segunda-feira, maio 21, 2012

A dignidade vale mais que a vida - LYA LUFT


REVISTA VEJA
Voltando da Itália, da qual a gente nunca se cansa, curtindo a arte, a história, a beleza natural e os lugares mais charmosos, também tentando avaliar a crise por lá, trouxemos na bagagem vários novos aprendizados. Embora em todas as cidades que visitamos na Lombardia, no Vêneto e na Toscana não tenhamos sentido a crise diretamente, com restaurantes, hotéis e praças cheios de italianos alegres com crianças (dos turistas em manadas falo depois), vimos notícias de cinco suicídios devidos a esse fantasma chamado Crise. Em geral operários, aposentados e pequenos empresários sem esperança, cansados de lutar, ou esmagados por dívidas. Um deles deixou o bilhete lacônico: "Às vezes, a dignidade vale mais que a vida".
O cuidado com a dignidade humana também aparece na valorização da idade e do ser natural, sem a nossa obsessão por dietas ou caras deformadas por cirurgias excessivas. Chama atenção o grande número de pessoas de bengala em museus, praças, trens, aeroportos. Isso me atingiu pessoalmente: há muitos anos, sabendo que um dia teria de apelar para ela, a bengala, que hoje uso para me mover melhor, dava-me uma sensação de tristeza. Pois nesses dias italianos fiz dela minha amiga, andei por toda parte, curti como nem esperava, e senti os benefícios de uma cultura na qual a juventude não é a única fase valorizada e se favorece quem tem qualquer problema físico. museus com enormes escadarias reservam ascensores para quem deles precisa, e ao natural nos encaminhavam para lá. O acesso a toda parte é simples, gente espontaneamente cedendo lugar, estendendo a mão com gentileza e naturalidade. Se hoje podemos viver mais, que seja com qualidade de vida ótima, participando de tudo, em lugar de nos recolhermos melancolicamente em casa.

Um dos segredos de uma boa viagem é buscar, além daqueles pontos óbvios, alguns lugares pequenos, quase desconhecidos, que guardam tesouros incalculáveis: igrejinhas do século IV, abóbadas de mais de 1000 anos cobertas de mosaicos minúsculos em bom estado e, exposto num jardim, o trono de Átila, rei dos hunos. na ilhazinha de Torcello. junto de Veneza. talhado em pedra, sóbrio e simples, não revelando o poder brutal daquele que dominou e devastou boa parte da Europa antiga.

Se a extraordinária beleza de tantas obras está conservada por toda a Europa, na Itália parece que ela tem um brilho particular: lá. a Alta Idade Média e o Renascimento fizeram explodir em todo o seu esplendor o belo, o sublime de que o ser humano é capaz. E, porque somos humanos. esse período de luxo também centralizou opressão e crueldade. Visitamos em Florença o convento de San Marco. onde morou Savonarola. monge fanático que enviou para a fogueira milhares de inocentes. Mas cada uma das inúmeras celas do convento foi decorada por Fra Angelico, merecendo horas de silencioso encantamento.

As hordas de turistas exaustos, às vezes desinteressados, impedem em vários lugares essa contemplação demorada e tranquila. Como o turismo crescente é inevitável, e nem todos os turistas têm real desejo de apreciar a arte, penso que cada vez mais se visitarão tais lugares em casa, na internet, podendo-se ver e estudar todas as obras sem se acotovelar entre tanta gente. O melhor da humanidade (e, como sempre, o pior) começa a estar ao alcance do mouse de qualquer bom computador. Não é a mesma coisa, mas permite o luxo da tranquilidade para saborear o que, sendo contraditórios, produzimos de magnífico, além do feio, do medíocre ou do grotesco.

Além desse mergulho cultural e estético, que renova e reconcilia, da perspectiva dos problemas locais, que muda com o afastamento geográfico, da alegria pela preservação de tesouros de um passado em que o ritmo da vida permitia que engenho e arte produzissem maravilhas, veio comigo a pontinha de tristeza daquela dolorosa. respeitável frase (que cada um por aqui pode interpretar como puder): "Às vezes, a dignidade vale mais que a vida".

Fora de controle - J. R. GUZZO

REVISTA VEJA

Se a presidente Dilma Rousseff estiver interessada em resolver muita coisa que faz o governo brasileiro ser tão ruim, uma boa ideia pode ser encontrada bem perto do seu local de trabalho, em Brasília mesmo, na Quadra 03, Bloco O, do Setor de Autarquias Sul. É onde funciona a Receita Federal brasileira, e a presidente ganharia de graça, ali, uma grande lição. Bastaria perguntar como foi resolvida uma questão fundamental para a própria Receita, e para o interesse público - o recebimento, a cada ano, das declarações do imposto de renda. Se repetisse em metade do seu governo o que a Receita faz com tanta competência nessa operação, a presidente talvez entrasse para a história do Brasil como uma heroína - a Santa Guerreira que venceu o Dragão da Maldade. É esse bicho que comanda a inépcia, a preguiça e a burrice da burocracia nacional.

A Receita Federal acaba de receber mais de 25 milhões de declarações de renda - quase tudo pela internet, sem que ninguém precise sair de casa, falar com um único funcionário ou fazer fila. Não há papel de espécie alguma. O contribuinte não tem de preencher formulários ou enviar qualquer documento - nem comprovantes da renda que recebeu, nem recibos das despesas que teve. A Receita não lhe manda protocolos ou certidões; fica tudo registrado no computador. O cidadão não precisa assinar nada - e se não precisa assinar também não tem de reconhecer firma. O que vale é a sua assinatura eletrônica, que o identifica como autor da declaração. Ao fim das contas, o Fisco ganha porque consegue receber; a população ganha porque consegue declarar. É um espetáculo de classe mundial. E, também, uma prova indiscutível de que pode haver eficácia na máquina pública.

Por que, num governo que funciona o mal, há um serviço que funciona tão bem? É comum ouvir-se que a tecnologia fez tudo. É um equívoco. O que realmente ganhou essa parada foram as ideias inteligentes, e não a eletrônica. A primeira delas foi perceber que o verdadeiro inimigo era a burocracia da idade da pedra que envenena o poder público no Brasil; se tivesse de se conformar com as suas regras, a Receita não conseguiria, fisicamente, manter vivo o imposto de renda. Adotou, então, um princípio brilhante: mandar para o diabo as normas idiotas, caprichosas e inúteis que ameaçavam a execução de uma das suas principais tarefas e recomeçar do zero com um sistema destinado, acima de tudo, a resolver o problema que tinha de ser resolvido. A segunda atitude foi decidir que o contribuinte, em sua declaração, não tem de provar nada. Ele é, simplesmente, o responsável pelo que declara; depois, se houver problemas, tem de comprovar o que afirmou. É o contrário, exatamente, da postura sagrada da administração pública brasileira.

É pouco comum que se aponte algum mérito num órgão do governo - especialmente nesse, a Receita Federal. Com a possível exceção de Jesus Cristo, que ficou a favor do publicano desprezado por todos, jamais alguém gostou de um coletor de impostos ao longo da história humana. Tudo bem - mas o fato é que, com as declarações de renda, a Receita tem feito um trabalho impecável. Daria para imaginar algo parecido no resto do governo?

Os sinais não são nada bons. A presidente Di1ma não gosta dessa conversa; já chamou de "cegos" os que propõem simplificar o governo. Acha, ao contrário, que o importante é ter mais "controles". Recentemente, ainda, falava-se em Brasília sobre uma "reforma gerencial" pela qual seria possível controlar a cada quinze minutos quantas pessoas pegaram senha nos postos do INSS, obrigar os ministros a apresentar relatórios semestrais de resultados ou enviar direto para a sala da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e durante as 24 horas do dia, imagens do que está acontecendo nos aeroportos - embora não esteja claro o que a ministra Gleisi pode fazer com tanta imagem assim. Enquanto isso, segundo reportagem recente de O Estado de S. Paulo, o poder público escreve mais de 2 milhões de palavras a cada dia útil, na forma de leis, regulamentos, decretos e por aí afora. Um livro que reunisse só a legislação tributária atual pesaria mais de 7 toneladas. Ou seja, o que está acontecendo, mesmo, é uma situação que fugiu a qualquer tipo de controle - o exato oposto do que quer a presidente. É o estouro de uma manada de mamutes. Mas Dilma, ao contrário da Receita, acha que reduzir a quantidade de mamutes é uma ideia falida. Vai acordar amanhã, como todos nós, com mais 2 milhões de palavras na cabeça.

A implosão de uma empreiteira - REVISTA VEJA

Revista Veja 

Acusada de irregularidades e pagamento de propina, a construtora Delta, uma das maiores do país, agoniza. Nos bastidores, seu dono ameaça revelar segredos que comprometeriam políticos e outras grandes empreiteiras

Otávio Cabral e Daniel Pereira

É absolutamente previsível a explosão que pode emergir de uma apuração minuciosa envolvendo as relações de uma grande construtora, no caso a Delta Construções, e seus laços financeiros com políticos influentes. A empreiteira assumiu o posto de líder entre as fornecedoras da União depois de contratar como consultor o deputado cassado José Dirceu, petista que responde a processo no Supremo Tribunal Federal (STF) no papel de "chefe da organização criminosa" do mensalão. Além disso, consolidou-se como a principal parceira do Ministério dos Transportes na esteira de uma amizade entre seu controlador, Fernando Cavendish, e o deputado Valdemar Costa Neto, réu no mesmo processo do mensalão e mandachuva do PR, partido que comandou um esquema de cobrança de propina que floresceu na gestão Lula e só foi desmantelado no ano passado pela presidente Dilma Rousseff. A empreiteira de Cavendish é dona da maior fatia das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e tem contratos avaliados em cerca de 4 bilhões de reais com 23 dos 27 governos estaduais. Todo esse império começou a ruir desde que a Delta foi pilhada no epicentro do escândalo envolvendo o contraventor Carlos Cachoeira. Se os segredos de Cachoeira são dinamite pura, os de Cavendish equivalem a uma bomba atômica. Fala, Cavendish!

