domingo, fevereiro 22, 2009

JOSIAS DE SOUZA

Inquérito da PF liga Sarney a ‘desvios’ da Gautama

FOLHA ONLINE

  Folha
Pendurada nas manchetes em maio de 2007, a “Operação Navalha” agora só aparece no noticiário de raro em raro.

 

Mas, em silêncio, a investigação prossegue. A Polícia Federal continua empilhando provas contra Zuleido Veras (foto), o dono da Gautama.

 

Zuleido, você deve se lembrar, comandava um esquema que fraudava obras públicas. O pedaço ainda inédito do inquérito reúne documentos de arrepiar.

 

Num trecho do processo, o sobrenome Sarney irrompe com incômoda fluidez.

 

Os detalhes foram trazidos à luz em reportagem de Otávio Cabral e Diego Escosteguy, de cujo trabalho as informações relatadas aqui foram extraídas.

 

Entre as obras esquadrinhadas pela PF está a ampliação do aeroporto de Macapá (AP). Foi licitada pela Infraero no final de 2004, depois de um pedido de José Sarney a Lula.

 

Eleito senador pelo Amapá, o maranhense Sarney tem em Macapá, a capital do Estado, seu principal reduto eleitoral.

 

Natural, portanto, que se empenhasse para dotar a cidade de um aeroporto mais bem aparelhado. O inusitado veio a seguir.

 

A Gautama, construtora de Zuleido, sagrou-se vitoriosa na licitação da Infraero. Um certame fraudado, a PF acusa.

 

O contrato embute, de acordo com a polícia, um superfaturamento de R$ 50 milhões. A PF colecionou provas que permitiram farejar o rateio do butim.

 

Há no inquérito, por exemplo: comprovantes de depósitos bancários, gravações de diálogos telefônicos e planilhas de pagamento de propina.

 

Numa das planilhas, recolhida em batida policial na casa de Zuleido, anotou-se a derrama de R$ 500 mil em campanhas eleitorais do Amapá.

 

A PF suspeita que o rateio tenha sido feito sob orientação de José Sarney, identificado na planilha de Zuleido com a sigla “PR” (presidente).

 

Há mais: a polícia informa que um personagem identificado como José Ricardo, lobista da Gautama, chegava mesmo a despachar no gabinete do senador Sarney.

 

Há pior: segundo a PF, um dos encarregados de cobrar os óbulos da Gautama era Ernane Sarney. Vem a ser irmão do atual presidente do Senado.

 

Ernane Sarney figura no inquérito como beneficiário de um depósito de R$ 30 mil de Zuleido. Não é só.

 

A voz do irmão do senador Sarney soa num dos diálogos captados por grampos telefônicos realizados pela PF.

 

A conversa é de abril de 2007. Ernane Sarney falava ao telefone com tesoureiro da Gautama. Ele pediu dinheiro:

 

“Vocês estão me enrolando. Já não estava tudo na mão? Eu tô com a corda no pescoço aqui, rapaz, o doutor também tá com a corda no pescoço", queixa-se o irmão de Sarney.

 

Há também nas páginas do inquérito comprovantes de depósitos para assessores de outros três senadores do PMDB:

 

Renan Calheiros (AL), líder da legenda; Valdir Raupp (RO), ex-líder; e Roseana Sarney (MA), líder de Lula no Congresso.

 

Há também, segundo a PF, anotações que açulam a suspeita de que Romero Jucá (PMDB-RR), líder de Lula no Senado, foi beneficiário de repasses monetários da Gautama.

 

A reportagem de Otávio Cabral e Diego Escosteguy chega nas pegadas da entrevista em que Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) dissera, há uma semana, coisas assim:

 

1. "Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção";

 

2. "A maioria de seus quadros se move por manipulação de licitações e contratações dirigidas";

 

3. O PMDB é "uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos";

 

4. José Sarney "vai transformar o Senado em um grande Maranhão";

 

5. Renan Calheiros "não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais líder do partido".

 

Sacudido pelas palavras de Jarbas, a Executiva do PMDB soltou uma nota curiosa. No texto, o partido informa que não daria “maior atenção” à entrevista de Jarbas.

 

Classificou as declarações de um mero “desabafo”. Alegou que, “em razão da generalidade das alegações”, não havia o que fazer.

 

Querendo fazer algo, o PMDB pode recorrer à influência que exerce sobre o governo Lula para compulsar as páginas do inquérito da PF.

