segunda-feira, maio 21, 2012

O resfriamento global e os estilhaços da crise - PAULO GUEDES

REVISTA ÉPOCA


Aqui e lá fora, os mercados financeiros registram importante mudança de humor. Após longo período de alta, animada pelo dinheiro barato dos bancos centrais e por expectativas de reaceleração econômica, o recente mergulho das Bolsas, dos preços das commodities e das taxas de juros de longo prazo revela uma clara perspectiva de esfriamento da economia mundial.


Os sinais do resfriamento global estão em toda parte. A recuperação econômica americana sofreu esvaziamento nos últimos meses. A crise europeia ameaça se aprofundar com a eleição dos socialistas na França, a crise bancária na Espanha e o colapso operacional da democracia grega. Até mesmo os países emergentes enfrentam o fenômeno da desaceleração econômica, apesar do afrouxamento de suas políticas monetárias - o Brasil baixando os juros e a China reduzindo as reservas compulsórias recolhidas por bancos ao Banco Central. O desabamento dos mercados financeiros reflete, portanto, os temores de uma nova Idade do Gelo, um doloroso prolongamento da grande crise contemporânea.

A dança nos mercados de moedas ocorre também ao som das mesmas trombetas que anunciam o fim do mundo. Uma eventual saída da Grécia da Zona do Euro - e da Grécia apenas - deveria resultar em valorização do euro, pela remoção de seu elo mais fraco. Mas o medo de contágio, em que a saída da Grécia dispare crises bancárias e fuga de capitais em outros elos mais frágeis da cadeia financeira europeia, acabou derrubando o euro e empurrando para as alturas o franco suíço.

O aumento da incerteza e da volatilidade atingiu também o real, fazendo em curto período de tempo disparar a cotação do dólar. De um lado, a desaceleração global derrubou os preços de matérias-primas e produtos agrícolas, rebaixando a trajetória futura de nossas exportações. De outro, o afrouxamento monetário e a redução das taxas de juros internas reduzem o ritmo de entrada de fluxos financeiros.

A Europa vive hoje um enorme pesadelo, a exemplo do que vivemos nos anos 1980, com crises cambiais recorrentes e as exigências de austeridade fiscal e monetária do Fundo Monetário Internacional (FMI). E hoje lá, como antes aqui, a opinião pública se vê diante de um falso dilema. Austeridade ou crescimento? Só um idiota preferiria austeridade a uma perspectiva concreta de crescimento sustentável.

É evidente que nunca foram essas as verdadeiras alternativas dos países europeus. As possibilidades de crescimento sustentável se exauriram exatamente pela absoluta falta de austeridade. Pela irresponsabilidade financeira da social-democracia europeia. Pela demagogia na concessão de benefícios previdenciários. Pela inconsequência na condução das finanças públicas. Pelo descolamento entre salários ascendentes e uma produtividade do trabalho declinante. Pela miopia e pelo corporativismo de suas legislações trabalhistas, que promovem agora uma verdadeira guerra entre as gerações pela brutal discriminação contra os jovens no acesso aos empregos. Os excessos cometidos em nome do Estado de bem-estar social é que implodiram as possibilidades de crescimento da Europa meridional.

Enquanto isso, na Alemanha, a taxa de desemprego atinge seu nível mais baixo em mais de duas décadas. Reformas estruturais em seu regime fiscal e nos mercados de trabalho após a união das duas Alemanhas foram as raízes do brilhante desempenho de sua economia na Zona do Euro. A ponto de o número de imigrantes absorvidos pela economia alemã no ano passado ter atingido o recorde dos últimos 16 anos, com o aumento de 90% no número de imigrantes gregos e de mais de 50% no de espanhóis em relação ao ano anterior. Algo bastante semelhante às grandes correntes migratórias de nordestinos para São Paulo durante nosso período de industrialização.

Foi da mesma forma, por meio de maior austeridade fiscal e monetária, após exaustiva e malsucedida sequência de tentativas heterodoxas de estabilização, que o Brasil restabeleceu os fundamentos para uma trajetória de crescimento sustentável. Todas as tolices macroeconômicas imagináveis foram cometidas justamente “em nome do crescimento” e “contra a austeridade”. A busca do “crescimento” como alternativa à austeridade tornou-se o maior desastre da história econômica brasileira. Moratória da dívida externa, sequestro de ativos internos, hiperinflação e completo colapso do crescimento foi o que colhemos. A estabilidade monetária e a austeridade fiscal revelaram-se, então, ingredientes indispensáveis ao crescimento econômico com estabilidade de preços.

São também os fundamentos para a existência de taxas de juros mais baixas. Os juros no Brasil carregam autênticas jabuticabas. Impostos sobre transações financeiras e provisões para inadimplência aumentam os custos dos empréstimos. Créditos subsidiados dirigidos a empresas e setores escolhidos e recolhimentos compulsórios no Banco Central reduzem a oferta de crédito e aumentam os juros no mercado livre. E tudo piora com o enorme grau de concentração bancária.

Mas não se iludem os macroeconomistas de boa estirpe quanto aos fatores mais importantes para a determinação dos níveis de taxas de juros - além dos hábitos de poupança da população e das oportunidades de investimento no país. A despolitização da moeda, com a manutenção de um regime monetário de alta credibilidade, de modo a garantir o cumprimento de metas de inflação baixas e relativamente estáveis, é a garantia de que as expectativas inflacionárias embutidas nas taxas de juros permaneçam também baixas e estáveis. E um regime fiscal robusto, calibrando uma trajetória de déficits públicos moderados, assegura também juros reais moderados.

Foi exatamente a falta de consistência na dimensão fiscal que empurrou para cima as taxas de juros durante o período extraordinariamente longo de nossos esforços de estabilização. Foi um pecado capital até mesmo do celebrado Plano Real. O Brasil teve os juros mais altos do mundo por mais de duas décadas. A credibilidade do Banco Central, de um lado, ancorando as expectativas de inflação, e a austeridade do regime fiscal, de outro, derrubando os juros reais de equilíbrio, seriam nossa garantia de juros baixos, estabilidade de preços e crescimento sustentável.

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