domingo, abril 15, 2012
O mensalão legalizou o caso Cachoeira - GUILHERME FIUZA
REVISTA ÉPOCA
Carlinhos Cachoeira foi vítima de um mal-entendido. O “empresário da contravenção” (como foi apresentado na Voz do Brasil) foi às compras em Brasília e, ao que se saiba, pagou tudo o que consumiu. Ninguém se sentiu lesado por ele, não se ouviu uma só voz reclamando de calote. É legítimo concluir, portanto, que as belas cifras entoadas nas escutas telefônicas tenham chegado direitinho aos destinatários. Por que, então, perseguir esse homem?
Antigamente, comprar deputados e senadores era ilegal. Mas os tempos mudaram, e só o advogado de Cachoeira não viu. Márcio Thomaz Bastos, o ex-ministro da Justiça, insiste em pedir habeas corpus para o cliente, preso no Rio Grande do Norte, alegando que ele não tem antecedentes criminais. Perda de tempo. Assim como o ex-ministro pode ser muito bem pago com o dinheiro sujo do bicheiro, Demóstenes Torres e companhia podem privatizar seus mandatos à vontade para servir ao “empresário da contravenção”.
Esse caminho foi aberto justamente pelo governo ao qual Thomaz Bastos serviu. Comparado ao esquema das mesadas para deputados, que ficou conhecido como mensalão, a engrenagem de Cachoeira é brinquedo de criança. A boa notícia para o mercado de compra e venda de parlamentares é que, sete anos depois do mensalão, ninguém foi punido.
Por que o ex-ético Demóstenes e seu patrocinador caça-níqueis vão se constranger, com tantos mensaleiros à solta, vagando por Brasília e lhes dando bom dia de cara limpa? Acusado de chefiar a quadrilha, José Dirceu manda e desmanda no governo da companheira de armas Dilma Rousseff – que o prestigia publicamente, em eventos apoteóticos do partido. Diante disso, que mal haverá em acolher no gabinete um bicheiro de estimação?
Num erro imperdoável para grandes advogados, os defensores de Cachoeira e Demóstenes não atentaram para a jurisprudência: comprar parlamentares, desde que por uma causa popular e progressista, é legítimo. E não vale a ressalva de que o mensalão será um dia, quem sabe, julgado. O processo do mais grave escândalo da história da República foi travado politicamente na Justiça brasileira, atravessando três eleições (indo agora para a quarta), o que garantiu a sobrevivência de seus protagonistas e do projeto de poder do PT. Na prática, a absolvição já se deu. O crime compensou.
Só faltam um projeto de lei criando o Bolsa-Bingo e outro criando cotas para mulheres nas fábricas de caça-níqueis
O que o senador e o bicheiro farão para provar que sua causa também é popular e progressista é problema deles. Mas não será difícil. A conexão Dirceu-Delúbio-Valério, com o apoio dos bancos BMG e Rural, criou um duto das empresas estatais para os cofres partidários. Se isso não tirou o status progressista do governo popular, até a jogatina pode ser de esquerda. Aí só será preciso um mínimo de criatividade por parte do contraventor e de seu representante no Congresso: um projeto de lei criando o Bolsa-Bingo, outro instituindo cotas para mulheres nas fábricas de caça-níqueis e, mais importante de tudo, uma choradinha em público, que no Brasil não tem erro.
Os éticos, ou pelo menos os ex-éticos, não haverão de admitir a condenação do senador e do bicheiro por um crime que o mensalão revogou. Desde 2005, a posição da corte suprema foi clara sobre esse caso: dos discursos inflamados de Nelson Jobim, então ministro do Supremo Tribunal Federal, em defesa de José Dirceu, ao pronunciamento em dezembro último do revisor do processo, Ricardo Lewandowski, sobre a possibilidade de parte dos réus nem sequer vir a ser julgada: “Não há dúvida nenhuma de que poderá ocorrer a prescrição (dos crimes)”.