O OSCAR E O IDIOTA


AUGUSTO NUNES

Sete Dias

Jornal do Brasil - 22/02/09

Festa nas cadeias – A decisão aprovada pelo STF antecipou a abertura do Carnaval dos presidiários

Por determinação do Supremo Tribunal Federal, o Carnaval deste ano começou não no fim de semana, mas numa quinta-feira, não em alguma praça ou avenida, mas nas cadeias – e mais cedo que nunca. Foi antecipado para 6 de fevereiro pelos sete ministros que acharam muito justa e muito oportuna a ideia de manter todo réu em liberdade até que o último recurso seja julgado em última instância. Terminada a sessão, foi aberta nos pátios e nas celas a festança em louvor do mais misericordioso dos tribunais.

Na quinta-feira seguinte, o bloco dos presidiários foi autorizado pelo STF a colocar na rua a comissão de frente, formado pelo primeiro lote de beneficiários do habeas corpus historicamente negado a réus que tiveram a condenação confirmada em segunda instância. Os cinco pioneiros representam distintas áreas de atuação da comunidade: homicídio, roubo, estupro e estelionato. Vistos em conjunto, os prontuários informam que o Supremo fez mais do que oficializar a vigência da Lei de Dantas e estendê-la a delinquentes menos classudos.

O que os sete ministros tiraram de uma dobra da toga foi a minuta da Lei Áurea dos Pecadores com-Recursos. No plural, por referir-se a bandidos com suficientes recursos financeiros para contratar advogados providos de um estoque de recursos judiciais mais que suficiente para que o processo se arraste até morrer. Bem antes do cliente.

"Não conheço nenhum país que ofereça aos réus tantos meios de recurso quanto o nosso", advertiu durante a sessão de 6 de fevereiro o ministro Joaquim Barbosa, derrotado em companhia de Ellen Gracie, Carmen Lúcia e Menezes Direito. "Se tivermos que esperar por todos", avisou inutilmente, "o processo jamais chegará ao fim".

Entre outros, Barbosa cuida do processo que resfolega em trilhas na mata para chegar ao julgamento dos 40 do Mensalão antes que a prescrição dos prazos os libere do banco dos réus. "Existe no Brasil um sistema penal de faz-de-conta", constatou. A maioria dos ministros preferiu fazer de conta que a Justiça brasileira não tarda nem falha.

Ousado e confuso como os poemas eróticos que compõe entre um pedido de vista e um pedido de aumento, o parecer de Eros Grau foi endossado por – anotem – Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski, Celso de Mello, Carlos Ayres Britto, Marco Aurélio de Mello e, claro, Gilmar Mendes. Ayres Britto sossegou a nação com o lembrete: segue em vigor a prisão em flagrante delito. E continua valendo a prisão preventiva, emendou o relator Eros Grau. Desde que a soltura do réu coloque em risco a vida dos outros, o Código Penal ou o bom andamento do processo.

Não se enquadra em nenhum desses requisitos, por exemplo, o jornalista Antônio Pimenta Neves, assassino confesso de Sandra Gomide, mas, desde 6 de fevereiro, inocente até o último recurso. Tampouco o pai e a madrasta de Isabella Nardoni, acusados do assassinato da menina, que aguardam na cela o julgamento em primeira instância. "Ninguém mais vai ser preso", previne Barbosa. Só ficarão na cadeia os que acham que STF é algum imposto. Esses nunca viram um advogado de perto.

Não foi o senador quem mudou


Ele não disse nenhuma novidade, gaguejaram alguns jornalistas federais, grogues com a entrevista de Jarbas Vasconcelos à revista Veja. Nem o senador achou que dizia: vem denunciando a erosão moral do Senado em particular e dos políticos em geral há dois anos, desde que chegou a Brasília. Ele foi escalado para ajudar José Serra, prejudicar Dilma Rousseff e tentar impedir o crescimento da popularidade Lula, garantiram colunistas oficiais que tentam escapar da insônia agarrados à falácia segundo a qual todo mundo tem preço. Jarbas nunca esteve à venda. O senador sessentão é a continuação do jovem deputado que, há 34 anos, denunciava sem medo a ditadura militar. Ele nunca teve medo de dizer a verdade.