Na semana passada, a CPI do Cachoeira aprovou a convocação de 51 pessoas e 36 quebras de sigilo bancário, fiscal e telefônico. Os números foram festejados pela cúpula da comissão como prova inconteste da disposição dos parlamentares para investigar os tentáculos da máfia da jogatina nos partidos políticos, na seara das empreiteiras e na administração pública. Sob essas dezenas de votações, no entanto, esconde-se a operação patrocinada pelo ex-presidente Lula e alguns políticos para impedir que a bomba atômica de Cavendish seja detonada. A estratégia é enaltecer as convocações e quebras de sigilo relativas a empresas e personagens já fartamente investigados pela Polícia Federal. Assim fica mais fácil despistar as manobras para evitar que Cavendish conte tudo - mas tudo mesmo - o que sabe sobre como obter obras públicas pagando propinas a pessoas com poder de decisão nos governos. Investigar a Delta, aliás, foi considerada a tarefa prioritária pelos próprios delegados da Polícia Federal que prestaram depoimento à CPI. Eles disseram que desvendar os mecanismos subterrâneos de concessão de obras públicas no Brasil seria o maior legado da CPI. Fala, Cavendish!

Deflagradas pela Polícia Federal, as operações Vegas e Monte Carlo revelaram o envolvimento do contraventor Carlos Cachoeira com políticos como o senador Demóstenes Torres (ex-DEM) e Cláudio Abreu, ex-diretor da Delta na Região Centro-Oeste. Entre outras atividades, o trio agia para abrir os cofres dos governos estaduais e federal à empresa. Para tanto, ofereceria propina em troca de contratos. A PF colheu indícios desse tipo de oferta criminosa, por exemplo, em Goiás e no Distrito Federal. Foi com base nessa delimitação geográfica que os petistas defenderam uma investigação sobre a atuação da empreiteira apenas na Região Centro-Oeste - tese que saiu vitoriosa na semana passada. "Não há conversa gravada do Cachoeira com o Fernando Cavendish. A CPI não pode se transformar numa casa de espetáculo", bradou o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP). "A generalização beira a uma devassa", reforçou Paulo Teixeira (PT-SP). Os petistas cumpriram à risca as ordens dadas por Lula um dia antes, quando ele esteve em Brasília para a cerimônia de instalação da Comissão da Verdade. A ordem foi calar Cavendish. Mas o correto é o contrário. Fala, Cavendish!

O ex-presidente sabe do potencial de dano ao PT e a seus aliados caso Fernando Cavendish conte como a sua Delta conseguia seus contratos de obras e, em troca, pagava políticos. Numa conversa gravada com ex-sócios, Cavendish os incentivou a cortar caminho para o sucesso comprando políticos. Na tabela da corrupção da Delta, um senador, por exemplo, custaria 6 milhões de reais. A Delta tem obras contratadas por governadores pertencentes aos maiores partidos do país - PT, PSDB e PMDB. Será que essa onipresença da Delta explica as razões pelas quais a CPI decidiu não chamar para depor os governadores Agnelo Queiroz (PT- DF), Marconi Perillo (PSDB-GO) e Sérgio Cabral (PMDB-RJ)? O deputado Vaccarezza deu a resposta. "A relação do PMDB com o PT vai azedar na CPI. Mas não se preocupe, você é nosso e nós somos teu", escreveu em idioma parecido com o português o deputado Vaccarezza numa mensagem de celular destinada ao governador Sérgio Cabral. Captada pelas câmeras de televisão do SBT, a mensagem revela de forma inequívoca o grande arranjo para calar o dono da Delta, amigo íntimo de Cabral. Portanto, é bom repetir a palavra de ordem que pode salvar a CPI do fracasso. Fala, Cavendish!

Nos bastidores, Cavendish tem falado. E muito. Ele usou interlocutores de sua confiança para divulgar suas mensagens. Uma delas foi endereçada aos políticos. Seus soldados espalharam a versão de que a empreiteira destinou cerca de 100 milhões de reais nos últimos anos para o financiamento de campanhas eleitorais - e que o dinheiro, obviamente, percorreu o bom e velho escaninho dos "recursos não contabilizados". Uma informação preciosa dessas deveria excitar o ânimo investigativo da CPI do Cachoeira. Os mensageiros de Cavendish também procuraram solidariedade na iniciativa privada. A arma foi ressaltar que o caixa dois da Delta, que serviu para financiar campanhas, segue um modelo idêntico ao de outras empreiteiras, inclusive usando os mesmos parceiros para forjar serviços e notas fiscais frias. A mensagem é: se atingida de morte, a Delta reagiria alvejando gente graúda. Como o navio nazista Bismarck, a Delta afundaria atirando. Faria, assim, um bem enorme ao interesse coletivo, mas seria mortal aos interesses privados. Os mensageiros de Cavendish têm espalhado que a mesma empresa fornecedora de notas frias da qual sua construtora se servia abastecia outras duas grandes empreiteiras. São essas ameaças, somadas à coloração suprapartidária dos contratos firmados, que azeitam a blindagem da Delta. Como saber se Cavendish está apenas blefando em uma clássica operação de controle de danos? Levando-o à CPI. Fala, Cavendish!

Desde a eclosão do escândalo, a Delta foi forçada a deixar as obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), encomendadas pela Petrobras, e da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), sob responsabilidade do Ministério dos Transportes. A polêmica sobre o destino da empreiteira pôs a presidente e o antecessor em rota de colisão pela segunda vez em menos de dois meses. Lula patrocinou a criação da CPI do Cachoeira ao considerá-la uma oportunidade de desqualificar instituições que descobriram, divulgaram e investigaram o esquema do mensalão, como a imprensa, o Ministério Público, o Judiciário e a oposição. Logo após a abertura da CPI, Fernando Cavendish passou a negociar a empresa com o grupo J&F, cujos donos eram parceiros preferenciais do governo Lula. A venda foi orquestrada pelo ex-presidente. O papel de Henrique Meirelles, presidente do Banco Central nos oito anos de mandato do petista e atual CEO do J&F, na manobra ainda não está claro. Meirelles não comenta, mas sabe-se que ele, desde os tempos de BC, não assina nada que não tenha a chancela de seus advogados particulares.

O J&F tem 35% de suas ações nas mãos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mais que isso. Tomou emprestados mais de 6 bilhões de reais no banco. É, portanto, uma empresa semiestatal. Por meio de assessores, a presidente Dilma Rousseff deixou claro que seu governo não apoia a encampação da Delta pelo grupo J&F. A contrariedade de Dilma foi explicitada pela decisão das estatais de tirar a Delta de obras do Dnit e da Petrobras. Dilma determinou à Controladoria-Geral da União (CGU) que declare a empreiteira inidônea e, portanto, proibida de fechar contratos com a União. "O governo fará tudo o que estiver a seu alcance para esse negócio não sair", diz um auxiliar da presidente. Quem conhece Fernando Cavendish mais de perto garante que ele nem de longe vestiria o traje de homem-bomba. Mas como ter certeza de que tem potencial explosivo ou apenas quer minimizar os ataques a ele e a sua empresa? Levando-o à CPI. Vamos lá, coragem. Fala, Cavendish!

As broncas da presidente - REVISTA VEJA

Revista Veja 

Com pitos, Dilma atacou os juros altos e até as tarifas de hotéis. O problema é que as leis básicas da economia são surdas, não reagem a ordens e passam por cima de qualquer artificialismo

Érico Oyama

A personalidade forte de Dilma Rousseff já entrou para a galeria do folclore dos presidentes brasileiros. O estilo incontrastável alçou-a de personagem secundária do governo petista gaúcho aos escalões mais elevados do Planalto, primeiro no Ministério de Minas e Energia, depois no comando da Casa Civil e, finalmente, como candidata a presidente da República ungida por Lula. Os humoristas do Casseta & Planeta capturaram esse traço marcante da personalidade da presidente criando a Dilmandona, personagem interpretada por Claudio Manoel que apresentava projetos como a Lei da Tábua da Privada Levantada e a Lei da Toalha Molhada em Cima da Cama. A Dilma de verdade tem problemas nada engraçados. Na semana passada, ela foi vaiada em uma reunião da Confederação Nacional dos Municípios por prefeitos a quem contrariou por mostrar oposição à distribuição mais ampla dos royalties do petróleo, que hoje beneficiam apenas as cidades produtoras. Dilma não gostou, é claro, e limitou-se a fazer o sinal de positivo com o polegar direito.

O presidencialismo brasileiro, embora refém muitas vezes das bases aliadas de sustentação no Congresso, tem caráter imperial. Por isso, as broncas e os desejos expressos por presidentes da República têm sempre algum resultado. Quem não se lembra de que, em pleno esforço nacional para modernização da indústria automobilística, em 1993, o então presidente da República Itamar Franco, em um arroubo populista, nostálgico, arcaico e autoritário, pediu à Volkswagen que ressuscitasse o Fusca, então peça de museu. Foi atendido. Durante três anos, os modelos foram produzidos, mas, como era de esperar, ninguém quis saber de comprar as velharias e a linha de montagem foi abandonada. Não há artificialismo que dure nas economias modernas. Ficou, no entanto, a lição de que os presidentes devem ter muito cuidado com o que mandam os outros fazer, pois a chance de ser atendidos é grande - e o custo também. Dilma mandou baixar os juros aos consumidores, os bancos estatais atenderam e os bancos privados, mais timidamente, também se mexeram. Dilma reclamou do preço das tarifas de hotéis no Rio de Janeiro e as manchetes de jornais no dia seguinte informaram que ela foi atendida, mas apenas por uma agência de turismo que realmente estava inflando o preço de seus pacotes. Obviamente, essas broncas são para inglês ver, pois os juros e os demais preços da economia não obedecem a ordens. Eles refletem realidades. Diz o economista Carlos Eduardo Soares Gonçalves, da Universidade de São Paulo: "No caso dos juros, a implantação do cadastro positivo teria muito mais impacto do que simplesmente pregar a redução das taxas".

Na semana passada, Dilma reclamou de outro preço, o da energia elétrica. O Brasil gera a maior parte de sua energia pelo método mais barato do mundo, as hidrelétricas, mas cobra uma das tarifas mais caras do planeta. Por quê? Por causa dos impostos federais e estaduais, que respondem por 50% do preço pago pelos consumidores. Dilma acertou também ao apontar os impostos como o componente mais pesado do preço da eletricidade no Brasil. Agora, em vez de meramente exigir soluções dos outros, ela se colocou na posição incômoda de ter de agir internamente no governo federal e cutucar os estados se quiser ver seu desejo realizado. O maior anacronismo da tributação brasileira está no imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS), que é um tributo estadual. Cada um dos 27 estados brasileiros tem sua própria legislação de ICMS, além de inúmeras tarifas e normas distintas. O ICMS pesa fortemente sobre o custo das tarifas de energia e também sobre as de internet e telefonia celular ou fixa. No Rio de Janeiro, 47% do preço da conta de luz se deve ao ICMS. Em Minas Gerais, esse valor é de 43%. Nos outros estados, a incidência é apenas um pouco mais baixa. Como o ICMS representa a principal fonte de receita dos estados, nenhum governador aceita mexer nele. Portanto, se quiser mesmo baixar o custo da energia no Brasil, Dilma precisará compensar os estados que aceitarem reduzir o ICMS. que encarece a conta de luz.

