sexta-feira, abril 12, 2019

Pacote para destravar o mercado de capitais - CLAUDIA SAFATLE

Valor Econômico - 12/04

Crédito privado pode ser a faísca que vai acender a economia


A área econômica do governo dispõe de uma lista com 67 medidas necessárias para destravar o desenvolvimento do mercado de capitais no país. São, em geral, exigências excessivas, regras complicadas demais ou cobrança inadequada de impostos que desestimulam o investidor.

Exemplos não faltam. A recente regulação brasileira dos fundos patrimoniais ("endowment funds") exige a identificação de absolutamente todos os cotistas. Mas é da natureza desses fundos a existência de cotistas que eles próprios não sabem quem são.

Outra questão é o "hedge" cambial para investimentos de longo prazo. Quando um investidor de projetos de infraestrutura faz o "hedge" cambial sobre operação de crédito, ele fica sujeito a cobrança de imposto sobre o resultado dessas operações em bases anuais. Isso o obriga a pagar o tributo nos anos em que o câmbio se deprecia e ele ganha, sem possibilidade de compensar nos exercícios em que a taxa de câmbio se aprecia e, portanto, ele tem prejuízo.

A solução é fazer o que já fizeram outros países, como a Malásia e a Austrália, que cobram o imposto sobre todo o período de duração do "hedge".

Há, também, uma família de medidas para a redução do custo para empresas de pequeno porte emitirem dívida, que é muito alto. A empresa precisa de recorrer a um banco e a exigência de publicação de informações é excessiva, na avaliação de fontes qualificadas.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, já anunciou que pretende abrir o país à concorrência internacional. O processo de fechamento do câmbio no Brasil, porém, é muito complicado, uma herança dos tempos em que o país era vulnerável a crises do balanço de pagamentos. Se há o objetivo, no futuro, de se ter uma moeda conversível, há vários passos intermediários de simplificação possíveis.

Essas medidas começaram a ser discutidas por um grupo de economistas que se juntou a Paulo Guedes tão logo ele assumiu a coordenação do programa do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro. Por um ano, eles se encontraram uma vez por semana, no escritório de Guedes, no Leblon (Rio). Inicialmente eram seis, mas no fim da campanha essa equipe chegou a contar com 42 colaboradores.

Na discussão do programa econômico do governo, foram estabelecidas algumas premissas e definida uma moldura mais macroeconômica para o mercado financeiro.

Tudo o mais constante, a indústria financeira tem capacidade de alavancar o crescimento do país. Mas, para isso, há várias amarras no mercado de capitais que precisam ser desatadas.

Um segundo aspecto foi responder à pergunta sobre o que acontece ao se reverter o "crowding out" - aumento do gasto público fiscal e parafiscal (a exemplo do BNDES) ocupando espaço que poderia ser do setor privado. Acredita-se que a redução do crédito público é seguida da multiplicação do "funding" privado. O encolhimento dos financiamentos do BNDES mostrou que isso, na prática, é verdade, pois o crédito livre e as operações no mercado de capitais tiveram aumento, embora ainda não na proporção desejada.

Os especialistas identificam pelo menos um efeito básico do encolhimento do crédito oficial, que é quando a curva de juros de curto e de longo prazo tende a ficar "flat". Ou seja, deixa de precificar um aperto nas condições financeiras devido à disputa do setor público por recursos do mercado. Com a melhora do quadro fiscal, alguns projetos de longo prazo do setor privado que antes não faziam sentido passam a ser viáveis.

Estudos apontam para a correlação entre resgate de dívida pública (redução do endividamento) e aumento das emissões do setor privado: para cada R$ 100 bilhões de resgate de títulos públicos, abre-se espaço de R$ 140 bilhões para emissões de papéis de empresas privadas.

Entre o trabalho realizado no ano passado pelo grupo do Leblon e a efetiva mudança há o prazo de adaptação e conhecimento das regras do jogo em Brasília. Parte do extenso lote de medidas demanda aprovação do Congresso. Pouca coisa pode ser feita por decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) ou por resoluções e circulares do Banco Central.