Milhões de brasileiros decentes oscilaram entre o espanto e o deslumbramento ao localizarem, quase completamente solitário no meio da multidão de gatunos, oportunistas, pilantras e outras abjeções, um político incorruptível, coerente, fiel a princípios éticos e morais irrevogáveis, radicalmente democrata, sem uma única mancha na biografia. Na campanha eleitoral de 1974, à frente do grupo de jovens fundadores do MDB, ele discursou em comícios que tinham mais gente no palanque que na plateia. Hoje, conta como é "um Congresso hostil aos honestos". Jarbas Vasconcelos não mudou. Mudaram, para pior, o PMDB, os demais partidos, os políticos em geral e o Brasil. Todos ficaram bem mais cafajestes.

Só não entende quem não quer


Por que o hífen foi mantido em guarda-chuva, guarda-sol e guarda-noturno? O sinalzinho não foi removido das palavras em que o primeiro elemento termina por vogal e o segundo começa por consoante? A dúvida que intrigava um leitor do Estadão foi esclarecida no dia 15 pela coluna do gramático, filólogo e imortal Evanildo Bechara, criada para socorrer os flagelados da reforma ortográfica: "O elemento guarda se inclui no que determina a Base XV do Acordo", explicou o cracaço do idioma. "Emprega-se o hífen nas palavras compostas por justaposição que não contêm formas de ligação de natureza nominal, adjetival, numeral ou verbal".

O tempo passa. Raupp vai ficando


Os casos de polícia na folha corrida do senador peemedebista Valdir Raupp, ex-governador de Rondônia, são bem mais impressionantes e vistosos que a soma de todos os discursos da tribuna. Nem por isso Raupp ficou mal na fita aos olhos dos três poderes. O presidente Lula daria um cheque em branco ao amigo e aliado. No Senado, a única punição que sofreu foi aplicada por Jarbas Vasconcelos, que o proibiu de cumprimentá-lo já faz dois anos. Fora o pernambucano sem medo, os colegas de todos os partidos tratam com respeito o ex-líder da bancada do PMDB, substituído há poucos dias por – faz sentido – Renan Calheiros. E o Poder Judiciário sempre tratou o réu Raupp com a indulgência de mãe de bandido.

Quando governava Rondônia, ele usou irregularmente R$ 21,7 milhões repassados ao estado pelo Banco Mundial. O inquérito pousou no STF em julho de 2003. Mas só em abril de 2007, depois de uma hibernação de quase quatro anos, começou o julgamento em plenário da denúncia apresentada pelo Ministério Público. Seis ministros concordaram com a abertura da ação penal. Com Raupp a 1 voto da insônia, Gilmar Mendes fez um pedido de vista. O caso dormiu dois anos na casa do ministro. Foi devolvido ao tribunal há duas semanas. Antes de recomeçar, a votação foi interditada pelo pedido de vista de Menezes Direito. Talvez não saiba mesmo o suficiente sobre o caso. Talvez saiba até demais.

INFORME JB

LGR dribla a crise e investe no social

Jornal do Brasil - 22/02/09

Leandro Mazzini

Em meio a um turbilhão de notícias ruins, entre demissões e reavaliações de custos, é possível garimpar algo de bom no meio dos empreendedores. O grupo LGR – um dos grandes no setor de shoppings, com investimentos de R$ 200 milhões – decidiu manter projeto comercial com viés social que já consumiu R$ 15 milhões. Sob a tutela de Dorival Regini de Andrade, o CEO do LGR – comandado pela jovem Luciana Rique – o grupo quer fazer na região do Além Carmo, bairro tradicional de mesmo nome no centro histórico de Salvador, um corredor cultural e comercial revitalizado. Vinte casas sofreram intervenção para tornarem-se lojas, e a meta é chegar a 57. Uma associação de moradores criada acompanha as obras, e a escola da região vai ganhar uma biblioteca.

Pré-Supremo Reformas

Chefe da AGU e preferido do Planalto para a próxima vaga do STF, o jovem José Antonio Dias Toffoli deixa a barba crescer. Quer parecer mais velho, como os futuros colegas.

Dia desses, Toffoli topou com Dilma Rousseff e recebeu dela um elogio: "Ficou bem de barba". E ele: "A senhora também está muito bem". No que ela fechou o semblante: "Mas tira o ‘senhora’".

Ministro-chulé

Outra promessa do poder, o jovem Pedro Abramovay, 28 anos, que foi ministro da Justiça por alguns dias, segreda um apelido da faculdade na USP: Pedro Chulé.

