O GLOBO - 18/12
É a pior combinação possível: inflação elevada, economia estagnada, juros altos (só perde dos russos), déficit nas contas
A Rússia de novo? Sim, a pergunta faz sentido por aqui. Na conturbada sequência de crises dos emergentes nos anos 90, a Rússia quebrou em 98 e o seguinte na lista foi o Brasil, em 99.
Mas não se repete agora a parte anterior daquela sequência. Tailândia e Coreia do Sul, que quebraram em 1997, parecem longe da crise. Pelo menos desse tipo de crise.
Ainda ontem, o Banco Central da Tailândia manteve sua taxa básica de juros em 2% ao ano, nível em que se encontra há seis meses. E indicou que pode cortar a taxa em breve, já que a economia anda muito devagar, crescendo 1,5% em ritmo anualizado.
A Coreia também sofre com a moleza da economia mundial, mas resiste bem. Cresce a 3,5% ao ano, com inflação de 1,5% e juros pouco abaixo de 3%. E tem um baita superávit, de 5,5% do PIB nas contas externas. Tailândia também é superavitária nesse quesito importante.
Esses países representam bem a diferença entre os dois momentos. Ao fim dos anos 90, as reservas internacionais dos principais emergentes, sem a China, mal chegavam aos US$ 500 bilhões, com déficits nas contas externas e regime de câmbio fixo, quando o BC se compromete com uma determinada taxa na compra e venda de dólares. É caminho fácil para a fuga de capitais e desvalorização selvagem das moedas locais.
Depois das crises — quando todos ficaram sem dólares para pagar os compromissos da dívida e caíram no colo do FMI —, houve uma sequência de reformas macroeconômicas ortodoxas e a mudança para o câmbio flutuante. Com a ajuda da China, com seu crescimento espantoso e a voracidade com que comprava as comodities dos emergentes, estes acumularam montanhas de dólares. Já na grande crise de 2008/9, desta vez dos ricos, esses emergentes detinham reservas de mais de US$ 3 trilhões. E continuaram acumulando, Rússia inclusive.
Tudo considerado, não que não existam problemas, hoje. São diferentes e variam conforme o país.
A Rússia, por exemplo, enfrenta uma questão política, as sanções econômicas impostas pelos EUA e a União Europeia, por causa da intervenção de Putin na Ucrânia. Há restrições tanto para negócios das empresas russas no exterior quanto para as companhias ocidentais na Rússia. Só isso derruba o investimento e, pois, o crescimento. Em cima disso, veio a queda vertiginosa do preço do petróleo, a principal força econômica e política da Rússia. É a maior fonte de renda da economia e instrumento de pressão sobre a Europa, parcialmente dependente do combustível russo.
Isso não tem nada a ver com as situações de Tailândia, Coreia do Sul e Brasil. Só que, dos três, o caso brasileiro é o mais complicado, embora mantendo reservas elevadas.
Por conta da nova matriz introduzida especialmente no governo Dilma, o Brasil é apanhado nesta turbulência com todos os fundamentos desalinhados. É a pior combinação possível: inflação elevada, economia estagnada, juros altos (só perde dos russos), déficit nas contas externas e internas, dívida pública em alta.
É especialmente ruim porque pouco tempo atrás, ainda no segundo governo Lula, o quadro era o inverso. Com fundamentos em ordem, o país superou a crise de 2008/9. E depois, caiu na nova matriz.
Hoje, véspera do segundo governo Dilma, a crise da Rússia pode não ser um antecedente, mas mostra bem como foi equivocada a política econômica dos últimos anos. E explica por que a presidente resolveu ou foi obrigada a encaminhar uma guinada na busca dos fundamentos perdidos.
E com essa baita crise na Petrobras e no coração do governo e seus partidos. Por falar nisso, olha outra semelhança com o caso russo: o preço do petróleo em queda coloca em risco os planos de expansão econômica baseados no pré-sal.
OFICIALMENTE
Repararam como os investigados usam a mesma desculpa para nada declarar? As empresas, as pessoas, os advogados dizem, quando perguntados sobre novos fatos, como uma denúncia formalizada: não fomos oficialmente comunicados.
É notável esse apreço ao oficial, partindo de gente tão ativa nas contas não oficiais.
EMPREITEIRAS
Não são to big to fail. E isto se aplica mais aos acionistas controladores do que aos negócios. Por exemplo: uma obra viciada por grossa corrupção pode ser transferida a uma outra companhia, nacional ou estrangeira, que assumiria a parte saudável. A parte podre ficaria na conta, inclusive pessoal, dos responsáveis.
Foi feito assim na crise dos bancos privados nos anos 90. Os acionistas perderam seus bancos, mas os negócios continuaram.
Papel do governo neste caso: coordenar o “Proer das empreiteiras”. E da Petrobras.
quinta-feira, dezembro 18, 2014
Petrolāo repete mensalão - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 18/12
A estratégia de reagir a uma crise com a proposta de convocação de uma Assembleia Constituinte para a reforma política ou de um plebiscito, e até mesmo a frase "não deixar pedra sobre pedra" na apuração de um escândalo, muito usada pela presidente Dilma na campanha deste ano, fazem parte de um roteiro previamente organizado a partir do escândalo do mensalão por Bernardo Kucinski, escritor premiado e jornalista tarimbado, que teve papel central no primeiro governo Lula criando uma correspondência diária com o presidente por meio da análise do noticiário dos jornais que enviava logo pela manhã, por volta das 8h.
Lula, que confessou que não lia jornais para não ficar com azia, lia aquelas cartas, que ele chamava de "ácidas", e também criticava. Certa vez, na campanha de 1989, Lula disse que Kucinski era tão ácido que, se passasse uma toalha no seu suor e depois espremesse, dava para tirar vinagre.
Mas a confiança no autor, apesar de alguns mal-entendidos, transformou as cartas em instrumento importante de ação presidencial, mesmo que, com a eleição de Lula em 2003, elas tenham passado a se chamar Cartas Críticas, com cuidados para, na definição do autor, "alertar o presidente, sim, aborrecer o presidente, não". Mas sem abdicar de sua função crítica.
Pois quando estourou a crise do mensalão, em 2005, foi de Kucinski que partiram as sugestões de levar ao debate público questões como a reforma política. Escreveu ele em 9 de junho de 2005: "Há uma convicção crescente entre juristas e analistas políticos de que a raiz do problema da corrupção política está no sistema político. Nesse sentido, outra iniciativa ousada do governo seria a de propor uma reforma política já. Talvez isso ajude a levar o problema para um plano superior e genérico".
Em outra ocasião, diante do fato de que a crise do mensalão crescia, ele sugere a Lula: "Só resta ao presidente aprofundar a linha de conduta de 'não deixar pedra sobre pedra' no combate à corrupção e, se preciso, 'cortar na própria carne' ".
