O governo brasileiro, mais uma vez, se curvou ao protecionismo argentino, aceitou as imposições do ministro Guillermo Moreno e admitiu discutir as condições de comércio nos termos ditados pelo governo da presidente Cristina Kirchner. Moreno, ministro do Comércio Interior, mas comandante de fato da política argentina de importações, resumiu claramente a rendição das autoridades brasileiras depois de uma reunião no Itamaraty, na terça-feira: "Com a disposição do Brasil de adquirir nossos produtos, obviamente some o problema com a carne suína". Em outras palavras, os exportadores brasileiros de carne de porco serão premiados com uma oportunidade comercial em troca das bondades prometidas pelos representantes de Brasília. Seria um escárnio, talvez uma brincadeira de mau gosto, se esse não fosse o padrão normal das relações entre as autoridades dos dois países, quando se trata de regras de comércio.
O ministro Moreno esteve em Brasília em companhia do ministro de Relações Exteriores de seu país, Héctor Timerman, mas este participou das conversações obviamente como figura decorativa. A irrelevância de seu ministério nessa questão só é comparável à passividade e à mansidão do Itamaraty no trato comercial com os parceiros ditos estratégicos.
Acostumado a agir com truculência no trato com empresários de seu país, ameaçando-os e impondo sua vontade por meio de ordens formais e informais, o principal estrategista do protecionismo argentino encontrou em Brasília interlocutores ideais. Nenhum diplomata brasileiro se dispôs a desmentir os termos das conversações mencionados pelo ministro argentino. Na quinta-feira, o chanceler Antônio Patriota limitou-se a indicar um cronograma de trabalhos: representantes dos dois países deverão reunir-se de novo até a primeira quinzena de junho para uma reunião técnica. "A Argentina está muito longe de ser uma pedra no sapato. É um aliado estratégico", disse o ministro.
Esse "aliado estratégico" ampliou várias vezes, a partir de 2008, as barreiras comerciais impostas a produtos brasileiros. As medidas protecionistas incluíram a eliminação das autorizações automáticas para importação - uma atitude inaceitável numa zona de livre comércio e muito menos admissível numa união aduaneira. Em seguida, o governo argentino passou a retardar as licenças, demorando, para concedê-las, muito mais que os 60 dias permitidos pelas normas da Organização Mundial do Comércio (OMC). O passo seguinte foi exigir dos importadores argentinos a apresentação de declarações juradas a respeito de cada compra planejada - mais um passo para dificultar a entrada de bens estrangeiros.
As barreiras argentinas têm causado prejuízos a produtores brasileiros de eletrodomésticos, calçados, equipamentos agrícolas, roupas, tecidos, cosméticos e diversos tipos de alimentos, para citar só algumas categorias.
Quando já não podia disfarçar sua escandalosa passividade, autoridades brasileiras decidiram impor alguns obstáculos a produtos argentinos. Agora se comprometem a eliminá-los em troca da supressão das barreiras à carne suína. É mais uma rendição. Em vez de continuar pondo panos quentes sobre a questão, o governo brasileiro deveria, em defesa de interesses da economia nacional e também do Mercosul, exigir o fim de todas as políticas incompatíveis com as normas internacionais e, de modo especial, com uma união aduaneira.
Cada capitulação da diplomacia brasileira estimula a manutenção do protecionismo argentino e, mais que isso, a ampliação periódica das barreiras. O governo tem cedido em tudo e já aceitou várias vezes a prorrogação do acordo automotivo entre os dois países, sempre com novas cláusulas a favor dos vizinhos. Pelo acordo original, os dois países deveriam, há muitos anos, ter liberalizado o comércio de veículos e componentes.
É essencial cooperar com a Argentina e discutir, por exemplo, a organização de cadeias produtivas para integrar os sistemas industriais dos dois países. A política seguida pelo governo brasileiro vai na direção oposta, prejudicando a indústria nacional e impedindo o avanço do Mercosul.
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