O problema central, porém, é que o excesso de protagonismo do governo na economia já saiu do campo da sátira para se tornar uma preocupação. O tripé da prosperidade "brasileira, baseado no câmbio flutuante, na intolerância com a inflação e na austeridade fiscal, está sendo desmontado na surdina em Brasília, substituído por broncas da presidente, bazófias do ministro da Fazenda e chicanas do Banco Central. Segundo o economista Juan Jensen. da consultaria Tendências, "as seguidas intervenções do governo em diversas frentes são prejudiciais, além de pouco eficazes. Essas medidas trazem incertezas e afugentam os investidores". A Dilmandona dos humoristas ainda faz rir, mas na vida real pode fazer o Brasil chorar.

O resfriamento global e os estilhaços da crise - PAULO GUEDES

REVISTA ÉPOCA


Aqui e lá fora, os mercados financeiros registram importante mudança de humor. Após longo período de alta, animada pelo dinheiro barato dos bancos centrais e por expectativas de reaceleração econômica, o recente mergulho das Bolsas, dos preços das commodities e das taxas de juros de longo prazo revela uma clara perspectiva de esfriamento da economia mundial.


Os sinais do resfriamento global estão em toda parte. A recuperação econômica americana sofreu esvaziamento nos últimos meses. A crise europeia ameaça se aprofundar com a eleição dos socialistas na França, a crise bancária na Espanha e o colapso operacional da democracia grega. Até mesmo os países emergentes enfrentam o fenômeno da desaceleração econômica, apesar do afrouxamento de suas políticas monetárias - o Brasil baixando os juros e a China reduzindo as reservas compulsórias recolhidas por bancos ao Banco Central. O desabamento dos mercados financeiros reflete, portanto, os temores de uma nova Idade do Gelo, um doloroso prolongamento da grande crise contemporânea.

A dança nos mercados de moedas ocorre também ao som das mesmas trombetas que anunciam o fim do mundo. Uma eventual saída da Grécia da Zona do Euro - e da Grécia apenas - deveria resultar em valorização do euro, pela remoção de seu elo mais fraco. Mas o medo de contágio, em que a saída da Grécia dispare crises bancárias e fuga de capitais em outros elos mais frágeis da cadeia financeira europeia, acabou derrubando o euro e empurrando para as alturas o franco suíço.

O aumento da incerteza e da volatilidade atingiu também o real, fazendo em curto período de tempo disparar a cotação do dólar. De um lado, a desaceleração global derrubou os preços de matérias-primas e produtos agrícolas, rebaixando a trajetória futura de nossas exportações. De outro, o afrouxamento monetário e a redução das taxas de juros internas reduzem o ritmo de entrada de fluxos financeiros.

A Europa vive hoje um enorme pesadelo, a exemplo do que vivemos nos anos 1980, com crises cambiais recorrentes e as exigências de austeridade fiscal e monetária do Fundo Monetário Internacional (FMI). E hoje lá, como antes aqui, a opinião pública se vê diante de um falso dilema. Austeridade ou crescimento? Só um idiota preferiria austeridade a uma perspectiva concreta de crescimento sustentável.

É evidente que nunca foram essas as verdadeiras alternativas dos países europeus. As possibilidades de crescimento sustentável se exauriram exatamente pela absoluta falta de austeridade. Pela irresponsabilidade financeira da social-democracia europeia. Pela demagogia na concessão de benefícios previdenciários. Pela inconsequência na condução das finanças públicas. Pelo descolamento entre salários ascendentes e uma produtividade do trabalho declinante. Pela miopia e pelo corporativismo de suas legislações trabalhistas, que promovem agora uma verdadeira guerra entre as gerações pela brutal discriminação contra os jovens no acesso aos empregos. Os excessos cometidos em nome do Estado de bem-estar social é que implodiram as possibilidades de crescimento da Europa meridional.

Enquanto isso, na Alemanha, a taxa de desemprego atinge seu nível mais baixo em mais de duas décadas. Reformas estruturais em seu regime fiscal e nos mercados de trabalho após a união das duas Alemanhas foram as raízes do brilhante desempenho de sua economia na Zona do Euro. A ponto de o número de imigrantes absorvidos pela economia alemã no ano passado ter atingido o recorde dos últimos 16 anos, com o aumento de 90% no número de imigrantes gregos e de mais de 50% no de espanhóis em relação ao ano anterior. Algo bastante semelhante às grandes correntes migratórias de nordestinos para São Paulo durante nosso período de industrialização.

Foi da mesma forma, por meio de maior austeridade fiscal e monetária, após exaustiva e malsucedida sequência de tentativas heterodoxas de estabilização, que o Brasil restabeleceu os fundamentos para uma trajetória de crescimento sustentável. Todas as tolices macroeconômicas imagináveis foram cometidas justamente “em nome do crescimento” e “contra a austeridade”. A busca do “crescimento” como alternativa à austeridade tornou-se o maior desastre da história econômica brasileira. Moratória da dívida externa, sequestro de ativos internos, hiperinflação e completo colapso do crescimento foi o que colhemos. A estabilidade monetária e a austeridade fiscal revelaram-se, então, ingredientes indispensáveis ao crescimento econômico com estabilidade de preços.

São também os fundamentos para a existência de taxas de juros mais baixas. Os juros no Brasil carregam autênticas jabuticabas. Impostos sobre transações financeiras e provisões para inadimplência aumentam os custos dos empréstimos. Créditos subsidiados dirigidos a empresas e setores escolhidos e recolhimentos compulsórios no Banco Central reduzem a oferta de crédito e aumentam os juros no mercado livre. E tudo piora com o enorme grau de concentração bancária.

Mas não se iludem os macroeconomistas de boa estirpe quanto aos fatores mais importantes para a determinação dos níveis de taxas de juros - além dos hábitos de poupança da população e das oportunidades de investimento no país. A despolitização da moeda, com a manutenção de um regime monetário de alta credibilidade, de modo a garantir o cumprimento de metas de inflação baixas e relativamente estáveis, é a garantia de que as expectativas inflacionárias embutidas nas taxas de juros permaneçam também baixas e estáveis. E um regime fiscal robusto, calibrando uma trajetória de déficits públicos moderados, assegura também juros reais moderados.

Foi exatamente a falta de consistência na dimensão fiscal que empurrou para cima as taxas de juros durante o período extraordinariamente longo de nossos esforços de estabilização. Foi um pecado capital até mesmo do celebrado Plano Real. O Brasil teve os juros mais altos do mundo por mais de duas décadas. A credibilidade do Banco Central, de um lado, ancorando as expectativas de inflação, e a austeridade do regime fiscal, de outro, derrubando os juros reais de equilíbrio, seriam nossa garantia de juros baixos, estabilidade de preços e crescimento sustentável.

Quando vamos moralizar o Poder? - RUTH DE AQUINO

REVISTA ÉPOCA


Presidente e ministros reduzirão em 30% seus salários, “para dar o exemplo”. Apertarão seus próprios cintos, cortarão na própria carne. Isso acontecerá longe daqui, na França. Será a primeira medida do governo socialista de François Hollande. Não resolve a crise francesa. Mas carrega um tremendo simbolismo. São 34 novos ministros neste governo que já começarão ganhando um terço a menos que seus antecessores.

E não é só isso.

A equipe do governo – 17 homens e 17 mulheres – assinou um texto de duas páginas que lista seus “deveres”. O texto é público. Foi divulgado pelo jornal Le Monde na quinta-feira. Alguns itens seriam muito bem-vindos no Brasil. A ideia geral é afastar qualquer suspeita de conflito de interesse e acabar com essa mistura desavergonhada entre o público e o privado.

O código de conduta de Hollande obriga ministros a renunciar a postos executivos anteriores a sua nomeação no governo. Inclui também a recusa a todos os convites particulares, de empresários ou amigos influentes. E a devolução de qualquer presente com valor superior a € 150 (R$ 375). O texto desce a detalhes do dia a dia, como o meio de transporte: em trajetos inferiores a três horas, ministros terão de usar o trem.

Mais regras. Os ministros terão de confiar “a gestão de seu patrimônio a um procurador”. Isso impede que tirem proveito de informações confidenciais do mercado para enriquecer ilicitamente. Na hipótese de uma viagem pessoal e familiar, serão obrigados a “se abster de aceitar convites de governos estrangeiros ou de pessoas físicas ou jurídicas cuja atividade tenha relação com sua pasta ministerial”. Deverão renunciar a “qualquer participação num organismo, mesmo aqueles sem fins lucrativos, cuja atividade seja de interesse a seu ministério”. Os ministros também estão proibidos de “qualquer intervenção que envolva a situação de um parente ou amigo próximo”. Nada de nepotismo e tráfico de influência, em bom português.

Uau! Humilhante, não, excelentíssimos políticos brasileiros. Para que fui me meter na política, fiz concessões absurdas, contrariei princípios, gastei rios de dinheiro em campanha, comprei votos, para, no final, ser despido de meus privilégios de senhor da casa-grande e senzala? Que terrível deve ser a vida do homem comum.O documento lembra a toda a equipe – incluindo presidente, primeiro-ministro e ministros – que “só as despesas diretamente ligadas ao exercício de suas funções podem ser pagas pelo Estado”. Uma das regras provocaria um auê no Brasil: “À exceção de uma circunstância específica que exija uma escolta de motocicletas, os deslocamentos dos ministros em carros terão de respeitar as regras de trânsito normais, que se aplicam a qualquer cidadão”. No Brasil, helicópteros estão sempre à disposição de políticos que não fazem ideia da angústia que é ficar preso num engarrafamento.

As regras do “Estado imparcial” prometido por François Hollande foram criadas com um objetivo: dar satisfação aos cidadãos que exigem transparência do poder público. O texto foi chamado de “código de deontologia”. Uma palavra pouco conhecida, que vem do grego. “Deon” significa “dever, obrigação”. Por isso, a deontologia é conhecida como a Teoria do Dever. Mas é sobretudo o dever moral, da consciência de cada um. É a ética individual, que leva alguém, político ou não, a fazer algumas escolhas na vida.

No Brasil, num momento histórico em que se discute a Comissão da Verdade, deveríamos ter a mesma coragem para enfrentar os desvios, os abusos e a falta de bons modos que desmoralizam governadores, prefeitos, ministros e congressistas. O Executivo deu um bom exemplo na quinta-feira: Dilma mandou divulgar os salários dos servidores do governo federal, com base na Lei de Acesso à Informação Pública. Chega de torturar a verdade, tornando-a secreta. Vamos moralizar o Poder.

