REVISTA VEJA
Fatos. O que eu quero que me deem é isto: fatos. Não me venham com outra coisa; fatos, apenas fatos, são necessários na vida. Você só pode formar a mente de animais racionais através de fatos. Fatos: fora os fatos, nada será de utilidade alguma para ninguém, jamais.
Nos tempos duros da Inglaterra de 1850, esse era o evangelho do professor Thomas Gradgrind, personagem do romance Hard Times e destaque na prodigiosa galeria de tipos humanos criados pelo gênio de Charles Dickens. O professor Gradgrind, punido com um desses nomes que só o humor travesso de Dickens sabia inventar, é um personagem cômico – caricatura de uma Inglaterra que começava a se encantar com as estatísticas e com os esforços para explicar o mundo através de números, sem o contágio da imaginação nem emoções individuais, essas grandes criadoras de desordem na existência humana. Tudo bem. Mas a verdade é que às vezes faz falta "um homem de realidades" como Mr. Gradgrind. Sua presença talvez fosse útil para colocar um mínimo de ordem na babilônia mental que desorganiza o debate público no Brasil de hoje.
Sem os fatos, insistia o professor, não é possível definir as diversas coisas que existem neste mundo – requisito indispensável para separar o verdadeiro do falso. Essa trágica história da compra da refinaria de Pasadena. nos Estados Unidos, pela Petrobras é um exemplo perfeito do descaso pelos fatos. Desde que o escândalo veio a público, assiste-se a um embate em que tudo é dissecado, menos o que, no fim das contas, realmente interessa; é como a leitura de um prefácio maior que o livro. A presidente Dilma Rousseff estava certa ou errada em sua conduta quando presidia o Conselho de Administração da Petrobras, em 2006, ocasião em que a empresa comprou por 360 milhões de dólares a metade de uma refinaria que, no ano anterior, havia sido adquirida por cerca de 40 milhões pelos vendedores? Estava meio certa? Meio errada? Certa e errada ao mesmo tempo? De quanto é a sua culpa nesse desastre – 10%, 25%, 50%? E por aí se vai, com questões e mais questões, numa conversa inútil que talvez só acabe no dia do Juízo Universal.
A conversa é inútil porque não é preciso gastar um único neurônio com toda essa metafísica; basta ficar nos fatos e tudo se resolve em menos de um minuto. Com os fatos se chega à definição mais clara do que realmente aconteceu: aconteceu, em português corrente, a transferência de 360 milhões de dólares pertencentes à população brasileira para o bolso de uns vagos belgas, donos de uma certa Astra Oil, em troca de um ativo que um ano antes fora negociado por uma soma nove vezes menor. Com a definição, tornou-se possível separar num instante o verdadeiro do falso. Os fatos mostram que é verdadeiro afirmar: "A presidente Dilma Rousseff cometeu um desatino que ficará registrado na história nacional da incompetência". Os mesmos fatos mostram que é falso afirmar qualquer outra coisa. É tudo muito simples. Dilma, após oito anos de um silêncio de cemitério, afirmou ao público brasileiro que não recebeu, na ocasião da compra, dados certos e completos por parte da direção executiva da estatal, o grupo que realmente cuida de suas operações – e que não teria dado sua aprovação ao negócio se soubesse direito as condições reais em que ele fora realizado. Fim da história: a presidente confessou que não sabia o que estava fazendo.
Discutir mais o quê. depois disso? Em sua desafortunada reunião, Dilma e os conselheiros da empresa receberam um cadáver; mas não perceberam isso, e não mandaram o defunto para o necrotério, nem chamaram a polícia. Na verdade, quem sempre soube de tudo, e escondeu, foi a direção executiva da Petrobras, toda ela ligada ao PT e à "base aliada" do então presidente Lula. Obviamente, como costuma acontecer nessas desgraças, seguiu-se um filme de terror, no qual a cena mais emocionante foi a descoberta de que a Petrobras ainda tinha de pagar, pelo contrato, mais uns 800 milhões de dólares a esses admiráveis homens de negócio da Bélgica. Ao saber do desastre, ainda como ministra, Dilma não quis pagar. Infelizmente, suas ordens não valiam e continuam não valendo nada nos Estados Unidos; o caso foi para a Justiça americana, que deu razão à Astra Oil. Providências? Zero. Quando descobriu as cláusulas lesivas à empresa, em 2008, o que ela fez contra os responsáveis? Nada. E depois, como presidente da República? Nada. O ato final é a presente palhaçada do governo para impedir a investigação da história pelo Congresso.
Fiquemos nos fatos – e nessa caixinha mágica de Brasília, da qual saem tantas lições. No caso, aprendemos que o bom, no negócio da refinação, não é refinar petróleo – é vender refinarias para a Petrobras.
terça-feira, abril 08, 2014
Ele não destruiu as provas... MARCELO ROCHA E DIEGO ESCOSTEGUY
REVISTA ÉPOCA
O que os papéis de Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras preso, revelam sobre o esquema de corrupção na estatal.
Desde que a Polícia Federal prendeu Paulo Roberto Costa, o ex-executivo mais poderoso da Petrobras, há duas semanas, Brasília não dorme. Dezenas de grandes empresários, entre eles diretores das maiores empreiteiras do país e das gigantes mundiais do comércio de combustíveis, todas com negócios na Petrobras, também não. Paulo Roberto Costa era diretor de Abastecimento da Petrobras entre 2004 e 2012. Era bancado no cargo por um consórcio entre PT, PMDB e PP, com o aval direto do ex-presidente Lula, que o chamava de "Paulinho". Paulo Roberto Costa detém muitos dos segredos da República - aqueles que nascem da união entre o interesse de empresários em ganhar dinheiro público e do interesse de políticos em cedê-lo, mediante aquela taxa conhecida vulgarmente como propina. E se Paulo Roberto fosse descuidado e guardasse provas desses segredos? E se, uma vez descobertas pela PE elas viessem a público? Pois Paulo Roberto guardou. Tentava destruí-las quando a Polícia Federal chegou a sua casa, há duas semanas. Mas não conseguiu se livrar de todas a tempo.
ÉPOCA obteve cópia, com exclusividade, dos principais documentos desse lote. Foram apreendidos nos endereços de Paulo Roberto no Rio de laneiro, onde ele mora. Esses documentos — e outros que faziam parte da denúncia que levou Paulo Roberto à cadeia e ainda não tinham vindo a público -parecem confirmar os piores temores de Brasília. Paulo Roberto e o doleiro Alberto Youssef, também preso pela PF e parceiro dele, acusado de toda sorte de crime financeiro na Operação Lava lato, eram meticulosos. Guardavam registros pormenorizados de suas operações financeiras, sem sequer recorrer a códigos. Era tudo em português claro, embora gramaticalmente sofrível. Anotavam os nomes de lobistas e empresários, quase sempre os associavam a negócios e a valores em dólares, euros e reais. Os registros continham até explicações técnicas e financeiras das operações. Os valores milionários mencionados nos documentos, suspeita a PF - uma suspeita confirmada por três envolvidos ouvidos por ÉPOCA referem-se a propinas pagas pelas empresas, nacionais e estrangeiras, que detinham contratos com a área da Petrobras comandada por Paulo Roberto. Os papéis já analisados pela PF (há muitos outros que ainda serão periciados) sugerem que as maiores empreiteiras do país e as principais vendedoras de combustível do planeta pagavam comissão para fazer negócio com a Petrobras.
Para compreender o esquema, cuja vastidão apenas começa a ser desvendada pela PF, é necessário entender a função desempenhada por cada um dos principais integrantes dele. Como diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto fechava, entre outros, contratos de construção e reforma de refinarias (do interesse das empreiteiras brasileiras) e de importação de combustível (do interesse das multinacionais que vendem derivados de petróleo). Paulo Roberto assinava os contratos, mas devia, em muitos momentos, fidelidade aos três partidos que 0 bancavam no cargo (PT, PP e PMDB). Paulo Roberto garantia a Petrobras; lobistas como Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, e Jorge Luz, ligado ao PT e ao PMDB, cujos nomes aparecem nos papéis apreendidos, garantiam as oportunidades de negócio com as grandes fornecedoras da Petrobras - e, suspeita a PF, garantiam também possíveis repasses aos políticos desses partidos. Para a PF, a Youssef cabia cuidar do dinheiro. Segundo envolvidos, essa tarefa também cabia a Humberto Sampaio de Mesquita, conhecido como Beto, genro de Paulo Roberto. Ele o ajudava nos negócios e é sócio de uma empresa que tem contrato de R$ 2,5 milhões com a Petrobras. Eram uma espécie de banco do esquema, ao providenciar empresas de fachada para receber as propinas no Brasil e nos paraísos fiscais, ao gerenciar as contas secretas e a contabilidade e ao pagar no Brasil, quando necessário, a quem de direito.
Essa divisão de tarefas funcionou por muito tempo. E, suspeita a PF, enriqueceu essa turma. Entre os documentos que serviram de base para a prisão de Paulo Roberto, ÉPOCA revela com exclusividade as planilhas com pagamentos de grandes empreiteiras brasileiras à MO Consultoria, uma das empresas de fachada de Youssef. Foram feitos enquanto Paulo Roberto ainda estava no cargo, celebrando ou renegociando contratos com algumas dessas empreiteiras, responsáveis por construir refinarias no Brasil, notadamente a Abreu e Lima, em Pernambuco. Além de pagamentos da Camargo Corrêa e da Sanko, que já vieram a público, as planilhas revelam, de acordo com as suspeitas da PF, transferências milionárias de OAS, Galvão Engenharia e Jaraguá. No total, a PF identificou até o momento cerca de R$ 31 milhões em "pagamento com suspeita de ilicitude". Algumas dessas empreiteiras ganharam grandes contratos nas refinarias enquanto Paulo Roberto era diretor. A Jaraguá, conforme revelou ÉPOCA, foi a maior doadora da campanha dos deputados do PP em 2010.
Em 2012, quando Paulo Roberto foi demitido, tudo mudou. A presidente Dilma Rousseff e a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, nunca suportaram Paulo Roberto. Segundo interlocutores próximos das duas, ambas enfrentaram dificuldades para apeá-lo do cargo. Para ter uma noção da relevância da Petrobras na política do país, Dilma e Graça não tiveram força suficiente para nomear o sucessor de Paulo Roberto. No lugar dele, por indicação do PMDB, ficou José Carlos Cosenza, número dois de Paulo Roberto e homem de sua confiança. Nesse momento, os documentos apreendidos sugerem que o esquema tenha começado a enfrentar problemas. Tal versão é confirmada por cinco pessoas com conhecimento dessas operações, entre integrantes desse grupo, lobistas e deputados que sustentavam Paulo Roberto.
É sob essa luz que podem ser interpretados alguns dos documentos mais valiosos apreendidos pela PF com Paulo Roberto. Trata-se dos relatórios mensais entregues por "Beto" a Paulo Roberto. Para a PF, "Beto" é Alberto Youssef. Segundo outros envolvidos, "Beto" é Humberto, genro de Paulo Roberto. Os documentos são uma espécie de extrato de conta-corrente preparado por Youssef, que funciona como um "banquinho". Em vez de siglas incompreensíveis e taxas abusivas, aparecem neles não apenas valores atribuídos a depósitos e retiradas das contas, mas também o contexto das operações. Procurado por ÉPOCA, Humberto Mesquita afirmou que estava no trânsito e não poderia falar. "Não tenho nada a ver com isso, amigo", disse.
Os relatórios de 2013 (leia acima) sugerem que "Beto", seja ele o genro ou o doleiro, e Paulo Roberto gradualmente se afastavam. No mesmo momento, Youssef montava uma nova estrutura financeira para Paulo Roberto no exterior, com empresas de fachada offshore. Youssef buscava fechar contas nos paraísos fiscais que recebiam dinheiro de multinacionais. Apesar da saída de Paulo Roberto da Petrobras, contribuições ainda eram pagas - pois alguns dos contratos seguiam valendo. Ao fechar as contas que comandava em nome de Paulo Roberto - e das quais, suspeita a PF, retirava uma comissão -, Youssef montava uma operação independente para Paulo Roberto, com empresas de fachada offshore e outras contas secretas.
Em maio de 2013, segundo o relatório, Youssef ainda comandava quatro contas secretas em conjunto com Paulo Roberto: uma no banco UBS de Luxemburgo; outra no banco Lombard Odier, na Suíça; uma terceira no banco Itaú, não se sabe em que país; e a última no banco RBC, nas Ilhas Cayman. O relatório não é exato sobre o valor acumulado nessas contas. Somando apenas o saldo de algumas delas com os depósitos pagos naquele momento pelas empresas com negócios na Petrobras, chega-se ao total de US$ 3,7 milhões. A conta com maior saldo — US$ 2,42 milhões - está no RBC das Ilhas Cayman. A conta no Itaú referia-se, segundo o relatório, à empreiteira Alusa e tinha saldo de R$ 127.400 em agosto de 2011, quando Paulo Roberto estava na Petrobras. A Alusa firmou contratos de R$ 3,5 bilhões com a Petrobras nos últimos anos. O maior deles, de R$ 1,5 bilhão, foi firmado em 2010. Em 2008, a Alusa fechara um contrato de R$ 966 milhões para fazer obras na Refinaria Abreu e Lima.
Segundo "Beto" afirma nos documentos, a conta no UBS de Luxemburgo fora aberta em nome da empresa de fachada BS Consulting, com o propósito principal de receber dinheiro da GB Maritime, empresa que intermedeia o aluguel de navios para a Petrobras -área de Paulo Roberto. Naquele ano, a conta no UBS recebera US$ 560 mil da GB Maritime - o valor variava mês a mês, diz "Beto" nos documentos, em razão dos dias parados dos navios. "Beto" afirma que já dissera aos "gregos" que, a partir daquele momento, os depósitos na conta do UBS seriam apenas relativos à parte de Paulo Roberto; o que coubesse ainda a ele deveria ser pago em outra conta. Sugere ainda transferir a BS Consulting para o nome de Paulo Roberto. Quem são os gregos? Um é chamado de "Konstantinos". O outro de "Georgeus". A PF suspeita - e executivos da Petrobras corroboram essa suspeita - de que se trata de Georgios Kotronakis, um dos diretores da GB Maritime, que já trabalhou na Petrobras, e do pai dele, o cônsul honorário da Grécia no Brasil há mais de 30 anos, Konstantinos Kotronakis.
Konstantinos afirma que conheceu Paulo Roberto há seis anos, devido aos negócios da Petrobras com armadores gregos. "Inclusive fui muitas vezes à Petrobras tratar de navios, é tudo normal. Tenho de incentivar negócios entre Brasil e Grécia", diz. "O diretor costumava ir a cada dois anos a um evento de armadores de navios na Grécia."
De acordo com os registros de "Beto", a conta no UBS de Luxemburgo também recebia dinheiro da Glencore Trading, uma das maiores vendedoras de derivados de petróleo do mundo. A Petrobras compra muito dela. Naquele mês de maio, o depósito da Glencore, segundo o relatório, foi módico: US$ 9.973,29. "Só houve um negócio realizado", escreveu "Beto". A Petrobras também compra muito do combustível vendido no Brasil da Trafigura, a maior empresa independente de vendas de petróleo e minério do mundo. Ela tem escritório em 58 países e faturou em 2013 o equivalente a US$ 113 bilhões. No ano passado, seu lucro foi de US$ 2,2 bilhões, resultado influenciado pelos bons negócios que mantém no Brasil.
Os volumes atribuídos à Trafigura no relatório são bem maiores. Na posição consolidada em maio, Paulo Roberto tinha um saldo de US$ 446.800 e € 52.800 com a Trafigura. No caso da Trafigura, a conta que aparece está no banco Lombard Odier de Genebra. Segundo as investigações da PR o saldo deve-se sobretudo à compra de combustível da Trafigura. Naquele momento, o relatório diz que a Trafigura ainda tinha de pagar pelo contrato que a Petrobras tinha de aluguel de um terminal de tancagem de combustível em Suape, Pernambuco.
No relatório, "Beto" reclama da Trafigura. "Está inadimplente em 2013", escreveu. "Estou cobrando o Mariano. Disse que resolveu, mas ainda não tive confirmação do banco." Mariano, segundo as investigações, é Mariano Marcondez Ferraz, um brasileiro que ascendeu velozmente na hierarquia da Trafigura ao garantir contratos da empresa na África, sobretudo em Angola. Foi recentemente alçado à diretoria da empresa.
"Beto" não cuidava sozinho das relações com a Trafigura e da conta em Genebra. Aqui, segundo ele, entram o lobista Jorge Luz e seu filho, Bruno Luz - ambos o ajudavam. Jorge Luz é um dos mais antigos lobistas da Petrobras. No governo Lula, construiu boas relações com chefes do PMDB e do PT. No PMDB, é próximo do senador Jader Barbalho e do empresário Álvaro Jucá, irmão do senador Romero Jucá, dono de uma empresa que tem contratos na Petrobras. Também tinha boas relações com o presidente do Senado, Renan Calheiros. No PT, é ligado ao deputado Cândido Vaccarezza, um dos expoentes da ala conhecida como "PMDB do PT", que inclui os deputados André Vargas, José Mentor e Vander Loubet - um grupo que ainda tem influência na Petrobras, por meio de indicações políticas na BR Distribuidora, subsidiária da empresa. O que todos esses políticos têm em comum? O medo de uma CPI da Petrobras. Por isso atuam energicamente para derrubá-la.
A eficiência de Jorge Luz e "Beto" é inquestionável. Meses depois, em setembro de 2013, "Beto" informa, em novo relatório a Paulo Roberto, que a "inadimplência" da Trafigura foi resolvida. De US$ 446.800, o saldo da conta sobe para US$ 800 mil. "Depois de muita insistência e cobrança minha, o Mariano acertou o primeiro semestre de 2013", escreve. "Beto" aconselha Paulo Roberto a manter Bruno Luz, que assume os negócios do pai, como responsável diante da Trafigura. Naquele mês, ele afirma que, de todos os negócios de que eles se desfaziam, faltavam apenas aquelas duas contas - a conta que recebia dinheiro da Trafigura e a conta que recebia dinheiro da GB Maritime. "Se fosse possível resolver este ano (as duas últimas contas) seria bom, pois acabaria esta questão de relatório e, principalmente, não teria mais nada seu comigo", escreve no relatório.
O Range Rover que Youssef comprou para Paulo Roberto deve ser atribuído, de acordo com as investigações, a esse acerto de contas. Não se trata de um presente. Trata-se de dinheiro dele, Paulo Roberto, que tinha saldo no "banquinho" de Youssef. Apesar de liquidar as operações que tinha com Paulo Roberto, Youssef criou para ele, em 21 de abril do ano passado, uma empresa offshore no Panamá: a Sunset Global. Os documentos de constituição da offshore foram encontrados no escritório de Youssef e obtidos por ÉPOCA (leia na página 35). A mulher de Paulo Roberto, Marici da Silva Azevedo Costa, representa o marido na offshore. Com Youssef, a PF também apreendeu um instrumento particular por meio do qual a Sunset Global compra uma bela casa em Mangaratiba, no Rio. A casa custava R$ 3,2 milhões. A PF ainda não sabe se a operação foi feita. Sabe apenas que Youssef pretendia bancá-la, com dinheiro do próprio Paulo Roberto - uma maneira de esquentar os recursos.
Em depoimento à PF, Paulo Roberto nega qualquer irregularidade. Afirmou que conhecia o doleiro Youssef "quando ainda estava em atividade na Petrobras, mas apenas após sua aposentadoria (em abril de 2012) foi procurado por Youssef para prestação de serviço de consultoria no mercado futuro". Paulo Roberto insistiu ter recebido de Youssef o carrão somente por ter "prestado serviços". E Paulo Roberto produziu, durante a consultoria, algum tipo de relatório ou documento para Youssef? Ele respondeu que "a consultoria teria se dado principalmente por meio de reuniões presenciais e debates verbais".