Assim, está sendo feito um trabalho para aglutinar medidas afins em poucos projetos de lei, para não atolar o Congresso com muitos projetos ou medidas provisórias.

Há, ainda, a batalha pela redução do "spread" bancário, que encarece sobremaneira o custo do capital no país. O "spread", que representa a diferença entre o custo de captação e dos empréstimos, tem a seguinte composição: 37,36% correspondem à inadimplência do tomador de crédito, 22,74% são o custo financeiro, e outros 24,97%, o custo operacional. A margem de lucro do sistema bancário, por essas contas, é de 14,9% - que não é elevada na comparação internacional.

O foco de ação, nesse caso, é na inadimplência, em que há muito o que fazer. De cada R$ 1 emprestado pelos bancos, cujo tomador está inadimplente, recuperam-se apenas 13 centavos (valor nominal) depois de uma disputa na Justiça que leva, em média, quatro anos.

No México, por exemplo, recupera-se bem mais, entre 50% a 60% em média, em pouco mais de um ano. Lá, porém, há um sistema melhor de garantias e o processo de cobrança não é judicializado. O custo do crédito no México é de 11,7%, em média, para uma taxa básica de juros de 8,25% ao ano. Uma simulação feita por técnicos oficiais indica que, transportando para o México as condições de inadimplência brasileira, o custo de credito, lá, sobe para 30% ao ano.

Há na legislação tributária brasileira uma outra disfunção. A inadimplência gera provisão do banco sobre a qual incide imposto de renda.

Há, por parte dos grandes bancos, a projeção de expansão do crédito entre 10% e 12% neste ano. Entre os economistas oficiais, cria-se a expectativa de que essa seja, quem sabe, a faísca que vai acender e aquecer a atividade econômica.

Desânimo, a maior obra dos cem dias - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S. Paulo - 12/04

Avaliação presidencial, mercado, confiança na economia, paz política: tudo piora


A barulheira virtual abafa várias notícias do mundo dos fatos da economia e da política, que seguem devagar quase parando e malparados, no entanto.

No universo do trabalho, dos negócios, das empresas e das expectativas, o assunto mais relevante dos cem dias do Brasil sob o governo de Jair Bolsonaro foi a estagnação produtiva e a reversão dos ânimos políticos e econômicos.

As empresas levantaram menos dinheiro no mercado de capitais neste primeiro trimestre do que no início de 2018 (venda de novas ações, empréstimos via debêntures e outros títulos, captações no exterior etc.). Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (11) pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais).

O custo e o risco de levantar capital estão mais altos, em suma.

A CNI (Confederação Nacional da Indústria) rebaixou sua previsão de crescimento do PIB industrial para 2019 de 3% para 1,1%, também nesta quinta-feira. Reduziu sua estimativa do crescimento do PIB de 2,7% para 2%. Ainda está até otimista. O pessoal de consultorias e bancos já começa a chutar na direção de 1,5%.

Como já se sabia, de resto, também a confiança de consumidores e empresários regrediu, a perspectiva de melhoria no mercado de trabalho se aproxima de zero e o crescimento do PIB no primeiro trimestre deve ter ficado por aí. Não é sinal de que a atividade econômica esteja embicando inevitavelmente para baixo, mas é um aviso de que o caldo está entornando rápido.

A inépcia do governo degrada um pouco as condições financeiras (juros, Bolsa, câmbio, risco), mas já por tempo bastante para causar incômodo e, daqui a pouco, efeitos reais na economia.

A irritação começou no terço final de março, quando o presidente e sua guarda ideológica fizeram questão de criar caso com lideranças no Congresso que se tinham declarado aliadas do governo, tal como Rodrigo Maia, presidente da Câmara, mas não apenas.

A desaceleração da economia no primeiro trimestre nada tem a ver com Bolsonaro, mas a degradação de expectativas é sim obra do novo presidente e do núcleo puro do bolsonarismo.

Dá para virar o jogo: a cada dia, seu tormento. Mas o governo não falha em dar tiros no pé ou na testa, diariamente.

