socialistas e sindicalistas. Com o PT no poder nos oito anos de Lula e cinco anos e oito meses de Dilma, o Brasil acabava de ser governado por todas as grandes forças políticas da nação.

Agora, desde janeiro de 2019, o país começa um novo governo, com um partido pequeno, um presidente conservador nos costumes e uma equipe de liberais na economia. Como o país nunca praticou o liberalismo econômico, a possibilidade de o ministro da Economia, Paulo Guedes, levar adiante seu programa liberal significa a oportunidade para testar algo diferente, pois todos os governantes desde Getúlio Vargas estiveram ao lado de uma economia estatizante e intervencionista, com alguns rasgos de liberalização e privatização. O fato é que o Brasil estatista, intervencionista, com governo grande e regulação de todos os aspectos da vida, não deu certo. O país termina a segunda década pobre, desigual e violento.

O ministro Paulo Guedes fez um comentário interessante sobre o recente episódio do aumento dos combustíveis, que teria sido cancelado por uma reclamação feita pelo presidente Bolsonaro ao presidente da Petrobras. Paulo Guedes perguntou se alguém já viu caminhoneiros na porta do presidente dos Estados Unidos, ou do Canadá, ou da Inglaterra, pressionando por causa de aumento de preços dos combustíveis. Não, ninguém nunca viu, e a razão é simples: esses países vivem uma economia livre de mercado, na qual há centenas de empresas petrolíferas. No Brasil, há somente uma empresa, um monopólio estatal (que na prática nunca foi quebrado). O modelo estatista, nacionalista, intervencionista, protecionista e populista não deu certo, logo, vale tentar outro modelo, mais próximo das nações desenvolvidas do mundo.

O Brasil precisa encontrar um caminho capaz de usar a terceira década deste século para começar a mudar sua história, promover o crescimento econômico e superar a pobreza. Ainda que pessoas e partidos políticos possam divergir em matéria de economia, há um conjunto de pressupostos que são consensuais no mundo inteiro, dos quais o país não poderá fugir se quiser mudar a trajetória de atraso e mediocridade que caracterizaram as últimas sete décadas.

Filhos não entenderam o que fez Bolsonaro vencer e ainda estão em campanha - RODRIGO CONSTANTINO

GAZETA DO POVO - PR 25/04
Por que Bolsonaro foi eleito? São vários fatores, claro. Entre eles, o antipetismo, a facada de Adélio, a Lava-Jato, a economia, a indignação popular contra o establishment, o desejo de mudança na parte cultural, o liberalismo econômico de Paulo Guedes, o cansaço com o partidarismo da imprensa etc. Cada um votou por uma razão, e o somatório de causas explica a vitória.

Mas a ala ideológica do governo, liderada pelos filhos Eduardo e Carlos, juram que foi Olavo de Carvalho quem garantiu a vitória do pai. Eles menosprezam todos os outros fatores, e acreditam que quase 58 milhões votaram em Bolsonaro porque desejam reverter a “guerra cultural” contra o “globalismo”.

Com mapa de fundo tão equivocado, os filhos do presidente depositam no guru um poder que, na prática, ele nunca teve. Serve para alimentar o ego do filósofo, e para reforçar uma narrativa de constante combate contra terríveis forças do mal. Essa mentalidade tribal atende aos interesses de quem vive em campanha, não de quem precisa governar um país.

Infelizmente, o próprio presidente é muito influenciado pelos filhos e pelo guru. Passou um pito recentemente em Olavo de Carvalho, mas não é capaz de efetivamente desautorizar os filhos, que, logo depois, dedicaram inúmeras postagens contra o vice-presidente Mourão. Carlos está prestes a completar 40 horas de ataques ininterruptos ao vice do pai, e seu irmão endossou o coro: “função de vice não é dar opinião!”

Mourão foi eleito junto com Bolsonaro numa chapa, assim como Dilma e Temer (e muitos bolsonaristas alegaram exatamente isso quando os petistas disseram que não elegeram Temer). Não nego que Mourão tem feito declarações que podem ser consideradas antagônicas à agenda do governo, mas em parte seu papel tem sido o de moderação e contemporização num ambiente de batalha constante.

Para os filhos do presidente, isso é ato de traição. O próprio Bolsonaro, em áudio vazado, disse que Mourão terá uma “surpresinha” em 2022. Olavo de Carvalho declarou guerra aberta ao vice, tratado como um pústula traidor. O clima é de bagunça geral, e a postura dos filhos de Bolsonaro tem tudo a ver com isso.

A pesquisa CNI/Ibope mostra que Bolsonaro tem aprovação baixa, de apenas 35%, enquanto aqueles que consideram seu governo ruim ou péssimo já chegam a 27%. É a economia, estúpido! “Templários” podem brincar de revolução no Twitter ou passar o dia atacando o vice-presidente escolhido por Bolsonaro e eleito pelo povo na mesma chapa, mas o povo, aquele real, quer mesmo é emprego!

O projeto de Eduardo e Carlos, porém, parece ser outro. Mais preocupados com o clã do que com o país, a narrativa, produzida pelo guru e disseminada pela militância, é a de que Bolsonaro é um “mártir” em meio a traidores. O presidente seria “amado pelo povo”, mas todos tentam boicotar seu governo. É um discurso claramente personalista e populista, até mesmo fascista. Congresso não presta, Judiciário não presta, militares não prestam, o vice não presta: só o presidente, adorado pelo povo, presta!

Essa tática de constante combate, que já foi chamada de “presidencialismo de colisão”, em vez de presidencialismo de coalizão, tem sido prejudicial ao extremo para o governo. Mas eis um corolário dessa mentalidade: toda crítica, por mais construtiva que seja, será tratada como ataque de inimigo. Essa turma só aceita bajuladores, aqueles que abaixam a cabeça e dizem “amém” para tudo.