De outra feita, ele diz que "em caso extremo, o governo poderia encampar a proposta de convocação de uma Assembleia Constituinte (...), a razão seria a perda de legitimidade do atual Congresso por causa do mensalão".
Essas cartas estão agora selecionadas em um livro, "Cartas a Lula", em que, divididas por temas, aparecem abordando os principais episódios do primeiro governo, desde o Fome Zero e o Bolsa Família até a transposição do Rio São Francisco, que Kucinski considera um projeto mal aproveitado pelo governo, que não organizou sua narrativa para que tivesse condições de mostrar sua importância para a região.
As cartas fizeram análises de macroeconomia e do cenário internacional, que eram muito utilizadas por Lula em suas viagens. E analisavam detidamente as reações dos principais jornais e revistas em relação a decisões do governo, buscando explicações para comentários de alguns jornalistas ou editoriais. Não há em nenhum momento, nas cartas selecionadas no livro, juízos de valor sobre este ou aquele comentário deste ou daquele jornalista, como se Kucinski estivesse preocupado também em não alimentar o antagonismo entre a chamada mídia e o governo.
Em muitos casos, como no da expulsão do correspondente do "New York Times" no Brasil, Larry Rohter, que fez uma grande reportagem acusando Lula de ser um alcoólatra, Kucinski procura as razões da reportagem muito menos no seu autor do que na política do próprio jornal, que considera representante do establishment americano. É disso que se trata, escreveu Kucinski; Lula tornou-se alvo do Império, e isso deveria deixá-lo orgulhoso. Kucinski se utiliza até mesmo do filósofo americano Noam Chomsky para basear sua opinião de que a reportagem do "New York Times" representava o reconhecimento do governo dos Estados Unidos de que Lula era um líder que precisava ser combatido.
Pelas reações do próprio Lula na ocasião e da presidente Dilma durante a crise de 2013, quando as manifestações populares surpreenderam o governo, e até mesmo na recente campanha presidencial, os conselhos de Kucinski continuam sendo seguidos no Palácio do Planalto, eventualmente adaptados às novas circunstâncias pelo marqueteiro João Santana, também ele originalmente jornalista.
A estratégia de reagir a uma crise com a proposta de convocação de uma Assembleia Constituinte para a reforma política ou de um plebiscito, e até mesmo a frase "não deixar pedra sobre pedra" na apuração de um escândalo, muito usada pela presidente Dilma na campanha deste ano, fazem parte de um roteiro previamente organizado a partir do escândalo do mensalão por Bernardo Kucinski, escritor premiado e jornalista tarimbado, que teve papel central no primeiro governo Lula criando uma correspondência diária com o presidente por meio da análise do noticiário dos jornais que enviava logo pela manhã, por volta das 8h.
Lula, que confessou que não lia jornais para não ficar com azia, lia aquelas cartas, que ele chamava de "ácidas", e também criticava. Certa vez, na campanha de 1989, Lula disse que Kucinski era tão ácido que, se passasse uma toalha no seu suor e depois espremesse, dava para tirar vinagre.
Mas a confiança no autor, apesar de alguns mal-entendidos, transformou as cartas em instrumento importante de ação presidencial, mesmo que, com a eleição de Lula em 2003, elas tenham passado a se chamar Cartas Críticas, com cuidados para, na definição do autor, "alertar o presidente, sim, aborrecer o presidente, não". Mas sem abdicar de sua função crítica.
Pois quando estourou a crise do mensalão, em 2005, foi de Kucinski que partiram as sugestões de levar ao debate público questões como a reforma política. Escreveu ele em 9 de junho de 2005: "Há uma convicção crescente entre juristas e analistas políticos de que a raiz do problema da corrupção política está no sistema político. Nesse sentido, outra iniciativa ousada do governo seria a de propor uma reforma política já. Talvez isso ajude a levar o problema para um plano superior e genérico".
Em outra ocasião, diante do fato de que a crise do mensalão crescia, ele sugere a Lula: "Só resta ao presidente aprofundar a linha de conduta de 'não deixar pedra sobre pedra' no combate à corrupção e, se preciso, 'cortar na própria carne' ".
De outra feita, ele diz que "em caso extremo, o governo poderia encampar a proposta de convocação de uma Assembleia Constituinte (...), a razão seria a perda de legitimidade do atual Congresso por causa do mensalão".
Essas cartas estão agora selecionadas em um livro, "Cartas a Lula", em que, divididas por temas, aparecem abordando os principais episódios do primeiro governo, desde o Fome Zero e o Bolsa Família até a transposição do Rio São Francisco, que Kucinski considera um projeto mal aproveitado pelo governo, que não organizou sua narrativa para que tivesse condições de mostrar sua importância para a região.
As cartas fizeram análises de macroeconomia e do cenário internacional, que eram muito utilizadas por Lula em suas viagens. E analisavam detidamente as reações dos principais jornais e revistas em relação a decisões do governo, buscando explicações para comentários de alguns jornalistas ou editoriais. Não há em nenhum momento, nas cartas selecionadas no livro, juízos de valor sobre este ou aquele comentário deste ou daquele jornalista, como se Kucinski estivesse preocupado também em não alimentar o antagonismo entre a chamada mídia e o governo.
Em muitos casos, como no da expulsão do correspondente do "New York Times" no Brasil, Larry Rohter, que fez uma grande reportagem acusando Lula de ser um alcoólatra, Kucinski procura as razões da reportagem muito menos no seu autor do que na política do próprio jornal, que considera representante do establishment americano. É disso que se trata, escreveu Kucinski; Lula tornou-se alvo do Império, e isso deveria deixá-lo orgulhoso. Kucinski se utiliza até mesmo do filósofo americano Noam Chomsky para basear sua opinião de que a reportagem do "New York Times" representava o reconhecimento do governo dos Estados Unidos de que Lula era um líder que precisava ser combatido.
Pelas reações do próprio Lula na ocasião e da presidente Dilma durante a crise de 2013, quando as manifestações populares surpreenderam o governo, e até mesmo na recente campanha presidencial, os conselhos de Kucinski continuam sendo seguidos no Palácio do Planalto, eventualmente adaptados às novas circunstâncias pelo marqueteiro João Santana, também ele originalmente jornalista.
Venina veritas - SÍLVIO RIBAS
CORREIO BRAZILIENSE - 18/12
A gestão temerária da Petrobras, clara desde a assinatura de contratos em branco à compra bilionária de empresas com base em relatórios fajutos, colocou na berlinda não só a diretoria e o patrimônio da maior empresa do Brasil. Foi-se embora com ela a credibilidade dos investidores em papéis brasileiros e a reputação dos órgãos de controle. E a lambança ainda maculou a bandeira histórica da esquerda de defesa da coisa pública.