Central de figuração

Um ator mineiro viajou para São Paulo com o sonho de figurar no filme Lula, o filho do Brasil. Recebeu a informação no set de filmagens para procurar a Central de Apoio ao Trabalhador, o CAT, na capital. Conseguiu.

PAC do cinema

O ator agora tem cachê, vale-transporte e vale-refeição.

Vida real

O tempo fechou no Planalto entre Wellington Padilha, da Casa Civil, e o presidente da Funasa, Danilo Forte.

A volta de Joãosinho

O carnavalesco Joãosinho Trinta (foto), agora morador de Brasília, confidenciou à coluna que Oscar Niemeyer já esboça o Sambódromo da capital – tal como o do Rio. Joãosinho será o embaixador da obra futura. Falta o governo do Distrito Federal aprovar.

Folião de rua

Longe da Sapucaí, Joãosinho adotou a pequena Cavalcante (GO) e enfeitou a cidade.

Cuidado, Jarbas!

Um senador da tropa de choque do PMDB do poder prepara dossiê contra Jarbas Vasconcelos. Vale até ex-mulher na jogada.

O físico

O ministro Ayres Britto, do STF, surpreendeu a plateia numa palestra. O tema era Direitos fundamentais. Mas falou de física quântica, seu novo hobby.

Rainha sem trono

Um amigo do deputado Edmar Moreira, o dono do castelo de Minas, revelou que o projeto foi capricho da mulher dele.

Mirante

Mais esperto, o irmão de Edmar, Eumar Moreira, inaugurou uma pousada na fazenda vizinha há alguns anos, onde a maior atração para o hóspede é subir numa colina e tirar foto do castelo.

GOSTOSA



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DANUSA LEÃO

Não me leve a mal, hoje é Carnaval

Folha de São Paulo - 22/02/09

E QUEM NÃO quer saber de Carnaval, faz o quê? Outro dia fui almoçar com amigos e foi difícil escolher o restaurante, pois perto de cada um deles ia sair um bloco.
Depois de muito pensar, descobrimos um no Leblon, numa rua sossegada, pois só queríamos conversar. Qual nada. Foi começando a chegar gente no botequim ao lado -era a turma do esquenta -, logo um caminhão de som encostou, e a folia começou.
Para quem não é chegado a Carnaval, é absolutamente incompreensível aquele mundo de gente de todas as idades sambando e cantando "Sassaricando" ou "Me dá um dinheiro aí". Será que essas pessoas não têm problemas, tristezas, e basta a música começar para pular e cantar -todos sabem as letras, pois em sua maioria são de idade mais para lá do que para cá. De bermuda, camiseta e sandália de borracha, na maior alegria dessa vida, percorrem as ruas do bairro mostrando que animação existe, e é com eles mesmo. E são dezenas, talvez centenas de blocos que saem pelas ruas uma semana antes do Carnaval (e também durante), numa alegria sadia, que mesmo tendo nos impedido de conversar, foi bonito de ver.
E incompreensível, sobretudo, é pensar que você já fez tudo isso -e ainda enfrentava os bailes à noite. Lembro do meu pai dizendo que não conseguia compreender aquele bando de gente cantando e dançando na rua; e eu não compreendia o fato de meu pai não compreender. E agora sou eu quem não compreende, veja você.
Ouvi no rádio do táxi que, para quem não quer nem ouvir falar de Carnaval, o melhor lugar para ir é Curitiba, mas se eu quisesse mesmo fugir, não confiaria na informação. Brasileiro gosta de uma folia, e Curitiba não é tão longe assim. Se me fosse totalmente impossível ouvir o som de "Chiquita Bacana", mesmo de longe, acho que ficaria dentro de casa trancada no quarto, com bolinhas de algodão nos ouvidos. Mas a verdade é que não tenho horror ao Carnaval. Não quero estar no meio do fuzuê, mas lembro com nostalgia dos meus tempos de carnavalesca, que, aliás, começaram bem cedo.
Durante anos me fantasiei, durante anos fui ver os desfiles das escolas de samba, durante anos brinquei e pulei -era assim que se dizia- o Carnaval, com uma animação de dar gosto.
E é com uma certa melancolia que vejo que esse tempo passou. Eu não sou mais a mesma; talvez melhor, certamente pior, não importa, mas aquela fase acabou e nunca mais vai voltar.
Por tudo isso, para quem gosta de sair nos blocos, ir aos bailes, se fantasiar, sambar na avenida, só posso dizer que aproveitem e façam tudo que tiverem vontade. Porque quando ouvir o povo cantando "Quanto riso, ó, quanta alegria", ou "Bandeira branca, amor, não posso mais", e lembrar daquele Carnaval, AQUELE -ah, como foi bom!-, pode ficar sentimental, tudo que procura evitar. Mas vamos reconhecer que no fundo morremos de pena daquele tempo ter passado (para nós), e que esse "horror" ao Carnaval não passa de uma certa inveja.
Justa, aliás.