Quem vê a coisa degringolar diante dos seus olhos e quer ajudar o governo a dar certo acaba tratado como inimigo ou traidor também. O governo não precisa de oposição da esquerda ou da imprensa: ele cria suas próprias intrigas e confusões. Mas quem demonstra receio, quem teme que essa conduta vá atrapalhar as reformas, recebe pedradas. É a eterna campanha, e dane-se o governo!

O próprio Eduardo Bolsonaro, rebatendo um texto meu que foi publicado pelo cantor Roger Moreira, demonstra como ainda vive preso na mentalidade de campanha eleitoral:



O pior é que essa ala baderneira nacional-populista, seguidora de Olavo e Bannon, está quase conseguindo fazer com que isso seja desejável. A insatisfação com a postura dos filhos do presidente é crescente nos bastidores da direita, entre liberais e conservadores. Cada vez restam apenas os bajuladores incondicionais ao lado deles, aqueles conhecidos como “minions”. Alguns já chegam a questionar se não seria melhor mesmo um tucano – até um tucano! – ou Mourão como presidente. É o custo de se eleger um “meme” ambulante.

Repito: Bolsonaro venceu por várias razões, e a militância virtual aguerrida é uma delas, mas nem de perto a única. E o que serve para vencer eleição não necessariamente é o que serve para governar uma nação. Agora Bolsonaro é governo, está no poder, e o PT foi derrotado. A prioridade é outra. A pauta é outra. Mas os filhos do presidente parecem não ter se dado conta disso. E pior: o próprio presidente às vezes demonstra o mesmo.

O bolsonarismo precisa de inimigos terríveis como ameaça constante, e de pensamento binário de torcida de futebol: está comigo ou contra mim! Nesse processo, não há espaço para liberais e conservadores que detestam o PT e também os tucanos, que reconhecem o viés esquerdista da mídia, que desejam uma guinada à direita, mas que nem por isso fazem vista grossa para a postura autoritária e reacionária do nacional-populismo.

É por isso que pessoas como eu, com longa trajetória de combate ao petismo e à social-democracia tucana, que sempre condenou a imprensa “progressista”, que deseja uma guinada conservadora nos costumes, acabam sendo vistas como “comunistas” pela ala jacobina. É tudo ou nada! Eduardo pode “casar” com uma figura como Steve Bannon, que Trump colocou para escanteio, pode paparicar governos autoritários da Europa, e ninguém deve criticar, pois isso significaria a volta do PT ao poder.

Eduardo pode não querer escutar meus conselhos. Tem todo direito de preferir escutar aqueles de Olavo e Bannon que, para ele, foram responsáveis pela vitória do seu pai. Mas depois não poderá reclamar se o governo naufragar. Bannon pode até ter sido importante para a vitória de Trump, mas o presidente soube avaliar a diferença entre campanha e governo, e por isso Bannon foi chutado da Casa Branca. É essa lição preciosa que Bolsonaro precisa aprender com Trump.

Trapalhadas em família - MIRIAM LEITÃO

O Globo - 25/04

Bolsonaro se deixa dominar pelos filhos, que atacam integrantes do governo, como o vice-presidente, e assumem poderes que não têm

O último surto dos filhos do presidente mostra, uma vez mais, a situação bizarra em que o Brasil se encontra. Um vereador do Rio fica dando ordens de bom comportamento ao vice-presidente da República. A família do governante se comporta como se o país tivesse escolhido, nas urnas, o clã inteiro para governar. O presidente não consegue ter a mínima autoridade em sua própria casa e aparece como um joguete na mão dos filhos.

Quando era perguntado sobre por que demonstrava pensamentos diferentes dos do então presidente João Figueiredo, Aureliano Chaves costumava responder: “não sou demissível ad nutum”. Esse é o ponto que inquieta os filhos do presidente. O vice-presidente, Hamilton Mourão, foi eleito, tanto quanto Bolsonaro, e tem suas próprias ideias. Não há razão alguma para que não possa tê-las, até porque na democracia a diversidade sempre foi melhor que a ordem unida.

Mourão não apareceu na vida nacional por ser um disciplinado soldado. Pelo contrário, exatamente por expor suas ideias — de admiração pelo regime militar — o general Mourão foi duas vezes punido antes de ir para a reserva. As suas indisciplinas, aliás, não foram piores que as do capitão Jair Bolsonaro, que acabou preso por 15 dias por desafiar superiores. Portanto, que não se peça agora a Mourão que apenas bata continência, seja um soldado de Bolsonaro. Goste-se ou não, ele tem um mandato.

Já os filhos do presidente não têm mandato para dar ordens na administração da República. Carlos foi eleito vereador, pode cuidar dos inúmeros problemas da cidade do Rio. Eduardo, seu irmão mais novo, foi eleito deputado federal e tem um mandato a exercer na Câmara. Os dois ontem estavam no Twitter se revezando em críticas a Mourão. Eduardo, a propósito, também não é — é bom lembrá-lo disso —o ministro das Relações Exteriores. O cargo está mal ocupado, é verdade, mas isso não dá ao filho número três a liberdade de assumir o comando da política externa. Flávio, o primogênito, atingido por um escândalo na largada, que ainda não explicou, ficou mais quieto inicialmente. Mas já apresentou uma ideia completamente sem sentido de acabar com a reserva legal nas propriedades rurais. Como senador, ele deveria ter a responsabilidade de estudar, por alto que seja, os assuntos sobre os quais quer fazer algum projeto.