Após sete anos de trabalho cuidadoso da Justiça, às vésperas de mais uma eleição e da extinção dos processos, o revisor do caso informa sobre a perspectiva de julgamento do mensalão: “Não tenho uma previsão clara”. Tradução: a anistia aos parlamentares comprados (ou alugados) e seus contratantes vai muito bem, obrigado. A diferença para o caso Cachoeira é que o contratante é “empresário da contravenção”, enquanto no mensalão os contratantes eram, por assim dizer, “servidores públicos da contravenção”. Os contratados não ligariam para essa diferença.
O Brasil tem duas opções: ou se manca e sai às ruas contra o arquivamento do mensalão ou aceita de uma vez por todas ser governado pelos companheiros da contravenção.
Intimidade - LUIZ FERNANDO VERISSIMO
O GLOBO - 15/04/12
Os dois na cama.
— Bem...
— Mmm?
— Posso te fazer uma pergunta?
— Se você pode me fazer uma pergunta? 40 anos de casados e você precisa de permissão para me fazer uma pergunta?
— É uma coisa que me intriga há 40 anos...
— O que?
— A sua calcinha pendurada no box do chuveiro...
— Sim?
— Está ali para secar ou para molhar mais?
— Como é?!
— A sua calcinha pendurada no...
— Eu ouvi a pergunta. Só não estou acreditando. Há 40 anos você vive com essa dúvida? O que a calcinha dela está fazendo no box do banheiro?
— É. Ela foi lavada e está secando, ou está ali para receber mais água?
— E por que você levou 40 anos para me fazer essa pergunta?
— Sei lá. Eu...
— Você achou que nós não tínhamos intimidade o bastante para tratar do assunto, é isto?. Que eram necessários 40 anos de vida em comum para podermos discutir a minha calcinha pendurada no box sem constrangimentos. É isto? Você sabe tudo ao meu respeito. Sabe toda a minha vida, conhece cada estria e sinal do meu corpo, sabe do que eu gosto e não gosto, em quem eu voto, sabe as minhas manias e os meus ruídos, mas estava faltando este detalhe. Este ponto cego no nosso relacionamento. O que a minha calcinha faz pendurada no box do banheiro.
— Não, eu queria perguntar há tempo, mas...
— Já sei. Você achou que fosse uma coisa só de mulher, que homem jamais entenderia. As calcinhas penduradas no chuveiro seriam uma espécie de demarcação de território, um ritual de congregação tribal. Um mistério que une todas as mulheres do mundo e um terreno em que homem só entra com o risco de enlouquecer. Por isso demorou tanto para fazer a pergunta.
— Nada disso. Eu só...
— Francamente.
Ele já estava quase dormindo quando se deu conta. Ela não respondera a pergunta.
Os dois na cama.
— Bem...
— Mmm?
— Posso te fazer uma pergunta?
— Se você pode me fazer uma pergunta? 40 anos de casados e você precisa de permissão para me fazer uma pergunta?
— É uma coisa que me intriga há 40 anos...
— O que?
— A sua calcinha pendurada no box do chuveiro...
— Sim?
— Está ali para secar ou para molhar mais?
— Como é?!
— A sua calcinha pendurada no...
— Eu ouvi a pergunta. Só não estou acreditando. Há 40 anos você vive com essa dúvida? O que a calcinha dela está fazendo no box do banheiro?
— É. Ela foi lavada e está secando, ou está ali para receber mais água?
— E por que você levou 40 anos para me fazer essa pergunta?
— Sei lá. Eu...
— Você achou que nós não tínhamos intimidade o bastante para tratar do assunto, é isto?. Que eram necessários 40 anos de vida em comum para podermos discutir a minha calcinha pendurada no box sem constrangimentos. É isto? Você sabe tudo ao meu respeito. Sabe toda a minha vida, conhece cada estria e sinal do meu corpo, sabe do que eu gosto e não gosto, em quem eu voto, sabe as minhas manias e os meus ruídos, mas estava faltando este detalhe. Este ponto cego no nosso relacionamento. O que a minha calcinha faz pendurada no box do banheiro.