O Legislativo e o Judiciário não gostaram da ideia. Sarney, presidente vitalício do Senado, ficou sem fala nem ação. Marco Maia, presidente da Câmara, também. Carlos Ayres Britto, presidente do Supremo Tribunal Federal, se juntou ao bloco dos temerosos. Eles acham que expor os salários à nação pode ferir a intimidade e a segurança dos servidores. Contem outra.

O decreto do Executivo é claro. Devem ser revelados os ganhos de todos os ocupantes de cargos públicos. E isso inclui aquele manancial de benefícios conhecidos: “auxílios, ajudas de custo, jetons, vantagens, pensões e aposentadorias de quem continua na ativa”. Verba para combustível, passagem aérea, moradia, correio, escritório, diárias de viagem e não sei mais o quê. Uma caixa-preta mantida até hoje sob sigilo. Por vergonha, será?

Casar para quê? - WALCYR CARRASCO


REVISTA ÉPOCA
Estou escrevendo a novela Gabriela, inspirada na obra de Jorge Amado. Estou justamente nos capítulos em que Nacib pede Gabriela em casamento.
- Casar pra quê? Precisa não diz ela.

A personagem é um espírito livre que antecipou as mudanças no modo de pensar e agir das gerações seguintes à publicação do livro, no final da década de 1950. Penso:

- Gabriela é que tinha razão. O que significa casar hoje em dia?

As fronteiras entre o namoro e o casamento andam cada vez mais confusas. Outro dia encontrei uma amiga que me anunciou vitoriosa:

- Estou casada!

Durante o papo, descobri que estava saindo com um rapaz havia quatro meses. Não moravam juntos, nem tinham qualquer compromisso formal. Para ela, tratava-se de um casamento. Ao contrário, muitas vezes o casal até mora junto, mas diz que está "se conhecendo". Ou seja: as palavras namorar e casar significam mais ou menos a mesma coisa. Depende de quem as pronuncia. No passado os termos eram mais precisos. Havia a "concubina", que vivia sob o mesmo teto sem papel passado. Se eu chamar alguma amiga de concubina, levo um tapa na cara. E "amásio"? Céus, quem fala em amasiar-se atualmente? Eram boas palavras, porque definiam situações específicas. As vezes, a confusão é tanta que a mulher acha que está casada e seu parceiro pensa que está namorando!



Hoje, as palavras namorar e casar significam mais ou menos a mesma coisa. O importante é o amor



O cinema americano resolveu essa questão brilhantemente: a dupla vive sob o mesmo teto, se ama. O compromisso é assumido quando ele oferece um anel no meio de um sorvete durante um jantar (com direito a merchandising da Tiffany"s). Nos filmes, casar é igual a assumir compromisso.

Uma balela, que só vale para filmes. No Brasil, se duas pessoas vivem juntas, o compromisso já existe. Queiram ou não. Pelo menos do ponto de vista legal. Quem prova uma relação estável pode até sair de um processo com mais vantagens econômicas do que alguém que se casou no papel, com direitos especificados. Tem mais: o casamento deixou de ser uma relação para toda a vida. Divórcio é fácil. Conheço mulheres que se casaram uma vez, duas, depois nem se deram mais ao trabalho. Só juntam os trapos, como se dizia antigamente. Há uma que anuncia:

- Tive cinco maridos.

É uma forma de valorizar o currículo!

E o vestido branco? Nenhum símbolo perdeu tanto o sentido. Era a cor das virgens. Viúvas se casavam de azulzinho, rosa pálido... Hoje, noivas de qualquer idade casam de branco. Não importa a quilometragem. Por que não aderem ao vermelho, verde, roxo? Há uma indústria enorme em torno de vestidos, festas, fotos, lembrancinhas. Milionários gastam mais de milhão para casar suas herdeiras, em festas suntuosas. E às vezes o casamento dura menos que sua preparação. Conheço um casal que se separou ao voltar da lua de mel. A outra já o esperava no aeroporto.

Ser padrinho virou um mico. Era uma honra, uma relação quase de parentesco. Hoje, convida-se um batalhão. Uma vez quase despenquei do altar de tanto empurra-empurra. A aglomeração de padrinhos era pior que metrô às 6 da tarde. O objetivo dos noivos era ganhar bons presentes, já que, supõe-se, padrinhos são mais generosos. Eu, hein?

A cerimônia religiosa era ganhar a bênção divina. Como a Igreja Católica Romana não admite a separação, os casais recorrem a credos mais flexíveis. A Igreja Anglicana admite casar divorciados. Nada contra. Mas, se a pessoa é católica,recorrer a outra religião nãoé dar um truque no Ser Supremo? Hummm... Ele, que tudo sabe, vai cair nessa?

Já fui a dois casamentos sem ministro. Os noivos inventaram a cerimônia, com amigos discursando. No Japão, é comum contratarem atores para oficiar como padres. Antes fazem uma cerimônia xintoísta, mais íntima. Depois, a ocidental, com vestido branco e padre fake.

Segundo o filósofo francês Luc Ferry, no livro A revolução do amor, "a experiência do amor é o único valor absoluto, o único que dá sentido a todos os outros". Minha geração pregou o amor livre. Muitas conquistas da década de 1960 foram absorvidas pela sociedade. Laços formais não têm mais tanta importância, como defendíamos. O casamento perdeu significado, mas continuou a existir como uma cerimônia oca, para grande parte dos casais. O espetáculo é superficial e tira de foco o mais importante. O amor, simplesmente.

Somente o amor pode dar sentido a uma união, sem necessidade de festa e vestido branco. E me pergunto outra vez: nos dias de hoje, para que casar, afinal?

Chelsea na Rocinha - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 21/05

O Chelsea, que sábado venceu a Liga dos Campeões da Europa diante do Bayern de Munique, visita a Rocinha dia 10 de junho, com a presença de Ramires. A iniciativa é do vascaíno Sergio Cabral, no projeto Rio 2016, de estímulo a esportes em áreas pacificadas.

Aliás...

Por falar em Vasco e Bayern de Munique, veja a maldade do sociólogo Emir Sader: — Se o Vasco não conseguir outro vice, na Libertadores ou no Brasileirão, será superado pelo Bayern de Munique, que foi vice europeu, vice alemão e vice na Copa da Alemanha.

Ai, minha coluna

De cada 25 funcionários de pista da TAM no Galeão-Tom Jobim e no Santos Dumont, seis reclamam de hérnia de disco. O Sindicato Nacional dos Aeroviários descobriu que nos dois aeroportos, a máquina que leva aos bagageiros dos aviões está quebrada. Os trabalhadores erguem até 200kg no muque.

Caso médico

Sandra de Sá fez uma cirurgia no Hospital São Lucas, no Rio, para tirar a vesícula. A cantora teve alta sábado.

Brasileiro cheiroso

Semana passada, na Expo Pharma, que reuniu no Rio empresários do setor de cosméticos, foi revelado que o país de Dilma, acredite, é o primeiro em consumo de desodorantes, com 20,2% das vendas.

Se entrega, Corisco
Sérgio Ricardo, cantor, compositor e cineasta, faz 80 anos dia 18 de junho e será o homenageado do Cinesul 2012, dia 12 próximo, no Rio. Ele dirigiu quatro filmes e fez a trilha de “Deus e o diabo na terra do sol”, de Glauber Rocha.

SEGUE ATUAL, mais de 500 anos depois, o vaticínio do português Pero Vaz de Caminha, nosso primeiro repórter, que, ao relatar em carta as belezas da terra recém-descoberta pelos portugueses - que, no futuro, se chamaria Brasil -, disse que "aqui, em se plantando, tudo dá". Confira nas belas imagens da coleguinha Rejane Guerra, como estão frutificando as árvores entre os prédios de Ipanema. Tem (em sentido horário) jaca, tomate, coco e goiaba, entre outras frutas e verduras. Viva!

Ô sorte!

Virou coisa recorrente entre músicos sem acesso a grandes patrocínios pedir ajuda aos fãs pela internet para produzir CDs. O da vez é Wilson das Neves, 75 anos, o grande baterista de Chico Buarque, que arrecada pelo site embolacha.com.br em troca, por exemplo, de discos autografados. Até ontem, conseguira R$ 14.330 dos R$ 45.670 para o CD “Se me chamar, ô sorte”.

Leva azeite?

A ministra do STJ Nancy Andrighi fez dia 11 um despacho curioso numa ação de danos morais contra a Google. Pediu “o desentranhamento do documento de fl. 601, pois o mesmo não integra e nem tem relação com o presente processo”. É que na folha havia, acredite, uma receita de risoto.

Mama África

O ex-ministro Franklin Martins está na África, onde grava entrevistas para o documentário “Presidentes africanos”, da Cinevideo. A série retrata 15 países do continente.

Meu sabiá
O mergulhão de Campinho, a primeira obra da Transcarioca a ficar pronta, vai receber o nome de... Clara Nunes, a grande cantora. Merece.

Alô, Eduardo Paes!

É um absurdo este serviço de propaganda em avião na praia com alto falante. Aliás, o coleguinha Ruy Castro está pensando em instalar uma bateria antiaérea em sua janela.

Luta perdida

Atleta do projeto social da Beija- Flor pentacampeão brasileiro de jiu-jitsu, Rodrigo Barbosa, 24 anos, estava inscrito no Mundial do esporte, em Long Beach, EUA, de 31 de maio a 3 de junho. Mas não vai. Teve o visto negado pelo consulado americano. É pena.

Costa do Sol

O Aeroporto Internacional de Cabo Frio, cuja privatização é um sucesso, abrigará 10 aeronaves de chefes de estado na Rio+20.

Cofrinho das estrelas

Um renomado escritório que cuida dos contratos de celebridades globais tem rebatido convites para suas musas assistirem ao Fashion Rio com... um pedido de cachê pelo comparecimento. Num e-mail, diz entender que algumas grifes "não dispõem de verba (...) para atrair formadores de opinião ao evento, mas não seria justo orçar para uns e para outros, não". É. Pode ser.