Como acontece em investigações desse tipo, o essencial é seguir o caminho do dinheiro. Nesse caso, seguir o dinheiro recebido e pago por Youssef. No Congresso, Youssef é tido como "banquinho" de vários políticos. Na semana passada, o jornal Folha de S.Paulo revelou que André Vargas pegou carona num jatinho fretado por Youssef. O deputado se enrolou todo para explicar a relação com ele. Não é o único deputado que goza da amizade de Youssef. Segundo o depoimento de Leonardo Meireles, que trabalhava com Youssef e fez um acordo de delação premiada com a PF, Adarico Negromonte, irmão do ex-ministro e deputado do PP Mário Negromonte, trabalhava no escritório de Youssef em São Paulo. Outros depoimentos confirmam o bico do irmão do ministro.
Seguindo o caminho do dinheiro de Youssef, a PF e uma possível CPI chegarão não apenas ao passado da Petrobras, mas também ao presente. Em 19 de setembro de 2012, a Investminas, do empresário Pedro Paulo Leoni Ramos, conhecido como PP, depositou R$ 4,3 milhões na conta da MO Consultoria - empresa de fachada usada pelo doleiro Youssef (leia acima). Por que isso é relevante? ÉPOCA mostrou, na semana passada, como PP, secretário de Assuntos Estratégicos no governo de Fernando Collor de Mello, intermedeia negócios envolvendo a BR Distribuidora. PP defende interesses de Collor e de políticos petistas - como o deputado André Vargas — que indicaram dirigentes para a empresa.
Descobriu-se, também na semana passada, que os tentáculos de PP e de seus sócios se estendem para além da área do petróleo. Em parceria com o governo federal, por meio da elétrica Furnas, empresas ligadas a PP arremataram um leilão para administrar a Usina de Três Irmãos, em São Paulo. A revelação dos sócios do fundo que se juntou a Furnas só ocorreu dias depois da concorrência. No dia do leilão, ninguém sabia quem estava por trás das empresas. O TCU suspendeu a assinatura do contrato atendendo a um pedido do governo paulista. Um dos sócios de PP na empreitada chama-se João Mauro Boschiero, colega de PP no governo Collor e número dois nas empresas de PP.
Todos os caminhos convergem para Youssef. As investigações da PF na Operação Lava Jato revelaram que Boschiero era próximo de Youssef. Boschiero foi flagrado em escutas telefônicas sugerindo que duas pessoas apagassem e-mail, também encaminhado a PP, sobre o laboratório Labogen, que tem Youssef como sócio oculto. "Pedro e Leonardo (além de todos os outros que receberam os e-mails abaixo). Deletem-no urgentemente. As citações que foram feitas derrubam nosso projeto", afirmou. O Labogen, que contava com laranjas de Youssef, estava prestes a firmar um contrato com o Ministério da Saúde para fornecimento de remédios. Boschiero, segundo o advogado de Youssef, é diretor do Labogen.
A Sanko informou que as datas e os valores de contratos não podem ser fornecidos, por questões de confidencialidade. A MO, segundo a Sanko, foi contratada para a execução de trabalhos técnicos, e a GFD para representação comercial. "Não vendemos diretamente à Petrobras nem a empresas estatais, mas a empresas e consórcios privados, que com frequência utilizam os tubos e conexões que lhes são fornecidos para obras da Petrobras." A Sanko não revela o nome de seus clientes. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Alusa Engenharia afirma que jamais fez repasses ou recebeu recursos de Paulo Roberto. "A empresa rechaça qualquer ligação com esse senhor." Afirma, também, não ter relação comercial ou pessoal com Youssef. O grupo GPI, do empresário PP, informou que não se manifestaria até que seus advogados tenham acesso às informações em poder da PF. Galvão Engenharia, Jaraguá, OAS e Trafigura não responderam até o fechamento desta edição. A Petrobras preferiu não se manifestar.
Diante de um esquema dessa magnitude, como alguém em Brasília poderia dormir?
Com Murilo Ramos, Hudson Corrêa e Leandro Loyola
O que os papéis de Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da Petrobras preso, revelam sobre o esquema de corrupção na estatal.
Desde que a Polícia Federal prendeu Paulo Roberto Costa, o ex-executivo mais poderoso da Petrobras, há duas semanas, Brasília não dorme. Dezenas de grandes empresários, entre eles diretores das maiores empreiteiras do país e das gigantes mundiais do comércio de combustíveis, todas com negócios na Petrobras, também não. Paulo Roberto Costa era diretor de Abastecimento da Petrobras entre 2004 e 2012. Era bancado no cargo por um consórcio entre PT, PMDB e PP, com o aval direto do ex-presidente Lula, que o chamava de "Paulinho". Paulo Roberto Costa detém muitos dos segredos da República - aqueles que nascem da união entre o interesse de empresários em ganhar dinheiro público e do interesse de políticos em cedê-lo, mediante aquela taxa conhecida vulgarmente como propina. E se Paulo Roberto fosse descuidado e guardasse provas desses segredos? E se, uma vez descobertas pela PE elas viessem a público? Pois Paulo Roberto guardou. Tentava destruí-las quando a Polícia Federal chegou a sua casa, há duas semanas. Mas não conseguiu se livrar de todas a tempo.
ÉPOCA obteve cópia, com exclusividade, dos principais documentos desse lote. Foram apreendidos nos endereços de Paulo Roberto no Rio de laneiro, onde ele mora. Esses documentos — e outros que faziam parte da denúncia que levou Paulo Roberto à cadeia e ainda não tinham vindo a público -parecem confirmar os piores temores de Brasília. Paulo Roberto e o doleiro Alberto Youssef, também preso pela PF e parceiro dele, acusado de toda sorte de crime financeiro na Operação Lava lato, eram meticulosos. Guardavam registros pormenorizados de suas operações financeiras, sem sequer recorrer a códigos. Era tudo em português claro, embora gramaticalmente sofrível. Anotavam os nomes de lobistas e empresários, quase sempre os associavam a negócios e a valores em dólares, euros e reais. Os registros continham até explicações técnicas e financeiras das operações. Os valores milionários mencionados nos documentos, suspeita a PF - uma suspeita confirmada por três envolvidos ouvidos por ÉPOCA referem-se a propinas pagas pelas empresas, nacionais e estrangeiras, que detinham contratos com a área da Petrobras comandada por Paulo Roberto. Os papéis já analisados pela PF (há muitos outros que ainda serão periciados) sugerem que as maiores empreiteiras do país e as principais vendedoras de combustível do planeta pagavam comissão para fazer negócio com a Petrobras.
Para compreender o esquema, cuja vastidão apenas começa a ser desvendada pela PF, é necessário entender a função desempenhada por cada um dos principais integrantes dele. Como diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto fechava, entre outros, contratos de construção e reforma de refinarias (do interesse das empreiteiras brasileiras) e de importação de combustível (do interesse das multinacionais que vendem derivados de petróleo). Paulo Roberto assinava os contratos, mas devia, em muitos momentos, fidelidade aos três partidos que 0 bancavam no cargo (PT, PP e PMDB). Paulo Roberto garantia a Petrobras; lobistas como Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, e Jorge Luz, ligado ao PT e ao PMDB, cujos nomes aparecem nos papéis apreendidos, garantiam as oportunidades de negócio com as grandes fornecedoras da Petrobras - e, suspeita a PF, garantiam também possíveis repasses aos políticos desses partidos. Para a PF, a Youssef cabia cuidar do dinheiro. Segundo envolvidos, essa tarefa também cabia a Humberto Sampaio de Mesquita, conhecido como Beto, genro de Paulo Roberto. Ele o ajudava nos negócios e é sócio de uma empresa que tem contrato de R$ 2,5 milhões com a Petrobras. Eram uma espécie de banco do esquema, ao providenciar empresas de fachada para receber as propinas no Brasil e nos paraísos fiscais, ao gerenciar as contas secretas e a contabilidade e ao pagar no Brasil, quando necessário, a quem de direito.
Essa divisão de tarefas funcionou por muito tempo. E, suspeita a PF, enriqueceu essa turma. Entre os documentos que serviram de base para a prisão de Paulo Roberto, ÉPOCA revela com exclusividade as planilhas com pagamentos de grandes empreiteiras brasileiras à MO Consultoria, uma das empresas de fachada de Youssef. Foram feitos enquanto Paulo Roberto ainda estava no cargo, celebrando ou renegociando contratos com algumas dessas empreiteiras, responsáveis por construir refinarias no Brasil, notadamente a Abreu e Lima, em Pernambuco. Além de pagamentos da Camargo Corrêa e da Sanko, que já vieram a público, as planilhas revelam, de acordo com as suspeitas da PF, transferências milionárias de OAS, Galvão Engenharia e Jaraguá. No total, a PF identificou até o momento cerca de R$ 31 milhões em "pagamento com suspeita de ilicitude". Algumas dessas empreiteiras ganharam grandes contratos nas refinarias enquanto Paulo Roberto era diretor. A Jaraguá, conforme revelou ÉPOCA, foi a maior doadora da campanha dos deputados do PP em 2010.
Em 2012, quando Paulo Roberto foi demitido, tudo mudou. A presidente Dilma Rousseff e a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, nunca suportaram Paulo Roberto. Segundo interlocutores próximos das duas, ambas enfrentaram dificuldades para apeá-lo do cargo. Para ter uma noção da relevância da Petrobras na política do país, Dilma e Graça não tiveram força suficiente para nomear o sucessor de Paulo Roberto. No lugar dele, por indicação do PMDB, ficou José Carlos Cosenza, número dois de Paulo Roberto e homem de sua confiança. Nesse momento, os documentos apreendidos sugerem que o esquema tenha começado a enfrentar problemas. Tal versão é confirmada por cinco pessoas com conhecimento dessas operações, entre integrantes desse grupo, lobistas e deputados que sustentavam Paulo Roberto.
É sob essa luz que podem ser interpretados alguns dos documentos mais valiosos apreendidos pela PF com Paulo Roberto. Trata-se dos relatórios mensais entregues por "Beto" a Paulo Roberto. Para a PF, "Beto" é Alberto Youssef. Segundo outros envolvidos, "Beto" é Humberto, genro de Paulo Roberto. Os documentos são uma espécie de extrato de conta-corrente preparado por Youssef, que funciona como um "banquinho". Em vez de siglas incompreensíveis e taxas abusivas, aparecem neles não apenas valores atribuídos a depósitos e retiradas das contas, mas também o contexto das operações. Procurado por ÉPOCA, Humberto Mesquita afirmou que estava no trânsito e não poderia falar. "Não tenho nada a ver com isso, amigo", disse.
Os relatórios de 2013 (leia acima) sugerem que "Beto", seja ele o genro ou o doleiro, e Paulo Roberto gradualmente se afastavam. No mesmo momento, Youssef montava uma nova estrutura financeira para Paulo Roberto no exterior, com empresas de fachada offshore. Youssef buscava fechar contas nos paraísos fiscais que recebiam dinheiro de multinacionais. Apesar da saída de Paulo Roberto da Petrobras, contribuições ainda eram pagas - pois alguns dos contratos seguiam valendo. Ao fechar as contas que comandava em nome de Paulo Roberto - e das quais, suspeita a PF, retirava uma comissão -, Youssef montava uma operação independente para Paulo Roberto, com empresas de fachada offshore e outras contas secretas.
Em maio de 2013, segundo o relatório, Youssef ainda comandava quatro contas secretas em conjunto com Paulo Roberto: uma no banco UBS de Luxemburgo; outra no banco Lombard Odier, na Suíça; uma terceira no banco Itaú, não se sabe em que país; e a última no banco RBC, nas Ilhas Cayman. O relatório não é exato sobre o valor acumulado nessas contas. Somando apenas o saldo de algumas delas com os depósitos pagos naquele momento pelas empresas com negócios na Petrobras, chega-se ao total de US$ 3,7 milhões. A conta com maior saldo — US$ 2,42 milhões - está no RBC das Ilhas Cayman. A conta no Itaú referia-se, segundo o relatório, à empreiteira Alusa e tinha saldo de R$ 127.400 em agosto de 2011, quando Paulo Roberto estava na Petrobras. A Alusa firmou contratos de R$ 3,5 bilhões com a Petrobras nos últimos anos. O maior deles, de R$ 1,5 bilhão, foi firmado em 2010. Em 2008, a Alusa fechara um contrato de R$ 966 milhões para fazer obras na Refinaria Abreu e Lima.
Segundo "Beto" afirma nos documentos, a conta no UBS de Luxemburgo fora aberta em nome da empresa de fachada BS Consulting, com o propósito principal de receber dinheiro da GB Maritime, empresa que intermedeia o aluguel de navios para a Petrobras -área de Paulo Roberto. Naquele ano, a conta no UBS recebera US$ 560 mil da GB Maritime - o valor variava mês a mês, diz "Beto" nos documentos, em razão dos dias parados dos navios. "Beto" afirma que já dissera aos "gregos" que, a partir daquele momento, os depósitos na conta do UBS seriam apenas relativos à parte de Paulo Roberto; o que coubesse ainda a ele deveria ser pago em outra conta. Sugere ainda transferir a BS Consulting para o nome de Paulo Roberto. Quem são os gregos? Um é chamado de "Konstantinos". O outro de "Georgeus". A PF suspeita - e executivos da Petrobras corroboram essa suspeita - de que se trata de Georgios Kotronakis, um dos diretores da GB Maritime, que já trabalhou na Petrobras, e do pai dele, o cônsul honorário da Grécia no Brasil há mais de 30 anos, Konstantinos Kotronakis.
Konstantinos afirma que conheceu Paulo Roberto há seis anos, devido aos negócios da Petrobras com armadores gregos. "Inclusive fui muitas vezes à Petrobras tratar de navios, é tudo normal. Tenho de incentivar negócios entre Brasil e Grécia", diz. "O diretor costumava ir a cada dois anos a um evento de armadores de navios na Grécia."
De acordo com os registros de "Beto", a conta no UBS de Luxemburgo também recebia dinheiro da Glencore Trading, uma das maiores vendedoras de derivados de petróleo do mundo. A Petrobras compra muito dela. Naquele mês de maio, o depósito da Glencore, segundo o relatório, foi módico: US$ 9.973,29. "Só houve um negócio realizado", escreveu "Beto". A Petrobras também compra muito do combustível vendido no Brasil da Trafigura, a maior empresa independente de vendas de petróleo e minério do mundo. Ela tem escritório em 58 países e faturou em 2013 o equivalente a US$ 113 bilhões. No ano passado, seu lucro foi de US$ 2,2 bilhões, resultado influenciado pelos bons negócios que mantém no Brasil.
Os volumes atribuídos à Trafigura no relatório são bem maiores. Na posição consolidada em maio, Paulo Roberto tinha um saldo de US$ 446.800 e € 52.800 com a Trafigura. No caso da Trafigura, a conta que aparece está no banco Lombard Odier de Genebra. Segundo as investigações da PR o saldo deve-se sobretudo à compra de combustível da Trafigura. Naquele momento, o relatório diz que a Trafigura ainda tinha de pagar pelo contrato que a Petrobras tinha de aluguel de um terminal de tancagem de combustível em Suape, Pernambuco.
No relatório, "Beto" reclama da Trafigura. "Está inadimplente em 2013", escreveu. "Estou cobrando o Mariano. Disse que resolveu, mas ainda não tive confirmação do banco." Mariano, segundo as investigações, é Mariano Marcondez Ferraz, um brasileiro que ascendeu velozmente na hierarquia da Trafigura ao garantir contratos da empresa na África, sobretudo em Angola. Foi recentemente alçado à diretoria da empresa.
"Beto" não cuidava sozinho das relações com a Trafigura e da conta em Genebra. Aqui, segundo ele, entram o lobista Jorge Luz e seu filho, Bruno Luz - ambos o ajudavam. Jorge Luz é um dos mais antigos lobistas da Petrobras. No governo Lula, construiu boas relações com chefes do PMDB e do PT. No PMDB, é próximo do senador Jader Barbalho e do empresário Álvaro Jucá, irmão do senador Romero Jucá, dono de uma empresa que tem contratos na Petrobras. Também tinha boas relações com o presidente do Senado, Renan Calheiros. No PT, é ligado ao deputado Cândido Vaccarezza, um dos expoentes da ala conhecida como "PMDB do PT", que inclui os deputados André Vargas, José Mentor e Vander Loubet - um grupo que ainda tem influência na Petrobras, por meio de indicações políticas na BR Distribuidora, subsidiária da empresa. O que todos esses políticos têm em comum? O medo de uma CPI da Petrobras. Por isso atuam energicamente para derrubá-la.
A eficiência de Jorge Luz e "Beto" é inquestionável. Meses depois, em setembro de 2013, "Beto" informa, em novo relatório a Paulo Roberto, que a "inadimplência" da Trafigura foi resolvida. De US$ 446.800, o saldo da conta sobe para US$ 800 mil. "Depois de muita insistência e cobrança minha, o Mariano acertou o primeiro semestre de 2013", escreve. "Beto" aconselha Paulo Roberto a manter Bruno Luz, que assume os negócios do pai, como responsável diante da Trafigura. Naquele mês, ele afirma que, de todos os negócios de que eles se desfaziam, faltavam apenas aquelas duas contas - a conta que recebia dinheiro da Trafigura e a conta que recebia dinheiro da GB Maritime. "Se fosse possível resolver este ano (as duas últimas contas) seria bom, pois acabaria esta questão de relatório e, principalmente, não teria mais nada seu comigo", escreve no relatório.
O Range Rover que Youssef comprou para Paulo Roberto deve ser atribuído, de acordo com as investigações, a esse acerto de contas. Não se trata de um presente. Trata-se de dinheiro dele, Paulo Roberto, que tinha saldo no "banquinho" de Youssef. Apesar de liquidar as operações que tinha com Paulo Roberto, Youssef criou para ele, em 21 de abril do ano passado, uma empresa offshore no Panamá: a Sunset Global. Os documentos de constituição da offshore foram encontrados no escritório de Youssef e obtidos por ÉPOCA (leia na página 35). A mulher de Paulo Roberto, Marici da Silva Azevedo Costa, representa o marido na offshore. Com Youssef, a PF também apreendeu um instrumento particular por meio do qual a Sunset Global compra uma bela casa em Mangaratiba, no Rio. A casa custava R$ 3,2 milhões. A PF ainda não sabe se a operação foi feita. Sabe apenas que Youssef pretendia bancá-la, com dinheiro do próprio Paulo Roberto - uma maneira de esquentar os recursos.
Em depoimento à PF, Paulo Roberto nega qualquer irregularidade. Afirmou que conhecia o doleiro Youssef "quando ainda estava em atividade na Petrobras, mas apenas após sua aposentadoria (em abril de 2012) foi procurado por Youssef para prestação de serviço de consultoria no mercado futuro". Paulo Roberto insistiu ter recebido de Youssef o carrão somente por ter "prestado serviços". E Paulo Roberto produziu, durante a consultoria, algum tipo de relatório ou documento para Youssef? Ele respondeu que "a consultoria teria se dado principalmente por meio de reuniões presenciais e debates verbais".
Como acontece em investigações desse tipo, o essencial é seguir o caminho do dinheiro. Nesse caso, seguir o dinheiro recebido e pago por Youssef. No Congresso, Youssef é tido como "banquinho" de vários políticos. Na semana passada, o jornal Folha de S.Paulo revelou que André Vargas pegou carona num jatinho fretado por Youssef. O deputado se enrolou todo para explicar a relação com ele. Não é o único deputado que goza da amizade de Youssef. Segundo o depoimento de Leonardo Meireles, que trabalhava com Youssef e fez um acordo de delação premiada com a PF, Adarico Negromonte, irmão do ex-ministro e deputado do PP Mário Negromonte, trabalhava no escritório de Youssef em São Paulo. Outros depoimentos confirmam o bico do irmão do ministro.