— Não, eu queria perguntar há tempo, mas...
— Já sei. Você achou que fosse uma coisa só de mulher, que homem jamais entenderia. As calcinhas penduradas no chuveiro seriam uma espécie de demarcação de território, um ritual de congregação tribal. Um mistério que une todas as mulheres do mundo e um terreno em que homem só entra com o risco de enlouquecer. Por isso demorou tanto para fazer a pergunta.
— Nada disso. Eu só...
— Francamente.
Ele já estava quase dormindo quando se deu conta. Ela não respondera a pergunta.
A mulher e o gps - MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA - 15/04/12
Vanessa não falava durante o trajeto, não ouvia música, não apreciava a paisagem. Confiar no senso de orientação do marido, nem pensar
Numa mesa de restaurante, um grupo conversava animadamente sobre relacionamentos de longa duração estavam ali casais que contabilizavam mais de 20 anos de casados até que uma das mulheres começou a expor as diversas razões que fizeram suas núpcias com o marido durarem tanto tempo.
Entre outras coisas, porque eles tinham muitas afinidades, eram muito pacientes um com o outro, gostavam de viajar juntos, prezavam a família, tinham os mesmos sonhos...
E ela foi se empolgando, se empolgando. Quando não faltava quase nada para iniciar um relato minucioso sobre os momentos íntimos entre lençóis, o marido, presente à mesa, largou um Não delira, Vanessa. A gente está junto até hoje por um único motivo: porque inventaram o GPS.
Silêncio. Alguém havia entendido a piada?
Deu-se então a explicação. “A Vanessa até que é boa gente (gargalhadas generalizadas), mas eu já não conseguia andar com ela no carro. Era um tal de vira à direita, cuidado que o sinal vai fechar, a próxima rua é contramão, tem uma vaga atrás daquele carro preto, ali, está vendo? Aqui, aqui!!! Falei. Agora quero ver você achar outra vaga. Só entrando na segunda à esquerda pra fazer o retorno.
Vocês estão me entendendo? A Vanessa não conversava durante o trajeto, não ouvia a música que estava tocando, não apreciava a paisagem. Confiar no meu senso de orientação, nem pensar.
Não sei até hoje se ela me considera capaz de interpretar uma placa de trânsito. Era o tempo todo: entra na próxima, aqui é rua sem saída, por ali a gente vai se perder, não ultrapassa agora porque já já você vai ter que dobrar à direita, por que foi pegar essa avenida movimentada se a rua de trás está sempre livre?
O GPS salvou nosso casamento”.
Até a Vanessa começou a rir. No minuto seguinte, os outros homens da mesa estavam reclamando da mesmíssima coisa, todos narrando o seu próprio filme de terror a cada saída com a esposa, inclusive aproveitando para contar exemplos bem recentes – de uma hora atrás! – quando saíram de casa para encontrar os amigos naquele restaurante escondido numa ruazinha incógnita da zona sul. Se tivessem encontrado um cartório no caminho, teriam parado para se divorciar.
Algumas mulheres não acharam tanta graça, deram uns resmungos, chamaram os maridos de exagerados, mas a Vanessa, desarmada, seguia rindo fácil, rindo à toa, rindo dela mesma, que é a risada mais generosa que há.
Foi então que olhou para o marido com tanta cumplicidade e tanta graça, aquele olhar de quem pede desculpas por ser do jeito que é, que ele não teve alternativa a não ser abraçá-la e confidenciar à mesa, assim que as vozes baixaram o volume:
“Não foi só o GPS. Esse sorriso também ajudou”.
Dizem que os dois se perderam na volta pra casa, mas aposto que foi de propósito.
Vanessa não falava durante o trajeto, não ouvia música, não apreciava a paisagem. Confiar no senso de orientação do marido, nem pensar
Numa mesa de restaurante, um grupo conversava animadamente sobre relacionamentos de longa duração estavam ali casais que contabilizavam mais de 20 anos de casados até que uma das mulheres começou a expor as diversas razões que fizeram suas núpcias com o marido durarem tanto tempo.