JANIO DE FREITAS

Procura-se um nome 

Folha de São Paulo - 22/02/09


Misto de exibicionismo e de chamariz para o turismo sexual, Carnaval não é. A música? Samba não é

A INVENÇÃO que é o espetáculo nos sambódromos do Rio, de São Paulo e de seus imitadores, sendo já o paulistano uma imitação do carioca, ainda leva o nome genérico de Carnaval e o nome particular de desfile das Escolas de Samba. Não é um, nem é outro. Usa aqueles nomes por apropriação indébita. O que é, não sei, e jamais ouvi sequer sugestão a respeito.
Tais como são, esses acontecimentos anuais refletiram, na sua origem, o espírito de "Brasil Grande" que inundava o país de propaganda da ditadura, ainda em sua pior fase. Como padrão estético, se a expressão não exagera demais, aderia e projetava o "padrão Globo" que então começava a impor-se, com a multidão de cores e formas de gosto suburbanamente duvidoso, e constituía a manifestação integral do espírito de "Brasil Grande".
As características do acontecimento levado ao Sambódromo do Rio foram criadas sobretudo por Joãosinho Trinta, desde então saudado acriticamente como prodígio de criatividade. Mas a hábil apreensão do espírito propalado, adaptando a grandes dimensões e a algum repique de tamborins os desfiles à velha maneira europeia (já outrora adaptados aqui pelas Grandes Sociedades), não bastaria para materializar a ideia. Era necessário dinheiro farto e fácil. E um dos repositórios mais satisfeitos por esse dinheiro são os bolsos dos bicheiros. De antigos signatários das listas de arrecadação das escolas de samba autênticas, os bicheiros passaram a tutores, financiadores, presidentes e diretores, orientadores e representantes políticos e sociais das entidades que tomavam o lugar das escolas originais. Donos.
Há mais proximidade entre contravenção e ditadura do que se ousou reconhecer, não só à época, mas até hoje. Graças ao grande poder de influência nos seus domínios ditos carnavalescos, os bicheiros ganharam da ditadura, e da política em geral, passe livre para suas atividades convencionais e, ainda melhor, para enveredar por novas especialidades. Eventuais situações incômodas, só como decorrência de disputas entre políticos, realidade que perdura. Simbólico, mas nem de longe caso único, da proximidade entre contraventores e ditadura aí está, ainda, o capitão Guimarães, que passou direto dos quartéis de repressão e tortura para o controle de uma rede de jogo de bicho e coliderança da classe.
Com a solução financeira, criou-se uma ciranda desatinada. Vários fatores provenientes do novo espetáculo, a começar do preço das entradas, afastaram do Sambódromo carioca o chamado povão. Mas quem, na realidade, paga a maior parte do espetáculo é o povão. Porque é o povão que, na vã esperança de ganhar algunzinho no bicho, engorda os cofres dos bicheiros. É a mágica à brasileira: tiraram do povão o que ele criou e o fazem pagar, sem saber, o custo do que o usurpou e falsifica a sua criação.
Contribuição triste para isso tudo foi a boa intenção do Sambódromo, como projetado por Niemeyer. Sua insipidez estética, a capacidade de acumular calor, o desconforto das arquibancadas já seriam deploráveis. A criação de áreas em tudo privilegiadas, para a comodidade dos camarotes reservados à riqueza e à mediocridade "célebre", completa a contribuição com evidência e ênfase definitivas.
Se o povão fica à margem, Carnaval não é. Misto de exibicionismo por si só, e de chamariz para o turismo sexual, e de montagens delirantes, e sem a alegria tipicamente carnavalesca, Carnaval não é. A música? Boa ou ruim, samba não é. Um ritmo sem nome, criado para um espetáculo sem nome próprio.