Nunca antes na história deste país, um governo proclamou tanto o discurso contrário à privatização da Petrobras, em favor de maior presença estatal no setor energético. Contudo, foi a partir da era petista que argumentos dos privatistas ganharam o reforço de evidências de um patrimonialismo sem freio. A empresa teve o comando esquartejado entre políticos, seu caixa serviu a campanhas eleitorais e seu plano de negócios se abateu por orçamentos abusivos. Por fim, corruptos se enriqueceram na boa-fé de contribuintes e poupadores.
Entre os primeiros a se revoltar com a perda de prumo e de rumo da companhia outrora orgulho nacional estava uma de suas funcionárias, a gerente Venina Velosa da Fonseca. Ela enviou e-mails à presidente Graça Foster e a outros superiores para apontar desvios em diversas áreas da empresa, muito antes da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal. Ao que tudo indica, os executivos souberam dos esquemas de corrupção, mas preferiram fazer com que os incomodados se retirassem. Nesse meio tempo, empreiteiras, larápios internos e partidos espremiam a galinha dos ovos de "ouro negro".
Tal qual a expressão latina "In vino veritas", também há uma embriagante verdade em Venina: a de que o dever cívico de informar malfeitos andava meio contido na máquina federal. As coisas mudaram. No começo dos anos 1990, quando pisei pela primeira vez numa plataforma na Bacia de Santos (RJ), o que mais me impressionou foi uma palestra com forte tom doutrinário dos técnicos locais, aos visitantes. Eles expuseram nos slides de planilhas e de trechos de documentos traduzidos a "importância estratégica da exploração em águas profundas" pela Petrobras, cujas inovações teriam despertado a cobiça internacional.
O mesmo ardor de petroleiros naquela época, quando lutavam para proteger a estatal dos venenosos grupos petroleiros do Ocidente, não se repetiu agora, quando os inimigos se revelaram ser pratas da casa, aliados a vendilhões ali da esquina.
A gestão temerária da Petrobras, clara desde a assinatura de contratos em branco à compra bilionária de empresas com base em relatórios fajutos, colocou na berlinda não só a diretoria e o patrimônio da maior empresa do Brasil. Foi-se embora com ela a credibilidade dos investidores em papéis brasileiros e a reputação dos órgãos de controle. E a lambança ainda maculou a bandeira histórica da esquerda de defesa da coisa pública.
Nunca antes na história deste país, um governo proclamou tanto o discurso contrário à privatização da Petrobras, em favor de maior presença estatal no setor energético. Contudo, foi a partir da era petista que argumentos dos privatistas ganharam o reforço de evidências de um patrimonialismo sem freio. A empresa teve o comando esquartejado entre políticos, seu caixa serviu a campanhas eleitorais e seu plano de negócios se abateu por orçamentos abusivos. Por fim, corruptos se enriqueceram na boa-fé de contribuintes e poupadores.
Entre os primeiros a se revoltar com a perda de prumo e de rumo da companhia outrora orgulho nacional estava uma de suas funcionárias, a gerente Venina Velosa da Fonseca. Ela enviou e-mails à presidente Graça Foster e a outros superiores para apontar desvios em diversas áreas da empresa, muito antes da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal. Ao que tudo indica, os executivos souberam dos esquemas de corrupção, mas preferiram fazer com que os incomodados se retirassem. Nesse meio tempo, empreiteiras, larápios internos e partidos espremiam a galinha dos ovos de "ouro negro".
Tal qual a expressão latina "In vino veritas", também há uma embriagante verdade em Venina: a de que o dever cívico de informar malfeitos andava meio contido na máquina federal. As coisas mudaram. No começo dos anos 1990, quando pisei pela primeira vez numa plataforma na Bacia de Santos (RJ), o que mais me impressionou foi uma palestra com forte tom doutrinário dos técnicos locais, aos visitantes. Eles expuseram nos slides de planilhas e de trechos de documentos traduzidos a "importância estratégica da exploração em águas profundas" pela Petrobras, cujas inovações teriam despertado a cobiça internacional.
O mesmo ardor de petroleiros naquela época, quando lutavam para proteger a estatal dos venenosos grupos petroleiros do Ocidente, não se repetiu agora, quando os inimigos se revelaram ser pratas da casa, aliados a vendilhões ali da esquina.
O Brasil tem quatro anos para virar a Argentina - GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA
Uma grande empreiteira pagou R$ 886 mil a uma empresa de José Dirceu e obteve, em seguida, um contrato com a Petrobras no valor de R$ 4,7 bilhões, para realização de serviços na Refinaria Abreu e Lima. Para quem não lembra, essa é a famosa obra que multiplicou seu valor original pelo menos três vezes e passou dos R$ 40 bilhões. A reportagem de ÉPOCA que mostra a triangulação camuflada sob uma "consultoria" de Dirceu ajuda a entender por que essa refinaria ficou 200% mais cara que ela mesma. Há um outro sócio fundamental dessa transação: o eleitor de Dilma Rousseff.
Essa triangulação, descoberta pela Polícia Federal na blitz conhecida como "Dia do Juízo Final", se deu entre 2010 e 2011. Exatamente quando Dilma ascendia à Presidência. E Dirceu já era réu no processo do mensalão. As cartas já estavam na mesa, e os anos seguintes apenas as revelaram: Dirceu condenado, e o petrolão descoberto. Quando foi às urnas em outubro passado, o eleitor brasileiro já sabia de tudo: que cardeais petistas haviam plantado uma diretoria na Petrobras para roubar a empresa em benefício da sustentação de seu projeto de poder. Exatamente a mesma tecnologia do mensalão, também tramado de dentro do Palácio do Planalto. Quem votou pela reeleição de Dilma, mesmo que alegue esquerdismo, progressismo, coitadismo ou cinismo, é sócio político do esquema.
A pergunta é: o que será do Brasil nos próximos quatro anos? Algumas vozes respeitáveis têm oferecido um ombro amigo ao governo popular - não para que ele chore suas lágrimas de crocodilo, mas para que não caia de podre. É a tese de que o impeachment é pior para o país do que carregar por quatro anos um governo na UTI. Tudo bem. Só falta combinar com os russos. O segundo mandato de Dilma Rousseff nascerá desmoralizado no país e no exterior. Nesse cenário, como investir no Brasil? Como respeitar as instituições? Como concordar e se submeter às regras do jogo, se o juiz se vendeu na cara de todo mundo?