Seguindo o caminho do dinheiro de Youssef, a PF e uma possível CPI chegarão não apenas ao passado da Petrobras, mas também ao presente. Em 19 de setembro de 2012, a Investminas, do empresário Pedro Paulo Leoni Ramos, conhecido como PP, depositou R$ 4,3 milhões na conta da MO Consultoria - empresa de fachada usada pelo doleiro Youssef (leia acima). Por que isso é relevante? ÉPOCA mostrou, na semana passada, como PP, secretário de Assuntos Estratégicos no governo de Fernando Collor de Mello, intermedeia negócios envolvendo a BR Distribuidora. PP defende interesses de Collor e de políticos petistas - como o deputado André Vargas — que indicaram dirigentes para a empresa.
Descobriu-se, também na semana passada, que os tentáculos de PP e de seus sócios se estendem para além da área do petróleo. Em parceria com o governo federal, por meio da elétrica Furnas, empresas ligadas a PP arremataram um leilão para administrar a Usina de Três Irmãos, em São Paulo. A revelação dos sócios do fundo que se juntou a Furnas só ocorreu dias depois da concorrência. No dia do leilão, ninguém sabia quem estava por trás das empresas. O TCU suspendeu a assinatura do contrato atendendo a um pedido do governo paulista. Um dos sócios de PP na empreitada chama-se João Mauro Boschiero, colega de PP no governo Collor e número dois nas empresas de PP.
Todos os caminhos convergem para Youssef. As investigações da PF na Operação Lava Jato revelaram que Boschiero era próximo de Youssef. Boschiero foi flagrado em escutas telefônicas sugerindo que duas pessoas apagassem e-mail, também encaminhado a PP, sobre o laboratório Labogen, que tem Youssef como sócio oculto. "Pedro e Leonardo (além de todos os outros que receberam os e-mails abaixo). Deletem-no urgentemente. As citações que foram feitas derrubam nosso projeto", afirmou. O Labogen, que contava com laranjas de Youssef, estava prestes a firmar um contrato com o Ministério da Saúde para fornecimento de remédios. Boschiero, segundo o advogado de Youssef, é diretor do Labogen.
A Sanko informou que as datas e os valores de contratos não podem ser fornecidos, por questões de confidencialidade. A MO, segundo a Sanko, foi contratada para a execução de trabalhos técnicos, e a GFD para representação comercial. "Não vendemos diretamente à Petrobras nem a empresas estatais, mas a empresas e consórcios privados, que com frequência utilizam os tubos e conexões que lhes são fornecidos para obras da Petrobras." A Sanko não revela o nome de seus clientes. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Alusa Engenharia afirma que jamais fez repasses ou recebeu recursos de Paulo Roberto. "A empresa rechaça qualquer ligação com esse senhor." Afirma, também, não ter relação comercial ou pessoal com Youssef. O grupo GPI, do empresário PP, informou que não se manifestaria até que seus advogados tenham acesso às informações em poder da PF. Galvão Engenharia, Jaraguá, OAS e Trafigura não responderam até o fechamento desta edição. A Petrobras preferiu não se manifestar.
Diante de um esquema dessa magnitude, como alguém em Brasília poderia dormir?
Com Murilo Ramos, Hudson Corrêa e Leandro Loyola
O Brasil inventa a censura democrática - GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA
Meio século depois do golpe de Estado que feriu as liberdades no Brasil, um deputado foi impedido de discursar no Congresso Nacional. Mas não tem problema, porque esse deputado é de direita. Essa é a noção de democracia dos progressistas que abominam a ditadura militar: liberdade de expressão para os que falam as coisas certas. Para quem fala as coisas erradas, mordaça. E quem decide o que é certo são eles, os progressistas. Eles é que têm o dom da virtude (por coincidência, foi exatamente isso que os militares pensaram em 1964). Seria cômico se não fosse trágico: os que carregam a bandeira contra o autoritarismo podem mandar os outros calar a boca.
O deputado Jair Bolsonaro é um conhecido defensor da categoria militar. E defende o regime implantado em 1964. Numa sessão na Câmara dos Deputados que marcava os 50 anos do início da ditadura, deputados e militantes progressistas impediram Bolsonaro de falar. Viraram de costas no plenário, cantaram, tumultuaram e cassaram no grito a palavra do deputado de direita. Esses são os democratas brasileiros que defendem a liberdade.
Eles dizem que não podem tolerar a defesa de um regime imposto por golpe de Estado. Será então que ninguém mais poderá subir à tribuna para defender Getúlio Vargas? Não, isso pode. Na história em quadrinhos dos progressistas, Getúlio é de esquerda, assim como Fidel. A esquerda que amordaçou Bolsonaro vive (bem) dessa fábula da resistência à ditadura - uma ditadura que já acabou há quase 30 anos. E interessante observar que alguns dos símbolos dessa resistência estão presos por corrupção. Ou, mais especificamente: presos por roubar a pátria - essa que dizem defender contra a ameaça conservadora.
Os que estão presos são aliados dos que governam essa mesma pátria. E todos eles são aliados de regimes que atropelam a liberdade de expressão, mesma tática da tropa do deputado Bolsonaro. A diferença é que a tropa de Bolsonaro fez isso no século passado, e a confraria chavista faz isso hoje. Outra diferença é que os militares eram autoritários, e os progressistas fingem que não são. Gato escondido com rabo de fora, como se vê nos projetos do PT para controlar a mídia — que o governo popular já tentou contrabandear até em programa de direitos humanos. Eles são assim, sempre bonzinhos, sempre colorindo com slogans humanitários seus pequenos e grandes golpes. A primeira denúncia do mensalão, como se sabe, foi classificada pelo companheiro Delúbio como "uma conspiração da direita contra o governo popular".
A ação impedindo a fala de Bolsonaro fere a democracia. Mas ninguém é louco de dizer isso. Bolsonaro é uma figura grosseira e prepotente, enquanto seus algozes são os simpáticos heróis da resistência - na percepção cada vez mais abóbada da opinião pública. Para combater o mal, esses revolucionários puros defendem até black blocs assassinos e continuam bem na foto. A imprensa, as empresas e as instituições "burguesas" em geral morrem de medo deles e da incrível patrulha anticapitalista que tomou as redes sociais - onde a burrice se espalha mais rápido. Os 50 anos do golpe foram transformados numa estranha catarse anacrônica, com todos os perseguidos pela patrulha progressista gritando "abaixo a ditadura". Só faltou denunciar os crimes de Adolf Hitler.
Chega a ser assustador que, enquanto busca a verdade sobre os desaparecidos e vítimas do regime brutal, a sociedade democrática fale a língua dos gorilas - e tente calar seus herdeiros políticos. Que democracia é essa?
O sotaque chavista é inconfundível. Se Bolsonaro é troglodita, deveria ser facilmente derrotado com argumentos e inteligência. Mas os heróis da resistência temem sua própria mediocridade, então preferem falar sozinhos. Nessa democracia seletiva, uma dissidente cubana foi impedida - no grito - de falar em público no Brasil. Entre outras ações autoritárias, no dia 31 de março um professor da USP foi impedido de criticar o comunismo. Estudantes "do bem" invadiram a sala de aula e abafaram sua voz cantando um samba. Truculência festiva pode.
Talvez o Brasil mereça mesmo ter como voz única a ex-guerrilheira e eterna vítima da ditadura, dizendo as coisas certas em rede obrigatória de rádio e TV.
Meio século depois do golpe de Estado que feriu as liberdades no Brasil, um deputado foi impedido de discursar no Congresso Nacional. Mas não tem problema, porque esse deputado é de direita. Essa é a noção de democracia dos progressistas que abominam a ditadura militar: liberdade de expressão para os que falam as coisas certas. Para quem fala as coisas erradas, mordaça. E quem decide o que é certo são eles, os progressistas. Eles é que têm o dom da virtude (por coincidência, foi exatamente isso que os militares pensaram em 1964). Seria cômico se não fosse trágico: os que carregam a bandeira contra o autoritarismo podem mandar os outros calar a boca.
O deputado Jair Bolsonaro é um conhecido defensor da categoria militar. E defende o regime implantado em 1964. Numa sessão na Câmara dos Deputados que marcava os 50 anos do início da ditadura, deputados e militantes progressistas impediram Bolsonaro de falar. Viraram de costas no plenário, cantaram, tumultuaram e cassaram no grito a palavra do deputado de direita. Esses são os democratas brasileiros que defendem a liberdade.
Eles dizem que não podem tolerar a defesa de um regime imposto por golpe de Estado. Será então que ninguém mais poderá subir à tribuna para defender Getúlio Vargas? Não, isso pode. Na história em quadrinhos dos progressistas, Getúlio é de esquerda, assim como Fidel. A esquerda que amordaçou Bolsonaro vive (bem) dessa fábula da resistência à ditadura - uma ditadura que já acabou há quase 30 anos. E interessante observar que alguns dos símbolos dessa resistência estão presos por corrupção. Ou, mais especificamente: presos por roubar a pátria - essa que dizem defender contra a ameaça conservadora.
Os que estão presos são aliados dos que governam essa mesma pátria. E todos eles são aliados de regimes que atropelam a liberdade de expressão, mesma tática da tropa do deputado Bolsonaro. A diferença é que a tropa de Bolsonaro fez isso no século passado, e a confraria chavista faz isso hoje. Outra diferença é que os militares eram autoritários, e os progressistas fingem que não são. Gato escondido com rabo de fora, como se vê nos projetos do PT para controlar a mídia — que o governo popular já tentou contrabandear até em programa de direitos humanos. Eles são assim, sempre bonzinhos, sempre colorindo com slogans humanitários seus pequenos e grandes golpes. A primeira denúncia do mensalão, como se sabe, foi classificada pelo companheiro Delúbio como "uma conspiração da direita contra o governo popular".
A ação impedindo a fala de Bolsonaro fere a democracia. Mas ninguém é louco de dizer isso. Bolsonaro é uma figura grosseira e prepotente, enquanto seus algozes são os simpáticos heróis da resistência - na percepção cada vez mais abóbada da opinião pública. Para combater o mal, esses revolucionários puros defendem até black blocs assassinos e continuam bem na foto. A imprensa, as empresas e as instituições "burguesas" em geral morrem de medo deles e da incrível patrulha anticapitalista que tomou as redes sociais - onde a burrice se espalha mais rápido. Os 50 anos do golpe foram transformados numa estranha catarse anacrônica, com todos os perseguidos pela patrulha progressista gritando "abaixo a ditadura". Só faltou denunciar os crimes de Adolf Hitler.
Chega a ser assustador que, enquanto busca a verdade sobre os desaparecidos e vítimas do regime brutal, a sociedade democrática fale a língua dos gorilas - e tente calar seus herdeiros políticos. Que democracia é essa?
O sotaque chavista é inconfundível. Se Bolsonaro é troglodita, deveria ser facilmente derrotado com argumentos e inteligência. Mas os heróis da resistência temem sua própria mediocridade, então preferem falar sozinhos. Nessa democracia seletiva, uma dissidente cubana foi impedida - no grito - de falar em público no Brasil. Entre outras ações autoritárias, no dia 31 de março um professor da USP foi impedido de criticar o comunismo. Estudantes "do bem" invadiram a sala de aula e abafaram sua voz cantando um samba. Truculência festiva pode.
Talvez o Brasil mereça mesmo ter como voz única a ex-guerrilheira e eterna vítima da ditadura, dizendo as coisas certas em rede obrigatória de rádio e TV.
O que o senhor tem a esconder? - CARTA AO LEITOR
REVISTA VEJA
Uma reportagem desta edição de VEJA revela com exclusividade diálogos de André Vargas, que é vice-presidente da Câmara dos Deputados, com o doleiro Alberto Youssef, preso pela Polícia Federal em uma recente operação contra a lavagem de dinheiro. O petista e o doleiro combinam um golpe no Ministério da Saúde. A certa altura da conversa, o doleiro dá uma pista ao deputado do que sobraria para eles depois do ataque ao cofre do Ministério da Saúde. São planos de desviar para o bolso dinheiro que poderia ser usado para salvar vidas de doentes nos decrépitos hospitais públicos brasileiros. Para encurtar a conversa. o doleiro diz ao petista: "Acredite em mim. Você vai ver o quanto isso vai valer... Tua independência financeira e nossa também, é claro..."
A reportagem de VEJA mostra que o deputado, por não ter ainda conseguido implantar a censura à imprensa no Brasil, teve de recorrer à chantagem na tentativa de evitar que seus crimes viessem a público. Um enviado de Vargas procurou o doleiro preso pela Polícia Federal com o objetivo de comprar seu silêncio. Ao mesmo tempo, anda espalhando na Câmara que, se ele cair, levará "gente de cima junto". Para quem não se lembra, Vargas é aquele senhor bem nutrido, sempre suarento, de óculos de lentes grossas, que disse estar com "vontade de dar uma cotovelada" em Joaquim Barbosa, ministro do STF, quando ele visitou a Câmara. Por essas e por outras, sempre que algum desses radicais vier com a proposta de cercear a liberdade de expressão, a pergunta certa a fazer a ele é: "Mas o que é mesmo que o senhor tem a esconder?"
O futuro do trabalho - JOSÉ PASTORE
O Estado de S.Paulo - 08/04
Importante seminário foi realizado em Genebra sobre o futuro do trabalho. O evento foi patrocinado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e focalizou o impacto das novas tecnologias e dos novos métodos de produção sobre o emprego e a renda dos trabalhadores (International Symposium for Employers on the Future of Work, ILO, 2013).
Os últimos anos têm sido marcados por crescente ansiedade, decorrente do medo da possível destruição definitiva dos empregos em razão da robotização e da revolução computacional. A atual escassez de emprego nos países avançados é usada como "prova" daquela assertiva.
Não é a primeira vez que seres humanos se amedrontam com o avanço das tecnologias. Desde os luddistas da Revolução Industrial até a criação do motor elétrico, do telégrafo, do telefone, do computador e outros avanços, o senso comum vê na máquina um inimigo do emprego. Mas a própria história mostra a falsidade desse modo de pensar. A chegada das novas tecnologias na agricultura, por exemplo, esvaziou os empregos no campo, mas criou uma enormidade de postos de trabalho na economia em geral. As máquinas que substituíram os artesãos pela produção em série fizeram o mesmo serviço - o emprego explodiu nas cidades.
Os papers apresentados no aludido seminário demonstraram à exaustão que o maior impacto das novas tecnologias não está na destruição dos postos de trabalho, e sim na transformação da estrutura de emprego e das formas de contratação do trabalho.
Quanto à estrutura, as atividades de rotina e repetitivas, assim como as perigosas e insalubres, passarão a ser executadas por robôs e computadores pensantes que dispensam chefes, supervisores e controladores de qualidade, o que reduzirá os empregos da camada média da estrutura ocupacional. No topo da estrutura haverá a expansão de atividades que demandam capacidade para resolver problemas, intuição, persuasão e criatividade. Outros descem da camada média para a baixa.
Ou seja, a entrada das novas tecnologias provoca uma polarização dos empregos que é acompanhada de uma polarização da renda dos trabalhadores. Ganham os que vão para o topo e perdem os que vão para a base da pirâmide. Ninguém arrisca dizer se e como esses trabalhadores conseguirão recuperar sua renda. Mas há quem veja neles os candidatos para subir na estrutura de emprego, a depender de boa educação e qualificação profissional, o que se choca com os resultados recentes do Pisa, em que o Brasil ficou entre os piores países em teste de raciocínio, ocupando o 38.º lugar num grupo de 44 países. Nossos alunos, em sua maioria, não conseguem resolver problemas que, antes de tudo, envolvem lógica e bom senso.
No que tange às formas de contratar trabalho, as novas tecnologias fragmentam as atividades e exigem a formação de alianças entre parceiros que são típicas das redes de produção. Isso significa que os novos métodos de produzir fazem declinar o contrato tradicional de trabalho por prazo indeterminado e estimular as formas flexíveis de contratação e subcontratação, ficando o desafio para as instituições sociais encontrarem os modos de proteger os trabalhadores. Neste campo, o quadro é igualmente desanimador no Brasil ao verificar que desde 1998 tramitam no Congresso Nacional vários projetos de lei que buscam disciplinar a terceirização, e até hoje nenhum deles foi aprovado por causa da resistência de forças que sonham com um mundo que se transforma a passos largos e que exige adaptabilidade.
Se as mudanças tecnológicas representam um sério risco para o emprego e a renda, isso se transforma em fatalidade num país como o Brasil, que pretende ancorar o crescimento em cima de um ensino precário e de uma lei trabalhista desatualizada. Essa equação não fecha, nem nos dias de hoje e muito menos nos dias de amanhã. É hora de acordarmos, porque os nossos concorrentes não estão dormindo.
Importante seminário foi realizado em Genebra sobre o futuro do trabalho. O evento foi patrocinado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e focalizou o impacto das novas tecnologias e dos novos métodos de produção sobre o emprego e a renda dos trabalhadores (International Symposium for Employers on the Future of Work, ILO, 2013).
Os últimos anos têm sido marcados por crescente ansiedade, decorrente do medo da possível destruição definitiva dos empregos em razão da robotização e da revolução computacional. A atual escassez de emprego nos países avançados é usada como "prova" daquela assertiva.
Não é a primeira vez que seres humanos se amedrontam com o avanço das tecnologias. Desde os luddistas da Revolução Industrial até a criação do motor elétrico, do telégrafo, do telefone, do computador e outros avanços, o senso comum vê na máquina um inimigo do emprego. Mas a própria história mostra a falsidade desse modo de pensar. A chegada das novas tecnologias na agricultura, por exemplo, esvaziou os empregos no campo, mas criou uma enormidade de postos de trabalho na economia em geral. As máquinas que substituíram os artesãos pela produção em série fizeram o mesmo serviço - o emprego explodiu nas cidades.
Os papers apresentados no aludido seminário demonstraram à exaustão que o maior impacto das novas tecnologias não está na destruição dos postos de trabalho, e sim na transformação da estrutura de emprego e das formas de contratação do trabalho.
Quanto à estrutura, as atividades de rotina e repetitivas, assim como as perigosas e insalubres, passarão a ser executadas por robôs e computadores pensantes que dispensam chefes, supervisores e controladores de qualidade, o que reduzirá os empregos da camada média da estrutura ocupacional. No topo da estrutura haverá a expansão de atividades que demandam capacidade para resolver problemas, intuição, persuasão e criatividade. Outros descem da camada média para a baixa.
Ou seja, a entrada das novas tecnologias provoca uma polarização dos empregos que é acompanhada de uma polarização da renda dos trabalhadores. Ganham os que vão para o topo e perdem os que vão para a base da pirâmide. Ninguém arrisca dizer se e como esses trabalhadores conseguirão recuperar sua renda. Mas há quem veja neles os candidatos para subir na estrutura de emprego, a depender de boa educação e qualificação profissional, o que se choca com os resultados recentes do Pisa, em que o Brasil ficou entre os piores países em teste de raciocínio, ocupando o 38.º lugar num grupo de 44 países. Nossos alunos, em sua maioria, não conseguem resolver problemas que, antes de tudo, envolvem lógica e bom senso.
No que tange às formas de contratar trabalho, as novas tecnologias fragmentam as atividades e exigem a formação de alianças entre parceiros que são típicas das redes de produção. Isso significa que os novos métodos de produzir fazem declinar o contrato tradicional de trabalho por prazo indeterminado e estimular as formas flexíveis de contratação e subcontratação, ficando o desafio para as instituições sociais encontrarem os modos de proteger os trabalhadores. Neste campo, o quadro é igualmente desanimador no Brasil ao verificar que desde 1998 tramitam no Congresso Nacional vários projetos de lei que buscam disciplinar a terceirização, e até hoje nenhum deles foi aprovado por causa da resistência de forças que sonham com um mundo que se transforma a passos largos e que exige adaptabilidade.