ÉLIO GASPARI

Em Furnas, o Carnaval começa na quinta

No lusco-fusco da festa, querem alcançar a caixa dos aposentados da Fundação Real Grandeza

NOSSO GUIA, com sua trajetória de sindicalista; a ministra Dilma Rousseff, com seu currículo no setor de energia; e o senador Jarbas Vasconcelos, com as credenciais de caçador de malandros, deveriam marcar um encontro para as 14h de quinta-feira na sede da Fundação Real Grandeza, no Rio de Janeiro. A essa hora começará a reunião do Conselho Deliberativo do fundo de pensão dos trabalhadores das Centrais Elétricas de Furnas, destinada a destituir seu presidente, Sérgio Wilson, e o diretor de investimentos, Ricardo Nogueira.
Com um capital de R$ 6,3 bilhões, 12.500 associados, 6.500 aposentados e pensionistas, a Real Grandeza administra o ervanário dos trabalhadores da estatal que gera 10% da energia elétrica do país. As artes de Asmodeu entregaram esse gigante a donatários do PMDB do Rio.
Pelo menos um de seus presidentes, o arquiteto Luiz Paulo Conde, teve sua indicação publicamente assumida pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
A degola dos dois administradores do fundo disparou uma mobilização inédita no sindicalismo brasileiro. Os funcionários de Furnas pararam seu escritório central na segunda-feira e ameaçam ir à greve, sem reivindicar coisa alguma. Querem apenas proteger o patrimônio de suas aposentadorias. Entregue a administrações ruinosas, a Real Grandeza passou por diversas caixas do "mensalão" e perdeu R$ 153 milhões no Banco Santos. Um de seus gerentes de análises de investimentos tinha a proteção de Delúbio Soares. A canibalização fez com que o fundo fechasse suas contas com um superávit de míseros R$ 2 milhões. (A atual diretoria encerrou 2008 com R$ 1,2 bilhão.)
O caso da Real Grandeza desceu dos céus como resposta àqueles que criticaram o senador Jarbas Vasconcelos por falta de "especificidade". Se os dois administradores praticaram atos impróprios, nada melhor do que expô-los à luz do Sol. No entanto, são acusados de mau relacionamento com a diretoria de Furnas. (Falta definir "bom relacionamento".) Eles só podem ser demitidos pelo Conselho Deliberativo, composto por seis titulares. Três são indicados por Furnas e pela Eletronuclear. Os demais são eleitos pelos funcionários e pelos aposentados. Cada titular tem um suplente. O golpe já foi a voto no ano passado e perdeu de 6 a 0. Logo depois apareceu uma oferta: os aposentados levavam a presidência da fundação, mas entregavam a diretoria de investimentos (logo ela). Foi rebarbada.
Desde janeiro de 2008, quando começaram as pressões pela degola dos dois servidores, renunciaram 6 dos 7 titulares e suplentes indicados por Furnas. Três nas últimas semanas.
Na caça aos dois administradores há um aspecto curioso. Eles têm mandato até outubro deste ano. Para que a pressa? Mais: por que a reunião do conselho foi marcada para logo depois do Carnaval?

MENSALÃO 2.0
A entrevista do senador Jarbas Vasconcelos ao repórter Otávio Cabral espalhou um clima de preces e perplexidades em todas as bancadas da base de apoio de Nosso Guia. Há no ar um cheiro de enxofre parecido com aquele que surgiu em setembro de 2004, quando se começou a pronunciar a palavra "mensalão". O miasma ficou no ar até junho de 2005, quando Roberto Jefferson chutou o balde com uma entrevista a Renata Lo Prete.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota enamorado da polícia paulista. Ele segue com atenção o movimento da tropa em Paraisópolis. Trata-se de um daqueles lugares que os candidatos chamam de bairro e os governantes de favela.
O idiota é um devorador de estatísticas e adorou o último balanço que os coronéis divulgaram. Em 10.642 revistas a PM apreendeu 3,4 quilos de maconha, 1,3 quilo de crack, 337 gramas de cocaína e quatro armas.
Feita a conta, Eremildo concluiu que as revistas renderam, na média, três gramas de maconha (não dá uma tragada), um grama de crack (não dá para acender), e 0,3 grama de pó (não dá para achar). Mais: uma arma para cada 1.300 revistas.
O idiota acredita que a pontaria social e os métodos da PM paulista estão acima de qualquer suspeita.