Sem empurrão, não vai - DENISE ROTHENBURG


CORREIO BRAZILIENSE - 21/05

Certas coisas só funcionam quando a sociedade cobra. Estão nessa lista a extinção de benesses, como os salários extras, o rigor da CPI de Cachoeira e o julgamento do mensalão

É interessante observar como se comportam os nossos parlamentares. Geralmente, ficam por ali, no Congresso fazendo “cara de paisagem” para os anseios da população. Até que, um belo dia, quando sentem cheiro de fumaça e fagulhas sobre o seu mandato, eles decidem agir. A extinção do 14º e do 15º salários das excelências está nesse rol. E o levantamento do Correio Braziliense é a prova disso: Dos 513 deputados, 310 responderam a enquete e, desses, 258 se mostraram a favor de acabar com os extras. Ufa! Quase que essa bola bate na trave, uma vez que são necessários 257 votos para aprovar a proposta.

O jornal procurou todos os deputados. O fato de 209 não responderem a esse contato é sintomático. Indício de que, se deixar o assunto exclusivamente por conta das excelências, a benesse continuará. A sorte de quem deseja acabar com essa mordomia — e é de se duvidar que alguém, a não ser, é claro, os congressistas, considere normal um parlamentar receber 15 salários por ano — é o fato de essa votação ser aberta. Se fosse fechada, ou seja, no voto secreto, desconfio que, se chegasse a 257 votos a favor seria tão surpreendente quanto foi a eleição de Michel Temer para presidente da Câmara em 1997. Numa votação fechada, o então deputado e hoje vice-presidente da República foi eleito presidente sem uma margem folgada, daí a surpresa.

Por falar em fechada…
O levantamento nos deixa a lição de que o cidadão, se quiser mesmo acabar com o 14º e 15º tem que correr atrás. E isso vale para qualquer coisa vinda dos Poderes constituídos. Graças à tecnologia e àqueles que foram aplicados na área de inovação, há redes sociais, e-mails. Ainda me lembro do tempo em que as convocações eram feitas por panfletos distribuídos nos restaurantes, bares, clubes, praias e centros das grandes cidades. Ou na base do boca a boca, como naquele 16 de agosto de 1992.

Dias antes, o então presidente Fernando Collor de Mello, hoje senador e integrante da CPI de Carlos Cachoeira, discursou no Palácio do Planalto pedindo um basta ao processo contra ele. Chamou a CUT — hoje tão quietinha — de central única dos conspiradores. Ao final, apelos aos brasileiros que saíssem às ruas de verde e amarelo no domingo. O Brasil se vestiu de preto naquele 16 de agosto. Brasília, principalmente. A turma da UNE — hoje tão caladinha — deflagrou os “cara pintadas”. As pessoas comuns, “maioria silenciosa”, não precisaram da convocação de sindicatos batendo à sua porta e nem do PT — quem diria, hoje aliado de Collor. Um mês e meio depois, o Congresso aprovaria a abertura de processo em votação aberta, que gerou muita polêmica se deveria ser secreta.

Por falar em Cachoeira…
Há outros braços que só se movem mediante um empurrãozinho da sociedade, tais como o julgamento do mensalão e a CPI encarregada de investigar os negócios e relações políticas do contraventor Carlos Cachoeira. A CPI revelou-se um show de tiros de festim. Veremos como será esta semana em que a comissão tentará, mais uma vez, ouvir o contraventor Carlinhos Cachoeira. O PT, da sua parte, tem ainda a missão de definir o que fazer com Cândido Vaccarezza (PT-SP) e sua troca de torpedos com o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral — que nesse episódio parece ter vestido a fantasia de abajur apagado, torcendo para ser esquecido. Até agora, a única manifestação de Cabral foi dizer não ter nada a comentar a respeito da mensagem recebida. Se ninguém cobrar, vai ficar aí.

Quanto ao mensalão, é lícito cobrar o julgamento, mas os ministros deve decidir à luz da lei, sem se deixar levar por paixões de um lado ou de outro. Que seja feita Justiça. Aliás, se os Poderes agirem com justiça, já está de bom tamanho.

Custo Brasil, é nóis! - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O Estado de S. Paulo - 21/05


O custo Brasil é uma invenção nossa, tanto a expressão - que não aparece em análises de outras economias pelo mundo - quanto a coisa em si, a teia de burocracias mais o preço e a ineficiência de fatores como a infraestrutura e a mão de obra.É algo tão entranhado na vida do nosso país que parece até uma fatalidade.

A última semana nos deixou vários exemplos disso. A presidente Dilma Rousseff falou mais de uma vez sobre o peso dos impostos e relacionou como um objetivo a redução da carga tributária cobrada sobre a energia elétrica.

Era a presidente da República a falar disso e, de outro lado, o governo do Amazonas aumentando para 30% o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre energia e telecomunicações - o que, aliás, se choca contra o plano do Ministério das Comunicações de baratear a banda larga.

Além disso, a Companhia de Gás de São Paulo (Comgás) anunciava que vai elevar o preço do gás para a indústria no Estado de São Paulo, insumo que recebe da Petrobrás.

Reintegra.

Mas talvez um caso exemplar de como o custo Brasil sempre leva a melhor está no Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras (Reintegra) - o dinheiro que o governo federal está pagando aos exportadores, uma espécie de prêmio para baratear e estimular as vendas externas.

O prêmio é de 3% sobre o faturamento das exportações. Demorou para ser implementado, mas saiu e as empresas já recebem o reembolso ou o utilizam no abatimento de outro imposto. Tudo bem?

Parece, mas aí vem a Receita Federal e questiona: Se esse reembolso não é uma redução de impostos (porque a exportação é isenta), como classificar o caso na contabilidade?

É um dinheiro, digamos assim, dado - logo, entra como receita. E, se é receita, então paga PIS-Cofins, Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

E isso simplesmente come quase a metade do benefício concedido. O governo recolhe uma parte de volta, mas com uma burocracia adicional. Pode?

Nem se pode dizer que se trata de maldade da Receita Federal. É assim mesmo, a lei manda classificar como receita e cobrar. Custo Brasil no auge.

Sem confessar.

Mas existem também manobras deliberadas para aumentar impostos sem confessar. É o que está fazendo a Secretaria da Fazenda de São Paulo com a indústria automotiva. Trata-se da substituição tributária do ICMS, um esquema para facilitar a arrecadação e a fiscalização.

O fabricante do automóvel, por exemplo, recolhe o imposto devido por ele mesmo e também o imposto devido pela concessionária. Mas como o fabricante sabe qual será o preço cobrado pela concessionária?

Não sabe. Então,o governo estima esse preço e calcula um preço final, utilizando um índice de valor agregado (IVA) de, por exemplo, 30% (dependendo do setor).

O que está acontecendo?

A Fazenda paulista majorou esse índice para alguns setores- o que, na prática, é um aumento de carga tributária. Com a queda nas vendas de automóveis, é um golpe do governo para não perder arrecadação e, assim, não precisar cortar gastos.

E os preços na cadeia automotiva já estão subindo. Depois dizem que não sabem por que os automóveis brasileiros são os mais caros do mundo.

Carga permanente.

Tratei desses assuntos em meu programa na Rádio CBN, na semana passada, e alguns ouvintes me mandaram outros exemplos.

Hermínio conta: "É o caso dos 11% para a seguridade social, retidos nas notas fiscais de prestação de serviços. Esse dinheiro não é 100% compensado na emissão das guias de GPS dos funcionários. Fica um resíduo na mão do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que precisa ser requerido através de ação administrativa. Demora anos. Tenho duas empresas de prestação de serviços que, juntas, deixam mensalmente aproximados R$ 32 mil. Estou falando de R$ 384 mil anuais, que engolem nossa lucratividade. A lei foi criada em 1998 pelo Fernando Henrique Cardoso, e essa injustiça nunca foi corrigida,penalizando as pequenas e as médias empresas, que têm por finalidade gerar emprego e têm margem apertada".

Márcio conta: "Trata-se do Imposto sobre Serviços (ISS).

O Decreto Lei n.º 406 de 31/12/1968 determina que o imposto seja recolhido no município do prestador de serviço. Outras leis, entretanto, permitem a retenção no município onde o serviço é prestado. Resultado: recolho duas vezes pelo mesmo serviço (10%)".

São casos antigos, reclamados e debatidos - e vai ficando por isso mesmo, cada vez mais caro produzir no Brasil.

Bom para poucos.

É verdade, por outro lado, que alguns setores podem ganhar. Por exemplo: a nova forma de contribuição previdenciária que entrará em vigor em agosto.

Para muitas empresas, a contribuição sobre a folha de salários (20%) vai ser substituída por um imposto de 1% sobre a receita. Isso pode representar uma razoável economia tributária e, portanto, um aumento na margem de lucro.

Mas só vale para alguns setores. A carga tributária geral não cai. E o conjunto da obra docusto Brasil acaba pesando mais.

A carruagem, de ouro do euro desanda aos trancos - MARCO ANTONIO ROCHA

O Estado de S. Paulo - 21/05


Pelo andar da carruagem do euro, parece que é nesta semana que teremos o desfecho da propalada hecatombe monetária.E que talvez não seja tão terrível quanto se vaticina. Bancos, governos,agentes financeiros legalizados ou clandestinos estavam fazendo as contas das perdas para o caso de a Grécia sair da zona do euro e reinstituir sua própria moeda. Fazer contas,no jargão empresarial, é outra maneira de se preparar para aguentar o tranco, ou seja, as perdas. 

Esse é um jogo velhíssimo e super conhecido dos viciados em Bolsas de Valores: se não deu certo a jogada, simplesmente stop loss, pare a perda, assuma o prejuízo e parta para outra esperteza velhaca - que talvez dê certo, e a gente se recupera.

Como a crise do euro é fruto, em muito boa parte, de especulação insensata gigantesca, de governos e bancos, igual à das bolsas, a saída pode ser encarada com o mesmo tipo de estoicismo resignado: perdemos, logo, bola pra frente - dizem os jogadores. Esse estoicismo resignado não é, evidentemente, dos trabalhadores que perdem seus empregos. Estes partem para as ruas em protestos e destroem lojas, cujos donos, é claro, também não se podem resignar. Na verdade,ninguém se pode resignar à omissão de governos que, vendo os riscos de débâcle crescerem nos mercados financeiros, nada fizeram para tolher ao menos um pouco essa jogatina desenfreada que assola o mundo nos últimos 10 ou 15 anos.

O fato é que durante esta semana teremos uma resposta: ou a Grécia se desliga mesmo da zona do euro ou os governos europeus se entendem e encontram um jeito de manter a Grécia dentro dela. Na primeira hipótese, o problema para a economia mundial poderá ser mais perturbador do que na quebra do Lehman Brothers, em 2008. A repercussão sobre o nível de crescimento econômico em grande número de países pode realmente tomar proporções catastróficas. Os investimentos se retrairão a um nível mínimo, os empréstimos bancários também, a insegurança paralisará muitas atividades industriais, rurais e de serviços.