Mas mais do que terem mau desempenho como parlamentares, os três filhos do presidente criam dificuldades para o país atacando integrantes do governo do pai. Uma frente de constrangimento vem do autodenominado filósofo Olavo de Carvalho, a quem Carlos e Eduardo, e o próprio presidente, prestam uma patética vassalagem. Os ataques que, dos Estados Unidos, ele dispara contra pessoas como o ministro Santos Cruz, ou o próprio vice-presidente, não teriam a mais remota relevância. Têm destaque quando o presidente posta em rede social uma entrevista na qual ele mistura seus costumeiros palavrões, pensamentos rasteiros, com críticas a integrantes do governo.

O país está em uma enorme crise. Ela foi em grande parte herdada da última administração, mas o ex-presidente Temer tinha reduzido a dimensão do problema e deixado uma série de boas propostas prontas para serem assumidas pelo governo. Cabia ao presidente Bolsonaro aproveitar o momento de otimismo com a sua eleição e tomar decisões que ajudassem a tirar o país dessa longa estagnação.

A confiança na capacidade do governo Bolsonaro está derretendo entre os agentes econômicos e o mercado financeiro. Sua popularidade está em queda rápida. E isso, na visão dos analistas, tornará mais remota a possibilidade de o governo aprovar as necessárias reformas econômicas.

Enquanto o país se preocupa com problemas reais — a alta taxa de desemprego que não cede, as projeções do PIB que desabam, a falta de perspectiva do país, o dólar que volta a rondar a casa de R$ 4,00 — a família presidencial gasta o seu tempo, e a nossa paciência, postando críticas a supostos inimigos do pai, mesmo quando estão dentro do governo, como o vice-presidente Hamilton Mourão. Há, sinceramente, problemas maiores no país do que eventuais divergências de opinião entre Bolsonaro e seu vice. As trapalhadas dos filhos também seriam vistas como cômicas — que de fato são — se o presidente não fosse tão dominado por seu círculo familiar. Por isso é que um assunto menor passa a ser um problema da política nacional.

O vice vira peão - BRUNO BOGHOSSIAN

Folha de S. Paulo - 25/04

Bolsonaro faz jogada arriscada, mas esquece que o vice não pode ser demitido


A deputada Perpétua Almeida foi à tribuna da Câmara na terça-feira (23) para defender Hamilton Mourão. Apesar de ser vice-líder do PC do B, a parlamentar contou que estivera com o general na véspera para falar sobre o Acre e aproveitou para prestar solidariedade.

“Eu acho uma injustiça esse fogo amigo deste governo Bolsonaro que está aí. Nem sequer consegue se entender!”, reclamou a comunista.

Sob ataque da ala extremista do bolsonarismo, o vice-presidente virou um peão no tabuleiro político. Mourão passou a ser explorado pela oposição, pelo Congresso e, principalmente, pelos radicais da direita.

Carlos Bolsonaro e seus amigos saíram em campanha para acusar Mourão de conspirar contra o presidente e impedir a transformação do país numa república fundamentalista “olavista”. Se o governo continuar acumulando erros, o grupo pode simplesmente jogar a culpa pelo fiasco na conta do vice traidor.

Já os opositores de Bolsonaro aproveitam para fustigá-lo. Márcio Jerry, também do PC do B, disse que o caso é grave. “Não podemos tratar isso como uma coisa engraçada, como se fosse apenas o ‘tresloucamento’ de uns maluquinhos por aí”, afirmou.

Até o presidente da Câmara moveu a peça algumas casas em sua direção. Rodrigo Maia aproveitou o aumento da temperatura para dar uma demonstração de poder: pegou a caneta e arquivou um exótico pedido de impeachment contra Mourão.

Parte dos aliados de Bolsonaro diz que passa vergonha com o conflito. “Isso tem sido constrangedor. É isso que a esquerda sem moral espera: que nos confundamos entre nós e nos batamos. Mas não vai acontecer”, queixou-se Julian Lemos (PSL), depois de ouvir provocações.

Bolsonaro também usou Mourão como peão na crise que culminaria no impeachment de Dilma. Quando o general defendeu a derrubada da petista, o então deputado disse que a presidente e seus ministros poderiam exonerá-lo, “mas não podem demiti-lo”. Agora, é ele quem está diante de uma figura indemissível.

Um país atolado na incerteza - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 25/04

Desconfiança e cautela continuam sendo palavras de ordem nos mercados, enquanto se esperam os próximos lances da reforma da Previdência. O dólar, um dos melhores sinalizadores do humor dos investidores, disparou e foi negociado ontem a pouco mais de R$ 3,98 no começo da tarde. Fundamental para o futuro da economia brasileira, a reforma das aposentadorias havia completado com muita dificuldade só a primeira etapa na Câmara dos Deputados. Vencida a fase mais simples, a aprovação do projeto na Comissão de Constituição e Justiça, investidores, empresários e até economistas do Executivo tinham pouco ou nenhum motivo para maior otimismo. A inépcia política do governo havia sido o grande espetáculo da noite anterior. Na manhã de ontem, novos números de várias fontes confirmaram a fraqueza dos negócios, a escassez de empregos e a precária condição das contas públicas. Como elevar as apostas, se nem o presidente da República mostrava disposição para batalhar pelos ajustes mais importantes?

Uma das primeiras más notícias do dia foi a perda, em março, de 43.196 vagas formais – resultado das admissões e demissões no mês, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério da Economia. O acumulado no trimestre ainda foi positivo, com saldo de 179.543 contratações, mas os dados do mês surpreenderam os analistas. O recuo poderia ser explicado, pelo menos parcialmente, pela antecipação de contratações em fevereiro, mas está aceso mais um farol de alerta. Nos primeiros três meses, a geração de empregos com carteira assinada foi 15,9% menor que no período de janeiro a março do ano passado.