ERRO
Estava errada a informação aqui publicada segundo a qual o governo federal tem R$ 150 milhões para gastar em publicidade no exterior. A verba é de R$ 15 milhões, ou seja, tem um zero a menos.

A EMBRAER E DEUS
Quando nadava em dinheiro, a Embraer foi à Justiça para impedir que concorrentes contratassem seus engenheiros. Agora ela anunciou que vai demitir 4.000 trabalhadores. Em dezembro circulou uma estimativa segundo a qual seriam dispensados exatamente 4.000 funcionários. O presidente da empresa, Frederico Curado, foi categórico: "Não vou comentar especulação, não há fundamento". Havia, mas Curado agrediu o Primeiro Mandamento: "O futuro a Deus pertence".

RELÓGIO ADIANTADO
Em agosto passado o "New York Times" publicou um extenso perfil do professor Nouriel Roubini, o "Doutor Fim do Mundo". Desde 2006 ele sustentava a proximidade de uma crise financeira de proporções bíblicas. O economista Anirvan Banerji, do FMI, ironizou-o dizendo que ele se assemelhava aos relógios parados: estão certos duas vezes por dia. Quando o governo americano abriu sua seção de pacotes financeiros, Roubini advertiu que era inútil começar pelo resgate do sistema bancário. Mais importante, dizia, era promover a renegociação das dívidas de 9 milhões de mutuários de casas próprias. Agora que o companheiro Obama botou US$ 75 bilhões no pano verde, lubrificando a renegociação que poderá conter os despejos, fica entendido: Roubini é um relógio adiantado.

SUCESSÃO
De um conhecedor do Vaticano: "São grandes as chances de que o sucessor de Bento 16 (81 anos) seja o primeiro papa dos tempos modernos nascido fora da Europa. Se você espreme as controvérsias criadas no pontificado de Ratzinger, sobra só a raiz anacrônica do eurocentrismo".

QUEREM CRIAR O IPVA DO B
Tramita na Câmara dos Deputados e por um triz não foi votado em dezembro um projeto que cria uma gracinha chamada Inspeção Técnica Veicular, ou ITV. Ele prevê o loteamento do país em benefício de cinco, 15 ou 25 concessionárias encarregadas de vistoriar os 50 milhões de automóveis e caminhões. É um projeto jacaré: o sujeito só vê o olho, chega perto e ele abre a boca. Trata-se de um novo tributo, cobrando uma tarifa por um serviço que hoje está embutido no IPVA.
Arma-se uma privataria petista. A tunga prevê concessões de até 20 anos e, como o negócio é novo (novíssimo), não poderão concorrer oficinas mecânicas ou quem tiver vinculação com o setor automotivo.
O jacaré poderá reaparecer a qualquer momento.

TOSTÃO

Realidade e imaginação

Jornal do Brasil - 22/02/09

A memória é diferente da lembrança. Nem tudo o que está na memória é lembrado. Muitas coisas queremos esquecer. Mesmo assim, elas continuam presentes, disfarçadas, de outras formas. Não podemos fugir de nossos fantasmas.

Hoje, quero lembrar de algumas coisas que imaginei e vi, e não apenas das que vivi. O que imaginamos é real para nós.

Nos anos 50, meu pai me contava histórias sobre Zizinho, Puskas e, principalmente, sobre Di Stéfano. Para meu pai, eram os três melhores jogadores do mundo na época. Mesmo depois que Pelé foi coroado o Rei do Futebol, meu pai falava que Pelé era o melhor do mundo, mas que Di Stéfano era o único jogador que conseguia ser um super craque de uma área à outra. Pelé reinava do meio para frente.

Na Copa de 1994, almoçava sozinho no centro de imprensa em Dallas, Estados Unidos, quando se apresentou um senhor mais velho. Ele disse que acompanhou minha carreira de jogador, pediu licença e falou: “Meu nome é Di Stéfano”. Era ele. O meu ídolo, que não vi jogar durante toda uma partida, mas que morou na minha imaginação, estava diante de mim. Quase cai da cadeira. Almoçamos juntos e batemos longo papo sobre futebol e sobre a copa.

Não lembro bem da Copa de 1954. Porém, lembro do querido mestre Armando Nogueira escrevendo coisas maravilhosas sobre Puskas e sobre a seleção húngara que eliminou o Brasil.