O mais ortodoxo dos contribuintes, aquele que jamais cogitou sonegar impostos, está revoltado com cada centavo que paga ao Fisco. Caiu a máscara social do PT - e agora todos já sabem que a trilionária arrecadação da União está a serviço de uma indústria de privatização da política. Daí os níveis de investimentos irrisórios, a estagnação da infraestrutura, o desperdício de uma década de bons ventos econômicos sem avançar um milímetro nos sistemas de saúde e educação - enquanto o sistema de corrupção cresceu admiravelmente (o mensalão é troco diante do petrolão), e o bom pagador de impostos não tem mais dúvidas: estão me fazendo de otário.
Traduzindo: o contrato republicano foi rasgado. Se o brasileiro não fosse essa doçura, o primeiro governista que falasse na volta da CPMF seria crucificado em praça pública. Por meio de um dublê de bobo da corte e ministro da Fazenda, o governo assegurou que estava tudo bem com as contas públicas - até avisar, passada a eleição, que daria o golpe na Lei de Responsabilidade Fiscal. A tropa companheira marchou sobre o Congresso e incinerou, ao vivo, o principal compromisso com a saúde financeira nacional. E isso aí: torramos o dinheiro do contribuinte e mudaremos a meta na marra, para legalizar o rombo.
O projeto parasitário do PT está empobrecendo democraticamente ricos e pobres. E sempre indesejável a metáfora do câncer, mas não há descrição mais precisa dessa autópsia: um projeto de poder que plantou células degenerativas a cada movimento no organismo estatal. Como será o embate do respeitável Joaquim Levy com toda a teia de artifícios montada para gerar a famosa contabilidade criativa? Haja quimioterapia.
Seria até esperançoso imaginar que, agora, haverá 100% de esforço e sacrifício em prol do tratamento rigoroso. Só que não... O ponto a que chegou o plano petista não tem volta. A única chance de Dilma, Lula & Cia. é ajeitar as aparências e dobrar a aposta. Do contrário, a mitologia acaba e, aí sim, todos eles pagarão muito caro pelo que fizeram ao Brasil.
Ou o país leva às últimas consequências a investigação do petrolão - se for séria, ela levará a uma inevitável faxina no Palácio - ou pode ir fazendo as malas para a Argentina.
Uma grande empreiteira pagou R$ 886 mil a uma empresa de José Dirceu e obteve, em seguida, um contrato com a Petrobras no valor de R$ 4,7 bilhões, para realização de serviços na Refinaria Abreu e Lima. Para quem não lembra, essa é a famosa obra que multiplicou seu valor original pelo menos três vezes e passou dos R$ 40 bilhões. A reportagem de ÉPOCA que mostra a triangulação camuflada sob uma "consultoria" de Dirceu ajuda a entender por que essa refinaria ficou 200% mais cara que ela mesma. Há um outro sócio fundamental dessa transação: o eleitor de Dilma Rousseff.
Essa triangulação, descoberta pela Polícia Federal na blitz conhecida como "Dia do Juízo Final", se deu entre 2010 e 2011. Exatamente quando Dilma ascendia à Presidência. E Dirceu já era réu no processo do mensalão. As cartas já estavam na mesa, e os anos seguintes apenas as revelaram: Dirceu condenado, e o petrolão descoberto. Quando foi às urnas em outubro passado, o eleitor brasileiro já sabia de tudo: que cardeais petistas haviam plantado uma diretoria na Petrobras para roubar a empresa em benefício da sustentação de seu projeto de poder. Exatamente a mesma tecnologia do mensalão, também tramado de dentro do Palácio do Planalto. Quem votou pela reeleição de Dilma, mesmo que alegue esquerdismo, progressismo, coitadismo ou cinismo, é sócio político do esquema.
A pergunta é: o que será do Brasil nos próximos quatro anos? Algumas vozes respeitáveis têm oferecido um ombro amigo ao governo popular - não para que ele chore suas lágrimas de crocodilo, mas para que não caia de podre. É a tese de que o impeachment é pior para o país do que carregar por quatro anos um governo na UTI. Tudo bem. Só falta combinar com os russos. O segundo mandato de Dilma Rousseff nascerá desmoralizado no país e no exterior. Nesse cenário, como investir no Brasil? Como respeitar as instituições? Como concordar e se submeter às regras do jogo, se o juiz se vendeu na cara de todo mundo?
O mais ortodoxo dos contribuintes, aquele que jamais cogitou sonegar impostos, está revoltado com cada centavo que paga ao Fisco. Caiu a máscara social do PT - e agora todos já sabem que a trilionária arrecadação da União está a serviço de uma indústria de privatização da política. Daí os níveis de investimentos irrisórios, a estagnação da infraestrutura, o desperdício de uma década de bons ventos econômicos sem avançar um milímetro nos sistemas de saúde e educação - enquanto o sistema de corrupção cresceu admiravelmente (o mensalão é troco diante do petrolão), e o bom pagador de impostos não tem mais dúvidas: estão me fazendo de otário.
Traduzindo: o contrato republicano foi rasgado. Se o brasileiro não fosse essa doçura, o primeiro governista que falasse na volta da CPMF seria crucificado em praça pública. Por meio de um dublê de bobo da corte e ministro da Fazenda, o governo assegurou que estava tudo bem com as contas públicas - até avisar, passada a eleição, que daria o golpe na Lei de Responsabilidade Fiscal. A tropa companheira marchou sobre o Congresso e incinerou, ao vivo, o principal compromisso com a saúde financeira nacional. E isso aí: torramos o dinheiro do contribuinte e mudaremos a meta na marra, para legalizar o rombo.
O projeto parasitário do PT está empobrecendo democraticamente ricos e pobres. E sempre indesejável a metáfora do câncer, mas não há descrição mais precisa dessa autópsia: um projeto de poder que plantou células degenerativas a cada movimento no organismo estatal. Como será o embate do respeitável Joaquim Levy com toda a teia de artifícios montada para gerar a famosa contabilidade criativa? Haja quimioterapia.
Seria até esperançoso imaginar que, agora, haverá 100% de esforço e sacrifício em prol do tratamento rigoroso. Só que não... O ponto a que chegou o plano petista não tem volta. A única chance de Dilma, Lula & Cia. é ajeitar as aparências e dobrar a aposta. Do contrário, a mitologia acaba e, aí sim, todos eles pagarão muito caro pelo que fizeram ao Brasil.
Ou o país leva às últimas consequências a investigação do petrolão - se for séria, ela levará a uma inevitável faxina no Palácio - ou pode ir fazendo as malas para a Argentina.
Dilma chora pela Petrobras? - RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA
Entendo que a presidente Dilma Rousseff chore pelo trauma da tortura e da prisão durante a ditadura militar. Queria ver a presidente chorando também, com sinceridade, pelas revelações da "outra" Comissão Nacional da Verdade. Uma verdade investigada e denunciada pelo Ministério Público e pela Polícia Federal. Quantas mentiras foram ditas pela senhora, presidente, neste ano eleitoral?