Se as mudanças tecnológicas representam um sério risco para o emprego e a renda, isso se transforma em fatalidade num país como o Brasil, que pretende ancorar o crescimento em cima de um ensino precário e de uma lei trabalhista desatualizada. Essa equação não fecha, nem nos dias de hoje e muito menos nos dias de amanhã. É hora de acordarmos, porque os nossos concorrentes não estão dormindo.
Dilma, inflação e outros medos - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 08/04
O SENTIMENTO de insegurança do eleitorado não parecia tão intenso desde as crises graves de 1999, da primeira grande desvalorização do real, e de 2001, do racionamento de eletricidade.
O pessimismo extraordinário aparece na enorme quantidade de eleitores que esperam um aumento da inflação. Mas o que está em jogo aqui não é apenas o aumento de preços.
Uma análise de 20 anos de números do Datafolha indica que nem sempre a expectativa de alta nos preços está relacionada à inflação do momento ou de notícias de carestia futura, mas também ao noticiário e a expectativas políticos, por exemplo. Decerto fica evidente que, quando a inflação passa dos 6%, em geral o temor de piora da carestia cresce bastante.
No entanto, ao responder à pergunta sobre inflação, o eleitor parece expressar um sentimento mais genérico de segurança a respeito do futuro.
Neste início de abril, 65% dos entrevistados diziam esperar uma alta da inflação, expectativa que vem em disparada desde março de 2013. Um mês depois do tumulto feio da desvalorização do real, em fevereiro de 1999, tal expectativa estava em 68%; a inflação estava em 2,2% ao ano. Em junho de 2001, plena crise do apagão, foi a 70%. O desemprego era alto, a inflação foi a 6% em 1999 e a 7,7% em 2001.
No entanto, a partir do ano muito ruim de 2002, com o Brasil semiquebrado, tumulto no mercado financeiro com a hipótese de vitória de Lula, dólar indo a R$ 4 e preços em disparada, o temor da inflação despencava. Caiu à metade do registrado em 2001 mesmo com o IPCA indo a 17,2% ao ano em maio de 2003, a pior crise inflacionária do real. Havia otimismo popular com Lula.
A expectativa de alta da inflação voltaria a dar um pulo em meados de 2005. A inflação aumentara de fato, mas para menos da metade da alta de 2003; na época, também estourava o mensalão. Outros repiques dos preços no final de 2008 e em meados de 2011 refletiram-se no medo da inflação captado pelo Datafolha.
No entanto, a escalada dos preços até meados de 2013 não influenciou de modo relevante a expectativa popular de inflação até os protestos de junho de 2013, embora houvesse certa falação sobre o assunto um pouco antes disso, vide a "crise do tomate". Mais impressionante, a partir de junho a disseminação da ideia de que a carestia vai aumentar foi tão ampla quanto em disparadas muito maiores da inflação, como em 1999-2002.
É fácil argumentar que a expressão "aumento da inflação" pode agora ter um significado diferente daquele de 1999, quando era fresca a memória dos horrores hiperinflacionários. Além disso, o eleitorado agora tem muito jovem que não viveu os tempos em que era corriqueira a inflação de 20% AO MÊS. Quase meia década de inflação de 6% AO ANO, com escapadas frequentes além disso, talvez hoje esgotem a paciência do cidadão mais rapidamente.
Ainda assim, parece haver desproporção entre alta de preços e tantos maus humores desde junho de 2013, que se refletem tanto na opinião econômica quanto política (na avaliação do governo). Ao que parece, não é apenas um ponto extra no IPCA que tem causado revertérios desde 2013.
Taxação do patrimônio - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 08/04
Por seis semanas seguidas, o mercado auscultado pelo Banco Central (Pesquisa Focus) vem projetando crescimento econômico (avanço do PIB) cada vez mais baixo (veja o gráfico).
Menos crescimento econômico é menos arrecadação, fator que, por sua vez, aumenta a aflição do governo porque tem uma eleição braba pela frente, o que aumenta a tentação por mais despesas. Esse é o cenário de fundo que leva o governo a espremer as tetas de sempre para ordenhar mais arrecadação.
A curto prazo, as opções parecem restritas. A indústria pouco pode dar desta vez. A atividade econômica está fraca, os lucros estão achatados e é sobre eles que é calculado o Imposto de Renda das empresas. Ao contrário, parece já decisão do governo deixar que as cotações do dólar escorreguem para baixo a fim de baratear o produto importado e ajudar a aliviar a inflação. Um dólar mais barato implica sacrifício ainda maior da competitividade da indústria, mas, decididamente, não é esta a prioridade imediata do governo Dilma, que precisa apagar incêndios e, no momento, comemora a queda das cotações.
No entanto, a prazo mais amplo, o governo Dilma gostaria mesmo é de aumentar impostos sobre o patrimônio. Na entrevista publicada dia 23 de março pelo Estadão, o presidente da Fundação Perseu Abramo, o economista Marcio Pochmann, avançou que o PT estuda novas formas de arrecadação, especialmente nesse garimpo do patrimônio.
Mas também aí as opções são reduzidas. Já existem três impostos cobrados sobre o patrimônio: IPTU, sobre propriedade de imóveis urbanos; IPVA, sobre a propriedade de veículos automotores; e ITR, sobre propriedades rurais. O sonho de qualquer arrecadador seria cobrar mais sobre a propriedade financeira.
No caso, o grande limitador é o que se cobra no resto do mundo. Todo legislador sabe que não pode apertar demais o contribuinte nesse fato gerador porque ele fugiria, como água entre os dedos, para outras praças financeiras. Nessa hipótese, a primeira vítima seria o próprio Tesouro, que perderia fontes de financiamento (mercado comprador de títulos públicos).
Desde 1988, os dirigentes tentaram criar o Imposto sobre o Patrimônio, já previsto na Constituição, e não foram adiante. O primeiro projeto nesse sentido foi do então senador Fernando Henrique Cardoso. Em 1992, a Receita Federal exigiu que a relação de bens na declaração de ajuste daquele ano (ano-base de 1991) não fosse mais feita pelo valor histórico de aquisição, mas pelo valor de mercado. Era o primeiro passo para instituir o Imposto sobre o Patrimônio.
A tentativa parou por aí porque logo se viu que esse imposto ou seria baixo e sua arrecadação seria insignificante quando comparada com o barulhão produzido; ou seria alto e, nesse caso, correria o risco de provocar enorme fuga de capitais para outros países.
Se quer arrecadar mais, o governo tem que propiciar o aumento do crescimento. E não vai ser com essa política carregada de inflação alta, de distorções, consumo exacerbado (baixa poupança) e intervenções nas regras do jogo que haverá avanço sustentado do PIB.
Por seis semanas seguidas, o mercado auscultado pelo Banco Central (Pesquisa Focus) vem projetando crescimento econômico (avanço do PIB) cada vez mais baixo (veja o gráfico).
Menos crescimento econômico é menos arrecadação, fator que, por sua vez, aumenta a aflição do governo porque tem uma eleição braba pela frente, o que aumenta a tentação por mais despesas. Esse é o cenário de fundo que leva o governo a espremer as tetas de sempre para ordenhar mais arrecadação.
A curto prazo, as opções parecem restritas. A indústria pouco pode dar desta vez. A atividade econômica está fraca, os lucros estão achatados e é sobre eles que é calculado o Imposto de Renda das empresas. Ao contrário, parece já decisão do governo deixar que as cotações do dólar escorreguem para baixo a fim de baratear o produto importado e ajudar a aliviar a inflação. Um dólar mais barato implica sacrifício ainda maior da competitividade da indústria, mas, decididamente, não é esta a prioridade imediata do governo Dilma, que precisa apagar incêndios e, no momento, comemora a queda das cotações.
No entanto, a prazo mais amplo, o governo Dilma gostaria mesmo é de aumentar impostos sobre o patrimônio. Na entrevista publicada dia 23 de março pelo Estadão, o presidente da Fundação Perseu Abramo, o economista Marcio Pochmann, avançou que o PT estuda novas formas de arrecadação, especialmente nesse garimpo do patrimônio.
Mas também aí as opções são reduzidas. Já existem três impostos cobrados sobre o patrimônio: IPTU, sobre propriedade de imóveis urbanos; IPVA, sobre a propriedade de veículos automotores; e ITR, sobre propriedades rurais. O sonho de qualquer arrecadador seria cobrar mais sobre a propriedade financeira.
No caso, o grande limitador é o que se cobra no resto do mundo. Todo legislador sabe que não pode apertar demais o contribuinte nesse fato gerador porque ele fugiria, como água entre os dedos, para outras praças financeiras. Nessa hipótese, a primeira vítima seria o próprio Tesouro, que perderia fontes de financiamento (mercado comprador de títulos públicos).
Desde 1988, os dirigentes tentaram criar o Imposto sobre o Patrimônio, já previsto na Constituição, e não foram adiante. O primeiro projeto nesse sentido foi do então senador Fernando Henrique Cardoso. Em 1992, a Receita Federal exigiu que a relação de bens na declaração de ajuste daquele ano (ano-base de 1991) não fosse mais feita pelo valor histórico de aquisição, mas pelo valor de mercado. Era o primeiro passo para instituir o Imposto sobre o Patrimônio.
A tentativa parou por aí porque logo se viu que esse imposto ou seria baixo e sua arrecadação seria insignificante quando comparada com o barulhão produzido; ou seria alto e, nesse caso, correria o risco de provocar enorme fuga de capitais para outros países.
Se quer arrecadar mais, o governo tem que propiciar o aumento do crescimento. E não vai ser com essa política carregada de inflação alta, de distorções, consumo exacerbado (baixa poupança) e intervenções nas regras do jogo que haverá avanço sustentado do PIB.
MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO
FOLHA DE SP - 08/04
Concessionária estuda entrar na área de transporte público
A Ecorodovias, companhia que atua com concessões rodoviárias e terminais logísticos, avalia ingressar no segmento de mobilidade urbana e transporte público.
O interesse da empresa envolve a operação de sistemas como metrô, VLT (veículo leve sobre trilhos) e BRT (ônibus rápido), de acordo com o presidente do grupo, Marcelino Rafart de Seras.
"A demanda que vai existir para esse setor em todas as capitais e médias cidades é algo que nos deixa muito atraídos", afirma.
Um estudo com as potencialidades da área está em elaboração e deverá ser finalizado no início do segundo semestre deste ano.
O executivo, no entanto, diz que ainda não há um cronograma fechado para depois da conclusão das análises.
"Estamos fazendo de maneira bem tranquila para levar ao conselho de administração e, depois, aos investidores e acionistas."
Hoje, a companhia é responsável por seis concessões de rodovias no país, incluindo o sistema Anchieta-Imigrantes e o corredor Ayrton Senna-Carvalho Pinto, ambos no Estado de São Paulo.
Nesse segmento, as atenções estão voltadas aos leilões já anunciados da Tamoios (São Paulo) e da BR-153, entre Tocantins e Goiás.
Em 2013, das cinco disputas que participou, o grupo não levou nenhuma. "A partir deste ano, ainda haverá muitas oportunidades nas áreas rodoviária e portuária."
ATERRISSAGEM NA MALÁSIA
A Stefanini, multinacional brasileira da área de tecnologia, reforça sua presença na Ásia.
A companhia, que atua em 32 países, acaba de iniciar uma operação na Malásia, onde pretende ter 300 funcionários em três anos.
"Vamos replicar a nossa atuação nas Filipinas, onde vamos dobrar a posição com mais um escritório, ao passar de 600 profissionais para 1.200 pessoas", afirma Marco Stefanini, CEO global da empresa.
"Pretendemos crescer no continente, especialmente na China, onde estamos pensando em uma aquisição", diz. Na Ásia, além de China e Filipinas, a empresa também atua na Índia e na Tailândia.
A operação na Malásia servirá ainda como uma "reserva", segundo o CEO.
Uma contingência, caso haja algum problema, como enchentes nas Filipinas", afirma o empresário.
No curto prazo, Estados Unidos e Europa ainda são os mercados mais relevantes para a empresa.
R$ 2,11 bilhões
foi o faturamento da companhia no ano passado
R$ 400 milhões
será o montante investido para a empresa dobrar de tamanho até o final de 2016
17 mil
é o número de funcionários da empresa no mundo
alemanha nos trilhos
Após uma expressiva baixa em fevereiro, a confiança do consumidor alemão com a economia voltou a crescer.
O indicador subiu 1,3 ponto e atingiu 33,2 em março, de acordo com levantamento da consultoria GfK.
Um cenário bem diferente do mês anterior, que havia registrado recuo de 3,4 pontos.
A melhora do indicador, segundo a consultoria, deve-se ao aumento das exportações e à estabilidade da taxa de juros do país.
O índice varia em uma escala entre -100 a 100 --quanto mais alto o número, maior é a confiança.
Outro indicador que subiu foi o de intenção de consumo: alta de 6,6 pontos.
O estudo mostra que o setor de serviços foi o mais beneficiado com a tendência.
Apesar dos avanços, a expectativa da população em relação à renda recuou no período e chegou a 45,6.
A consultoria avalia que os próximos resultados serão menos animadores devido à crise política da Crimeia.
A pesquisa entrevistou cerca de 2.000 pessoas.
PLEITO CONSTRUTIVO
Entidades da construção civil entregarão ao governo federal uma carta com propostas para estimular o setor, como desburocratização, aumento de aportes públicos em infraestrutura e perenidade do Minha Casa, Minha Vida.
"São pleitos que devem fazer parte do projeto do país para os próximos quatro anos", diz Sergio Watanabe, presidente do SindusCon-SP.
O documento está em produção e deverá ser concluído no fim deste mês. O mesmo texto também será entregue aos futuros candidatos.
"O país precisa crescer acima da média dos últimos anos e de uma inflação controlada no centro da meta."
Além do SindusCon-SP, a iniciativa é liderada pela Abramat (da indústria de materiais de construção).
Concessionária estuda entrar na área de transporte público
A Ecorodovias, companhia que atua com concessões rodoviárias e terminais logísticos, avalia ingressar no segmento de mobilidade urbana e transporte público.
O interesse da empresa envolve a operação de sistemas como metrô, VLT (veículo leve sobre trilhos) e BRT (ônibus rápido), de acordo com o presidente do grupo, Marcelino Rafart de Seras.
"A demanda que vai existir para esse setor em todas as capitais e médias cidades é algo que nos deixa muito atraídos", afirma.
Um estudo com as potencialidades da área está em elaboração e deverá ser finalizado no início do segundo semestre deste ano.
O executivo, no entanto, diz que ainda não há um cronograma fechado para depois da conclusão das análises.
"Estamos fazendo de maneira bem tranquila para levar ao conselho de administração e, depois, aos investidores e acionistas."
Hoje, a companhia é responsável por seis concessões de rodovias no país, incluindo o sistema Anchieta-Imigrantes e o corredor Ayrton Senna-Carvalho Pinto, ambos no Estado de São Paulo.
Nesse segmento, as atenções estão voltadas aos leilões já anunciados da Tamoios (São Paulo) e da BR-153, entre Tocantins e Goiás.
Em 2013, das cinco disputas que participou, o grupo não levou nenhuma. "A partir deste ano, ainda haverá muitas oportunidades nas áreas rodoviária e portuária."
ATERRISSAGEM NA MALÁSIA
A Stefanini, multinacional brasileira da área de tecnologia, reforça sua presença na Ásia.
A companhia, que atua em 32 países, acaba de iniciar uma operação na Malásia, onde pretende ter 300 funcionários em três anos.
"Vamos replicar a nossa atuação nas Filipinas, onde vamos dobrar a posição com mais um escritório, ao passar de 600 profissionais para 1.200 pessoas", afirma Marco Stefanini, CEO global da empresa.
"Pretendemos crescer no continente, especialmente na China, onde estamos pensando em uma aquisição", diz. Na Ásia, além de China e Filipinas, a empresa também atua na Índia e na Tailândia.
A operação na Malásia servirá ainda como uma "reserva", segundo o CEO.
Uma contingência, caso haja algum problema, como enchentes nas Filipinas", afirma o empresário.
No curto prazo, Estados Unidos e Europa ainda são os mercados mais relevantes para a empresa.
R$ 2,11 bilhões
foi o faturamento da companhia no ano passado
R$ 400 milhões
será o montante investido para a empresa dobrar de tamanho até o final de 2016
17 mil
é o número de funcionários da empresa no mundo
alemanha nos trilhos
Após uma expressiva baixa em fevereiro, a confiança do consumidor alemão com a economia voltou a crescer.
O indicador subiu 1,3 ponto e atingiu 33,2 em março, de acordo com levantamento da consultoria GfK.
Um cenário bem diferente do mês anterior, que havia registrado recuo de 3,4 pontos.
A melhora do indicador, segundo a consultoria, deve-se ao aumento das exportações e à estabilidade da taxa de juros do país.
O índice varia em uma escala entre -100 a 100 --quanto mais alto o número, maior é a confiança.
Outro indicador que subiu foi o de intenção de consumo: alta de 6,6 pontos.
O estudo mostra que o setor de serviços foi o mais beneficiado com a tendência.
Apesar dos avanços, a expectativa da população em relação à renda recuou no período e chegou a 45,6.
A consultoria avalia que os próximos resultados serão menos animadores devido à crise política da Crimeia.
A pesquisa entrevistou cerca de 2.000 pessoas.
PLEITO CONSTRUTIVO
Entidades da construção civil entregarão ao governo federal uma carta com propostas para estimular o setor, como desburocratização, aumento de aportes públicos em infraestrutura e perenidade do Minha Casa, Minha Vida.
"São pleitos que devem fazer parte do projeto do país para os próximos quatro anos", diz Sergio Watanabe, presidente do SindusCon-SP.
O documento está em produção e deverá ser concluído no fim deste mês. O mesmo texto também será entregue aos futuros candidatos.
"O país precisa crescer acima da média dos últimos anos e de uma inflação controlada no centro da meta."
Além do SindusCon-SP, a iniciativa é liderada pela Abramat (da indústria de materiais de construção).
Ajuste no termômetro - JOSÉ PAULO KUPFER
O Estado de S.Paulo - 08/04
Será uma surpresa se o IPCA de março, previsto para ser divulgado depois de amanhã pelo IBGE, vier abaixo de 0,8%. Se der o esperado, uma variação da inflação ao consumidor que serve de baliza para o sistema de metas de inflação entre 0,8% e 0,9%, o acumulado em 12 meses chegará aos 6%.
Romper a barreira dos 6% é, no entanto, apenas um degrau na escalada da alta de preços que promete marcar a inflação em 2014. As projeções indicam que o teto da meta deverá ser ultrapassado em julho e por lá ficar até pelo menos setembro.
Mas não é só a alta de preços que está escalando. Em aparente contradição com teorias econômicas mais convencionais, a inflação não tem dado bola para outra escalada: a das taxas de juros. O Banco Central já promoveu nove altas sucessivas dos juros básicos, elevando a Selic em 3,5 pontos porcentuais desde abril de 2013, no mais prolongado ciclo de alta desde a introdução do regime de metas, em 1999.
Era inevitável, num quadro como esse, que o antigo debate sobre a eficácia da política monetária (política de juros) no combate à inflação ressuscitasse. Ao expor seus pontos de vista, defensores e críticos da aplicação de políticas exclusivas de alta dos juros para controlar alta de preços acabam acertando um outro alvo: as imperfeições do sistema de metas adotado no Brasil.