Em 1958, acompanhei toda a Copa pelo rádio, em um bar do bairro Industriários onde morava, na companhia de meu pai, de meus três irmãos e de uma enorme torcida. Após o título, dançamos e cantamos pelas ruas. Não imaginava que, oito anos depois, estaria jogando uma copa ao lado de Pelé e Garrincha.

Recentemente, vi na íntegra, todos os jogos do Brasil na Copa de 1958. Eu, um crítico que sempre teve a preocupação de não exagerar nem glamourizar tanto as coisas do passado, me surpreendi. Pelé, Garrincha, Didi, Nílton Santos e outros grandes craques eram ainda melhores do que conta a história.

No final dos anos 50 e início dos anos 60, assisti pela televisão às mais belas partidas de minha vida, entre o Santos, de Pelé, Coutinho e Zito, contra o Botafogo, de Garrincha, Didi e Nílton Santos. Não esqueço um gol que Pelé fez, tabelando com Coutinho e jogando a bola por cima do goleiro Manga.

Continuo com minhas lembranças. Na Copa de 1962, Garrincha fez de tudo. Garrincha não foi somente o maior driblador e o mais lúdico jogador do mundo de todos os tempos. Ele tinha muita técnica e criatividade. Driblava seu marcador e, em uma fração de segundos, colocava a bola entre os zagueiros, para o companheiro para fazer o gol.

Tenho muito mais coisas para dizer, mas acabou o espaço. Pretendo terminar essas minhas lembranças na próxima coluna. Preciso ainda falar da Copa de 70 e de grandes times e de grandes craques mais recentes, como Zico, Romário, Ronaldo, Ronaldinho, Kaká e outros. Nos seus melhores momentos, esses jogadores foram tão bons quanto os grandes craques brasileiros do passado, com exceção, evidentemente, de Pelé e Garrincha.

EDITORIAL - O GLOBO

VISÃO DEMAGÓGICA 

O GLOBO - 22/2/2009

Uma das características da gestão Lula é a forte presença no governo de alguns dos chamados movimentos sociais. Até não seria mal se esses grupos contassem com real representatividade - e não dependessem apenas de vínculos com a militância petista para se infiltrar na máquina pública -, tivessem bom senso e não praticassem advocacia administrativa (lobby) em prol de projetos equivocados. Caso das cotas raciais. 

Recentemente, surgiu mais um produto dessa ação de grupos organizados dentro do governo, e, como tem acontecido, a favor de algo inaceitável. Trata-se de um projeto de lei encaminhado pelo Ministério da Justiça ao Congresso que atenua a repressão às rádios piratas, uma praga eletrônica que põe em risco o tráfego aéreo, interfere em toda sorte de comunicações, como a transmissão de rádios e TVs legalmente constituídas, telefones celulares etc. 

O projeto, inspirado por aqueles que consideram essas emissoras um direito das "comunidades", reduz o imprescindível poder do Estado de disciplinar a ocupação do espectro das ondas de rádio. Sem isso, aumentarão as chances de graves acidentes por causa dessas interferências. A proposta do Ministério da Justiça impede o fechamento sumário da rádio pirata, para o que passaria a ser necessário um "processo administrativo". Ora, é evidente a manobra para, por meio da burocracia, inviabilizar a necessária repressão a essas rádios. O que não quer dizer que não possam existir rádios comunitárias, desde que devidamente legalizadas. 

Técnicos da Anatel estimam que possam existir mil rádios clandestinas no Rio. Em todo o país, calcula a Abert, associação das emissoras de rádio e TV, seriam 15 mil. Imagine-se o prejuízo causado por essa anarquia nas telecomunicações. 

Há pouco, a PM estourou uma rádio clandestina na Favela Carobinha, em Campo Grande, explorada pela milícia local. Este é outro aspecto grave: ao partir da visão demagógica de que os "fracos e oprimidos" precisam ter sua rádio, o Ministério da Justiça termina ajudando o crime organizado. 

O IDIOTA NO CARNAVAL


DOMINGO NOS JORNAIS

Globo: Liesa tem 60 oficiais da PM fazendo segurança privada

 

Folha: Crise deve punir salários mais altos

 

Estadão: Retomada do crédito não chega ao consumo

 

Correio: Como salvar o seu bolso

 

Valor: Citi coloca à venda fatia de R$ 2,5 bi na Redecard

 

Gazeta Mercantil: Embraer demite 4.273, mas mantém investimento externo