Não é este o governo do ajuste fiscal? Bolsonaro então diz que vai cumprir a promessa de anistiar dívidas previdenciárias de ruralistas, por baixo R$ 12 bilhões, dinheiro que não tem nem de onde tirar (e, se o fizer, deve burlar a lei fiscal ou a orçamentária).

Para piorar, contraria seu próprio Ministério da Economia.

A Câmara anuncia que vai tocar uma reforma tributária razoável e respeitada, um projeto liderado pelo economista Bernard Appy.

Gente do governo diz então que quer aprovar uma outra, que pode até incluir uma espécie de CPMF, ideia que costuma causar revolta ou escárnio na elite econômica.

O governo anuncia que quer aprovar a autonomia do Banco Central, projeto “pop” entre o eleitorado bolsonarista de elite, mas nem isso dá certo, pois a Câmara já tem um projeto seu e se sentiu outra vez esnobada ou atacada pela falta de modos políticos do governo.

As conversas do presidente com lideranças partidárias até agora não surtiram efeito maior, se algum. O centrão continua entre ressabiado e avesso ao governo, o PSL presidencial ainda é uma bagunça e não há quadros bastantes no Planalto e no Congresso para articular uma coalizão partidária.

Até agora, a maior obra do governo foi o desânimo.

Mares revoltos - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S.Paulo - 12/04

Mais do que metas, a grande marca dos cem dias se resume a uma palavra: ideologia


Há dois balanços dos cem primeiros dias do governo Jair Bolsonaro: o do próprio Bolsonaro, que admite “mar revolto”, mas vê “céu de brigadeiro”, e o da opinião pública, que só vê o “mar revolto” que engoliu 15 pontos na popularidade do presidente.

O pacote de medidas de ontem foi uma clara tentativa de fugir de um balanço analítico e forçar uma contabilidade aritmética. Na solenidade, Bolsonaro confirmou o 13.º salário para o Bolsa Família, a independência do Banco Central e o polêmico ensino domiciliar.

Muito além dessas questões pontuais, que geram acalorados debates, a palavra-chave dos cem dias de Bolsonaro é: ideologia. Enquanto condena o excesso de ideologia da era PT, o presidente se pauta, a cada ato, a cada fala, a cada viagem, exatamente por um excesso de ideologia. Só que do avesso.

Isso causou os piores momentos e as maiores críticas ao início do governo, com a divulgação de um vídeo asqueroso contra o Carnaval, os elogios chocantes aos ditadores sanguinários Stroessner e Pinochet, a constrangedora opinião de que o nazismo era de esquerda, a veneração quase infantil a Donald Trump, a reinvenção da diplomacia nas relações com Binyamin Netanyahu. Além de reinventar a história, Bolsonaro trouxe para a Presidência as suas crenças pessoais.

O nome mais simbólico desses cem dias não foi de nenhum ministro, como Paulo Guedesou Sérgio Moro, nem mesmo do próprio presidente. Todas as tentativas de decifrar a “nova era” passam por Olavo de Carvalho, o guru do bolsonarismo e agora eminência parda do governo, capaz de encantar os filhos de Bolsonaro, de sentar-se no lugar de honra de um jantar para o presidente, de xingar o vice Hamilton Mourão e generais do governo. E mais: de nomear os ministros das Relações Exteriores e da Educação, grandes responsáveis pelo “mar revolto”.

É por excesso de ideologia que o MEC está como está, o Itamaraty refaz a história e promove dança de cadeiras, o vice, os generais e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, têm de consertar os erros com a China e o mundo árabe. E o que Bolsonaro ganha com isso? Nada além de dor de cabeça e apoio de quem já o apoia.

Um destaque nos cem dias é, inequivocamente, a desenvoltura dos três filhos mais velhos do presidente. Flávio recuou diante das confusões do motorista todo-poderoso. Eduardo arvorou-se chanceler e infiltrou sua turma por toda parte, até na Apex, como denuncia o embaixador Mário Vilalva, o segundo presidente do órgão a ser defenestrado em três meses.

Quanto a Carlos, que se refestelou no Rolls-Royce presidencial na posse: ele cuida da infantaria e da cavalaria da internet. A campanha acabou, mas o “menino” continua brincando de games contra inimigos de “esquerda”. Aparentemente, todo mundo que não é bolsonarista é de “esquerda”, “petista” ou “comunista”.

