Os ministros do Supremo estão imbuídos do compromisso de aperfeiçoar os costumes eleitorais brasileiros, e tem que ser entendida nesse contexto a dureza com que estão analisando o processo do mensalão. Já o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, ao definir o caso como um atentado à democracia brasileira, havia tratado do tema nessa perspectiva institucional, e por isso ele classificou de “quadrilha” a associação de políticos e empresários para a compra de apoio no Congresso. Ao decidir por tal ação, o comando político do PT optou por desqualificar as negociações partidárias, retirando-as do plano programático para o meramente fisiológico.
Esterilizar a política, transformando-a em pura ação de compra e venda, é uma maneira de colocar em risco a paz social a que se referiram as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia como sendo uma das características da “quadrilha” que não detectaram no presente processo.
As ministras trataram o caso do ponto de vista estrito do cometimento de crimes previstos no Código Penale não levaram em consideração os aspectos institucionais a que outros ministros deram relevo.
Por enquanto, a condenação por formação de quadrilha tem a maioria dos votos já pronunciados, mas, mesmo que ao final prevaleça o entendimento das ministras, isso não quer dizer que os futuros réus a serem julgados, especialmente os que compõem o núcleo político do esquema criminoso, estejam livres das acusações. Podem ser condenados por corrupção ativa como coautores.
O caráter pedagógico da atuação do Supremo Tribunal Federal pode ser mais bem entendido pelo pronunciamento da ministra Cármen Lúcia, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao dar seu voto. Ela lamentou, às vésperas das eleições municipais, que a corrupção tenha a consequência de desiludir o eleitor, especialmente os mais jovens. Do ponto de vista filosófico, a ministra destacou que a ética é o contraponto ao caos, assim como a política é a opção civilizada à guerra.
Ao político caberia mais cuidados éticos do que ao cidadão comum, pois aquele está “cuidando da coisa de todos. E um malefício, um prejuízo no espaço político, principalmente de corrupção, significa não que alguém foi furtado de alguma coisa, mas que uma sociedade inteira foi furtada”.
Na prática, a ministra chamou a atenção para a dificuldade de nosso modelo político-partidário, colocando em discussão uma questão que terá que ser enfrentada pelos políticos na era pós-mensalão.
Condenados os culpados, absolvidos os considerados inocentes, estaremos diante do desafio de reorganizar a vida política de maneira a superar mazelas expostas no processo em julgamento e que aparecerão em outros que se seguirão, do próprio esquema do mensalão em outras instâncias ou como o do PSDB mineiro.
A legislação da fidelidade partidária, por exemplo, que foi decidida no próprio STF, recebeu dos ministros tratamento mais rigoroso para a troca de partidos a partir das evidências de compra de mandatos. O financiamento de campanhas é outro assunto que precisa ser revisto sob o novo espírito de rigor que está saindo das decisões do STF.
E o próprio quadro partidário precisa ser reorganizado, com melhor avaliação sobre direitos e deveres de partidos que têm representação no Congresso e daqueles que não atingem a votação mínima.
As coligações proporcionais têm o condão de distorcer a escolha do cidadão, e sua proibição teria o efeito de reduzir o número de partidos com representação parlamentar, ou até mesmo de desestimular aventuras. Também a distribuição de tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e TV, durante ou fora do período eleitoral, é outro assunto que deve ser discutido à luz da necessidade de desfavorecer essa troca de minutos de TV por apoios políticos sem base programática mínima.
Esses são assuntos paralelos ao processo do mensalão que precisam ser analisados pela classe política, que também está em julgamento neste momento. O desfile de falcatruas envolvendo as mais diversas legendas é demonstração de que alguma coisa precisa ser feita.
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