Algum dia veremos lágrimas de Dilma pela má gestão petista da Petrobras? Ninguém pede perdão no Brasil, nem os presidentes militares nem os civis. Será que, no escurinho de seus aposentos no Palácio da Alvorada, Dilma já percebeu que Graça Foster está com os dias contados, porque seu comando na Petrobras se tornou indefensável, por conivência ou desleixo?
Será que Dilma chora às escondidas ao reconhecer, para si mesma, que a Petrobras deixou de ser o orgulho nacional para se tornar a vergonha nacional, processada até no exterior? Será que Dilma chora pelas perdas de todos os pequenos investidores enganados pela empresa?
"Roubaram o orgulho dos brasileiros", afirma o procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, sobre o escândalo. Janot defende a demissão de toda a cúpula da Petrobras pelo "cenário desastroso na gestão da companhia". Dilma escuta Lula dizer que tem de "botar o dedo na cara" da oposição.
Se Dilma chora pelas 434 vítimas do golpe militar - e nos emociona -, será que chora de tristeza, vergonha e, quem sabe, arrependimento por não ter detido a roubalheira na maior estatal do país, por não ter impedido a compra da Refinaria de Pasadena, por ter deixado rolar os desvios bilionários que sucateiam nossos serviços públicos e punem a população?
A lama já chegou ao Congresso. Logo teremos a lista de políticos no "corredor da cassação". O deputado fanfarrão André Vargas, recém-cassado, diz ser "apenas um cisco" na Lava Jato. Sabemos que é verdade. Vargas foi um dos anéis defenestrados para o partido manter os dedos. Haverá outros. Em abril, Lula já dizia: "No final quem paga o pato (da amizade de com o doleiro preso Alberto Youssef) é o PT." Será que um dia anistiaremos os bandidos?
É um exercício didático lembrar o que Dilma falou, em abril, em Ipojuca, Pernambuco, numa cerimônia alusiva à viagem do navio Dragão do Mar. Ela criticou a "campanha negativa" de denúncias contra a Petrobras e discursou para os operários. "Mais que uma empresa", disse Dilma há oito meses, "a Petrobras é um símbolo da afirmação do nosso país, e um dos maiores patrimônios de cada um dos 200 milhões de brasileiros. Por isso, a Petrobras jamais se confundirá com qualquer malfeito, corrupção ou qualquer ação indevida de quaisquer pessoas, das mais às menos graduadas." Ela chora, hoje? Qu só a gente chora?
"Sabemos que (a Petrobras) é a maior empresa e a mais bem-sucedida deste país. Acreditamos na Petrobras, acreditamos na Petrobras mil vezes" afirmou Dilma ao encerrar o discurso em Pernambuco. Mil e uma vezes, Dilma mentiu ou foi traída. Numa ação coletiva em Nova York, advogados dizem que acionistas da Petrobras foram enganados em "esquema multibilionário de corrupção, suborno e lavagem de dinheiro desde 2006".
Sete em cada dez brasileiros acham que Dilma tem alguma responsabilidade na corrupção da Petrobras. A pesquisa é do Datafolha, nos dias 2 e 3 de dezembro. A maioria não acredita que Dilma seja inocente.
O ministro Jorge Hage, de 76 anos, pediu na semana passada a demissão da Controladoria-Geral da União (CGU). Saiu dizendo que as estatais no Brasil não são fiscalizadas. Estão "fora do alcance" da CGU, principal órgão federal de combate à corrupção. Será que Dilma chora quando escuta isso ou se enfurece?
Não é só a Polícia Federal. Não é só o Ministério Público. Não é só a CGU. A penúria da economia real mostra direitinho quem pagará o pato pela incompetência. Não será o PT. Seremos nós. As metas foram mandadas para o inferno, e as contas e os impostos são aumentados com força total.
Será que Dilma chora pelos "crimes contra a humanidade" nos hospitais públicos de Brasília, ali pertinho dela? O programa Bom Dia Brasil da última sexta-feira expôs o descaso assassino com doentes, Ambulâncias paradas por falta de combustível, hospitais sem equipamentos ou médicos, exames cancelados até o ano que vem, internet e telefone cortados. Funcionários com salários atrasados.
"Falta de respeito e consideração com a classe trabalhadora. A gente limpa onde eles pisam, e não pagam a gente", disse o auxiliar de serviços gerais de um hospital público, José Mário Romano. Famílias processam os hospitais de Brasília pela falta de socorro que provoca mortes. Será que Dilma chora por esses crimes contra a cidadania? Se chora, ninguém vê.
Entendo que a presidente Dilma Rousseff chore pelo trauma da tortura e da prisão durante a ditadura militar. Queria ver a presidente chorando também, com sinceridade, pelas revelações da "outra" Comissão Nacional da Verdade. Uma verdade investigada e denunciada pelo Ministério Público e pela Polícia Federal. Quantas mentiras foram ditas pela senhora, presidente, neste ano eleitoral?
Algum dia veremos lágrimas de Dilma pela má gestão petista da Petrobras? Ninguém pede perdão no Brasil, nem os presidentes militares nem os civis. Será que, no escurinho de seus aposentos no Palácio da Alvorada, Dilma já percebeu que Graça Foster está com os dias contados, porque seu comando na Petrobras se tornou indefensável, por conivência ou desleixo?
Será que Dilma chora às escondidas ao reconhecer, para si mesma, que a Petrobras deixou de ser o orgulho nacional para se tornar a vergonha nacional, processada até no exterior? Será que Dilma chora pelas perdas de todos os pequenos investidores enganados pela empresa?
"Roubaram o orgulho dos brasileiros", afirma o procurador-geral da República,
Rodrigo Janot, sobre o escândalo. Janot defende a demissão de toda a cúpula da Petrobras pelo "cenário desastroso na gestão da companhia". Dilma escuta Lula dizer que tem de "botar o dedo na cara" da oposição.
Se Dilma chora pelas 434 vítimas do golpe militar - e nos emociona -, será que chora de tristeza, vergonha e, quem sabe, arrependimento por não ter detido a roubalheira na maior estatal do país, por não ter impedido a compra da Refinaria de Pasadena, por ter deixado rolar os desvios bilionários que sucateiam nossos serviços públicos e punem a população?
A lama já chegou ao Congresso. Logo teremos a lista de políticos no "corredor da cassação". O deputado fanfarrão André Vargas, recém-cassado, diz ser "apenas um cisco" na Lava Jato. Sabemos que é verdade. Vargas foi um dos anéis defenestrados para o partido manter os dedos. Haverá outros. Em abril, Lula já dizia: "No final quem paga o pato (da amizade de com o doleiro preso Alberto Youssef) é o PT." Será que um dia anistiaremos os bandidos?
