REVISTA VEJA
A Receita Federal acaba de receber mais de 25 milhões de declarações de renda - quase tudo pela internet, sem que ninguém precise sair de casa, falar com um único funcionário ou fazer fila. Não há papel de espécie alguma. O contribuinte não tem de preencher formulários ou enviar qualquer documento - nem comprovantes da renda que recebeu, nem recibos das despesas que teve. A Receita não lhe manda protocolos ou certidões; fica tudo registrado no computador. O cidadão não precisa assinar nada - e se não precisa assinar também não tem de reconhecer firma. O que vale é a sua assinatura eletrônica, que o identifica como autor da declaração. Ao fim das contas, o Fisco ganha porque consegue receber; a população ganha porque consegue declarar. É um espetáculo de classe mundial. E, também, uma prova indiscutível de que pode haver eficácia na máquina pública.
Por que, num governo que funciona o mal, há um serviço que funciona tão bem? É comum ouvir-se que a tecnologia fez tudo. É um equívoco. O que realmente ganhou essa parada foram as ideias inteligentes, e não a eletrônica. A primeira delas foi perceber que o verdadeiro inimigo era a burocracia da idade da pedra que envenena o poder público no Brasil; se tivesse de se conformar com as suas regras, a Receita não conseguiria, fisicamente, manter vivo o imposto de renda. Adotou, então, um princípio brilhante: mandar para o diabo as normas idiotas, caprichosas e inúteis que ameaçavam a execução de uma das suas principais tarefas e recomeçar do zero com um sistema destinado, acima de tudo, a resolver o problema que tinha de ser resolvido. A segunda atitude foi decidir que o contribuinte, em sua declaração, não tem de provar nada. Ele é, simplesmente, o responsável pelo que declara; depois, se houver problemas, tem de comprovar o que afirmou. É o contrário, exatamente, da postura sagrada da administração pública brasileira.
É pouco comum que se aponte algum mérito num órgão do governo - especialmente nesse, a Receita Federal. Com a possível exceção de Jesus Cristo, que ficou a favor do publicano desprezado por todos, jamais alguém gostou de um coletor de impostos ao longo da história humana. Tudo bem - mas o fato é que, com as declarações de renda, a Receita tem feito um trabalho impecável. Daria para imaginar algo parecido no resto do governo?
Os sinais não são nada bons. A presidente Di1ma não gosta dessa conversa; já chamou de "cegos" os que propõem simplificar o governo. Acha, ao contrário, que o importante é ter mais "controles". Recentemente, ainda, falava-se em Brasília sobre uma "reforma gerencial" pela qual seria possível controlar a cada quinze minutos quantas pessoas pegaram senha nos postos do INSS, obrigar os ministros a apresentar relatórios semestrais de resultados ou enviar direto para a sala da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, e durante as 24 horas do dia, imagens do que está acontecendo nos aeroportos - embora não esteja claro o que a ministra Gleisi pode fazer com tanta imagem assim. Enquanto isso, segundo reportagem recente de O Estado de S. Paulo, o poder público escreve mais de 2 milhões de palavras a cada dia útil, na forma de leis, regulamentos, decretos e por aí afora. Um livro que reunisse só a legislação tributária atual pesaria mais de 7 toneladas. Ou seja, o que está acontecendo, mesmo, é uma situação que fugiu a qualquer tipo de controle - o exato oposto do que quer a presidente. É o estouro de uma manada de mamutes. Mas Dilma, ao contrário da Receita, acha que reduzir a quantidade de mamutes é uma ideia falida. Vai acordar amanhã, como todos nós, com mais 2 milhões de palavras na cabeça.
Nenhum comentário:
Postar um comentário