Vagas fechadas e consumo estagnado combinam com inadimplência. O número de consumidores inadimplentes chegou em março a 63 milhões, o maior contingente da série iniciada em 2016, segundo a Serasa Experian. Por esse balanço, 40,3% das pessoas adultas estão com dívidas atrasadas e negativadas. Houve um aumento de 2 milhões em um ano.

Desemprego, concentração de gastos no início do ano (IPTU, IPVA, etc.) e um repique da inflação no primeiro trimestre pressionaram as famílias, comentou o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian.

O repique inflacionário, puxado principalmente pelos preços da comida, pode ser passageiro, como estimam muitos economistas, mas os aumentos afetaram as expectativas dos consumidores. A mediana da inflação esperada para os próximos 12 meses subiu de 5,1% em março para 5,3% em abril, segundo a Fundação Getúlio Vargas. Houve piora das projeções em todas as faixas de renda.

As contas do governo federal também continuam fracas. No mês passado, o poder central arrecadou R$ 109,8 bilhões, 5,2% menos que em fevereiro, descontada a inflação. Em relação a março do ano passado a queda foi de 0,58%, de acordo com a Receita Federal.

Até março, o valor arrecadado superou por 1,09% o dos três meses iniciais de 2018. O resultado mensal veio no piso das estimativas de 23 instituições consultadas pela Agência Estado, com valores entre R$ 109 bilhões e R$ 122 bilhões. A soma recolhida ficou, no entanto, dentro das expectativas da Receita, segundo o chefe do Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros do órgão, Claudemir Malaquias. Mas as projeções, esclareceu, haviam sido rebaixadas em fevereiro.

O baixo nível da atividade econômica tem prejudicado a arrecadação desde 2015, lembrou o coordenadorgeral de Política Fiscal da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia, Bernardo Schettini. Segundo ele, uma sondagem realizada pela secretaria mostrou um setor privado em compasso de espera. A mudança do quadro, observou, depende de um “cenário mais claro para as contas públicas”. A aprovação integral da reforma da Previdência, resumiu, traria fôlego maior para o crescimento da economia.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, defende opinião semelhante e assinala uma condição política: a reforma será aprovada mais seguramente se o presidente Jair Bolsonaro se convencer de sua importância. Não houve, ainda, sinal disso.

Como Olavo passou de ideólogo militar a rival - MARIA CRISTINA FERNANDES

Valor Econômico - 25/04

Guru inflou ego militar abalado pelas políticas de reparação

Antes de se transformar no principal ideólogo da conspiração militar no governo Jair Bolsonaro, Olavo de Carvalho fez carreira como conferencista em colóquios das Forças Armadas e recebeu estreladas condecorações.

Ao eleger o general Hamilton Mourão, como seu principal alvo, Olavo refaz sua trajetória e volta ao ponto de partida de sua aproximação com os militares. Data do governo Fernando Henrique Cardoso, quando se tomaram as primeiras medidas de reparação da ditadura, movimento que também projetou tanto o presidente da República em sua pregação parlamentar quanto o atual vice, notório polemista em seu generalato nas Forças Armadas.

Olavo de Carvalho forneceu o substrato do discurso injustiçados-nunca-mais que lustrou a auto-estima militar num momento em que tiveram início a exumação de ossadas e a indenização de familiares de vítimas notórias do regime, como a filha de Carlos Lamarca.

Uma de suas primeiras conferências se deu no Clube Militar, no Rio, por ocasião dos 35 anos do golpe e a convite do general Helio Ibiapina. Presidente do clube por quatro mandatos consecutivos, Ibiapina chefiava a repressão em Pernambuco quando o líder comunista Gregório Bezerra, amarrado à corda de uma guarnição militar, foi exibido pelas ruas do Recife como um troféu da quartelada.

Neste discurso, o Olavo de 20 anos atrás apareceu irreconhecível. A fala, de improviso, foi transcrita e recebeu o nome de "Reparando uma injustiça pessoal". Nela, o escritor declamou um longo mea-culpa da oposição que fizera ao golpe. Naquele dia, lustrou os brios de militares humilhados pelo discurso da reparação. Disse que eles deveriam se orgulhar de terem desmontado as guerrilhas comunistas e fascistas que dominavam o país - "Nunca se deteve uma revolução com tão poucas mortes".

Ele já dizia o que diz agora, sobre o fracasso em mudar as mentalidades que "devolveu o país para os comunistas". Mas isso não deveria ofuscar suas estrelas. "Não se envergonhem de sua obra. Levantem suas cabeças, tenham orgulho e não permitam que nenhum hipócrita comunista venha se fazer de seu fiscal".

Naquele dia, o guru que hoje atribui aos militares um "exíguo horizonte de consciência e invencível submissão aos critérios politiqueiros de julgamento", se mostrou benevolente e até paternal: "Nunca, nunca cedam a sua dignidade ao falso moralismo da hora, nunca sacrifiquem aquilo que é elevado e digno em vocês àquilo que é baixo e vil num outro qualquer."

Naquele mesmo ano, Olavo receberia uma carta do então ministro do Exército, general Gleuber Vieira, pelo conteúdo "inteligente, prudente, equilibrado e de bom senso" de seus escritos, frequentemente abrigados no site "Terrorismo Nunca Mais (Ternuma). O mesmo ministro lhe concederia a Medalha do Pacificador, a principal condecoração do Exército.