É um exercício didático lembrar o que Dilma falou, em abril, em Ipojuca, Pernambuco, numa cerimônia alusiva à viagem do navio Dragão do Mar. Ela criticou a "campanha negativa" de denúncias contra a Petrobras e discursou para os operários. "Mais que uma empresa", disse Dilma há oito meses, "a Petrobras é um símbolo da afirmação do nosso país, e um dos maiores patrimônios de cada um dos 200 milhões de brasileiros. Por isso, a Petrobras jamais se confundirá com qualquer malfeito, corrupção ou qualquer ação indevida de quaisquer pessoas, das mais às menos graduadas." Ela chora, hoje? Qu só a gente chora?
"Sabemos que (a Petrobras) é a maior empresa e a mais bem-sucedida deste país. Acreditamos na Petrobras, acreditamos na Petrobras mil vezes" afirmou Dilma ao encerrar o discurso em Pernambuco. Mil e uma vezes, Dilma mentiu ou foi traída. Numa ação coletiva em Nova York, advogados dizem que acionistas da Petrobras foram enganados em "esquema multibilionário de corrupção, suborno e lavagem de dinheiro desde 2006".
Sete em cada dez brasileiros acham que Dilma tem alguma responsabilidade na corrupção da Petrobras. A pesquisa é do Datafolha, nos dias 2 e 3 de dezembro. A maioria não acredita que Dilma seja inocente.
O ministro Jorge Hage, de 76 anos, pediu na semana passada a demissão da Controladoria-Geral da União (CGU). Saiu dizendo que as estatais no Brasil não são fiscalizadas. Estão "fora do alcance" da CGU, principal órgão federal de combate à corrupção. Será que Dilma chora quando escuta isso ou se enfurece?
Não é só a Polícia Federal. Não é só o Ministério Público. Não é só a CGU. A penúria da economia real mostra direitinho quem pagará o pato pela incompetência. Não será o PT. Seremos nós. As metas foram mandadas para o inferno, e as contas e os impostos são aumentados com força total.
Será que Dilma chora pelos "crimes contra a humanidade" nos hospitais públicos de Brasília, ali pertinho dela? O programa Bom Dia Brasil da última sexta-feira expôs o descaso assassino com doentes, Ambulâncias paradas por falta de combustível, hospitais sem equipamentos ou médicos, exames cancelados até o ano que vem, internet e telefone cortados. Funcionários com salários atrasados.
"Falta de respeito e consideração com a classe trabalhadora. A gente limpa onde eles pisam, e não pagam a gente", disse o auxiliar de serviços gerais de um hospital público, José Mário Romano. Famílias processam os hospitais de Brasília pela falta de socorro que provoca mortes. Será que Dilma chora por esses crimes contra a cidadania? Se chora, ninguém vê.
Em viés de baixa - J. R. GUZZO
REVISTA VEJA
A presidente Dilma Rousseff está fechando o ano de 2014 numa situação curiosa: no momento em que se prepara para começar sua segunda e última temporada no Palácio do Planalto, está em viés de baixa, como se diz — um caso raro de governo que ficou mais fraco, depois de ganhar uma reeleição, do que estava antes da vitória. Esse início de segundo tempo, normalmente, marca o ponto mais alto a que um governo pode chegar. No caso de Dilma, não está sendo assim: a presidente entrou em declínio antes de chegar ao auge, e parece destinada a passar direto da decepção que foi seu primeiro mandato à desesperança que existe em relação ao segundo. Ao longo dos seus primeiros quatro anos, o governo Dilma nunca chegou realmente a engrenar. Nesse período, o crescimento da economia, uma necessidade absolutamente crítica para o Brasil, ficou em média na casa dos 2% ao ano, o segundo pior resultado desde a proclamação da República, em 1889. Passou do saldo para o déficit nas exportações. A indústria, que alterna períodos de marcha lenta com períodos de marcha a ré, é menor hoje do que era quando Dilma assumiu a Presidência. Não há praticamente nada que esteja melhor agora do que estava no começo de 2011. Em suma: o desempenho do governo começou a ratear antes de ganhar velocidade, e disso não saiu mais. Hoje o Brasil roda a uma velocidade entre 0% e 1% de crescimento — seu resultado de 2014 e provavelmente de 2015.
A presidente não tem nada de bom a anunciar para o ano que começa — ao contrário, tem muita notícia ruim para dar, ou para esconder, e terá de tomar aquelas medidas amargas que, como dizia há pouco, seu adversário iria adotar se ganhasse. Mais que tudo, Dilma não sabe, simplesmente, o que fazer a partir de 1° de janeiro para sair do atoleiro onde seu governo foi se meter — se soubesse, por que raios não fez até agora o que deveria ter sido feito? A única iniciativa que tomou depois da eleição foi armar uma fraude política para falsificar a realidade numérica do orçamento de 2014; obteve do Congresso, em troca do compromisso por escrito de dar dinheiro público aos parlamentares, uma licença para desrespeitar a lei. Em matéria de mudança para o segundo mandato, teve apenas uma ideia, jamais mencionada durante a campanha: voltar a cobrar a CPMF, o imposto do cheque criado no governo Itamar Franco e extinto definitivamente pelo Senado sete anos atrás. Fora isso, nada mais lhe ocorreu de útil. Qual a surpresa, nessa miséria de propostas, soluções ou alternativas? É um fato comprovado que a presidente da República não tem competência para fazer mais ou melhor do que tem feito; não há razão para imaginar que teria descoberto a luz, assim de repente, depois de ganhar a eleição. Quem acha que essa afirmação é um exagero fica convidado a responder a uma pergunta bem simples: em que momento, em todos os seus quatro anos de governo, Dilma mostrou algum talento visível, ou teve uma boa ideia que mereça ser citada? Que problema sério resolveu por sua capacidade própria? Como economista formada, escreveu algum artigo que tenha causado admiração ou respeito? Que tese, estudo, pesquisa ou pensamento original tem para apresentar?