Intrigante é Bolsonaro querer “uma garotada que não se interesse por política”. Como assim? A política move o mundo. Aliás, seus três filhos são políticos e ele chegou a emancipar Carlos, aos 17 anos, para disputar um mandato e virar político. O que é bom para seus filhos não é bom para os filhos dos outros?

A grande aposta do presidente, porém, nada tem de ideológica: é a reforma da Previdência, que não é de esquerda, centro ou direita, nem mesmo do seu governo. É do País.

Até aqui, as previsões de crescimento da economia caem, mês a mês, enquanto o desemprego resiste, desesperador. Um sintoma de que a reforma vai ser aprovada e inverter essa tendência é a pergunta que passou a circular fortemente em Brasília: e depois da reforma, como vai ficar o governo Bolsonaro? Taí, é uma boa pergunta.

Passo adiante - MERVAL PEREIRA

O Globo - 12/04

A autonomia formal do Banco Central, anunciada ontem pelo presidente Bolsonaro como parte das comemorações dos cem dias do governo é assunto que provoca polêmicas sempre que abordado, e nenhum governo recente teve vontade de implementá-la, embora fossem todos favoráveis à independência de atuação. Ponto para Bolsonaro.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, que iniciou a fase de independência do Banco Central, nunca se empenhou em conceder a autonomia formal reivindicada, mas na prática tornou o órgão no mais poderoso do Executivo.

O ex-presidente Lula aceitou dar independência total a Henrique Meirelles, para demonstrar ao mercado que seu compromisso era para valer. Nos oito anos em que reinou no BC, Meirelles teve que enfrentar muitas crises políticas, pois sua independência contrariava grupos dentro do PT.

O presidente do Banco Central ganhou status de ministro para blindá-lo com o foro privilegiado devido à possibilidade de um processo. A condição foi mantida a partir de então, mas Bolsonaro prevê cancelar essa prerrogativa, mesmo porque o foro privilegiado hoje já não dá proteção a fatos ocorridos antes do exercício da função.

Lula chegou mesmo a sondar um substituto para Meirelles, que acabou sendo salvo pelo anúncio de que o país ganhara status de bom pagador recebendo da Standard&Pools o grau de investimento. Já a ex-presidente Dilma interferiu abertamente na atuação do Banco Central, a ponto de o mercado financeiro apelidar Alexandre Tombini de “Pombini”, em referência à sua submissão à presidente Dilma.

Os “pombos” são mais condescendentes, Tombini tornou-se “Pombini” nas mãos da presidente Dilma, durante o período em que ela resolveu levar os juros a taxas históricas mais baixas sem condiçções técnicas para isso.

A proposta do governo Bolsonaro prevê mandato de quatro anos para o presidente do Banco Central, não coincidente com o mandato de presidente da República, prorrogável por mais quatro anos. O projeto de lei já causa atrito com o Congresso, pois o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, negou que tivesse sido consultado pelo governo.

Bolsonaro explicou no twitter: "A exemplo das economias mais avançadas, (...) a autonomia do Banco Central (...) ajuda a fornecer estabilidade, eficiência e crescimento econômico".O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, depois da experiência que teve em seus oito anos de mandato, quando teve que trocar duas vezes o presidente do Banco Central, está convencido de que a autonomia formal tem que ter limites.

A adoção de mandato para os presidentes e diretores do BC tem que prever a possibilidade de serem revogados. "Durante o meu governo, o BC sempre teve autonomia, mas chega um momento em que o presidente diz: Oh, meu Deus. acho que essa política não pode continuar", afirmou, ponderando: "Então como é que faz? Deixa o Banco Central tomar a decisão?

Luis Gonzaga Belluzzo, da Universidade de Campinas, o economista sondado por Lula para substituir Meirelles, acha que "é perigoso manter a independência do banco durante tensões sociais que podem nascer da própria política monetária". Em 2002, na transição do governo de Fernando Henrique Cardoso para Lula, uma proposta de autonomia do BC foi apresentada por Armínio Fraga a Antonio Palocci, que viria a ser o ministro poderoso da economia do governo Lula.