Os defensores de políticas monetárias mais puras encontram correlações negativas entre juros e inflação, ou seja, parecem seguros de que, em quaisquer circunstâncias, em algum momento depois da aplicação do remédio, taxas de juros mais altas levarão a taxas de inflação mais baixas. No fim da história, para eles, a culpa pela atual "ineficácia" da política monetária é do governo, que puxou, sem base nos fundamentos, a taxa de juros para baixo da taxa real de equilíbrio. Todo o esforço do último ano, de acordo com o argumento, serviu para trazer a taxa real de juros ao equilíbrio, mas, na situação atual, é preciso ir além da taxa neutra para derrubar a inflação.
É outro o entendimento dos críticos dessa visão. Para esses, o problema da aplicação da política de juros no controle da inflação residiria na escolha equivocada de um índice de preços ao consumidor cheio, caso do IPCA, como baliza do sistema de metas. O argumento desse grupo é o de que a eficácia de elevações de juros é baixa, nos casos de choques de oferta, repasse cambial, preços administrados e reajustes de preços por mecanismos de indexação. Quando se sabe que cerca de um quarto dos itens que compõem o IPCA tem preços administrados e quase um terço deles ainda mantém algum grau de indexação, vale a pena ir mais fundo nessa hipótese.
Com base na decomposição do IPCA, publicada pelo próprio BC, em quadros dos Relatórios de Inflação de março de 2013 e 2014, o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, montou uma planilha que permite comprovar o peso desses elementos na formação da inflação. Fica visível que o impacto inflacionário desses elementos menos afetados pela política de juros aumentou nos últimos três anos, em relação aos três anos anteriores.
Eles representaram um quarto do IPCA cheio, na média anual do período 2010-2013, enquanto não chegavam a um quinto, entre 2006 a 2009. Detalhe: o elemento "expectativa" manteve-se neutro entre 2006 e 2009, mas chegou perto de representar 10% da variação média anual, nos três últimos anos.
Com base nesses resultados, Borges pensa que poderia ser "interessante" se o BC adotasse, explicitamente, a partir de 2015, uma meta de inflação "ajustada", algo na linha do que foi feito em 2004, começando com 5,5%, em 2015, até alcançar os 4,5%, em 2016 ou 2017. Além de aliviar a política monetária, o BC, com recuperação da credibilidade, poderia coordenar as expectativas com mais eficiência.
Quem sabe não está chegando a hora de medir os custos e os benefícios de ajustar o termômetro.
Será uma surpresa se o IPCA de março, previsto para ser divulgado depois de amanhã pelo IBGE, vier abaixo de 0,8%. Se der o esperado, uma variação da inflação ao consumidor que serve de baliza para o sistema de metas de inflação entre 0,8% e 0,9%, o acumulado em 12 meses chegará aos 6%.
Romper a barreira dos 6% é, no entanto, apenas um degrau na escalada da alta de preços que promete marcar a inflação em 2014. As projeções indicam que o teto da meta deverá ser ultrapassado em julho e por lá ficar até pelo menos setembro.
Mas não é só a alta de preços que está escalando. Em aparente contradição com teorias econômicas mais convencionais, a inflação não tem dado bola para outra escalada: a das taxas de juros. O Banco Central já promoveu nove altas sucessivas dos juros básicos, elevando a Selic em 3,5 pontos porcentuais desde abril de 2013, no mais prolongado ciclo de alta desde a introdução do regime de metas, em 1999.
Era inevitável, num quadro como esse, que o antigo debate sobre a eficácia da política monetária (política de juros) no combate à inflação ressuscitasse. Ao expor seus pontos de vista, defensores e críticos da aplicação de políticas exclusivas de alta dos juros para controlar alta de preços acabam acertando um outro alvo: as imperfeições do sistema de metas adotado no Brasil.
Os defensores de políticas monetárias mais puras encontram correlações negativas entre juros e inflação, ou seja, parecem seguros de que, em quaisquer circunstâncias, em algum momento depois da aplicação do remédio, taxas de juros mais altas levarão a taxas de inflação mais baixas. No fim da história, para eles, a culpa pela atual "ineficácia" da política monetária é do governo, que puxou, sem base nos fundamentos, a taxa de juros para baixo da taxa real de equilíbrio. Todo o esforço do último ano, de acordo com o argumento, serviu para trazer a taxa real de juros ao equilíbrio, mas, na situação atual, é preciso ir além da taxa neutra para derrubar a inflação.
É outro o entendimento dos críticos dessa visão. Para esses, o problema da aplicação da política de juros no controle da inflação residiria na escolha equivocada de um índice de preços ao consumidor cheio, caso do IPCA, como baliza do sistema de metas. O argumento desse grupo é o de que a eficácia de elevações de juros é baixa, nos casos de choques de oferta, repasse cambial, preços administrados e reajustes de preços por mecanismos de indexação. Quando se sabe que cerca de um quarto dos itens que compõem o IPCA tem preços administrados e quase um terço deles ainda mantém algum grau de indexação, vale a pena ir mais fundo nessa hipótese.
Com base na decomposição do IPCA, publicada pelo próprio BC, em quadros dos Relatórios de Inflação de março de 2013 e 2014, o economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, montou uma planilha que permite comprovar o peso desses elementos na formação da inflação. Fica visível que o impacto inflacionário desses elementos menos afetados pela política de juros aumentou nos últimos três anos, em relação aos três anos anteriores.
Eles representaram um quarto do IPCA cheio, na média anual do período 2010-2013, enquanto não chegavam a um quinto, entre 2006 a 2009. Detalhe: o elemento "expectativa" manteve-se neutro entre 2006 e 2009, mas chegou perto de representar 10% da variação média anual, nos três últimos anos.
Com base nesses resultados, Borges pensa que poderia ser "interessante" se o BC adotasse, explicitamente, a partir de 2015, uma meta de inflação "ajustada", algo na linha do que foi feito em 2004, começando com 5,5%, em 2015, até alcançar os 4,5%, em 2016 ou 2017. Além de aliviar a política monetária, o BC, com recuperação da credibilidade, poderia coordenar as expectativas com mais eficiência.
Quem sabe não está chegando a hora de medir os custos e os benefícios de ajustar o termômetro.
Desequilíbrio industrial - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 08/04
O déficit do setor industrial brasileiro acumulado atingiu a incrível marca de US$ 476 bilhões desde 2007. É um buraco que se amplia a cada ano. As exportações de manufaturados estão estagnadas e houve um forte aumento das importações. Este ano, há um agravante a mais: a crise na Argentina produziu uma queda de 32% nas vendas externas de automóveis no primeiro trimestre.
O mais importante no comércio exterior não é olhar o resultado setorial, mas sim a corrente de comércio. Até porque nenhum país é bom em tudo e sempre haverá um setor com déficit. O problema é que o volume total de vendas e compras do Brasil está estagnado e o rombo da indústria tem crescido de forma alarmante. A dinâmica é tão forte que é inevitável ver os dados e pensar sobre eles.
Desde 2007, as importações estão maiores que as exportações. O que impressiona é a rapidez de crescimento desse rombo, que saiu de US$ 9,2 bi, em 2007, para US$ 103 bilhões em 2013. No primeiro tri deste ano, mais US$ 28 bi no vermelho. Somado, o déficit chega a US$ 476 bilhões.
— Esse é o tamanho da demanda que o país perdeu em poucos anos. Produtos que deixaram de ser feitos aqui para serem produzidos lá fora — disse o economista Flávio Castelo Branco, da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O governo atendeu a vários pedidos da indústria: aumentou barreiras comerciais, fez esforço para desvalorizar o câmbio, deu crédito subsidiado para estimular investimentos e as exportações. As medidas foram todas paliativas. O Custo Brasil pesa muito e tira competitividade do produto manufaturado. A infraestrutura é deficiente, a carga tributária é crescente, a inflação de custos aumenta e os juros encarecem os financiamentos.
Este ano, explica Flávio Castelo Branco, há ainda a conjuntura desfavorável. A crise cambial na Argentina está afetando as nossas exportações. E o Brasil precisa da Argentina: cerca de 75% dos automóveis exportados pelo Brasil vão para o país vizinho. A queda de 32% nas vendas externas de carros no primeiro trimestre, dado divulgado pela Anfavea na última sexta-feira, é preocupante. O presidente da entidade Luiz Moan, acredita que o pior momento já tenha passado porque a safra agrícola argentina começará a ser colhida e mais dólares entrarão no país.
— O governo brasileiro está conversando com o argentino para destravar o comércio. A exportação da safra agrícola vai amenizar um pouco o problema cambial — disse Moan.
É duvidoso que isso resolva o problema, porque o Banco Central brasileiro teria que ser o fiador desse comércio. Isso faria com que o BC corresse o risco cambial. O país vizinho está isolado da economia internacional e isso traz implicações também para o Brasil.
A queda das exportações e o desaquecimento das vendas internas elevaram os estoques de veículos para 48 dias em março. É o maior nível desde 2008. Castelo Branco afirma que o indicador de estoques da CNI, que apura toda a indústria, também está elevado. Ou seja, os dados industriais mais fortes em janeiro e fevereiro devem vir mais fracos a partir de março.
— O mês de março deve ser negativo para a indústria. Os estoques subiram e haverá também um efeito calendário. O carnaval este ano foi em março, e no ano passado foi em fevereiro. Então, em 2014, março será mais fraco — disse.
O problema ficou deste tamanho porque o país tem adiado o que deveria estar sendo enfrentado há vários anos: a perda da competitividade.
O déficit do setor industrial brasileiro acumulado atingiu a incrível marca de US$ 476 bilhões desde 2007. É um buraco que se amplia a cada ano. As exportações de manufaturados estão estagnadas e houve um forte aumento das importações. Este ano, há um agravante a mais: a crise na Argentina produziu uma queda de 32% nas vendas externas de automóveis no primeiro trimestre.
O mais importante no comércio exterior não é olhar o resultado setorial, mas sim a corrente de comércio. Até porque nenhum país é bom em tudo e sempre haverá um setor com déficit. O problema é que o volume total de vendas e compras do Brasil está estagnado e o rombo da indústria tem crescido de forma alarmante. A dinâmica é tão forte que é inevitável ver os dados e pensar sobre eles.
Desde 2007, as importações estão maiores que as exportações. O que impressiona é a rapidez de crescimento desse rombo, que saiu de US$ 9,2 bi, em 2007, para US$ 103 bilhões em 2013. No primeiro tri deste ano, mais US$ 28 bi no vermelho. Somado, o déficit chega a US$ 476 bilhões.
— Esse é o tamanho da demanda que o país perdeu em poucos anos. Produtos que deixaram de ser feitos aqui para serem produzidos lá fora — disse o economista Flávio Castelo Branco, da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O governo atendeu a vários pedidos da indústria: aumentou barreiras comerciais, fez esforço para desvalorizar o câmbio, deu crédito subsidiado para estimular investimentos e as exportações. As medidas foram todas paliativas. O Custo Brasil pesa muito e tira competitividade do produto manufaturado. A infraestrutura é deficiente, a carga tributária é crescente, a inflação de custos aumenta e os juros encarecem os financiamentos.
Este ano, explica Flávio Castelo Branco, há ainda a conjuntura desfavorável. A crise cambial na Argentina está afetando as nossas exportações. E o Brasil precisa da Argentina: cerca de 75% dos automóveis exportados pelo Brasil vão para o país vizinho. A queda de 32% nas vendas externas de carros no primeiro trimestre, dado divulgado pela Anfavea na última sexta-feira, é preocupante. O presidente da entidade Luiz Moan, acredita que o pior momento já tenha passado porque a safra agrícola argentina começará a ser colhida e mais dólares entrarão no país.
— O governo brasileiro está conversando com o argentino para destravar o comércio. A exportação da safra agrícola vai amenizar um pouco o problema cambial — disse Moan.
É duvidoso que isso resolva o problema, porque o Banco Central brasileiro teria que ser o fiador desse comércio. Isso faria com que o BC corresse o risco cambial. O país vizinho está isolado da economia internacional e isso traz implicações também para o Brasil.
A queda das exportações e o desaquecimento das vendas internas elevaram os estoques de veículos para 48 dias em março. É o maior nível desde 2008. Castelo Branco afirma que o indicador de estoques da CNI, que apura toda a indústria, também está elevado. Ou seja, os dados industriais mais fortes em janeiro e fevereiro devem vir mais fracos a partir de março.
— O mês de março deve ser negativo para a indústria. Os estoques subiram e haverá também um efeito calendário. O carnaval este ano foi em março, e no ano passado foi em fevereiro. Então, em 2014, março será mais fraco — disse.
O problema ficou deste tamanho porque o país tem adiado o que deveria estar sendo enfrentado há vários anos: a perda da competitividade.
Infraestrutura e comércio exterior - RUBENS BARBOSA
O Estado de S.Paulo - 08/04
A perda da competitividade da economia brasileira é um problema sistêmico e sua correção demandará um enorme esforço da parte do governo e do setor privado para recolocar o Brasil na rota do crescimento em níveis elevados e do aumento das exportações de produtos manufaturados. O comércio exterior é uma das áreas mais afetadas pelos altos custos e pelas ineficiências da economia.
O Brasil tem sérias deficiências na infraestrutura de distribuição de bens e serviços. A densidade das malhas rodoviárias e ferroviárias está bem abaixo da dos países desenvolvidos e até mesmo dos emergentes. Em avaliações qualitativas, o País apresenta os conceitos mais baixos, se comparado com outros grupos de países em matéria de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.
As despesas de transporte, manutenção da frota e armazenagem representam uma fração relevante dos custos das indústrias e dos exportadores. As limitações na infraestrutura logística, como a saturação da capacidade e a precária conservação de grande parte das rodovias e vias de transporte urbano, acarretam, no Brasil, custos bem superiores aos que são arcados por indústrias instaladas em países com melhor infraestrutura e distribuição. No estudo Carga Extra na Indústria Brasileira, realizado pelo Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), verificou-se que as deficiências de logística representam 1,8% do preço dos produtos industriais no Brasil.
Segundo o World Economic Forum, o Brasil está em 114.º lugar entre 148 países no quesito infraestrutura. O Banco Mundial, na semana passada, divulgou trabalho em que mostra que o País perdeu 20 postos no ranking mundial de logística, passando para 65.º lugar entre 160 países. Apenas 1,5% do PNB do brasileiro vai para investimento em infraestrutura de todas as fontes, pública e privada, enquanto a média global de longo termo é de 3,8%. O Instituto McKinsey Global estima que o valor total da infraestrutura no Brasil está em 16% do PIB, enquanto na Índia são 52% e a média dos países desenvolvidos está em 71%. Para que o Brasil possa chegar a esse nível terá de triplicar os gastos no setor nos próximos 20 anos.
Há consenso de que o governo só poderá superar a crise na infraestrutura com a participação do setor privado. Forte viés ideológico, contudo, dificulta o processo de privatização. Prevalece o sentimento antimercado causado pela interferência do governo, como ocorreu com a fixação da taxa de retorno nas concessões. O processo, sempre confuso, com sucessivas marchas e contramarchas nos editais de licitação, gera insegurança jurídica para os investidores. E as agências reguladoras, esvaziadas, não cumprem seu papel fiscalizador. Tudo isso provoca distorções, como vimos no leilão do Aeroporto do Galeão, que alcançou um preço maior do que a privatização do maior campo do pré-sal, com muito maior rendimento financeiro estimado.
O resultado - com grande prejuízo para o Tesouro e para o contribuinte - são obras, sobretudo nas ferrovias, inacabadas, mal executadas, impossíveis de ser utilizadas por falhas na execução, e custos muito acima do projetado.
Dos grandes projetos incluídos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), dois terços estão atrasados. A situação chegou a tal ponto que o governo anunciou ter decidido tocar obras mesmo sem um projeto básico ou ambiental e apelando ao Exército para executar e melhorar a gestão dos trabalhos.
Nas rodovias, após o recente fracasso dos leilões e depois de várias modificações, o governo admitiu conceder subsídios para atrair investidores e evitar o fiasco recente em que nenhuma empresa quis participar da licitação.
Nos portos, como apontou The Economist, nos anos recentes a autoridade reguladora suspendeu a concessão de licenças para os terminais privados, exceto para aqueles voltados principalmente para as cargas de seus proprietários. Por isso, durante a década em que o Brasil se tornou um dos maiores exportadores de commodities do mundo, os terminais graneleiros pouco se expandiram. O resultado são o congestionamento dos navios nos portos e a demora na carga e descarga.
Por ser um dos elementos negativos mais gritantes na formação do preço final dos bens exportados, é importante chamar a atenção para o fato de quanto o Brasil está deixando de ganhar em razão da inépcia, do desmando, da corrupção e da falta de gestão na infraestrutura de transporte.
Segundo trabalho do Banco Mundial, o Brasil poderia exportar cerca de 30% mais somente com a melhoria da logística de estradas, ferrovias, portos e aeroportos. Os custos dos transportes de bens primários e industriais nacionais para exportação são maiores do que as tarifas e o protecionismo.
A rentabilidade dos produtos de exportação está caindo de forma gradual e constante. Os produtos manufaturados foram os primeiros a perder mercado no exterior por causa da baixa competitividade, como ocorreu de forma significativa nos EUA e na América Latina, as duas únicas regiões que absorvem a maior parte de nossos produtos industrializados. Os produtos agrícolas, que vêm sustentando o comércio exterior brasileiro nos últimos anos, começam a sofrer pela deficiência logística. O déficit de armazéns está sendo contornado pelos caminhões, em filas quilométricas nas vias de acesso aos portos para descarregar. O que acendeu o sinal vermelho foi o fato de a China ter cancelado a compra de 2 milhões de toneladas de soja por atraso no carregamento dos navios.
As consequências da má gestão e da ineficiência podem ser medidas pelo resultado da balança comercial em 2013. O superávit de cerca de US$ 20 bilhões em 2012 evaporou-se, colocando mais pressão sobre o déficit nas transações correntes, que ficaram em 3,6% do PIB no final do ano.
A perda da competitividade da economia brasileira é um problema sistêmico e sua correção demandará um enorme esforço da parte do governo e do setor privado para recolocar o Brasil na rota do crescimento em níveis elevados e do aumento das exportações de produtos manufaturados. O comércio exterior é uma das áreas mais afetadas pelos altos custos e pelas ineficiências da economia.
O Brasil tem sérias deficiências na infraestrutura de distribuição de bens e serviços. A densidade das malhas rodoviárias e ferroviárias está bem abaixo da dos países desenvolvidos e até mesmo dos emergentes. Em avaliações qualitativas, o País apresenta os conceitos mais baixos, se comparado com outros grupos de países em matéria de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.
As despesas de transporte, manutenção da frota e armazenagem representam uma fração relevante dos custos das indústrias e dos exportadores. As limitações na infraestrutura logística, como a saturação da capacidade e a precária conservação de grande parte das rodovias e vias de transporte urbano, acarretam, no Brasil, custos bem superiores aos que são arcados por indústrias instaladas em países com melhor infraestrutura e distribuição. No estudo Carga Extra na Indústria Brasileira, realizado pelo Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), verificou-se que as deficiências de logística representam 1,8% do preço dos produtos industriais no Brasil.
Segundo o World Economic Forum, o Brasil está em 114.º lugar entre 148 países no quesito infraestrutura. O Banco Mundial, na semana passada, divulgou trabalho em que mostra que o País perdeu 20 postos no ranking mundial de logística, passando para 65.º lugar entre 160 países. Apenas 1,5% do PNB do brasileiro vai para investimento em infraestrutura de todas as fontes, pública e privada, enquanto a média global de longo termo é de 3,8%. O Instituto McKinsey Global estima que o valor total da infraestrutura no Brasil está em 16% do PIB, enquanto na Índia são 52% e a média dos países desenvolvidos está em 71%. Para que o Brasil possa chegar a esse nível terá de triplicar os gastos no setor nos próximos 20 anos.