Aliás, é espantoso que, num ambiente como o que se prenuncia, esse finório com cara de bocó, dono dessa lorota empresarial chamada Facebook, tenha levantado bilhões de dólares - mais do que uma Petrobrás, que de fato tem ativos e produz petróleo - simplesmente empinando seus papagaios no vento, que é o que ele vende. Antigamente chamava-se de papagaios as notas promissórias que, em geral, o emitente não pretendia pagar. Ficavam rolando de credor em credor, recompradas com sucessivos descontos, até que um dia alguém se suicidava com elas na mão, ou então matava quem as emitira.

Mais que espantoso, é assustadora a IPO do momento, pois revela a amplitude da irresponsabilidade que tomou conta de quem gerencia recursos de terceiros. O "sucesso" de mais esse típico conto do vigário ("Oi, você compra este papel aqui por muito menos do que ele valerá amanhã?") resultou não de uma avaliação séria do negócio do "seu" MarkZuckerberg - como faz qualquer comprador de uma padaria em São Paulo - e, sim, de conchavos de operadores de fundos de pensão, fundos de investimento, corretores de ações e caçadores de prestígio.

E é essa esbórnia especulativa em grande escala que está pondo a pique a Grécia ou o euro, a Europa de todos ou a Europa de ninguém, os empregos e as aposentadorias de milhões de pessoas, as perspectivas de trabalho dos jovens que saem das faculdades para se tornar pouco mais do que pedintes nas ruas das capitais de países alegadamente "desenvolvidos". E não pode haver dúvida de que o surto de frustrações e desesperanças nascido desse estado de coisas lance muitos jovens de muitos países no mundo das drogas e do banditismo, sem esquecer o do terrorismo.

O pontapé inicial da farra dos mercados foi dado primeiro na Bolsa de Londres, em 1986, autorizando que dela participassem instituições financeiras estrangeiras, que assim escaparam das regulamentações bancárias e financeiras dos EUA. E, depois,em1999,o próprio presidente dos EUA, Bill Clinton, revogou as restrições, o Glass-Steagall Act, baixado por Roosevelt para acabar com a esbórnia financeira que criou a depressão daqueles anos.

Com a decisão de Clinton, começou a farra moderna, que se espalhou pelo mundo, e continua até hoje.

O estrago de agora não é só das condições das economias e finanças europeias, é também de doutrinas, acordos e princípios, engendrados, teoricamente, para pôr ordem no mundo.

Por exemplo, o Tratado de Maastricht e o pacto de boa governança entre os países do euro parece que vão para o brejo. Destino não mais glorioso, provavelmente, do que o chamado Consenso de Washington (de 1989), que a esquerda brasileira e o PT tanto queriam dinamitar.

Não foi preciso. Ele se autodinamitou - e já faz tempo: as dez regras de como os governos devem governar não duraram mais que dez anos. Na verdade, tornaram os países ingovernáveis.

O que pode ser mais lamentável, agora, é que a União Europeia, que tanto se buscou e que parecia cada vez mais próxima, pode recair na milenar desunião europeia.

A idade de aposentadoria - FABIO GIAMBIAGI

O Globo - 21/05

Continuo com a série com propostas de modificação das regras que regem a previdência e a assistência social no Brasil, neste conjunto de artigos que já incluiu previamente, no meu encontro mensal com os leitores, a defesa de um novo conjunto de regras para aqueles que vierem a ingressar no mercado de trabalho a partir da aprovação da reforma e de uma regra de transição para aqueles que já estão no mercado de trabalho.

O artigo de hoje trata da idade de aposentadoria. No Brasil, há duas modalidades de aposentadoria programada. A primeira é a aposentadoria por idade e a segunda a chamada "aposentadoria por tempo de contribuição".

Ambas regras, na forma de parâmetros numéricos, estão na Constituição, o que leva os defensores do status quo a tratarem qualquer sugestão de mudança desses parâmetros como um crime de lesa-pátria. Richelieu dizia que "no amor e na política não existe a palavra jamais", e esse é um ensinamento que deveria ser lembrado por essas pessoas. Ora, não faz sentido, na esfera política, tratar como cláusula pétrea um parâmetro associado à aposentadoria, quando se sabe que no mundo inteiro as pessoas estão vivendo cada vez mais. No século XIX, a maioria das pessoas morria cedo e, por isso, praticamente não existia a figura da aposentadoria. Os indivíduos, de um modo geral, cresciam, tornavam-se adultos, trabalhavam e um dia morriam, antes de chegar à velhice. Com os avanços da medicina, o fenômeno da extensão da vida humana generalizou-se, e hoje quase todas as sociedades se organizam para que, a partir de certa idade, quem chega à velhice seja protegido do risco de ficar desamparado quando já não tiver condições de gerar uma renda própria.

No caso da aposentadoria por idade, a Constituição, tanto para o regime geral (INSS) como para os servidores públicos, estabelece que ela deve se dar a partir de 65 anos para os homens e de 60 anos para as mulheres. Deixando de lado a diferença entre homens e mulheres, que será abordada em outro momento, trata-se de idades relativamente apropriadas e não muito distantes das que prevalecem em outros países. O fato de elas serem adequadas hoje, porém, não significa que venham a sê-lo indefinidamente.

A esse respeito, vale lembrar duas coisas. Primeiro, que em diversos países a idade já é elevada: na Escandinávia, por exemplo, os países já migraram para um requisito de idade de aposentadoria de 67 anos. E segundo, que em muitos países já há regras aprovadas com a previsão de que entre 2020 e 2030 - o ano varia entre os países - a idade passará dos 65 anos previstos na grande maioria dessas legislações para os mesmos 67 anos acima citados. Em outras palavras, a preparação para o futuro começa cedo.

O Brasil deveria seguir o exemplo e adotar uma atitude prudente similar, para evitar correr o risco de que daqui a 20 ou 30 anos enfrentemos uma situação como a da Grécia, onde a inadequação entre as regras vigentes e a possibilidade de cumprir efetivamente com os compromissos sociais de diferentes governos gerou uma crise de proporções dramáticas. Em particular, o que tenho sugerido, no caso da regra para os homens, é de que nos próximos anos se aprove uma extensão da idade da aposentadoria para começar a valer em 2020, sendo a nova exigência de 66 anos e que o mesmo dispositivo preveja nova elevação do parâmetro para 67 anos em 2030. Isso valeria apenas para quem se aposenta por idade - as regras para as mulheres e para quem se aposenta por tempo de contribuição serão tratadas depois em outro artigo desta minha série de propostas.

A medida - que requer emenda constitucional - é defensável por cinco razões. Em primeiro lugar, a mudança, numericamente, é relativamente modesta. Em segundo, seria anunciada com enorme antecedência, permitindo tempo para a pessoa se programar. Em terceiro, valeria para todos, sem quaisquer privilégios para grupos específicos. Em quarto, estaria associada a uma realidade que qualquer um pode compreender, relacionada com o fato de que as pessoas, em média, estão vivendo mais. E, em quinto, seria condizente com as práticas observadas em muitos países. Seria bom para o Brasil que o tema fosse tratado com maturidade e sem demagogia pela liderança política do país, nos próximos anos.

Mudança de humor - PAULO GUEDES

O GLOBO - 21/05

Após longo período de altas animadas pelo dinheiro barato dos bancos centrais dos países avançados e por expectativas de recuperação da economia americana, os mercados financeiros registram agora notável mudança de humor. As fortes quedas das bolsas, dos preços das commodities e das taxas de juros de longo prazo indicam temores de esfriamento da economia mundial.

A reaceleração econômica americana sofreu arrefecimento nos últimos meses. A crise europeia ameaça se aprofundar com a eleição dos socialistas na França, a crise bancária na Espanha e o colapso operacional da democracia grega. Até mesmo os emergentes enfrentam o fenômeno da desaceleração econômica, apesar do afrouxamento de suas políticas monetárias - o Brasil baixando os juros e a China reduzindo os recolhimentos compulsórios dos bancos ao Banco Central.

A opinião pública europeia, como ocorreu nos Brasil nos anos 1980, está sendo colocada diante de um falso dilema: "austeridade" versus "crescimento". É evidente que nunca foram essas as verdadeiras alternativas.

Os social-democratas tupiniquins, também hegemônicos, a exemplo do que ocorre na Europa, cometeram na época todas as tolices imagináveis, sempre "em defesa do crescimento" e "contra a austeridade". Em autêntica saga que se tornou o maior desastre da história econômica brasileira, colhemos, em exaustiva e malsucedida sequência, a moratória da dívida externa, o sequestro da poupança interna, a hiperinflação e o completo colapso do crescimento.

Aprendemos após muito sofrimento que responsabilidade fiscal e austeridade monetária são ingredientes indispensáveis ao crescimento econômico com estabilidade de preços. As possibilidades de crescimento haviam se exaurido exatamente pela absoluta falta de austeridade. Da mesma forma, foram justamente os excessos cometidos em nome do bem-estar social que inocularam a euroesclerose e implodiram a arquitetura econômica da Europa meridional.

A tragédia grega é o resultado de péssimas práticas políticas da social-democracia europeia. Abusos contra as finanças públicas. Demagogia no tratamento de assuntos previdenciários. Obscurantismo da legislação trabalhista. A adoção do euro, uma moeda forte por sua dimensão continental, apenas revelou o que já se sabia: o descolamento entre salários, aposentadorias e benefícios crescentes, de um lado, e o declínio da produtividade europeia, de outro.

Fábrica de sindicatos - RICARDO PATAH

FOLHA DE SP - 21/05

Domingo de Carnaval de 2012. Sete horas da manhã. Traficantes assustados mandam olheiros da "boca" verificar por que cerca de 200 pessoas se reuniam numa rua erma, no extremo da Vila Brasilândia, na Capital paulista.

Logo os observadores do tráfico tranquilizam seus chefes e informam que não há perigo.

A movimentação era só um grupo de trabalhadores mobilizados pelo Sindicato dos Comerciários, tentando impedir a "fabricação" de mais um sindicato fantasma.

Só naqueles dias de folia, foram quatro as incursões contra a base do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, o maior do Brasil.

Isso em assembleias convocadas para locais distantes, em imóveis cujos donos nem sequer tinham sido consultados.

E quem estava por trás dessa fábrica de sindicatos? Não se sabe. Quem convocou não apareceu. Nos locais, curiosamente, ninguém se declarou a favor da fundação das entidades propostas, que representariam mais de 50 mil trabalhadores cada. Cenas iguais se repetem quase todos dos dias Brasil afora.