Nos Estados Unidos, o Congresso Nacional fixa objetivos para o Fed, o Banco Central deles, como manter o pleno emprego e a inflação baixa, mas não fixa índices. O presidente tem mandato fixo. Já na União Européia, é o Banco Central Europeu (BCE) quem decide as prioridades e até a meta da inflação que precisa alcançar. No Brasil, é o governo que define as metas a serem alcançadas.

A independência formal seria uma maneira de proteger o Banco Central das pressões políticas, pois governos populistas preferem ser condescendentes coma inflação para tentar alcançar crescimento a curto prazo.

Para não repetir os erros dos primeiros cem dias - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 12/04

Início do governo Bolsonaro consegue vitórias, e o acúmulo de derrotas está no campo político


É uma tradição nos países democráticos, não apenas no Brasil, medir o pulso da popularidade do presidente recém-empossado, sabendo-se que ela tende a se esvair em alguma proporção, à medida que a realidade se impõe no gabinete presidencial, e exige medidas que nunca agradam a todos. Governar é também gerenciar dissabores em nome do bem coletivo.

Em recente pesquisa Datafolha, a erosão do tempo, nestes primeiros cem dias de poder, deixa marcas em Bolsonaro mais profundas do que em antecessores neste mesmo período — 30% de desaprovação.

Mas não se podem desconhecer aspectos positivos da ainda curta administração, muitos deles decorrentes da acertada decisão de construir dois núcleos administrativos fortes para enfrentar os mais graves problemas do país: o Ministério da Economia, de Paulo Guedes, para enfim o Brasil fazer a necessária reforma da Previdência, mas não só; a pasta da Justiça e Segurança Pública, entregue ao ex-juiz Sergio Moro, também com missões estratégicas, em que se destacam o enfrentamento da criminalidade, cada vez mais forte e organizada, e o lançamento de fundações legais, com o Congresso, para o também imprescindível combate à corrupção. Ele está em curso, mas é necessário evitar retrocessos. Nestes dois polos há avanços — o debate sobre a Previdência já evolui na Câmara; e com o pacote anticrime acontecerá o mesmo, também no Senado.

Na solenidade organizada ontem para marcar os cem primeiros dias do governo, com a presença de Bolsonaro, lançou-se uma coleção de 18 decretos e projetos, em que há alguns destaques. Por exemplo, o decreto do “Revogaço”, de desburocratização, e o projeto de lei complementar que afinal formaliza a autonomia do Banco Central. É medida-chave para, como nas principais economias do mundo, dar perspectiva de segurança aos agentes econômicos, que deixam de correr o risco de ações voluntariosas do governo de turno sobre a política monetária.

Já o passivo destes cem dias está no campo político. Assim como Lula não foi eleito para executar o projeto da extrema-esquerda, também Bolsonaro não chegou ao Planalto para atender cruzadistas, templários, nacionalistas ultrapassados, fiscais de costume etc. Que fique claro.

Ele não deve se esquecer de que se beneficiou bastante do amplo antipetismo, que praticou voto útil e o elegeu. A sua agenda sectária desagrada a grande parte da população, é bem recebida apenas por nichos. Com sinal invertido, o mesmo acontecia com Lula e Dilma. Mas eles se beneficiavam do crescimento da economia (Dilma, em parte do primeiro mandato). O crescimento, Bolsonaro ainda precisa buscá-lo, mas só se ajudar a cimentar uma aliança no Congresso que aprove a reforma da Previdência. Para isso, precisa engavetar de vez bordões de campanha, como o de que ele representa a “nova política”, e o Congresso, a “velha”. Nada mais dessintonizado da realidade, considerando-se que Bolsonaro militou 28 anos no baixo clero. Pode não ter feito parte do toma lá dá cá do fisiologismo, o que é positivo, mas isso, por si só, não o designa um “novo político”. Se não ajudar a montar as alianças —o que, admita-se, se esforça para fazer —, seu futuro é incerto. O resultado negativo da pesquisa Datafolha é cabal.