Há consenso de que o governo só poderá superar a crise na infraestrutura com a participação do setor privado. Forte viés ideológico, contudo, dificulta o processo de privatização. Prevalece o sentimento antimercado causado pela interferência do governo, como ocorreu com a fixação da taxa de retorno nas concessões. O processo, sempre confuso, com sucessivas marchas e contramarchas nos editais de licitação, gera insegurança jurídica para os investidores. E as agências reguladoras, esvaziadas, não cumprem seu papel fiscalizador. Tudo isso provoca distorções, como vimos no leilão do Aeroporto do Galeão, que alcançou um preço maior do que a privatização do maior campo do pré-sal, com muito maior rendimento financeiro estimado.
O resultado - com grande prejuízo para o Tesouro e para o contribuinte - são obras, sobretudo nas ferrovias, inacabadas, mal executadas, impossíveis de ser utilizadas por falhas na execução, e custos muito acima do projetado.
Dos grandes projetos incluídos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), dois terços estão atrasados. A situação chegou a tal ponto que o governo anunciou ter decidido tocar obras mesmo sem um projeto básico ou ambiental e apelando ao Exército para executar e melhorar a gestão dos trabalhos.
Nas rodovias, após o recente fracasso dos leilões e depois de várias modificações, o governo admitiu conceder subsídios para atrair investidores e evitar o fiasco recente em que nenhuma empresa quis participar da licitação.
Nos portos, como apontou The Economist, nos anos recentes a autoridade reguladora suspendeu a concessão de licenças para os terminais privados, exceto para aqueles voltados principalmente para as cargas de seus proprietários. Por isso, durante a década em que o Brasil se tornou um dos maiores exportadores de commodities do mundo, os terminais graneleiros pouco se expandiram. O resultado são o congestionamento dos navios nos portos e a demora na carga e descarga.
Por ser um dos elementos negativos mais gritantes na formação do preço final dos bens exportados, é importante chamar a atenção para o fato de quanto o Brasil está deixando de ganhar em razão da inépcia, do desmando, da corrupção e da falta de gestão na infraestrutura de transporte.
Segundo trabalho do Banco Mundial, o Brasil poderia exportar cerca de 30% mais somente com a melhoria da logística de estradas, ferrovias, portos e aeroportos. Os custos dos transportes de bens primários e industriais nacionais para exportação são maiores do que as tarifas e o protecionismo.
A rentabilidade dos produtos de exportação está caindo de forma gradual e constante. Os produtos manufaturados foram os primeiros a perder mercado no exterior por causa da baixa competitividade, como ocorreu de forma significativa nos EUA e na América Latina, as duas únicas regiões que absorvem a maior parte de nossos produtos industrializados. Os produtos agrícolas, que vêm sustentando o comércio exterior brasileiro nos últimos anos, começam a sofrer pela deficiência logística. O déficit de armazéns está sendo contornado pelos caminhões, em filas quilométricas nas vias de acesso aos portos para descarregar. O que acendeu o sinal vermelho foi o fato de a China ter cancelado a compra de 2 milhões de toneladas de soja por atraso no carregamento dos navios.
As consequências da má gestão e da ineficiência podem ser medidas pelo resultado da balança comercial em 2013. O superávit de cerca de US$ 20 bilhões em 2012 evaporou-se, colocando mais pressão sobre o déficit nas transações correntes, que ficaram em 3,6% do PIB no final do ano.
Silêncio eloquente - JOSÉ CASADO
O GLOBO - 08/04
Sob Lula e Gabrielli, Petrobras fez negócios ruinosos e repassou mais de 75% do serviço de fiscalização dos seus contratos às próprias empresas contratadas
Lula emudeceu. Evita falar sobre os prejuízos e o tráfico de influência em alguns dos maiores negócios realizados pela Petrobras durante o seu governo.
Há inquéritos, prisões e debates no Congresso, mas o ex-presidente da República se mantém calado para o público sobre os bilionários “malfeitos” na sua administração.
Estranhável, porque se trata de um político habituado a sair da cama no meio da madrugada, andar até a cozinha e abrir a geladeira apenas para ter o prazer de fazer um breve e secreto “comício” — cena que ele mesmo já descreveu inúmeras vezes em praças públicas.
Esse silêncio, certamente, não é por recomendação médica: na sexta-feira Lula conversou por quase três horas com a presidente Dilma Rousseff, a sós, num hotel paulistano.
Ex-ministra de Minas e Energia, ex-chefe da Casa Civil e ex-presidente do Conselho de Administração da Petrobras, sob Lula, ela fez questão de escrever e divulgar no Palácio do Planalto seu testemunho sobre um dos negócios suspeitos da estatal — a aquisição de uma refinaria ferro-velho em Pasadena (Texas) ao custo de mais de US$ 1 bilhão, com base em documentos “técnica e juridicamente falhos”.
“Tiro no pé” foi o comentário mais frequente sobre o gesto de Dilma no plantel de porta-vozes de Lula. A nota foi interpretada como confirmação do “malfeito”. No Congresso houve quem fizesse leitura diferente: Dilma se preocupou em registrar publicamente os limites da sua atuação, estabelecidos nas ordens que possuía como ministra e representante de Lula no conselho da Petrobras.
A fronteira do seu poder estava bem delimitada. No Ministério de Minas e Energia, por exemplo, esboçou uma reforma na diretoria da Petrobras, com alavancagem de Maria das Graças Foster, a quem chama de “Graciosa”. Surpreendeu-se com a reação de José Dirceu, chefe da Casa Civil. Precisou esperar seis anos para conseguir nomeá-la comandante da empresa.
Lula foi o dono do tempo e da agenda de negócios da companhia, em transações com políticos aliados, em linha direta com José Sérgio Gabrielli, que fazia questão de exibir a estrela-símbolo do PT na lapela do paletó.
São do período Lula-Gabrielli iniciativas como a bilionária conta da compra e projetos de reforma da refinaria no Texas, a construção da refinaria em Pernambuco a custo dez vezes acima do orçamento inicial, e, ainda, a porteira aberta em áreas-chave às traficâncias dos associados na “maior base aliada do Ocidente”, conforme a modesta definição de Dirceu.
Foi nessa etapa que a Petrobras desidratou a auditoria interna e repassou mais de 75% do serviço de fiscalização dos seus contratos às próprias empresas contratadas, como registrou o Tribunal de Contas da União. Recebiam de um lado do balcão. E, do outro, forneciam até “as secretárias do gerente e do fiscal” — constatou o TCU em documento apresentado na Comissão Parlamentar de Inquérito que desvendou o mensalão.
O relatório final dessa CPI é instrutivo e está na rede do Senado, com seus três volumes e 1.800 páginas. A capa destaca um versículo bíblico (Mateus, 10:26): “Não tenhais medo dos homens, pois nada há de encoberto que não venha a ser revelado, e nada há de escondido que não venha a ser conhecido.”
Sob Lula e Gabrielli, Petrobras fez negócios ruinosos e repassou mais de 75% do serviço de fiscalização dos seus contratos às próprias empresas contratadas
Lula emudeceu. Evita falar sobre os prejuízos e o tráfico de influência em alguns dos maiores negócios realizados pela Petrobras durante o seu governo.
Há inquéritos, prisões e debates no Congresso, mas o ex-presidente da República se mantém calado para o público sobre os bilionários “malfeitos” na sua administração.
Estranhável, porque se trata de um político habituado a sair da cama no meio da madrugada, andar até a cozinha e abrir a geladeira apenas para ter o prazer de fazer um breve e secreto “comício” — cena que ele mesmo já descreveu inúmeras vezes em praças públicas.
Esse silêncio, certamente, não é por recomendação médica: na sexta-feira Lula conversou por quase três horas com a presidente Dilma Rousseff, a sós, num hotel paulistano.
Ex-ministra de Minas e Energia, ex-chefe da Casa Civil e ex-presidente do Conselho de Administração da Petrobras, sob Lula, ela fez questão de escrever e divulgar no Palácio do Planalto seu testemunho sobre um dos negócios suspeitos da estatal — a aquisição de uma refinaria ferro-velho em Pasadena (Texas) ao custo de mais de US$ 1 bilhão, com base em documentos “técnica e juridicamente falhos”.
“Tiro no pé” foi o comentário mais frequente sobre o gesto de Dilma no plantel de porta-vozes de Lula. A nota foi interpretada como confirmação do “malfeito”. No Congresso houve quem fizesse leitura diferente: Dilma se preocupou em registrar publicamente os limites da sua atuação, estabelecidos nas ordens que possuía como ministra e representante de Lula no conselho da Petrobras.
A fronteira do seu poder estava bem delimitada. No Ministério de Minas e Energia, por exemplo, esboçou uma reforma na diretoria da Petrobras, com alavancagem de Maria das Graças Foster, a quem chama de “Graciosa”. Surpreendeu-se com a reação de José Dirceu, chefe da Casa Civil. Precisou esperar seis anos para conseguir nomeá-la comandante da empresa.
Lula foi o dono do tempo e da agenda de negócios da companhia, em transações com políticos aliados, em linha direta com José Sérgio Gabrielli, que fazia questão de exibir a estrela-símbolo do PT na lapela do paletó.
São do período Lula-Gabrielli iniciativas como a bilionária conta da compra e projetos de reforma da refinaria no Texas, a construção da refinaria em Pernambuco a custo dez vezes acima do orçamento inicial, e, ainda, a porteira aberta em áreas-chave às traficâncias dos associados na “maior base aliada do Ocidente”, conforme a modesta definição de Dirceu.
Foi nessa etapa que a Petrobras desidratou a auditoria interna e repassou mais de 75% do serviço de fiscalização dos seus contratos às próprias empresas contratadas, como registrou o Tribunal de Contas da União. Recebiam de um lado do balcão. E, do outro, forneciam até “as secretárias do gerente e do fiscal” — constatou o TCU em documento apresentado na Comissão Parlamentar de Inquérito que desvendou o mensalão.
O relatório final dessa CPI é instrutivo e está na rede do Senado, com seus três volumes e 1.800 páginas. A capa destaca um versículo bíblico (Mateus, 10:26): “Não tenhais medo dos homens, pois nada há de encoberto que não venha a ser revelado, e nada há de escondido que não venha a ser conhecido.”
Falar é fácil - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 08/04
Vamos ser francos: em se tratando de projeto de poder do PT a presidente Dilma Rousseff não tem muito querer. Tal afirmação contraria opinião geral de que, se o ex-presidente Luiz Inácio da Silva resolvesse disputar uma volta ao cargo agora, teria nela o principal obstáculo, mas reflete uma realidade partidária.
Candidatos são escolhidos por partidos. No PT quem manda no movimento das marés é Lula. Dilma ali não tem voz ativa. Da mesma forma como foi imposta poderia, em tese, ser posta de lado caso viesse a representar uma ameaça concreta de retorno dos petistas à planície depois de 12 anos de Planalto.
A troca em si não seria complicada do ponto de vista da relação dos dois, deles com o partido e dos termos do contrato que fez de Dilma candidata em 2010. Lula fez, Lula desfaria e ela diria que já havia dado sua contribuição, precisaria cuidar da saúde e da família. Sairia como entrou, sem compromissos anteriores nem posteriores com a política.
Problemática, contudo, é a política, suas variáveis e variantes. Pela legislação, um partido pode trocar de candidato até 10 dias antes da eleição. Mas esse é só o tempo do calendário. O tempo político para a substituição, segundo gente experiente no ramo, seria mesmo o prazo da escolha em convenção. Vale dizer, final de junho.
Nesses menos de três meses seria necessário avaliar com precisão se a presidente Dilma estaria mesmo descartada como candidata competitiva - ou antes, se estaria previamente derrotada. Só nesse caso, se o PT estivesse mesmo diante da hipótese real de perder, é que valeria o risco de manobra tão radical.
Movimento arriscado, sim. A troca equivale a uma confissão de fracasso; fracasso pessoal de Lula, erro de pessoa cometido por ele. Outro fator: nada é garantido numa eleição. E se, numa hipótese remota, ele perder? E se ganhar e tiver, como previsto, um governo de dificuldades que não permitam chegar nem perto dos 80% de popularidade com que terminou o segundo mandato?
De outro lado: e se as coisas piorarem agora para o governo, mas mais à frente melhorarem, os candidatos de oposição não conseguirem decolar e Dilma ganhar sem a necessidade de "gastar" o trunfo Lula?
Convenhamos, não é uma decisão fácil. E uma operação de difícil execução.
Troca de guarda. Para os donos do dinheiro - sejam eles da área de finanças, da indústria, do comércio ou da agricultura - o nome do jogo eleitoral é "alternância".
Fonte de inspiração dos candidatos Aécio Neves e Eduardo Campos quando dizem frases como "já deu o que tinha que dar", ou sentido equivalente, referindo-se a gestões petistas em geral e ao governo Dilma em particular.
No osso. Foi-se o tempo em que o PT podia ignorar denúncias e ganhar tempo falando em conspirações dos opositores. Às vésperas do início efetivo da campanha eleitoral, acossado por uma série de notícias negativas originadas no próprio campo governista, o partido não tem mais gordura para queimar.
Daí a decisão, rápida para os padrões vigentes, do deputado André Vargas se licenciar da Câmara por 60 dias. Com Dilma em queda nas pesquisas, o governo fazendo de tudo e mais um pouco para evitar que se investigue a Petrobrás, a base dita aliada saboreando o prato frio da vingança, tudo o que o PT não precisa é de uma causa indefensável para defender.
Os diálogos gravados pela Polícia Federal em que Vargas e o doleiro Alberto Yousseff falam na construção de independência financeira mediante negócios com o governo deixam o petista numa situação muito parecida com a que levou à cassação do mandato do então senador Demóstenes Torres, devido às relações público-privadas com Carlos Cachoeira.
A ideia é que, com André Vargas fora de cena, as cobranças e o escândalo arrefeçam.
Vamos ser francos: em se tratando de projeto de poder do PT a presidente Dilma Rousseff não tem muito querer. Tal afirmação contraria opinião geral de que, se o ex-presidente Luiz Inácio da Silva resolvesse disputar uma volta ao cargo agora, teria nela o principal obstáculo, mas reflete uma realidade partidária.
Candidatos são escolhidos por partidos. No PT quem manda no movimento das marés é Lula. Dilma ali não tem voz ativa. Da mesma forma como foi imposta poderia, em tese, ser posta de lado caso viesse a representar uma ameaça concreta de retorno dos petistas à planície depois de 12 anos de Planalto.
A troca em si não seria complicada do ponto de vista da relação dos dois, deles com o partido e dos termos do contrato que fez de Dilma candidata em 2010. Lula fez, Lula desfaria e ela diria que já havia dado sua contribuição, precisaria cuidar da saúde e da família. Sairia como entrou, sem compromissos anteriores nem posteriores com a política.
Problemática, contudo, é a política, suas variáveis e variantes. Pela legislação, um partido pode trocar de candidato até 10 dias antes da eleição. Mas esse é só o tempo do calendário. O tempo político para a substituição, segundo gente experiente no ramo, seria mesmo o prazo da escolha em convenção. Vale dizer, final de junho.
Nesses menos de três meses seria necessário avaliar com precisão se a presidente Dilma estaria mesmo descartada como candidata competitiva - ou antes, se estaria previamente derrotada. Só nesse caso, se o PT estivesse mesmo diante da hipótese real de perder, é que valeria o risco de manobra tão radical.
Movimento arriscado, sim. A troca equivale a uma confissão de fracasso; fracasso pessoal de Lula, erro de pessoa cometido por ele. Outro fator: nada é garantido numa eleição. E se, numa hipótese remota, ele perder? E se ganhar e tiver, como previsto, um governo de dificuldades que não permitam chegar nem perto dos 80% de popularidade com que terminou o segundo mandato?
De outro lado: e se as coisas piorarem agora para o governo, mas mais à frente melhorarem, os candidatos de oposição não conseguirem decolar e Dilma ganhar sem a necessidade de "gastar" o trunfo Lula?
Convenhamos, não é uma decisão fácil. E uma operação de difícil execução.
Troca de guarda. Para os donos do dinheiro - sejam eles da área de finanças, da indústria, do comércio ou da agricultura - o nome do jogo eleitoral é "alternância".
Fonte de inspiração dos candidatos Aécio Neves e Eduardo Campos quando dizem frases como "já deu o que tinha que dar", ou sentido equivalente, referindo-se a gestões petistas em geral e ao governo Dilma em particular.
No osso. Foi-se o tempo em que o PT podia ignorar denúncias e ganhar tempo falando em conspirações dos opositores. Às vésperas do início efetivo da campanha eleitoral, acossado por uma série de notícias negativas originadas no próprio campo governista, o partido não tem mais gordura para queimar.
Daí a decisão, rápida para os padrões vigentes, do deputado André Vargas se licenciar da Câmara por 60 dias. Com Dilma em queda nas pesquisas, o governo fazendo de tudo e mais um pouco para evitar que se investigue a Petrobrás, a base dita aliada saboreando o prato frio da vingança, tudo o que o PT não precisa é de uma causa indefensável para defender.
Os diálogos gravados pela Polícia Federal em que Vargas e o doleiro Alberto Yousseff falam na construção de independência financeira mediante negócios com o governo deixam o petista numa situação muito parecida com a que levou à cassação do mandato do então senador Demóstenes Torres, devido às relações público-privadas com Carlos Cachoeira.
A ideia é que, com André Vargas fora de cena, as cobranças e o escândalo arrefeçam.
Bicheiros, doleiros e amigões - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 08/04
BRASÍLIA - O que André Vargas e Demóstenes Torres têm em comum?
Demóstenes, procurador que virou senador do DEM e arauto da moralidade no Congresso, era amigão do bicheiro Carlinhos Cachoeira, preso na Operação Monte Carlo da Polícia Federal. André Vargas, vice-presidente da Câmara que foi secretário de Comunicação do PT, é amigão do doleiro Alberto Youssef, preso pela Operação Lava Jato da mesma PF.
Demóstenes começou a cair por causa de um fogão e uma geladeira que ganhara de presente de casamento do amigão bicheiro. André Vargas, famoso depois de levantar o punho em desacato ao presidente do Supremo numa sessão na Câmara, caiu por pedir emprestado o avião do amigão doleiro para passear.
O fogão de Demóstenes esquentou e a geladeira não esfriou as apurações da PF e da imprensa sobre as relações perigosíssimas entre o senador e o bicheiro, que incluíam centenas de ligações telefônicas, um celular antigrampo e bons serviços prestados pelo político ao amigão no Executivo, no Judiciário e no Legislativo. Já o avião emprestado para Vargas pousou em mensagens, divulgadas pela revista "Veja", em que o deputado e seu amigão discutiam como tirar vantagem do Ministério da Saúde -logo da Saúde?!- e conquistar "independência financeira".
Demóstenes esperneou até virar pó na política. Vargas produziu cenas vexaminosas, subindo à tribuna para dizer que pedir avião emprestado (não se pede nem carro...) foi uma mera "imprudência". Ontem, ele pediu licença do mandato e da vice-presidência da Câmara, o que é um passo para a renúncia.
A desgraça de André Vargas poderá ou não respingar sobre as campanhas do PT no Paraná, mas certamente irá influenciar a eleição para a presidência da Câmara em 2015.
Sem o petista Vargas na disputa, o pemedebista Eduardo Cunha -espinho no sapato de Dilma- passa a liderar todas as apostas em Brasília.