O declínio de Dilma às vésperas de assumir seu segundo mandato não se manifesta apenas na falta de aptidão para governar. Tão ruim quanto isso é o desmanche moral de seu governo quatro anos antes da data de vencimento. Quase 70% dos brasileiros, na primeira pesquisa após as eleições, acham que a presidente está envolvida, em maior ou menor grau, nos episódios de corrupção na Petrobras. Hoje os brasileiros sabem que Dilma é capaz de comprar abertamente os votos de deputados para escapar ao cumprimento daquilo que mandam as leis — e se beneficia quando as galerias do Congresso são esvaziadas para que ela e seus agentes escapem de vaias. Também sabem que nomeou para o Ministério da Fazenda um profissional do sistema financeiro — depois de ter permitido que a propaganda de sua campanha destruísse a adversária Marina Silva, acusando-a, sem nenhuma comprovação, de favorecer os bancos caso fosse eleita. Dilma, Lula e o PT já demonstraram de todas as formas possíveis que valores morais não têm lugar na política. Sua pergunta não é: "Isso está certo?". O que interessa é outra coisa: "Dá para fazer?". É muito ruim, inclusive por razões estritamente práticas — não há caso conhecido de governos bem-sucedidos que tenham desprezado a honra, a ética e a decência. O Brasil não vai ser o primeiro.
A presidente Dilma Rousseff está fechando o ano de 2014 numa situação curiosa: no momento em que se prepara para começar sua segunda e última temporada no Palácio do Planalto, está em viés de baixa, como se diz — um caso raro de governo que ficou mais fraco, depois de ganhar uma reeleição, do que estava antes da vitória. Esse início de segundo tempo, normalmente, marca o ponto mais alto a que um governo pode chegar. No caso de Dilma, não está sendo assim: a presidente entrou em declínio antes de chegar ao auge, e parece destinada a passar direto da decepção que foi seu primeiro mandato à desesperança que existe em relação ao segundo. Ao longo dos seus primeiros quatro anos, o governo Dilma nunca chegou realmente a engrenar. Nesse período, o crescimento da economia, uma necessidade absolutamente crítica para o Brasil, ficou em média na casa dos 2% ao ano, o segundo pior resultado desde a proclamação da República, em 1889. Passou do saldo para o déficit nas exportações. A indústria, que alterna períodos de marcha lenta com períodos de marcha a ré, é menor hoje do que era quando Dilma assumiu a Presidência. Não há praticamente nada que esteja melhor agora do que estava no começo de 2011. Em suma: o desempenho do governo começou a ratear antes de ganhar velocidade, e disso não saiu mais. Hoje o Brasil roda a uma velocidade entre 0% e 1% de crescimento — seu resultado de 2014 e provavelmente de 2015.
A presidente não tem nada de bom a anunciar para o ano que começa — ao contrário, tem muita notícia ruim para dar, ou para esconder, e terá de tomar aquelas medidas amargas que, como dizia há pouco, seu adversário iria adotar se ganhasse. Mais que tudo, Dilma não sabe, simplesmente, o que fazer a partir de 1° de janeiro para sair do atoleiro onde seu governo foi se meter — se soubesse, por que raios não fez até agora o que deveria ter sido feito? A única iniciativa que tomou depois da eleição foi armar uma fraude política para falsificar a realidade numérica do orçamento de 2014; obteve do Congresso, em troca do compromisso por escrito de dar dinheiro público aos parlamentares, uma licença para desrespeitar a lei. Em matéria de mudança para o segundo mandato, teve apenas uma ideia, jamais mencionada durante a campanha: voltar a cobrar a CPMF, o imposto do cheque criado no governo Itamar Franco e extinto definitivamente pelo Senado sete anos atrás. Fora isso, nada mais lhe ocorreu de útil. Qual a surpresa, nessa miséria de propostas, soluções ou alternativas? É um fato comprovado que a presidente da República não tem competência para fazer mais ou melhor do que tem feito; não há razão para imaginar que teria descoberto a luz, assim de repente, depois de ganhar a eleição. Quem acha que essa afirmação é um exagero fica convidado a responder a uma pergunta bem simples: em que momento, em todos os seus quatro anos de governo, Dilma mostrou algum talento visível, ou teve uma boa ideia que mereça ser citada? Que problema sério resolveu por sua capacidade própria? Como economista formada, escreveu algum artigo que tenha causado admiração ou respeito? Que tese, estudo, pesquisa ou pensamento original tem para apresentar?
O declínio de Dilma às vésperas de assumir seu segundo mandato não se manifesta apenas na falta de aptidão para governar. Tão ruim quanto isso é o desmanche moral de seu governo quatro anos antes da data de vencimento. Quase 70% dos brasileiros, na primeira pesquisa após as eleições, acham que a presidente está envolvida, em maior ou menor grau, nos episódios de corrupção na Petrobras. Hoje os brasileiros sabem que Dilma é capaz de comprar abertamente os votos de deputados para escapar ao cumprimento daquilo que mandam as leis — e se beneficia quando as galerias do Congresso são esvaziadas para que ela e seus agentes escapem de vaias. Também sabem que nomeou para o Ministério da Fazenda um profissional do sistema financeiro — depois de ter permitido que a propaganda de sua campanha destruísse a adversária Marina Silva, acusando-a, sem nenhuma comprovação, de favorecer os bancos caso fosse eleita. Dilma, Lula e o PT já demonstraram de todas as formas possíveis que valores morais não têm lugar na política. Sua pergunta não é: "Isso está certo?". O que interessa é outra coisa: "Dá para fazer?". É muito ruim, inclusive por razões estritamente práticas — não há caso conhecido de governos bem-sucedidos que tenham desprezado a honra, a ética e a decência. O Brasil não vai ser o primeiro.
Nós, os que estamos perplexos - LYA LUFT
REVISTA VEJA
Há desses momentos na nossa vida pessoal, dessas fases na vida pública, em que parece que nada entendemos. Talvez seja porque estamos em dias difíceis, ou simplesmente nada funciona mesmo, e não entender é apenas natural. Passará, quando as engrenagens da vida ou do país forem consertadas, lubrificadas, postas em funcionamento sob uma direção competente e séria de condutores que se dão as mãos numa intenção comum: que as coisas melhorem, profundamente, cada dia mais.
Fora isso, é estar como agora estamos, tantos de nós. Natal, novo ano, época de reajustes pessoais e familiares, de encontros, de confraternização sem hipocrisia, ou de resolução: sim, a gente vai tentar melhorar; sim, a gente vai se separar porque como está não dá mais; sim, vou escutar mais meu filho; sim, vou ser mais gentil e amoroso com meus pais; vou sair da armadilha da droga, vou me tratar; vou levar a vida a sério; ou vou sair de casa, vou cair na vida, vou experimentar de tudo e ver no que dá. Às vezes é: sim, vou cuidar mais de mim mesmo e largar o que me prejudica; vou ser forte, e firme; vou ser um homem de verdade; ou, sim, vou deixar de ser boba, largar a culpa sem sentido e me valorizar.