A interlocução se intensificaria. Em 2001, Olavo de Carvalho fez uma conferência no Clube Naval do Rio e outra num encontro promovido pelo Comando Militar da Amazônia com o sugestivo nome de "I Simpósio sobre Estratégia da Resistência e Mobilização da Vontade Nacional". Naquele mesmo ano receberia a Medalha do Mérito Santos Dumont, honraria da Aeronáutica. No ano seguinte, seria conferencista na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e continuaria a colaborar com o Instituto Histórico e de Geografia Militar. Nesse período, financiado pela Odebrecht, ainda revisou os quatro compêndios de "O Exército na História do Brasil", publicado pela Biblioteca do Exército.

Em 2002, ele ainda participaria do projeto "História Oral do Exército Brasileiro na Revolução de 1964" antes da eleição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o levaria a deixar o país bem como a intensa colaboração com os militares. Estariam formadas as bases daquilo que Piero Leirner, estudioso da Ufscar, chama de "arsenal ideológico que repolitizou as Forças Armadas" e seria tão importante para engajar a farda na candidatura de Jair Bolsonaro depois da Comissão da Verdade no governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Olavo de Carvalho trafegava por diferentes alas das Forças Armadas, mas sempre teve mais identidade com os setores mais engajados no revisionismo histórico, onde militou o coronel Carlos Alberto Ustra, o general Heleno Ribeiro, o general Carlos Chagas, candidato derrotado ao governo do Distrito Federal e fundador do site Ternuma, além do titular e do vice da chapa presidencial.

O embate com seus antigos aliados da farda não se mostrava evidente ao longo da campanha. Começou a aparecer quando entraram em disputa o Itamaraty, a Educação e a Comunicação, tríade da guerrilha ideológica apregoada pelo conferencista militar. O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo, nunca militou nas hostes do revisionismo mas entrou na mira de Olavo pelo controle exercido sobre os cargos.

Os militares perderam para o guru o controle da comunicação, hoje nas mãos do publicitário Fabio Wajngarten, e para dois olavistas consecutivos, Ricardo Vélez Rodríguez e Abraham Weintraub, a Educação. Seguraram as pautas mais alopradas, como a mudança da embaixada brasileira em Israel, mas ainda não foram capazes de tirar do cargo o chanceler Ernesto Araújo.

A pauta de Olavo de Carvalho, dar carne ao bolsonarismo recalcitrante de extrema direita, não interessa mais aos militares do poder. Seus objetivos neste governo, como a reestruturação da carreira, passam pelo Congresso, onde não serão capazes de tramitar seus interesses com um discurso radicalizado. O mesmo se aplica para Mourão, que só se justifica como uma alternativa de poder deixando num passado longíquo sua militância na extrema direita militar para abraçar a moderação. Não foi escolhido como alvo do atirador de Virgínia por acaso.

Em algum momento, Olavo lhes foi útil. Não é mais. Hoje tem mais serventia para os Bolsonaro pai e filho, cujo futuro político depende do enraizamento da guerra cultural de direita. Por mais enfadonha que seja, a batalha ainda vai longe.


Jogo de empurra - ZEINA LATIF

O Estado de S.Paulo - 25/04

É nos Estados que o quadro é dramático. De todos os lados, os números são muito ruins


Não se trata de apontar vilões. Mas é inegável que o País precisa discutir medidas urgentes, não só para conter o crescimento dos gastos com o funcionalismo, mas também reduzi-los. O Estado, que deveria servir aos cidadãos, tem seus recursos fiscais bastante comprometidos com a folha dos servidores.

No nível federal o quadro é menos grave. Em 2018, o gasto com a folha consumiu 24% da receita líquida, cifra que já foi mais elevada no passado. A reforma da Previdência de 2003, que eliminou a integralidade das aposentadorias para os servidores que ingressaram a partir daquele ano, vai contribuir para reduzir esse valor adiante.

É nos Estados que o quadro é dramático. De todos os lados, os números são muito ruins: o déficit previdenciário na casa de R$100 bilhões e a conta de restos a pagar em mais outros R$100 bilhões. Fora os repasses constitucionais a municípios atrasados. A maioria dos Estados não consegue cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que estabelece um teto de 60% da receita líquida corrente para o pagamento da folha. O gasto com a Previdência (mais de 40% da folha) é o que mais cresce: média de 7,6% ao ano descontada a inflação, segundo o Ipea, entre 2013 e 2018.

Pior, esse gasto vai crescer em ritmo mais acelerado nos próximos anos, partindo de um patamar já elevado – em 2017, para cada 100 funcionários na ativa, havia 88 inativos, segundo o Ibre-FGV. O Ipea aponta que, em 2015, 40% do funcionalismo tinha 49 anos ou mais. Os próximos anos serão de avalanche de aposentadorias. Teremos, pois, ainda muitos anos de deterioração dos serviços públicos.

A reforma da Previdência seria a luz no fim do túnel para os Estados, mas há um longo caminho a ser percorrido até que a reforma se traduza em redução dos gastos com inativos como proporção do PIB. É crucial, portanto, que seja aprovado o aumento da contribuição previdenciária. Impor idade mínima e aumentar o tempo de contribuição não é suficiente para estancar o agravamento da crise dos Estados.

É essencial que o Supremo Tribunal Federal vote a favor do dispositivo da LRF que permite que os governadores reduzam a jornada de trabalho e a remuneração do funcionalismo em caso de crise fiscal. A pressão de corporações do setor público sobre a Corte para não derrubar a liminar que congelou esse dispositivo não deve ser pequena.

Outro tema que o Brasil precisa discutir é a flexibilização da estabilidade dos servidores. Ela deveria ser restrita às carreiras de Estado e condicionada ao mérito. Passado um período probatório, com comprovação de bons serviços, a estabilidade poderia ser conquistada.