O gesto e o fato - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 08/04
1- Depois de meses acompanhando o julgamento do mensalão, já é de conhecimento público que o crime de corrupção passiva, descrito no artigo 317 do Código Penal, é de mera conduta, sendo consumado com o simples ato de "aceitar promessa" de vantagem, sendo desnecessário o recebimento da propina
2- A série de telefonemas entre o deputado André Vargas e o doleiro está com a Polícia Federal e ele sabe que suas conversas, assim como as do ex-senador Demóstenes Torres com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, desnudam sua relação com o doleiro, que já está caracterizada pela PF como muito mais que uma simples amizade
3- O gesto "revolucionário" de erguer o punho em sinal de resistência pode ser repetido mais adiante no mesmo cenário que seus companheiros petistas o fizeram, na entrada do presídio da Papuda, em Brasília
Depois de meses acompanhando o julgamento do mensalão, já é de conhecimento público que o crime de corrupção passiva, descrito no artigo 317 do Código Penal, é de mera conduta, sendo consumado com o simples ato de aceitar promessa de vantagem, sendo desnecessário o recebimento da propina. Desse ponto de vista, basta o diálogo entre o agora deputado federal petista licenciado André Vargas e o doleiro Alberto Youssef para caracterizar a corrupção.
O doleiro garante que o negócio no Ministério da Saúde, para o qual pede o apoio do deputado, fará a independência financeira dos dois. E ainda termina a mensagem de texto com uma gargalhada digital (kkkkk). Vargas não apenas não rejeita a oferta como, em outra mensagem, garante que vai atuar para agilizar o processo no ministério a fim de ajudar o amigo de 20 anos .
O contrato da Labogen Química Fina e Biotecnologia, que segundo a Polícia Federal é um dos braços do esquema de lavagem de dinheiro do doleiro, com o Ministério da Saúde, no valor de R$ 150 milhões para o fornecimento do princípio ativo do Viagra, foi assinado pelo ministro Alexandre Padilha, outro cardeal do PT, hoje candidato ao governo de São Paulo.
Além disso, haveria um empréstimo do próprio ministério para a empresa de cerca de R$ 30 milhões, que acabou suspenso quando surgiu a investigação que colocou na cadeia os sócios do laboratório, que na verdade era uma empresa de fachada para remessa de dólares para o exterior e contratos fraudulentos como esse.
O ex-provável futuro presidente da Câmara André Vargas agora trata de tentar salvar a própria pele em vez de fazer planos grandiosos que não cabem em seu histórico. Ao pedir afastamento por 60 dias do mandato, ele joga com a possibilidade de esfriar o escândalo nesse período, mas dificilmente isso acontecerá.
A série de telefonemas entre ele e o doleiro está com a Polícia Federal e ele sabe que suas conversas, assim como as do ex-senador Demóstenes Torres com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, desnudam sua relação com o doleiro, que já está caracterizada pela Polícia Federal como muito mais que uma simples amizade.
Seu processo acaba de ser enviado para o Supremo tribunal Federal (STF) para que seja feita uma investigação que só essa instância da Justiça pode fazer com os que têm mandato parlamentar. O mesmo Supremo que Vargas tentou desmoralizar ao erguer os punhos cerrados ao lado do presidente Joaquim Barbosa.
O ex-secretário nacional de Comunicação do PT ainda caiu na besteira de enviar uma mensagem pelo celular dizendo que teve vontade de dar uma cotovelada em Barbosa, que estava a seu lado. Não é à toa que o deputado licenciado, prestes a perder o mandato, sempre esteve na linha de frente pelo controle social da mídia .
Todos os seus desvios éticos, desde a carona no jatinho do doleiro, os contratos nebulosos com o Ministério da Saúde que lhe dariam independência financeira , até a má educada mensagem sobre Joaquim Barbosa, foram revelados pela imprensa que ele sonha controlar um dia através de conselhos da sociedade .
Os partidos oposicionistas PSDB, DEM e PPS, por um lado, e o PSOL pelo outro, apresentaram nesta segunda-feira uma representação no Conselho de Ética da Câmara, e sua licença para cuidar de assuntos pessoais , como se seu trabalho de lobista de doleiro não fosse exatamente isso, não terá o condão de interromper as investigações.
Ele pode optar pela renúncia ao mandato para evitar a cassação e se candidatar novamente em outubro. Mas nada disso parará as investigações. O gesto revolucionário de erguer o punho em sinal de resistência pode ser repetido mais adiante no mesmo cenário que seus companheiros petistas o fizeram, na entrada do presídio da Papuda, em Brasília.
A incompetência - ARNALDO JABOR
O Estado de S.Paulo - 08/04
Nunca vi o Brasil tão esculhambado como hoje. Perdoem a palavra grosseira, mas não há outra para nos descrever. Já vi muito caos no País, desde o suicídio de Getúlio até o porre do Jânio Quadros largando o poder, vi a morte de Tancredo na hora de tomar posse, vi o País entregue ao Sarney, amante dos militares. Vi o fracasso do Plano Cruzado, vi o escândalo do governo Collor, como uma maquete suja de nossos erros tradicionais, já vi a inflação a 80% num só mês, vi coisas que sempre nos deram a sensação fatalista de que a vaca iria docemente para o brejo, de que o Brasil "sempre" seria um país do futuro. Eu já senti aquele vento mórbido do atraso, o miasma que nos acompanha desde a Colônia, mas nunca vi o país assim. Parece uma calamidade pública sem bombeiros, parece um terremoto ignorado. Por que será? É óbvio que não é apenas o maluco governo do PT, mas também as marolas que ele espalha, os nós frouxos de uma política inédita no País que nem atam nem desatam.
Agora, tudo vai muito além da tradicional incompetência que sempre tivemos: linear, a boa e velha incompetência pública de sempre. Dá até saudades. A incompetência de agora é ramificada, "risômica", em teia, destrutiva, uma constelação de erros óbvios que eu nunca tinha visto.
No dia a dia só vemos fracassos, obras que não terminam, maquiagem de números, roubalheiras infinitas e danosas, vemos o adiamento de tudo por causa das eleições. Tudo vai explodir em 2015, o ano da verdade feia de ver. O mal que essa gente faz ao País talvez demore muitos anos pra se reverter.
Mas, aqui, não quero falar da corrupção, burocracia, clientelismo e outras mazelas. Como é o "rationale" que usam para justificar o desmembramento do País que estão a executar?
Quais são as principais neuroses da velha cabeça da esquerda, suas doenças infantis, etc.?
Interessa ver o mapa do inconsciente petista. Interessa ver a incompetência dessa gente que conheço desde a adolescência, quando participava das infindáveis reuniões políticas para "mudar" o País - muito cigarro e a sensação de viver uma "missão profunda". As discussões sem-fim: "Questão de ordem, companheiro!", "o companheiro está numa posição revisionista" ou "a companheira está sendo sectária em não querer dar para mim".
Os fins eram magníficos, os diagnósticos tinham pontos corretos, mas, no fim das madrugadas, alguém perguntava: "O que fazer?" (como queria Lenin...).
Aí, todo mundo embatucava. Ninguém sabia nada. E tentavam agir, mas só apareciam erros desastrosos e a incapacidade de organização concreta; mas, tudo era desculpado pela arrogância de quem se achava na "linha justa". O povão era usado para a "boa" consciência, o povão era o salvo-conduto para a alma pacificada, sem culpas - o povão era nossa salvação.
Pensávamos: "Um dia eles serão 'homens totais', 'sujeitos da história', enquanto os mendigos vomitavam no meio-fio - os que a gente chamava com desprezo de "lumpens".
O ponto de partida da incompetência é se sentir competente. A incompetência atual é competente como nunca. O homem "bom" do partido não precisa estudar nem Marx nem nada, apenas derramar sua "missão" para o povo. Administrar é coisa de burguês, de capitalista. E dá trabalho, é chato pacas examinar estatística, analisar contratos da PTbrás, tarefas menores, indignas de líderes da utopia.
Para eles, o Estado é o pai de tudo. Logo, o dinheiro público é deles, a empresa pública é deles, roubar é "desapropriar" a grana da burguesia.
Os petistas se sentem "bons". Eles são o 'Bem' e o resto é ou massa de manobra, a massa atrasada, ou "elementos neoliberais da direita". Ser o Bem te absolve; é irresistível entrar para um partido assim. É prato feito para os narcisistas da pesada ou psicopatas - nada melhor do que um partido do "bem" para a arrogância descarada e legitimação de qualquer roubo e a mentira.
Outra doença infantil (ou senil) é a permanência de (não riam...) de Hegel nas mentes da "esquerda". O filósofo que formou Marx continua nos corações petistas. Por esse pensamento, qualquer erro é justificável por ser uma "contradição negativa", ou seja, qualquer cagada (perdão...) é o passo inicial para um acerto que virá, um dia.
Como escreveu o filósofo Carlos Roberto Cirne Lima em Depois de Hegel, de 2006, Hegel tem a tendência muito forte de dizer que tudo que "é", a rigor, tinha que ser. Hegel diz que para entender a história é preciso afastar a contingência. Hegel vai provocar o grande erro de Marx de que a história é inexorável e que, portanto, a revolução comunista é um momento da história, que necessariamente vai acontecer. Esse é o primeiro grande erro de Hegel. E Cirne Lima reclama: "Nenhum lógico lê nosso trabalho porque ele trata de Hegel, e nenhum hegeliano o lê porque é lógica".
Assim, se organiza a burrice, a estupidez (notem que falo do "id" petista), a negação de qualquer facticidade, a adoção só de ideias gerais, dedutivas, o desejo de fazer o mundo caber num ideário superado ('aufheben'). Daí a desconfiança no mercado, nos empreendedores, contra todos que trabalham indutivamente, com o mistério das coisas singulares no centro da sociedade civil que eles veem como uma anomalia atrapalhando o Estado. Os esquerdistas se sentem parte de uma dinastia desde Stalin - as palavras e conceitos ainda são usados. E, como no tempo do Grande Irmão, há o desejo de apagamento do sujeito ou seja, nem a morte tem importância para sujeitos que viram objetos. Vide Coreia. Até o assassinato pode ser absolvido como uma necessidade histórica.
Um dia, um companheiro (que morreu há pouco...) me disse: "Não tema a morte. Marx disse que somos seres sociais. O indivíduo é uma ilusão. Para o comunista, a morte não existe". E eu sonhei com a vida eterna.
Essas são algumas das doenças mentais que estão levando o Brasil para um pântano institucional. Temos que nos salvar desse determinismo suicida.
Se houver a vitória de Dilma ou a volta de Lula estaremos, como diria Hegel, fo&#dos - numa 'contradição negativa' que vai durar décadas para ser "superada".
Nunca vi o Brasil tão esculhambado como hoje. Perdoem a palavra grosseira, mas não há outra para nos descrever. Já vi muito caos no País, desde o suicídio de Getúlio até o porre do Jânio Quadros largando o poder, vi a morte de Tancredo na hora de tomar posse, vi o País entregue ao Sarney, amante dos militares. Vi o fracasso do Plano Cruzado, vi o escândalo do governo Collor, como uma maquete suja de nossos erros tradicionais, já vi a inflação a 80% num só mês, vi coisas que sempre nos deram a sensação fatalista de que a vaca iria docemente para o brejo, de que o Brasil "sempre" seria um país do futuro. Eu já senti aquele vento mórbido do atraso, o miasma que nos acompanha desde a Colônia, mas nunca vi o país assim. Parece uma calamidade pública sem bombeiros, parece um terremoto ignorado. Por que será? É óbvio que não é apenas o maluco governo do PT, mas também as marolas que ele espalha, os nós frouxos de uma política inédita no País que nem atam nem desatam.
Agora, tudo vai muito além da tradicional incompetência que sempre tivemos: linear, a boa e velha incompetência pública de sempre. Dá até saudades. A incompetência de agora é ramificada, "risômica", em teia, destrutiva, uma constelação de erros óbvios que eu nunca tinha visto.
No dia a dia só vemos fracassos, obras que não terminam, maquiagem de números, roubalheiras infinitas e danosas, vemos o adiamento de tudo por causa das eleições. Tudo vai explodir em 2015, o ano da verdade feia de ver. O mal que essa gente faz ao País talvez demore muitos anos pra se reverter.
Mas, aqui, não quero falar da corrupção, burocracia, clientelismo e outras mazelas. Como é o "rationale" que usam para justificar o desmembramento do País que estão a executar?
Quais são as principais neuroses da velha cabeça da esquerda, suas doenças infantis, etc.?
Interessa ver o mapa do inconsciente petista. Interessa ver a incompetência dessa gente que conheço desde a adolescência, quando participava das infindáveis reuniões políticas para "mudar" o País - muito cigarro e a sensação de viver uma "missão profunda". As discussões sem-fim: "Questão de ordem, companheiro!", "o companheiro está numa posição revisionista" ou "a companheira está sendo sectária em não querer dar para mim".
Os fins eram magníficos, os diagnósticos tinham pontos corretos, mas, no fim das madrugadas, alguém perguntava: "O que fazer?" (como queria Lenin...).
Aí, todo mundo embatucava. Ninguém sabia nada. E tentavam agir, mas só apareciam erros desastrosos e a incapacidade de organização concreta; mas, tudo era desculpado pela arrogância de quem se achava na "linha justa". O povão era usado para a "boa" consciência, o povão era o salvo-conduto para a alma pacificada, sem culpas - o povão era nossa salvação.
Pensávamos: "Um dia eles serão 'homens totais', 'sujeitos da história', enquanto os mendigos vomitavam no meio-fio - os que a gente chamava com desprezo de "lumpens".
O ponto de partida da incompetência é se sentir competente. A incompetência atual é competente como nunca. O homem "bom" do partido não precisa estudar nem Marx nem nada, apenas derramar sua "missão" para o povo. Administrar é coisa de burguês, de capitalista. E dá trabalho, é chato pacas examinar estatística, analisar contratos da PTbrás, tarefas menores, indignas de líderes da utopia.
Para eles, o Estado é o pai de tudo. Logo, o dinheiro público é deles, a empresa pública é deles, roubar é "desapropriar" a grana da burguesia.
Os petistas se sentem "bons". Eles são o 'Bem' e o resto é ou massa de manobra, a massa atrasada, ou "elementos neoliberais da direita". Ser o Bem te absolve; é irresistível entrar para um partido assim. É prato feito para os narcisistas da pesada ou psicopatas - nada melhor do que um partido do "bem" para a arrogância descarada e legitimação de qualquer roubo e a mentira.
Outra doença infantil (ou senil) é a permanência de (não riam...) de Hegel nas mentes da "esquerda". O filósofo que formou Marx continua nos corações petistas. Por esse pensamento, qualquer erro é justificável por ser uma "contradição negativa", ou seja, qualquer cagada (perdão...) é o passo inicial para um acerto que virá, um dia.
Como escreveu o filósofo Carlos Roberto Cirne Lima em Depois de Hegel, de 2006, Hegel tem a tendência muito forte de dizer que tudo que "é", a rigor, tinha que ser. Hegel diz que para entender a história é preciso afastar a contingência. Hegel vai provocar o grande erro de Marx de que a história é inexorável e que, portanto, a revolução comunista é um momento da história, que necessariamente vai acontecer. Esse é o primeiro grande erro de Hegel. E Cirne Lima reclama: "Nenhum lógico lê nosso trabalho porque ele trata de Hegel, e nenhum hegeliano o lê porque é lógica".
Assim, se organiza a burrice, a estupidez (notem que falo do "id" petista), a negação de qualquer facticidade, a adoção só de ideias gerais, dedutivas, o desejo de fazer o mundo caber num ideário superado ('aufheben'). Daí a desconfiança no mercado, nos empreendedores, contra todos que trabalham indutivamente, com o mistério das coisas singulares no centro da sociedade civil que eles veem como uma anomalia atrapalhando o Estado. Os esquerdistas se sentem parte de uma dinastia desde Stalin - as palavras e conceitos ainda são usados. E, como no tempo do Grande Irmão, há o desejo de apagamento do sujeito ou seja, nem a morte tem importância para sujeitos que viram objetos. Vide Coreia. Até o assassinato pode ser absolvido como uma necessidade histórica.
Um dia, um companheiro (que morreu há pouco...) me disse: "Não tema a morte. Marx disse que somos seres sociais. O indivíduo é uma ilusão. Para o comunista, a morte não existe". E eu sonhei com a vida eterna.
Essas são algumas das doenças mentais que estão levando o Brasil para um pântano institucional. Temos que nos salvar desse determinismo suicida.
Se houver a vitória de Dilma ou a volta de Lula estaremos, como diria Hegel, fo&#dos - numa 'contradição negativa' que vai durar décadas para ser "superada".
CPI e sangue - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE Sp - 08/04
SÃO PAULO - Uma CPI da Petrobras seria bem-vinda? Penso que sim, mas é preciso desenvolver um pouco melhor essa resposta. Via de regra, governantes têm horror a comissões de inquérito, enquanto a oposição faz o que pode para instalá-las. Ambos têm lá suas razões.
Na visão dos governistas, CPIs geram mais calor que luz. Senadores e deputados, com raras exceções, não sabem investigar. Além disso, ao contrário do policial ou do promotor, que, ao menos no papel têm como objetivo elucidar os casos, parlamentares estão mais interessados em tirar dividendos políticos. Não hesitam muito em fazer sensacionalismo com detalhes intricados. Não é desprovida de sentido, assim, a afirmação de que CPIs podem conturbar o dia a dia do país sem contribuir muito para esclarecer casos obscuros ou melhorar as instituições.
Já a oposição costuma dizer, com amparo nas melhores tradições democráticas, que uma das funções do Parlamento é investigar atos do Executivo. Fazê-lo não só constitui tarefa inescapável como é o instante em que quem está fora do governo dá sua contribuição, mostrando erros e apontando caminhos alternativos.
Só compro as duas narrativas até certo ponto e acrescento que, nos últimos anos, parlamentares desenvolveram o péssimo hábito de fazer o que eu chamaria de CPIs com "hedge". Quando a situação percebe que a comissão é inevitável, amplia o campo de investigações, de modo a abarcar também uma área sensível para a oposição e, assim, neutralizar o potencial de estragos.
Mesmo com todos esses poréns, acho preferível pôr as CPIs para funcionar (e isso vale não só no plano federal como também no de Estados e municípios) a sepultá-las. Há sempre a chance de um zagueiro falhar e nós acabarmos descobrindo algo interessante. Talvez seja um traço de crueldade de minha personalidade, mas adoro ver as entranhas do poder expostas, de preferência sangrando.
Educar para a verdade, não para a ideologia de gênero - PAULO VASCONCELOS JACOBINA
GAZETA DO POVO - PR - 08/04
O Brasil vem constantemente amargando os piores lugares em competições internacionais de Ciências e Matemática, muito abaixo das posições alcançadas por países que têm desempenho econômico e carga tributária muito menor que a nossa. O fato de não estar entre os primeiros lugares em tais competições causa crises em países desenvolvidos. Por aqui, nem é notícia.
Isso demonstra que o foco principal da nossa educação não está na técnica, na formação científica e profissional. Isto seria justificável se pudéssemos dizer que a nossa educação não se propõe a formar operários e trabalhadores, mas a desenvolver virtudes sociais e pessoais, de modo a construir um povo mais consciente e fraterno.
Mas tampouco é assim: recentemente o site da Fifa publicou recomendações para os estrangeiros na Copa do Mundo, como “para os brasileiros, o ‘sim’ nem sempre é sim’”, ou ainda “pontualidade não é um traço cultural no Brasil”; que não há respeito aos pedestres, que o tamanho do
veículo define a preferência no trânsito e de que os beijos e a apalpação são costume social. A Fifa fez também um apelo à paciência dos estrangeiros diante do hábito brasileiro de deixar tudo para a última hora com uma frase de apelo lascivo: nas dificuldades, “relaxe e goze”. A página foi retirada do ar, por protestos de brasileiros. Ela repete um caso anterior, de venda de camisetas para estrangeiros sobre a Copa, com um coração verde e amarelo em forma de nádegas e frases como “looking to score in Brazil” (um trocadilho associando o esporte com o sexo).