Com relação ao país, é parecido: vou tentar consertar a bobagem que eu fiz; vou ser mais alerta e cobrar muito mais; vou delatar as mentiras, as armadilhas; vou reconhecer os males, as chantagens, os métodos de compra e venda; vou encarar a realidade de que o país, ou a política, virou um mercado persa; vou prestar atenção. Quanto você vale? Quanto vale seu partido? Quanto vale seu cargo? Quanto vale seu posto num escalão mais alto? Quanto vale sua deslealdade? E a gente calcula, ou nem calcula e mergulha na lama um pouco mais. Como afunda um pouco mais na desgraceira da vida pessoal, e vamos em frente.
Estamos todos boquiabertos com muita coisa que acontece: delações, provas, prisões, investigações e declarações de culpa ou de inocência. Ah, a inocência com seus redondos olhos infantis e dedo em riste, enquanto a mente arquiteta mais e mais mentiras, é preciso sobreviver até para desfrutar as fortunas mal ganhas. As coisas realmente vão mudar? Há quem não tenha preço e não se venda? Há quem resista a muita perseguição ou ameaça? E, se tantos altos postos no país estão ocupados por razões políticas ou pecuniárias, com garantias de mais e mais recompensas, haverá gente suficiente para limpar o recinto e começar a transformar o país? Vai levar tempo para mudar, dizem os mais sérios. Quanto tempo? O tempo de ainda vermos tudo mudado no tempo da nossa vida? Depende dos anos que nos estão reservados, e isso só os deuses sabem. A nós, comuns mortais, resta torcer, esperar, agir decentemente na vida pessoal, no trabalho, na turma, na família, conosco mesmos. Olhar a cara limpa no espelho a cada manhã e sentir-se bem: não tenho preço.
E tomar em paz o café da manhã, pegar o ônibus de sardinhas em lata, subir no trem atrasado ou que vai quebrar logo adiante, não ter água, e não ter luz, os preços subindo, o trabalho rareando, mas mesmo assim ter esperança: com gente séria e competente, as coisas devagarinho vão melhorar, sobretudo a confiança, essa senhora esquiva que tem andado tão fugidia, e que mesmo agora, ou especialmente agora, espia aqui, espia ali, faz uns acenos amigáveis, mas não se oferece aberta e inteira para sermos mais felizes e mais tranquilos. Ainda não. Mas em breve, se os deuses permitirem, se os homens conseguirem, se a lei e a decência prevalecerem, se as feridas forem reveladas e tratadas e começarem a curar, se mais homens de bem ocuparem os postos mais importantes, se pudermos de novo olhar para a frente sem nos envergonharmos, aí possivelmente teremos um país convalescendo da longa e lenta enfermidade dos desinformados, dos iludidos, dos aviltados.
Senhora confiança, dádiva de que tanto necessitamos, venha neste Natal e permaneça por todo o ano que chega ainda tenso, estranho, para nós, que estamos perplexos.
Há desses momentos na nossa vida pessoal, dessas fases na vida pública, em que parece que nada entendemos. Talvez seja porque estamos em dias difíceis, ou simplesmente nada funciona mesmo, e não entender é apenas natural. Passará, quando as engrenagens da vida ou do país forem consertadas, lubrificadas, postas em funcionamento sob uma direção competente e séria de condutores que se dão as mãos numa intenção comum: que as coisas melhorem, profundamente, cada dia mais.
Fora isso, é estar como agora estamos, tantos de nós. Natal, novo ano, época de reajustes pessoais e familiares, de encontros, de confraternização sem hipocrisia, ou de resolução: sim, a gente vai tentar melhorar; sim, a gente vai se separar porque como está não dá mais; sim, vou escutar mais meu filho; sim, vou ser mais gentil e amoroso com meus pais; vou sair da armadilha da droga, vou me tratar; vou levar a vida a sério; ou vou sair de casa, vou cair na vida, vou experimentar de tudo e ver no que dá. Às vezes é: sim, vou cuidar mais de mim mesmo e largar o que me prejudica; vou ser forte, e firme; vou ser um homem de verdade; ou, sim, vou deixar de ser boba, largar a culpa sem sentido e me valorizar.
Com relação ao país, é parecido: vou tentar consertar a bobagem que eu fiz; vou ser mais alerta e cobrar muito mais; vou delatar as mentiras, as armadilhas; vou reconhecer os males, as chantagens, os métodos de compra e venda; vou encarar a realidade de que o país, ou a política, virou um mercado persa; vou prestar atenção. Quanto você vale? Quanto vale seu partido? Quanto vale seu cargo? Quanto vale seu posto num escalão mais alto? Quanto vale sua deslealdade? E a gente calcula, ou nem calcula e mergulha na lama um pouco mais. Como afunda um pouco mais na desgraceira da vida pessoal, e vamos em frente.
Estamos todos boquiabertos com muita coisa que acontece: delações, provas, prisões, investigações e declarações de culpa ou de inocência. Ah, a inocência com seus redondos olhos infantis e dedo em riste, enquanto a mente arquiteta mais e mais mentiras, é preciso sobreviver até para desfrutar as fortunas mal ganhas. As coisas realmente vão mudar? Há quem não tenha preço e não se venda? Há quem resista a muita perseguição ou ameaça? E, se tantos altos postos no país estão ocupados por razões políticas ou pecuniárias, com garantias de mais e mais recompensas, haverá gente suficiente para limpar o recinto e começar a transformar o país? Vai levar tempo para mudar, dizem os mais sérios. Quanto tempo? O tempo de ainda vermos tudo mudado no tempo da nossa vida? Depende dos anos que nos estão reservados, e isso só os deuses sabem. A nós, comuns mortais, resta torcer, esperar, agir decentemente na vida pessoal, no trabalho, na turma, na família, conosco mesmos. Olhar a cara limpa no espelho a cada manhã e sentir-se bem: não tenho preço.
E tomar em paz o café da manhã, pegar o ônibus de sardinhas em lata, subir no trem atrasado ou que vai quebrar logo adiante, não ter água, e não ter luz, os preços subindo, o trabalho rareando, mas mesmo assim ter esperança: com gente séria e competente, as coisas devagarinho vão melhorar, sobretudo a confiança, essa senhora esquiva que tem andado tão fugidia, e que mesmo agora, ou especialmente agora, espia aqui, espia ali, faz uns acenos amigáveis, mas não se oferece aberta e inteira para sermos mais felizes e mais tranquilos. Ainda não. Mas em breve, se os deuses permitirem, se os homens conseguirem, se a lei e a decência prevalecerem, se as feridas forem reveladas e tratadas e começarem a curar, se mais homens de bem ocuparem os postos mais importantes, se pudermos de novo olhar para a frente sem nos envergonharmos, aí possivelmente teremos um país convalescendo da longa e lenta enfermidade dos desinformados, dos iludidos, dos aviltados.
Senhora confiança, dádiva de que tanto necessitamos, venha neste Natal e permaneça por todo o ano que chega ainda tenso, estranho, para nós, que estamos perplexos.
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