Diante desse cenário de inevitável ajuste, a elite dos servidores, com capacidade de bloquear reformas, reage. Além da pressão no Congresso e os sinais de força emitidos por várias corporações, haverá certamente propostas de emendas à PEC da Previdência. Acredito que a negociação com os servidores será a batalha mais difícil do governo.

Os diferentes graus de crise fiscal entre entes da federação e entre Estados acabam estimulando um jogo de empurra. Jair Bolsonaro, que pouco faz para defender sua reforma da Previdência, muito menos fará para ajudar os Estados. Assim, há o risco de a reforma da Previdência estadual ficar de lado, deixando para as assembleias estaduais a tarefa de aprová-la. Os governadores, por sua vez, não parecem muito dispostos a defender publicamente a reforma. As promessas de apoio feitas em Brasília não sobrevivem ao caminho de volta para casa. A briga, que deveria ser de todos, acaba não sendo de quase ninguém.

Um esforço coordenado dos governadores para aprovar a reforma da Previdência (e outras mais) parece algo distante. Ter comportamento de “caroneiro”, esperando que os demais assumam o desgaste político, é tentador. Nesse caso, o resultado final é conhecido na literatura econômica: uma reforma tímida, aquém do que ocorreria em caso de esforço coletivo. Fica a angustiante pergunta: quanto terá de piorar para melhorar?

*Economista-chefe da XP Investimentos

Sem perseguição - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 25/04

Não há como sustentar a ideia de que Lula é alvo de um processo de exceção


Ao reafirmar a sentença que condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no caso do tríplex de Guarujá, o Superior Tribunal de Justiça tornou ainda mais implausível a tese de que o líder petista é vítima de perseguição política.

Os quatro ministros do STJ que julgaram o recurso contra a decisão que o levou à prisão no ano passado rejeitaram todas as alegações feitas por sua defesa, que buscava a anulação do processo.

Com isso, chegou a sete o número de magistrados que confirmaram os termos da sentença original, lavrada há dois anos pelo então juiz Sergio Moro, hoje ministro do governo Jair Bolsonaro (PSL).

Os integrantes do STJ concluíram que a sentença de Moro e os votos dos três juízes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que a confirmaram no ano passado foram fundamentados de acordo com as exigências legais —e que não houve irregularidades a justificar a anulação proposta pela defesa.

Ainda cabem recursos à própria corte superior, depois que os votos dos ministros forem publicados, e ao Supremo Tribunal Federal, última esperança dos advogados de Lula de ver seu caso reconsiderado.

Decisões judiciais não são imunes a críticas, e o ex-presidente tem todo direito de considerar sua condenação injusta. Mas não há como sustentar a ideia de que é alvo de um processo de exceção depois que três instâncias do Judiciário analisaram seus argumentos e chegaram ao mesmo entendimento.

Os ministros do STJ ainda reduziram a pena que Lula cumpre em Curitiba. Na opinião deles, o TRF-4 foi excessivamente rigoroso quando decidiu agravá-la há um ano.

Surgiu assim a possibilidade de o líder petista alcançar em breve o tempo mínimo de cumprimento da pena que lhe dará direito ao regime semiaberto —o que significa deixar a carceragem da Polícia Federal e voltar a andar nas ruas.

Esse desfecho vai depender do andamento dos outros processos enfrentados por Lula, além do julgamento das ações acerca da orientação do Supremo para que condenados em segunda instância comecem logo a cumprir suas penas, sem esperar o esgotamento dos recursos em tribunais superiores.

Desde que adotou tal entendimento, três anos atrás, o STF já o reafirmou em três ocasiões —corretamente, na avaliação desta Folha.

Com o destino de Lula mais uma vez em jogo, as pressões para que se revisite a questão ganham nova força. A segurança do sistema jurídico exige que o tribunal trate com rigor e independência do tema, infelizmente longe de pacificado entre seus ministros.

Tudo vira bosta - ASCÂNIO SELEME

O GLOBO - 25/04

O governo Bolsonaro tem caprichado para errar sempre mais e sempre mais alto


No início de 2003, Rita Lee recebeu pelo correio um CD caseiro com um bilhete dizendo “fiz esse roquinho pra você”. Quem assinava era Moacyr Franco, o veterano músico, ator e apresentador de TV. Rita, que se consagrou como vocalista dos Mutantes e depois estabeleceu uma sólida carreira de sucesso na MPB, mal sabia que estava prestes a ouvir uma pérola. Moacyr, um dos mais conhecidos cantores brega da época, achava que seu CD sequer seria ouvido pela rainha do rock brasileiro. Muito menos que ela gostaria do seu roquinho.

A música “Tudo vira bosta”, que em 2003 fazia todo sentido, é ainda hoje absolutamente atual. A batida do rock é muito gostosa, mas o que sobressai do conjunto é a letra. Trata-se de uma canção de protesto, embora o autor diga que nunca teve esta pretensão. Numa entrevista concedida à “Folha” logo depois do lançamento de Balacobaco, disco de Rita que incluiu sua música, Moacyr disse: “como posso falar em protesto depois das coisas que o Chico Buarque fez?”.

Talvez o autor tenha razão. Talvez “Tudo vira bosta” não seja um protesto, mas sim uma constatação. Não importa o que você coma ou beba, não importa o que você consuma, tudo ao final vai virar bosta mesmo. A letra vai muito além do arroz com feijão. Trata de política e religião, de bancos e bens materiais, de música e droga. E em cada um dos casos cantados, tudo acaba escatologicamente na privada.

