terça-feira, abril 08, 2014

O Brasil e a crise europeia - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 08/04

O Banco Central projeta déficit em transações correntes de US$ 80 bilhões em 2014. Mesmo com as elevadas reservas do país, é um déficit considerado alto e que não pode se tornar permanente



No período dos dois mandatos de Lula, o Brasil foi beneficiado pelo aumento da demanda mundial de alimentos e outras commodities – como o minério de ferro –, cuja elevação de preços permitiu ao país acumular reservas em moeda estrangeira equivalentes a US$ 377 bilhões. No passado, os países exportadores de commodities in natura pareciam destinados à pobreza e à fragilidade de suas contas externas, pois as relações de troca eram extremamente desfavoráveis.

Há pouco tempo, o Brasil precisava exportar dez toneladas de soja para importar um notebook. No pico dos preços altos da soja, a receita de apenas duas toneladas e meia do produto dava para importar o mesmo computador pessoal. A elevação dos preços internacionais das commodities deveu-se, em grande parte, ao aumento do consumo da China, com a colaboração do consumo dos Estados Unidos e da Europa.

A presidente Dilma já não teve a mesma sorte de Lula, pois em seu governo a China deu sinal de exaustão, os Estados Unidos continuaram sofrendo os efeitos da crise de 2007/2008 e a Europa entrou em ciclo de queda profunda, sobretudo nos países que compõem a zona do euro. O resultado foi a redução da demanda mundial. Por isso, as vendas externas do Brasil caíram e os preços deixaram de ter a mesma trajetória da década anterior.

A queda do consumo na China poderia ter sido amenizada pelo consumo na Europa, mas a gravidade da crise provocou situações calamitosas em alguns países – casos especiais da Grécia, Irlanda, Itália e Espanha – e crescimento zero em outros países. O desemprego continuou alto e atingiu proporções alarmantes em alguns países – o exemplo mais emblemático é a Espanha, com 25% da população economicamente ativa desocupada.

Não faltou quem apostasse que a crise europeia poderia chegar ao ponto de haver abandono do euro como moeda única de 17 países, dos 25 que compõem a União Europeia. Depois de três anos tumultuados, aos poucos os países afetados pela crise começam a colocar um pouco de ordem em sua situação econômica. O euro não foi abandonado, os indicadores negativos foram estancados e já há previsões de alguma recuperação. Caso o crescimento europeu retorne e diminua o nível de desemprego, o consumo das pessoas se elevará, e isso pode favorecer o Brasil em relação às exportações.

As contas externas do Brasil atualmente não vão bem. O Banco Central (BC) está projetando déficit em transações correntes (importações de mercadorias e serviços menos as exportações dos mesmos itens) no valor de US$ 80 bilhões em 2014. Esse déficit equivale a 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) e, mesmo com as elevadas reservas externas do país, é um déficit considerado alto e que não pode se tornar permanente, sob pena de dilapidar as reservas e deixar o país em situação vulnerável.

A situação da China tem alguns componentes de mistério, pois as contas do país são vistas com cautela pelo resto do mundo, por se tratar de um país comunista, sem liberdade de imprensa, cujas estatísticas são produzidas por órgãos oficiais; logo, nunca se sabe se os números oficiais são a expressão da realidade dos fatos. Mas há algo que o governo chinês não consegue esconder: o volume de importações feitas pelo país. Quando a China reduz suas compras no mercado internacional, a leitura feita pelos analistas é de que a queda no consumo está refletindo retração na taxa de crescimento do PIB.

Por essas e outras razões, o Brasil agiu certo quando passou a adotar a política de diversificação de suas vendas no mercado internacional e buscou novos parceiros comerciais. O problema se agrava quando as crises ocorrem de maneira simultânea em três grandes regiões econômicas do mundo, como os Estados Unidos, a China e a Europa. Nesse caso, as exportações totais do Brasil inevitavelmente diminuem e, mais cedo ou mais tarde, o ritmo de crescimento do PIB brasileiro acaba sendo reduzido. As notícias sobre a possibilidade de recuperação da Europa são boas pelas razões óbvias: a retomada é benéfica não apenas para as exportações brasileiras, mas também levará ao aumento de turistas europeus na América do Sul – não somente neste ano de Copa do Mundo, mas também nos anos seguintes a esse evento esportivo.

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