Diariamente, o "Diário Oficial" publica editais convocando assembleias para fundar novos sindicatos. Em parte, esse é um alvissareiro sinal do dinamismo da organização sindical frente ao multiplicar de atividades econômicas e à interiorização do desenvolvimento.

Mas há também uma faceta obscura nesta multiplicação de novas entidades. Malandros, formando quadrilhas, de olho no imposto sindical e, principalmente, na venda de "vantagens" aos patrões, tais como diminuição dos pisos salariais e outras "flexibilizações" que aumentam a superexploração dos empregados.

A partir de 2008, a portaria 186 do Ministério do Trabalho e Emprego criou novas regras para registro de sindicatos. Mas brechas da lei permitem a criação e o desmembramento de sindicatos sem controle efetivo. Basta preencher meia dúzia de formulários, pagar algumas taxas, apresentar documentos e assinaturas que ninguém confere e, pronto, fabricado mais um sindicato.

Mesmo que o sindicato vítima do ataque tome a tempo as medidas preventivas necessárias, ainda assim corre o sério risco de atas fantasmas serem registradas em cartório e picaretas receberem o carimbo do Ministério do Trabalho e Emprego ou a bênção de uma sentença favorável da Justiça do Trabalho. Aí é que está o grande problema!

Faltam regulamentação e fiscalização que impeçam a ação da "fábrica de sindicatos". Assembleias que nunca ocorreram, listas de presenças com cinco ou seis assinaturas fundando entidades para representarem dezenas de milhares de pessoas, fundadores que nem membros da categoria são... Nada disso encontra nas regras impedimento para o registro de sindicatos.

Não podemos perder essa guerra para os fabricantes de sindicatos. Esse deve ser o grande debate envolvendo as centrais sindicais, o governo, a Justiça do Trabalho, o Ministério Público e até a Polícia Federal.

O que se vê é o deslocamento do debate para a extinção do imposto sindical, jogada oportunista, que, no máximo, cortará um dos objetos da cobiça dos fabricantes de sindicatos.

Ao mesmo tempo, sufocará economicamente os sindicatos sérios e tornará ainda mais vital para os malfeitores auferir lucros da pura venda dos direitos dos trabalhadores.

Economia criativa - AÉCIO NEVES

FOLHA DE SP - 21/05


Eventos de porte que têm como base a economia criativa florescem país afora. Amanhã o Fashion Rio abre suas portas, antecipando-se, em duas semanas, ao São Paulo Fashion Week. Há pouco foi encerrado o Minas Trend Preview.

São exemplos do crescimento exponencial de uma atividade econômica que, sem perder o fio de sua origem, a de um artesanato nascido de talentos criativos, expandiu-se como negócio amplo e relevante, gerador de milhares de empregos qualificados e de alto valor agregado.

Há algum tempo os potenciais dessa nova economia vêm ganhando a respeitabilidade do mercado.

A crise de 2008 apressou o debate, ao solapar as bases da economia tradicional e expor a fragilidade de segmentos econômicos antes tidos como inabaláveis.

Ao se reacomodarem, pós-crise, pôde-se observar que essas inovadoras áreas produtivas, até então desprezadas na hierarquia da economia tradicional, dispõem de fôlego e vitalidade surpreendentes.

O que elas têm em comum é o insumo da liberdade, da cooperação e da criatividade. Estão mais para software do que para hardware.

A moda, a informática, a comunicação, a música, o cinema, a arte e o design pontuam nesse campo. Reivindicam, no começo de século 21, com justiça, um protagonismo que antes lhes fora negado, sempre no incômodo papel de figurantes à reboque das locomotivas da velha economia.

Estatísticas da Unctad, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, indicam que, nos primeiros anos da década, os bens e serviços criativos cresceram no mundo a uma taxa surpreendente, quando comparada à manufatura convencional. São números pré-crise. Tendem a crescer ainda mais.

O turismo é outro exemplo. Tanto na França, primeiro destino do mundo, quanto na Espanha, a atividade está entre as que lideram os setores que produzem a riqueza nacional. O Brasil ainda não descobriu esse potencial.

Às vésperas de grandes eventos internacionais, somos reconhecidos pelo Fórum Econômico Mundial como o 1º país em recursos naturais, o 23º em recursos culturais, mas ainda o 114º em políticas e regulamentações de apoio ao setor.

A economia criativa encontra no Brasil a hora e a vez para crescer e nortear os rumos da diferenciação do nosso modelo de desenvolvimento. Pode -e deve- contribuir para a busca de novos modelos de produção e consumo e, consequentemente, para um país e um planeta mais sustentável.

O desafio central dos governos é garantir as condições necessárias para que o novo continue a florescer. O desenvolvimento requer a invenção do futuro, dizia Celso Furtado. E a invenção do futuro exige ética e criatividade.

Cheiro de orégano - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 21/05


RIO DE JANEIRO - No passado, quando se concluía que era besteira continuar a investigar alguma coisa porque não daria em nada, dizia-se que ia acabar em samba. Como se o samba fosse algo oco, anódino, sensaborão, de que se pudesse passar sem.

Imagino o desgosto de Ary Barroso ao ouvir isso -ele que tanto defendia o samba como a grande contribuição musical do Brasil e tinha nevralgia quando alguém anunciava que ia cantar "um sambinha". Pior ainda quando o "sambinha" era "Faceira", "Na Batucada da Vida", "Aquarela do Brasil", "Os Quindins de Iaiá" ou "É Luxo Só", todos monumentais e dele. Pois Ary, que morreu no Carnaval de 1964, deve ter se pacificado postumamente, porque de há muito as coisas não acabam mais em samba, mas em pizza.

O que me intriga é que os que acham pizza a maior coisa do mundo -e são milhões, em São Paulo, Nápoles, Nova York- não se indignem com essa comparação que reduz a pizza a algo inútil, sem sentido, que tanto faz comer como passar nas costas. Quando morei em São Paulo, nos anos 80, conheci gente que derrubou a garagem para transformá-la num forno a lenha do tamanho da própria casa, no qual produziam pizzas do diâmetro de bambolês e faziam toda a vizinhança recender a orégano. Pois nem estes parecem se ofender.

Na semana passada, membros da CPI do Cachoeira, encarregados de investigar as relações do empresário zoológico com a fauna que comanda os gabinetes mais poderosos do país, acusaram o governo de impeli-los a limitar as investigações a alguns bagrinhos, os quais irão temporariamente para a frigideira, a fim de salvar do fogo os peixes mais graúdos.

Donde a velha e temida frase, "CPI a gente sabe como começa, mas não como termina", caducou.

Termina em farinha de trigo, fermento, óleo, mozarela e, digamos, aliche, para fazer de conta.

Passe adiante - MARTHA MEDEIROS

O GLOBO - 20/05


Tenho vários DVDs de shows, e houve uma época em que os assistia atenta ou simplesmente deixava rodando como som ambiente enquanto fazia outras coisas pela casa. Até que os esqueci de vez. Conhecedor do meu acervo, meu irmão outro dia pediu:

— Posso pegar emprestado uns shows aí da tua coleção?

Claro! Ele escolheu quatro e levou com ele. E subitamente me deu uma vontade incontrolável de voltar a assistir aqueles shows. Aqueles quatro, não é estranho?

Logo a vontade passou, mas fiquei com o alerta na cabeça. Me lembrei de uma amiga que uma vez disse que havia comprado um vestido que nunca usara, ele seguia pendurado no guarda-roupa. Um dia ela me mostrou o tal vestido e intimou:

— Pega pra ti, me faz esse favor. Jamais vou usar.

Trouxe-o para casa. Muito tempo depois ela me confidenciou, às gargalhadas, que não havia dormido aquela noite. Passou a ver o vestido com outros olhos. Por que ela não dera uma chance a ele?

Maldita sensação de posse, que faz com que a gente continue apegada ao que deixou de ser relevante. Incluindo relacionamentos.

Uma outra amiga vivia reclamando do namorado, dizia que eles não tinham mais nada e comum e que ela estava pronta para partir para outra. E por que não partia?

— Porque não quero deixá-lo dando sopa por aí.

Como é que é?

Ela não terminava com o cara porque não queria que ele tivesse outra namorada, dizia que não suportaria. Reconhecia a mesquinhez da sua atitude, mas, depois de tantos anos juntos, ela ainda não se sentia preparada para admitir que ele não seria mais dela.

DVDs, roupas, amores: claro que não é tudo a mesma coisa, mas o apego irracional se parece. É a velha e surrada história de só darmos valor àquilo que perdemos. Será que existe solução para essa neura? Atribuir ao nosso egoísmo latente talvez seja simplista demais, porém, não encontro outra justificativa que explique essa necessidade de “ter” o que já nem levamos mais em consideração.

É preciso abrir espaço. Limpar a papelada das gavetas, doar sapatos e bolsas que estão mofando, passar adiante livros que jamais iremos abrir. É uma forma de perder peso e convidar a tão almejada “vida nova” para assumir o posto que lhe é devido. Fácil? Bref. Um pedaço da nossa história vai embora junto. Somos feitos — também —- de ingressos de shows, recortes de jornal, fotos de formatura, bilhetes de amor.

Sem falar no medo de não reconhecermos a nós mesmos quando o futuro chegar, de não ter lá na frente emoções tão ricas nos aguardando, de a nostalgia vir a ser mais potente do que a tal “vida nova”.

Qual é a garantia? Um ano para geladeiras, três anos para carros 0km, cinco anos para apartamentos. Pra vida, não tem. É se desapegar e ver no que dá, ou ficar velando para sempre os cadáveres das vontades que passaram.

“NÃO EXISTE POLÍTICA CULTURAL NO BRASIL” - SONIA RACY

O ESTADÃO - 21/05




“NÃO EXISTE POLÍTICA CULTURAL NO BRASIL”
Antônio Fagundes, em cartaz na cidade, fala sobre teatro, gestão e educação

Em cartaz no papel do pintor russo Mark Rothko, Antônio Fagundes chega ao Teatro Geo cumprimentando todos os funcionários da produção. Sempre pontual, pouco antes de subir ao palco reserva um momento para conversar com a coluna e relatar como é a sensação de, pouco a pouco, ganhar mais gosto pela arte abstrata - universo ao qual não dedicava grande paixão antes de ler a peça de John Logan, Vermelho, sobre o polêmico expressionista.

Fagundes também experimenta, pela primeira vez, dividir o palco com o filho caçula, Bruno. E, mesmo se interessando pelo tema "mestre e discípulo", dispensa paternalismos: "Não acredito mesmo que experiência seja algo que se transfira. É totalmente pessoal", afirma, acrescentando que a boa relação dos dois, transposta para os palcos, só soma no processo criativo: "Além de tudo, quando você chega no camarim, é seu filho que está lá", afirma, sorrindo.