Vale reproduzir aqui pelo menos dois trechos. Ambas as estrofes começam tratando de comida e terminam fazendo considerações políticas. Em 2003, o Brasil iniciava a era PT, com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Escutando a música ou lendo a letra, a maioria haverá de concordar que suas considerações cabem tanto àquele governo quanto poderiam caber ao atual de Jair Bolsonaro.

“O ovo frito, o caviar e o cozido / A buchada e o cabrito / O cinzento e o colorido / A ditadura e o oprimido / O prometido e o não cumprido / E o programa do partido / Tudo vira bosta”

“A rabada, o tutu, o frango assado / O jiló e o quiabo / Prostituta e deputado / A virtude e o pecado / Esse governo e o passado / Vai você que eu tô cansado / Tudo vira bosta”

Essa letra poderia também ser lida como um hino ao relaxa e goza, uma vez que ela quase recomenda deixar de se incomodar com todas essas coisas que ao final vão mesmo abaixo pelo cano do esgotamento sanitário. No caso do governo do PT, foi quase uma premonição. Mesmo levando-se em conta os aspectos positivos, que não foram poucos, sobretudo do primeiro mandato de Lula, não há qualquer dúvida de que o PT teve uma enorme dor de barriga e se desintegrou numa disenteria gigantesca.

Difícil prever se o destino do governo atual será o mesmo. Embora seja ainda muito cedo no início do mandato, o caos dos primeiros cem dias é de dar inveja a Jânio Quadros. O governo Bolsonaro tem caprichado para errar sempre mais e sempre mais alto. Seguindo nessa balada, muito certamente o governo agora fresco acabará como terminou a mofada gestão de Michel Temer. “Esse governo e o passado (...) tudo vira bosta”.

Na política, aliás, nem mesmo o autor da música escapou da sua maldição. Moacyr Franco foi deputado pelo PTB de São Paulo por apenas um mandato, no final dos anos 80. Quando tentou voltar, candidatando-se a um cargo de senador pelo PSL, escolheu o ano errado e foi derrotado em 2010. Pelo PSL talvez fosse eleito no ano passado. Ou não. O fato é que viraria bosta, mais cedo ou mais tarde.

Nós, brasileiros, temos a mania de dizer que o Brasil é maior do que qualquer buraco, não importa qual crise. Achamos que pelo nosso tamanho e porque somos espertos, nosso país não escorrerá pelo ralo, não será despejado num rio qualquer, numa baía qualquer, como são jogados todos os dejetos que produzimos e que não são tratados nem dispensados adequadamente.

O Brasil é grande, é maior que a maioria. Nenhuma dúvida. Mas se dele não nos ocuparmos seriamente, se não o tratarmos com muita atenção e toda a dedicação, o desarranjo intestinal que se seguirá será memorável.

Tão velhos quanto palácio - WILLIAM WAACK

O Estado de S. Paulo - 25/04

Os ‘ideólogos’ à volta de Bolsonaro estão atacando o que realmente interessa


Intrigas palacianas são tão velhas quanto palácios. Ataques contra Hamilton Mourão são, em última análise, luta pelo poder.

Nada têm de gratuito, maluco ou infantil os ataques contra o vice-presidente, general Hamilton Mourão, lançados pelos círculos mais íntimos de Jair Bolsonaro, neles incluídos familiares e intelectual a quem o presidente atribui primeira importância. Trata-se de saber quem vai enquadrar quem. Em última análise, é uma luta pelo poder.

Intrigas palacianas são tão velhas quanto... palácios. Nesse caso, porém, não se trata de saber quem tem mais acesso ou consegue mais favores do dono do Palácio, mas, sim, de determinar a quem o dono do Palácio vai obedecer. Do ponto de vista dos assim chamados “ideólogos” juntinho do presidente, faz todo sentido chamar Mourão de “conspirador”.

Pois o vice-presidente ganhou “Profil durch Kontrast”, como diz a famosa expressão política alemã: ganhou contornos como figura política por meio do contraste oferecido pela atuação de outros. A confusão e até notória bagunça nas áreas sob domínio direto dos “ideólogos” no começo do governo é que transformaram Mourão num personagem identificado com pacificação, racionalidade e sensatez – não eram os atributos que se conferiam a ele durante a campanha eleitoral, por exemplo.

A “conspiração” atribuída a Mourão reside no fato – sempre sob a ótica dos ideólogos – de ele representar o que se poderia chamar de “núcleo duro” do poder no Palácio. Nesse sentido, os ideólogos estão atacando o que realmente interessa. Para os militares no Palácio, ao contrário do que propagam os “ideólogos”, grande perigo não são comunistas e esquerdistas embaixo de cada cama. São o caos político e a bagunça institucional, ocorrências que os “ideólogos” consideram não só inevitáveis, mas até desejáveis na grande “revolução conservadora” que julgam ser capazes de conduzir.

É fato notório que esse grupo razoavelmente coeso de militares, egresso de algumas das melhores instituições de ensino do País (como são as academias militares), não só não abraça essas ideias (até as rejeita) nem os métodos de ação (não se dedica a lacrar na internet, por exemplo). Nem parecem esses militares pensar em carreira política no sentido de disputar votos a cada eleição. Além, claro, de se dedicarem a preservar exatamente as instituições (como Supremo e Legislativo) que os ideólogos consideram “sistema” a ser derrotado.

Grupos exaltados e apegados à violência virtual das redes sociais têm dificuldades notórias de enxergar o plano frio das relações de força de fato, entendidas aqui como quem é capaz, em último caso, de comandar quantos seguidores nas ruas. O exemplo mais eloquente dessa perda de leitura da realidade foi fornecido pela direção do PT (começando por Lula) nas semanas que precederam o impeachment de Dilma, quando o partido dizia ser dono “das ruas” e apenas conseguiu demonstrar que as ruas não eram da militância petista – bem ao contrário.