Estes são os destaques sobre nosso povo em sites internacionais. Definitivamente, não acreditamos na possibilidade da educação da libido ou mesmo da convivência. Aliás, nossas escolas estão caindo aos pedaços. Há recursos, porém, para “kits gays” e camisinhas para os estudantes. A atual polêmica versa sobre a introdução da ideologia de gênero no projeto educacional estatal para nossos jovens: o projeto de educar para a sexualidade indiscriminada. Não educamos cientistas e trabalhadores, “lacaios do capitalismo”. Não educamos cidadãos responsáveis, para não sermos “opressores”, como denunciam pensadores da moda, como Foucault, Freud e Lacan. Nada de ciência. Nada de cidadania. Nada de recuperar prédios escolares. Só há recursos e olhos para uma educação de “vanguarda” sexual.
A polêmica está na proposta de proibir, no Plano Nacional de Educação, a discriminação em razão da “orientação sexual”. Em nome do respeito a uma suposta “diversidade sexual”, os pais e os educadores serão impedidos de discernir entre condutas responsáveis nas atividades sexuais, como a continência, a fidelidade e a responsabilidade com a prole, e condutas irresponsáveis, por exemplo, as que envolvem a promiscuidade e a satisfação egoísta. A discussão mais forte no Plano Nacional de Educação é uma proposta que declara ilícita a possibilidade de discernir sobre valores e desvalores na sexualidade.
Uma professora da “liberdade” sexual declarou que educar sobre a violência não torna ninguém violento, e que educar sobre sexo não torna ninguém devasso. De fato, educar “sobre” a violência constrói bons cidadãos, mas educar “para” a violência gera soldados do crime. Isto se aplica à ideologia de gênero no Plano Nacional de Educação.
O Brasil vem constantemente amargando os piores lugares em competições internacionais de Ciências e Matemática, muito abaixo das posições alcançadas por países que têm desempenho econômico e carga tributária muito menor que a nossa. O fato de não estar entre os primeiros lugares em tais competições causa crises em países desenvolvidos. Por aqui, nem é notícia.
Isso demonstra que o foco principal da nossa educação não está na técnica, na formação científica e profissional. Isto seria justificável se pudéssemos dizer que a nossa educação não se propõe a formar operários e trabalhadores, mas a desenvolver virtudes sociais e pessoais, de modo a construir um povo mais consciente e fraterno.
Mas tampouco é assim: recentemente o site da Fifa publicou recomendações para os estrangeiros na Copa do Mundo, como “para os brasileiros, o ‘sim’ nem sempre é sim’”, ou ainda “pontualidade não é um traço cultural no Brasil”; que não há respeito aos pedestres, que o tamanho do
veículo define a preferência no trânsito e de que os beijos e a apalpação são costume social. A Fifa fez também um apelo à paciência dos estrangeiros diante do hábito brasileiro de deixar tudo para a última hora com uma frase de apelo lascivo: nas dificuldades, “relaxe e goze”. A página foi retirada do ar, por protestos de brasileiros. Ela repete um caso anterior, de venda de camisetas para estrangeiros sobre a Copa, com um coração verde e amarelo em forma de nádegas e frases como “looking to score in Brazil” (um trocadilho associando o esporte com o sexo).
Estes são os destaques sobre nosso povo em sites internacionais. Definitivamente, não acreditamos na possibilidade da educação da libido ou mesmo da convivência. Aliás, nossas escolas estão caindo aos pedaços. Há recursos, porém, para “kits gays” e camisinhas para os estudantes. A atual polêmica versa sobre a introdução da ideologia de gênero no projeto educacional estatal para nossos jovens: o projeto de educar para a sexualidade indiscriminada. Não educamos cientistas e trabalhadores, “lacaios do capitalismo”. Não educamos cidadãos responsáveis, para não sermos “opressores”, como denunciam pensadores da moda, como Foucault, Freud e Lacan. Nada de ciência. Nada de cidadania. Nada de recuperar prédios escolares. Só há recursos e olhos para uma educação de “vanguarda” sexual.
A polêmica está na proposta de proibir, no Plano Nacional de Educação, a discriminação em razão da “orientação sexual”. Em nome do respeito a uma suposta “diversidade sexual”, os pais e os educadores serão impedidos de discernir entre condutas responsáveis nas atividades sexuais, como a continência, a fidelidade e a responsabilidade com a prole, e condutas irresponsáveis, por exemplo, as que envolvem a promiscuidade e a satisfação egoísta. A discussão mais forte no Plano Nacional de Educação é uma proposta que declara ilícita a possibilidade de discernir sobre valores e desvalores na sexualidade.
Uma professora da “liberdade” sexual declarou que educar sobre a violência não torna ninguém violento, e que educar sobre sexo não torna ninguém devasso. De fato, educar “sobre” a violência constrói bons cidadãos, mas educar “para” a violência gera soldados do crime. Isto se aplica à ideologia de gênero no Plano Nacional de Educação.
Sangria petista - CARLOS ALEXANDRE
CORREIO BRAZILIENSE - 08/04
O deputado petista André Vargas pediu licença do mandato por 60 dias para elaborar uma defesa plausível de que os negócios públicos e privados com o doleiro Alberto Youssef, preso em março por suspeita de envolvimento em um megaesquema de lavagem de R$ 10 bilhões, obedecem a uma ética republicana. Na semana passada, o parlamentar admitiu em plenário que a carona no jatinho de Youssef foi uma imprudência e afirmou desconhecer as atividades obscuras do "empresário" e amigo de longa data. Não bastou.
Mensagens eletrônicas e conversas entre Vargas e Youssef, reveladas no último fim de semana, esmiúçam a parceria da dupla em empreitada milionária, com o intuito de forjar um contrato fraudulento no Ministério da Saúde. "Acredite em mim. Você vai ver o quanto isso vai valer. Tua independência financeira e nossa também, é claro.", assegura Youssef ao parlamentar, conforme trecho publicado pela Revista Veja. Mais uma vez, o Legislativo vai examinar a situação de um integrante - diga-se, o vice-presidente da Câmara dos Deputados - acusado de praticar malfeitos em benefício próprio, ao arrepio do interesse público. Estaria Vargas a caminho do cadafalso?
Por uma questão de lógica, sim. Em primeiro lugar, porque o ex-senador democrata Demóstenes Torres perdeu o mandato e o título de arauto da moralidade após se desmoralizar ante a indecorosa e insustentável relação com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Em segundo lugar, ano eleitoral é sempre um período propício para o governo, dono de maioria no Congresso, reforçar a imagem no eleitorado de que não compactua com a corrupção em sua bancada. E, por último, a cassação do mandato de Vargas seria uma prestação de contas do PT após o recente epílogo do julgamento do mensalão, ainda com as cinzas em brasa em alguns círculos da legenda partidária.
Do ponto de vista do governo, o episódio Vargas constitui uma sangria que é preciso estancar rapidamente. A dor de cabeça provocada pelo deputado amigo de doleiro incomoda, mas significa bobagem se comparada à perspectiva de uma CPI para apurar indícios de corrupção e de desmandos na Petrobras. Somada aos problemas políticos, a conjuntura econômica desfavorável completa o cenário complicado para o PT, a seis meses da eleição.
Mensagens eletrônicas e conversas entre Vargas e Youssef, reveladas no último fim de semana, esmiúçam a parceria da dupla em empreitada milionária, com o intuito de forjar um contrato fraudulento no Ministério da Saúde. "Acredite em mim. Você vai ver o quanto isso vai valer. Tua independência financeira e nossa também, é claro.", assegura Youssef ao parlamentar, conforme trecho publicado pela Revista Veja. Mais uma vez, o Legislativo vai examinar a situação de um integrante - diga-se, o vice-presidente da Câmara dos Deputados - acusado de praticar malfeitos em benefício próprio, ao arrepio do interesse público. Estaria Vargas a caminho do cadafalso?
Por uma questão de lógica, sim. Em primeiro lugar, porque o ex-senador democrata Demóstenes Torres perdeu o mandato e o título de arauto da moralidade após se desmoralizar ante a indecorosa e insustentável relação com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Em segundo lugar, ano eleitoral é sempre um período propício para o governo, dono de maioria no Congresso, reforçar a imagem no eleitorado de que não compactua com a corrupção em sua bancada. E, por último, a cassação do mandato de Vargas seria uma prestação de contas do PT após o recente epílogo do julgamento do mensalão, ainda com as cinzas em brasa em alguns círculos da legenda partidária.
Do ponto de vista do governo, o episódio Vargas constitui uma sangria que é preciso estancar rapidamente. A dor de cabeça provocada pelo deputado amigo de doleiro incomoda, mas significa bobagem se comparada à perspectiva de uma CPI para apurar indícios de corrupção e de desmandos na Petrobras. Somada aos problemas políticos, a conjuntura econômica desfavorável completa o cenário complicado para o PT, a seis meses da eleição.
Os gigolôs da memória - MARCO ANTONIO VILLA
O GLOBO - 08/04
Não é possível ignorar o caos instalado no país em março de 1964
A lembrança dos 50 anos da queda de João Goulart ocupou amplo espaço na imprensa. Nenhum outro acontecimento da história do Brasil foi tão debatido meio século depois do ocorrido. Para um otimista, isto poderia representar um bom sinal. Afinal, o nosso país tem uma estranha característica de esquecer o que ocorreu ontem. Porém, a reflexão e o debate sobre 1964 e o regime militar acabaram sendo dominados justamente por aqueles que conduziram o país à crise da república populista e que negaram os valores democráticos nos anos 1960-1970.
A tendência à hagiografia mais uma vez esteve presente. João Goulart foi transformado em um presidente reformista, defensor dos valores democráticos e administrador capaz. Curiosamente, quando esta narrativa é cotejada com relatos de assessores, como o ministro Celso Furtado, ou de um amigo, como o jornalista Samuel Wainer, cai por terra. Furtado, em entrevista à revista “Playboy” (abril, 1999) disse que Jango “era um primitivo, um pobre de caráter”. Wainer relatou que “uma vez por mês, ou a cada dois meses, eu visitava os empreiteiros e recolhia suas doações, juntando montes de cédulas que encaminhava às mãos de João Goulart. (…) Eu poderia ter ficado multimilionário entre 1962 e 1964. Não fiquei.” (“Minha razão de viver”, p. 238).
Não é possível ignorar o caos instalado no país em março de 1964. A quebra da hierarquia militar incentivada pelo presidente da República é sabidamente conhecida. A gravidade da crise econômica e a inépcia governamental em encontrar um caminho que retomasse o crescimento eram mais que evidentes. O desinteresse de Jango de buscar uma solução negociada para o impasse não pode ser contestado: é fato. O apego às vazias palavras de ordem como um meio de ocultar a incompetência político-administrativa era conhecido. Conta o senador Amaral Peixoto, presidente do Partido Social Democrático, que em conversa com Doutel de Andrade, um janguista de carteirinha, este, quando perguntado sobre o projeto de reforma agrária, riu e respondeu: “Mas o senhor acredita na reforma agrária do Jango? No dia em que ele fizer a reforma agrária, o que vai fazer depois?” (“Artes da política”, p.455)
Também causa estranheza a mea culpa de alguns órgãos de imprensa sobre a posição tomada em 1964. A queda de Jango deve ser entendida como mais um momento na história de um país com tradição (infeliz) de intervenções militares para solucionar crises políticas. Nos 40 anos anteriores, o Brasil tinha passado por diversas movimentações e golpes civis-militares. Basta recordar 1922, 1924, Coluna Prestes, 1930, 1932, 1935, 1937, 1938, 1945, 1954, 1955 — tivemos três presidentes da República e dois golpes no mês de novembro – e 1961.
Jogar a cartada militar fazia parte da política. E nunca tinha ocorrido uma intervenção militar de longa duração. Esperava-se um governo de transição que garantisse as eleições de 3 de outubro de 1965 e a posse do eleito em 31 de janeiro de 1966. Esta leitura foi feita por JK — e também por Carlos Lacerda. Os dois principais antagonistas da eleição que não houve imaginavam que Castello Branco cumpriria o compromisso assumido quando de sua posse: terminar o mandato presidencial iniciado a 31 de janeiro de 1961.
JK imaginou que Castello Branco era o marechal Lott e que 1964 era a repetição — um pouco mais agudizada — da crise de 1955. Errou feio. Mas não foi o único. Daí a necessidade de separar 1964 do restante do regime militar. Muitos que foram favoráveis à substituição de Jango logo se afastaram quando ficou patente a violação do acordado com a cúpula militar. Associar o apoio ao que se imaginava como um breve interregno militar com os desmandos do regime que durou duas décadas é pura hipocrisia.
Ainda no terreno das falácias, a rememoração da luta armada como instrumento de combate e vitória contra o regime foi patética. Nada mais falso. Nenhum daqueles grupos — alguns com duas dúzias de militantes — defendeu em momento algum o regime democrático. Todos — sem exceção — eram adeptos da ditadura do proletariado. A única divergência é se o Brasil seguiria o modelo cubano ou chinês. Não há qualquer referência às liberdades democráticas — isto, evidentemente, não justifica o terrorismo de Estado.
A ação destes grupos os aproximaram dos militares. Ambos entendiam a política como guerra — portanto, não era política. O convencimento, o respeito à diversidade, a alternância no governo eram considerados meras bijuterias. O poder era produto do fuzil e não das urnas. O que valia era a ação, a força, a violência, e não o discurso, o debate. Garrastazu Médici era, politicamente falando, irmão xifópago de Carlos Marighella. Os extremos tinham o mesmo desprezo pelo voto popular. Quando ouviam falar em democracia, tinham vontade de sacar os revólveres ou acionar os aparelhos de tortura.
Em mais de um mês não li ou ouvi qualquer pedido de desculpas públicas por parte de ex-militantes da luta armada. Pelo contrário, se autoproclamaram os responsáveis pelo fim do regime militar. Ou seja, foram derrotados e acabaram vencedores. Os policiais da verdade querem a todo custo apagar o papel heroico da resistência democrática. Ignoraram os valorosos parlamentares do MDB. Alguém falou em Lysâneas Maciel? Foi ao menos citado o senador Paulo Brossard? E a Igreja Católica? E os intelectuais, jornalistas e artistas? E o movimento estudantil? E os sindicatos?
Em um país com uma terrível herança autoritária, perdemos mais uma vez a oportunidade de discutir a importância dos valores democráticos.
Não é possível ignorar o caos instalado no país em março de 1964
A lembrança dos 50 anos da queda de João Goulart ocupou amplo espaço na imprensa. Nenhum outro acontecimento da história do Brasil foi tão debatido meio século depois do ocorrido. Para um otimista, isto poderia representar um bom sinal. Afinal, o nosso país tem uma estranha característica de esquecer o que ocorreu ontem. Porém, a reflexão e o debate sobre 1964 e o regime militar acabaram sendo dominados justamente por aqueles que conduziram o país à crise da república populista e que negaram os valores democráticos nos anos 1960-1970.
A tendência à hagiografia mais uma vez esteve presente. João Goulart foi transformado em um presidente reformista, defensor dos valores democráticos e administrador capaz. Curiosamente, quando esta narrativa é cotejada com relatos de assessores, como o ministro Celso Furtado, ou de um amigo, como o jornalista Samuel Wainer, cai por terra. Furtado, em entrevista à revista “Playboy” (abril, 1999) disse que Jango “era um primitivo, um pobre de caráter”. Wainer relatou que “uma vez por mês, ou a cada dois meses, eu visitava os empreiteiros e recolhia suas doações, juntando montes de cédulas que encaminhava às mãos de João Goulart. (…) Eu poderia ter ficado multimilionário entre 1962 e 1964. Não fiquei.” (“Minha razão de viver”, p. 238).
Não é possível ignorar o caos instalado no país em março de 1964. A quebra da hierarquia militar incentivada pelo presidente da República é sabidamente conhecida. A gravidade da crise econômica e a inépcia governamental em encontrar um caminho que retomasse o crescimento eram mais que evidentes. O desinteresse de Jango de buscar uma solução negociada para o impasse não pode ser contestado: é fato. O apego às vazias palavras de ordem como um meio de ocultar a incompetência político-administrativa era conhecido. Conta o senador Amaral Peixoto, presidente do Partido Social Democrático, que em conversa com Doutel de Andrade, um janguista de carteirinha, este, quando perguntado sobre o projeto de reforma agrária, riu e respondeu: “Mas o senhor acredita na reforma agrária do Jango? No dia em que ele fizer a reforma agrária, o que vai fazer depois?” (“Artes da política”, p.455)
Também causa estranheza a mea culpa de alguns órgãos de imprensa sobre a posição tomada em 1964. A queda de Jango deve ser entendida como mais um momento na história de um país com tradição (infeliz) de intervenções militares para solucionar crises políticas. Nos 40 anos anteriores, o Brasil tinha passado por diversas movimentações e golpes civis-militares. Basta recordar 1922, 1924, Coluna Prestes, 1930, 1932, 1935, 1937, 1938, 1945, 1954, 1955 — tivemos três presidentes da República e dois golpes no mês de novembro – e 1961.
Jogar a cartada militar fazia parte da política. E nunca tinha ocorrido uma intervenção militar de longa duração. Esperava-se um governo de transição que garantisse as eleições de 3 de outubro de 1965 e a posse do eleito em 31 de janeiro de 1966. Esta leitura foi feita por JK — e também por Carlos Lacerda. Os dois principais antagonistas da eleição que não houve imaginavam que Castello Branco cumpriria o compromisso assumido quando de sua posse: terminar o mandato presidencial iniciado a 31 de janeiro de 1961.
JK imaginou que Castello Branco era o marechal Lott e que 1964 era a repetição — um pouco mais agudizada — da crise de 1955. Errou feio. Mas não foi o único. Daí a necessidade de separar 1964 do restante do regime militar. Muitos que foram favoráveis à substituição de Jango logo se afastaram quando ficou patente a violação do acordado com a cúpula militar. Associar o apoio ao que se imaginava como um breve interregno militar com os desmandos do regime que durou duas décadas é pura hipocrisia.
Ainda no terreno das falácias, a rememoração da luta armada como instrumento de combate e vitória contra o regime foi patética. Nada mais falso. Nenhum daqueles grupos — alguns com duas dúzias de militantes — defendeu em momento algum o regime democrático. Todos — sem exceção — eram adeptos da ditadura do proletariado. A única divergência é se o Brasil seguiria o modelo cubano ou chinês. Não há qualquer referência às liberdades democráticas — isto, evidentemente, não justifica o terrorismo de Estado.
A ação destes grupos os aproximaram dos militares. Ambos entendiam a política como guerra — portanto, não era política. O convencimento, o respeito à diversidade, a alternância no governo eram considerados meras bijuterias. O poder era produto do fuzil e não das urnas. O que valia era a ação, a força, a violência, e não o discurso, o debate. Garrastazu Médici era, politicamente falando, irmão xifópago de Carlos Marighella. Os extremos tinham o mesmo desprezo pelo voto popular. Quando ouviam falar em democracia, tinham vontade de sacar os revólveres ou acionar os aparelhos de tortura.
Em mais de um mês não li ou ouvi qualquer pedido de desculpas públicas por parte de ex-militantes da luta armada. Pelo contrário, se autoproclamaram os responsáveis pelo fim do regime militar. Ou seja, foram derrotados e acabaram vencedores. Os policiais da verdade querem a todo custo apagar o papel heroico da resistência democrática. Ignoraram os valorosos parlamentares do MDB. Alguém falou em Lysâneas Maciel? Foi ao menos citado o senador Paulo Brossard? E a Igreja Católica? E os intelectuais, jornalistas e artistas? E o movimento estudantil? E os sindicatos?
Em um país com uma terrível herança autoritária, perdemos mais uma vez a oportunidade de discutir a importância dos valores democráticos.
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