O tom afetivo se torna enérgico quando o assunto é incentivo à cultura. Fagundes, que já fez propaganda política para o PT, hoje cultiva certa desilusão: "A verdade é que nunca houve nenhum governo realmente disposto a investir em educação e cultura. Nenhum", explica. "Um Estado realmente preocupado construiria um teatro em cada bairro, faria companhias municipais, estaduais de teatro. Então, não é uma coisa setorial, isso acontece desde 1500", conclui.

A seguir, os melhores momentos da entrevista.

O que te atraiu na peça?

O texto é como uma cebola, tem muitas camadas. Você descasca e sempre há alguma coisa por dentro. O que mais me fascinou foi essa coisa forte, contundente, que resulta em uma discussão sobre arte, cultura e educação. Só podia acontecer na boca de um personagem como Rothko, que é profundo, um estudioso. Foi um cara que, além de muito importante no panorama artístico da década de 50, foi um teórico, um formador. Isso é muito evidente no texto. Mas tem outras camadas fortes também. Como o conflito de gerações.

Esse conflito aparece no palco com seu filho Bruno?

Sim. O autor foi muito sensível ao colocar um menino de 22 anos ao lado daquele homem. Representando uma esperança, uma nova vontade, nova energia. Justamente no momento em que Rothko está começando a ficar irascível, desiludido com a relação que gostaria de ter com seu público.

Acha que o tema do mestre e do discípulo é algo universal?

Sempre nos fascina. Uma pessoa começando e a outra já no fim da carreira. A outra relação presente no texto é a de pai e filho. E o mais interessante é o crescimento dos dois personagens. Ambos saem transformados, no fim. E personagem é isso: ação. A dramaturgia é perfeita. Eles começam em pontos afastados, se cruzam em um momento e se afastam novamente, modificados. É tudo muito bem elaborado pelo John Logan. Então, quando você lê, percebe essa possibilidade de crescimento. E se identifica com pelo menos uma das camadas da tal cebola (risos).

Você já conhecia a obra do Mark Rothko?

Já. Sempre fui meio avesso à arte abstrata, porque não entendia. Achava que, se era necessário ler oito livros para entender um quadro, havia algum problema. Mas resolvi, há muitos anos, tentar uma aproximação. Ler um desses oito livros para ver o que acontecia. E, por coincidência, foi com o Rothko. Peguei uma biografia dele e me interessei muito por suas histórias; achei impactante. Então, era um personagem conhecido.

Acha que a dificuldade de entender a arte abstrata veio também do teatro, que é uma arte concreta, que lida com a palavra?

Sem dúvida. Ao mesmo tempo, o teatro tem uma forte relação com o visual. Nosso espetáculo, por exemplo, tem um cenário deslumbrante. Uma luz milimetricamente pensada. Isso cria uma relação diferente com a plateia.

O que você vê nas pintura dele, depois de todo esse processo?

Acho que me aproximei muito dele. Não só de forma artística, mas também humana, afetiva. Criamos uma compaixão por ele. O personagem é grandioso e, ao mesmo tempo, incapaz de se comunicar - quando isso era tudo que ele queria. E já brigando por tempo.

Como?

Ele queria tempo das pessoas. Que se sentassem com calma, se aproximassem do quadro, trabalhassem com ele. Imagine isso em 1958... Hoje em dia, ele daria um tiro na cabeça muito mais cedo. Mas minha aproximação foi mais nesse sentido.

Você já afirmou que "experiência não se transfere". Não mudou de ideia nem atuando ao lado de seu filho Bruno?

A frase não é minha, mas uso tanto que passou a ser. Acho mesmo que experiência não se transfere. É um farol voltado para dentro. Acho que podemos orientar, dar um conselho, mas não se transfere, é algo totalmente pessoal.

E como está sendo essa troca? Sempre tivemos um relacionamento muito harmonioso. E trouxemos essa harmonia para dentro do trabalho. Então, é só muito gostoso. Porque, além de tudo, quando chego ao camarim, é meu filho que está lá (sorri).

Você também é diretor. Como faz a separação quando está atuando?

Na verdade, é a mesma coisa sempre. Dependendo do cenário, do jeito que o cara marcou você, do figurino, é um espetáculo diferente. Então, é tudo um exercício conjunto: dirigir, ser dirigido. Por isso gosto de produzir meus espetáculos. Para poder participar, opinar na luz, no cenário. Coisa que não poderia fazer se não fosse o produtor.

Você já afirmou que o teatro está passando por uma crise mortal, por causa das políticas culturais. Explique um pouco.

Quando falo de política cultural, quero dizer tudo: educação; hábitos que não foram criados; o dinheiro que, para a cultura, não existe. Sim, porque 0,2% da dotação orçamentária vai para a cultura. Não é nem do PIB. Nenhum ministério é capaz de funcionar com esse orçamento.

E as especulações que se fazem sobre a queda da ministra Ana de Hollanda?

Nenhum é bom. Os ministros atendem a alguns interesses, mas não resolvem o problema da cultura. Para isso, seria necessário um governo empenhado. E aí, me desculpe, mas acho que tem de ter apoio, sim. Sempre foi assim. Michelangelo foi patrocinado, Beethoven também. Todos eles. Agora, quando você é criado em um ambiente em que nunca foi ao teatro quando era pequeno, também não irá quando se tornar adulto. E se o Estado não se preocupa com isso, quem é que vai se preocupar? Uma ou outra companhia? Isso não é política cultural. Um Estado realmente preocupado construiria um teatro em cada bairro e faria companhias municipais, estaduais de teatro. Então, não é uma coisa setorial, acontece desde 1500.

Acredita que o teatro é a arte que mais sofre com isso?

Não, imagine. O patrimônio histórico, então... fica dilapidado. A dança, o circo... nem se fala. É uma coisa muito grande. Porque 0,2% mal paga o funcionalismo do próprio ministério.

Mas o que acha da ministra?

Coitada, ela não consegue fazer nada. Não adianta... Quem eles querem colocar lá?

Fala-se no Danilo Miranda...

Eu sei. Mas dá na mesma. Então o Sesc pega o Danilo Miranda, que é um cara talentoso, que entende e vem trabalhando na cultura há muito tempo, dá dois bilhões de reais na mão dele para gerir... ele faz bem feito. O que o Sesc fez? Construiu teatros, mais de 20 espalhados pelo Brasil, e muito bem equipados. Que atendem a uma política cultural organizada por ele. Os teatros dos Sescs estão sempre lotados, cobram ingresso barato, ficam dois meses em cartaz. Isso é uma política cultural. Mas, no ministério, é diferente.

Então, você não acredita em projetos como o Vale-Cultura, por exemplo?

Acho que são coisas paliativas. É como o patrocínio. Quando surgiu, todos acreditavam que resolveria o problema da cultura, que iria existir fila de patrocinadores. Até porque era para ter! A empresa tem tudo para ganhar. E, mesmo assim, não se consegue patrocínio. Porque lei não forma mentalidade. Seria necessária uma política cultural anterior a isso para se formar a mentalidade, para que o dono da empresa ficasse pedindo pelo amor de Deus para ir ao teatro.

Como funciona?

É o contrário. O gerente de marketing, quando recebe uma proposta, jamais vai ler aquele texto. Ele não sabe ler aquele texto, não aprendeu isso na escola. Vai demorar três anos para ler e não vai saber nem se é comédia. É verdade. Essa é uma tradição do Brasil. Nunca houve nenhum governo realmente disposto a investir em educação e cultura. Nenhum.

Com tantas críticas ácidas aos governos, você voltaria a fazer propaganda política? Não. Parei. Até por essa razão. Às vezes, você elege o cara, ele faz um negócio lá, e você não tem o mesmo espaço para dizer que não concorda com aquilo. Continuo exercitando minha cidadania votando. Agora, campanha, não faço mais.

Você tem fama de ser rígido com horários, barulho na plateia, celular...

É uma questão de educação, mesmo. A pessoa tem a oportunidade de ver um espetáculo da Pina Bausch, por exemplo, que não está aqui toda semana. Aí, ao invés de prestar atenção naquilo - pelo qual pagou caro -, fica olhando o celular. É o fim da picada! É uma hora e meia da vida dessa pessoa, e ela escolhe mandar um torpedo no lugar de aproveitar a experiência.

Hoje em dia, muita gente tira foto durante o espetáculo, grava ou algo do tipo. A tecnologia afasta as pessoas de experiências como o teatro?

A cultura corre sérios riscos agora. Esse tipo de tecnologia é atomizante. Porque se faz tudo ao mesmo tempo: manda torpedo, olha o espetáculo e combina a pizza de depois. No fim, não presta atenção em nada. E nós precisamos de tempo. É sobre isso a nossa peça: entrar no campo de visão que está sendo proposto e se concentrar. Mas esse tipo de gente não aproveita. Só a internet, porque não exige nada nesse sentido. Então, a pessoa fica lá. Tirando fotos. Porque, depois, quer mostrar que foi ao espetáculo. Não interessa o que ela viu, ela quer mostrar.

Ator verdadeiro, na sua opinião, tem de passar por experiências no teatro?

Acho que não tem essa coisa de ator verdadeiro. Há atores que nunca passaram pelo teatro e são excelentes. Mas o teatro te dá a possibilidade de errar. O erro, na televisão e no cinema, é apagado. E o fato de errar te ajuda a crescer. Nessa peça, por exemplo, ficamos quase um mês na mesa discutindo palavras. O significado delas. Valorizando aquilo. Horas em uma frase. Coisa que, na televisão e no cinema, é impossível. Só isso já faz uma diferença monumental.

E qual é o grande barato de fazer novela?

Exatamente a velocidade. Gosto do desafio de chegar lá de manhã, pegar o texto, gravar e sair uma supercena. Se tivesse mais tempo, não sei se ficaria melhor. Porque também seria necessário um texto melhor, uma maior autoexigência do tipo de trabalho. Aí, não seria televisão.

E o que acha do momento atual do cinema brasileiro?

Sinto que estamos começando a tirar essa coisa, que antigamente existia, de que cinema brasileiro era pejorativo. O que existe hoje é cinema feito no Brasil. Temos filmes excelentes. Mas eles não sobrevivem, por melhor que sejam, justamente pelo problema das políticas culturais. Existem filmes com 10 milhões de espectadores e que não se pagam. Temos poucas salas e falta público. E isso é um ciclo perverso. Sem apoio, não há cinema. É complicado.