REVISTA VEJA
Muitas cidades deste vasto Brasil dispõem daqueles semáforos com botões que, apertados pelos pedestres, prometem lhes proporcionar a vez de atravessar a rua. O nome científico do equipamento é "botoeira", segundo se lê nos textos dos órgãos de trânsito. Há pessoas que não acreditam neles. Seriam tão eficazes quanto uma caixa de papelão pespegada no mesmo local. Há razões para isso. Não poucas vezes aperta-se o botão e nada. Os mais afoitos então o apertam e reapertam, seguidamente, como se quisessem despertar o duende lá dentro que fará o mecanismo funcionar. Também ocorre de o pedestre aproximar o dedo e não encontrar o botão. Por desgaste ou vandalismo foi tirado de onde deveria estar, e o que resta é um buraco, qual desgraçado olho vazado. Em São Paulo há vários nessa situação. Quando serão consertados? E melhor esquecer. A cultura do conserto e da manutenção é alheia ao modo de ser brasileiro.
Continuemos nosso passeio pela rua. O que é verdade para as botoeiras será também para as calçadas. Aos buracos, afundamentos, calombos. corrosões e outras irregularidades que vierem a se instalar estará desde logo assegurada uma longa vida. Há buracos que chegam a comemorar dois, três, cinco anos de existência. A eles se junta o festival de diferentes calçamentos a que muitas vezes se está sujeito num único quarteirão; ao piso de cimento sucede o de pedrinhas, ao qual sucede o de ladrilhos, numa série de estorvos à caminhada à qual se soma a barafunda estética. O incômodo não é apenas para os deficientes, os idosos ou as mães que empurram carrinhos de bebê. E também para quem possui as duas pernas e está no pleno gozo delas. Em muitas cidades, talvez a maioria, a responsabilidade pela manutenção da calçada é do morador. Sim, mas cabe à prefeitura fiscalizar. Quando virá a fiscalização? E melhor esquecer. A fiscalização, irmã da manutenção, também é estranha ao modo de ser brasileiro.
O passeio ainda não terminou. Imaginemo-nos no centro do Rio, esquina das ruas da Quitanda e Sete de Setembro. O poste que indica o nome dessas ruas, em vez de ereto, como se espera dos postes em pleno exercício de sua função e investidos de sua dignidade, apresentava-se, até há pouco tempo, tristemente vergado, ameaçando despencar sobre a cabeça dos passantes, e assim permaneceu durante dias, até ser flagrado por foto enviada por um leitor ao site do jornal O Globo. Ao poste carioca correspondia um paulistano, também do tipo que exibe as placas com o nome das ruas, na esquina da Avenida Pacaembu com a Rua Margarida. Até pouco tempo atrás ele se encontrava na mesma situação humilhante, se é que não se encontra ainda. Cariocas e paulistanos, irmanados, confirmam a lei segundo a qual a falta de fiscalização e a falta de manutenção os males do Brasil são.
E quanto aos buracos no meio da rua? São nossos velhos conhecidos, indissociáveis da paisagem nas cidades brasileiras. Em alguns, tão profundos que capazes de ocasionar graves acidentes, almas caridosas fincam um pedaço de pau para alertar os motoristas, ou os cobrem com uma pedra. Tais almas caridosas sabem que até o poder público se abalar a corrigir a situação pavorosos desastres poderão ocorrer. Mais peculiar ainda ao modo de ser brasileiro que os buracos é a incapacidade de bem consertá-los. O conserto costuma ser tão incompetente que resulta num calombo. Raras vezes o chão fica igualado como devia. Como resultado, o buraco é trocado por uma protuberância. Verdade que com frequência o conserto malfeito é obra das concessionárias de serviços públicos. que abrem o buraco para reparar fiações ou encanamentos e não o fecham direito. A fiscalização, no entanto, de novo cabe às prefeituras.
Estamos a poucos dias das eleições municipais. Os singelos exemplos colhidos neste passeio pelas ruas estendem-se às grandes coisas. Tal qual nas pobres botoeiras sem botão ou nos buracos miseravelmente mal tapados, também nas pontes e nos viadutos, nos hospitais e nas escolas, a falta de fiscalização e a falta de manutenção os males do Brasil são. Daí que o colunista tenha uma sugestão a fazer ao eleitor. Escolha o candidato que se comprometa a não realizar nenhuma obra nova - nenhuma! -, mas a manter e fiscalizar as já existentes. Haverá tal candidato? Político gosta de inaugurar. Nada os entedia mais do que ter de fazer a coisa funcionar, depois. Mesmo porque isso pode ser deixado ao sucessor, que por sua vez estará empenhado em inaugurar algo novo, e não em manter o que foi inaugurado pelo antecessor. Não custa tentar, porém. Esforce-se o eleitor, procure. Quem sabe exista algum diferente, aí na sua cidade.