Os “ideólogos” estão reagindo racionalmente ao perigo que identificaram de o presidente ser “tutelado” ou até “emparedado” por outro núcleo de poder, no Palácio e fora dele, que age com método, disciplina e organização. Provavelmente superestimam o fator “popularidade” do capitão, ignorando o fato de que grupos de WhatsApp estão longe de ser a tal “ação direta” com a qual facções desse tipo na franja da paleta política sempre sonharam, não importa a coloração.

Muito vai depender de o próprio Jair Bolsonaro ser capaz de escapar dos efeitos descritos por outra clássica expressão política alemã, a da “Bunkermentalität”. Ela descreve um fenômeno palaciano tão velho quanto... palácios. É o dono do Palácio, vivendo no mundo peculiar das suas paredes estreitas e dando ouvidos só aos mais próximos, não ser capaz de entender o que está acontecendo de fato lá fora.

Questão de DNA - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 25/04

A paranoia familiar é alimentada pela História, pois nada menos que oito presidentes foram substituídos por seus vices desde o início da República

A disputa aberta de poder em que o vice-presidente Hamilton Mourão está envolvido, não por acaso, não tem paralelos históricos pela violência das palavras empregadas por Olavo de Carvalho e seus pupilos, entre eles Huguinho, Zezinho e Luisinho, como passaram a ser conhecidos no meio político os filhos de Bolsonaro, que ele denomina carinhosamente como 01, 02 e 03, como se recrutas fossem.

São os seus recrutas, “ sangue do meu sangue”, e nada também acontece ali por acaso. Bolsonaro fala através de seu filho Carlos, o 02, especialista nas mídias sociais a quem Bolsonaro atribui grande parte de sua vitória. Quando Bolsonaro estava internado, depois da tentativa de assassinato que sofreu ainda na campanha eleitoral, Carlos já evidenciou o que achava de Mourão.

Tuitou afirmando que a morte do pai interessava não apenas aos inimigos declarados, mas a quem está por perto, principalmente após a posse. De lá para cá a disputa só fez escalar, inclusive porque Mourão assumiu o papel de moderador de um governo que vive de intrigas e embates permanentes como estilo de fazer política.

A paranóia familiar é alimentada pela história, pois nada menos que oito presidentes foram substituídos por seus vices desde o início da República, por motivos variados, desde a morte do titular até o afastamento por impeachment.

Desde o primeiro presidente, Deodoro da Fonseca, cujo vice Floriano Peixoto assumiu com sua renúncia e, em vez de convocar eleições, governou sob estado de sítio, até Temer, que, recusando o papel de “vice decorativo”, comandou uma conspirata política para assumir o lugar de Dilma, quando esta se enfraqueceu pelo fracasso econômico e se expôs ao cometer crimes de responsabilidade fiscal, a escolha dos vices sempre foi problemática.

Uma disputa aberta como a atual, mas não tão pouco sutil, aconteceu quando o general Figueiredo teve que viajar para a Clínica Cleveland para colocar pontes de safena. O político mineiro Aureliano Chaves assumiu o governo e fez o mesmo contraponto de Mourão em relação a Bolsonaro. Chegava cedo ao Palácio do Planalto, e saía altas horas da noite, a salientar a fama de preguiçoso de Figueiredo. O entorno do ditador não escondia a irritação, e acusava Aureliano de deixar a luz acessa no gabinete presidencial para dar a impressão de que trabalhava.

A eleição presidencial deste ano teve uma característica especial: o protagonismo de candidatos a vice. Os dois primeiros colocados nas pesquisas ficaram fora da campanha, um definitivamente, outro temporariamente. Lula por estar condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, tornando-se inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Bolsonaro por ter sofrido um atentado a faca que quase o matou.

Muitos consideravam alguns candidatos a vice melhores que os titulares, como era o caso de Mourão, que já chamava a atenção por declarações polêmicas, mas com a fala mansa e o jeito de quem desejava a pacificação política.

Admitiu intervenção militar mesmo fora da Constituição, falou até em autogolpe. Curioso é que sua escolha foi comemorada por Eduardo Bolsonaro, o 03, que disse que foi bom ter escolhido um candidato “faca na caveira” - referindo-se ao símbolo do Bope - para não valer a pena pensar em impeachment.

No discurso pouco antes de ir para a reserva, que lhe valeu uma advertência do comandante do Exército, general Villas Bôas, que ele chama de VB, seu amigo de infância, disse sobre o governo petista: “Os Poderes terão que buscar uma solução. Se não conseguirem, chegará a hora que nós teremos que impor uma solução”.

De lá para cá, Mourão vem afinando o tom, se aproximando do pensamento médio do cidadão de classe média, condenando a censura à imprensa, por exemplo, ou avaliando que a saída do ex-deputado Jean Wyllys era ruim para a democracia, com bom-senso e sem a visão tosca do grupo bolsonarista comandado por Olavo de Carvalho, que chamou Mourão de “moleque analfabeto” ao ser definido pelo vice como “astrólogo”.

Perguntado recentemente sobre as razões dessa mudança, Mourão disse que se devia à compreensão do papel institucional do cargo para o qual foi eleito. Estar na vice-presidência pelo voto, aliás, foi citado por ele como uma diferença fundamental com os militares do período ditatorial.

Que, aliás ele não renega, dizendo que era um momento de guerra. E também, assim como Bolsonaro, considera o torturador Brilhante Ulstra “um herói”, embora tenha se abstido de falar no assunto ultimamente.