Entre outras coisas, porque eles tinham muitas afinidades, eram muito pacientes um com o outro, gostavam de viajar juntos, prezavam a família, tinham os mesmos sonhos...
E ela foi se empolgando, se empolgando. Quando não faltava quase nada para iniciar um relato minucioso sobre os momentos íntimos entre lençóis, o marido, presente à mesa, largou um Não delira, Vanessa. A gente está junto até hoje por um único motivo: porque inventaram o GPS.
Silêncio. Alguém havia entendido a piada?
Deu-se então a explicação. “A Vanessa até que é boa gente (gargalhadas generalizadas), mas eu já não conseguia andar com ela no carro. Era um tal de vira à direita, cuidado que o sinal vai fechar, a próxima rua é contramão, tem uma vaga atrás daquele carro preto, ali, está vendo? Aqui, aqui!!! Falei. Agora quero ver você achar outra vaga. Só entrando na segunda à esquerda pra fazer o retorno.
Vocês estão me entendendo? A Vanessa não conversava durante o trajeto, não ouvia a música que estava tocando, não apreciava a paisagem. Confiar no meu senso de orientação, nem pensar.
Não sei até hoje se ela me considera capaz de interpretar uma placa de trânsito. Era o tempo todo: entra na próxima, aqui é rua sem saída, por ali a gente vai se perder, não ultrapassa agora porque já já você vai ter que dobrar à direita, por que foi pegar essa avenida movimentada se a rua de trás está sempre livre?
O GPS salvou nosso casamento”.
Até a Vanessa começou a rir. No minuto seguinte, os outros homens da mesa estavam reclamando da mesmíssima coisa, todos narrando o seu próprio filme de terror a cada saída com a esposa, inclusive aproveitando para contar exemplos bem recentes – de uma hora atrás! – quando saíram de casa para encontrar os amigos naquele restaurante escondido numa ruazinha incógnita da zona sul. Se tivessem encontrado um cartório no caminho, teriam parado para se divorciar.
Algumas mulheres não acharam tanta graça, deram uns resmungos, chamaram os maridos de exagerados, mas a Vanessa, desarmada, seguia rindo fácil, rindo à toa, rindo dela mesma, que é a risada mais generosa que há.
Foi então que olhou para o marido com tanta cumplicidade e tanta graça, aquele olhar de quem pede desculpas por ser do jeito que é, que ele não teve alternativa a não ser abraçá-la e confidenciar à mesa, assim que as vozes baixaram o volume:
“Não foi só o GPS. Esse sorriso também ajudou”.
Dizem que os dois se perderam na volta pra casa, mas aposto que foi de propósito.
No embalo da CPI - DENISE ROTHENBURG
CORREIO BRAZILIENSE - 15/04/12
Os governadores desembarcam essa semana em Brasfiia dispostos a impor uma derrota ao governo Dilma Rousseff. E, pelo menos, no que se refere à correção da dívida dos estados, o governo já descartou a proposta dos secretários de fazenda e a batalha ficou para o Congresso. Ali, pela primeira vez nesses dois anos, os governadores chegam com alguma vantagem sobre o Poder Executivo. Por dois motivos, primeiro, a CPI, onde o governo Dilma terminou atropelado pelo seu própriopartido. Em segundo lugar, porque, nesse embalo, há partidos dispostos a aproveitar a onda para ver se é possível tirar algum fôlego de Dilma.
Explica-se: a "bronca" dos partidos com o governo não passou. Está apenas amortecida, por conta da CPI para investigar Carlos Cachoeira. Nesses últimos dias, eles apenas deixaram de pressionar por mudanças de ministros ou cargos de segundo escalão. Querem primeiro conseguir enxergar o que tem pela frente, antes de retomar essa pressão com força total. E, no atual estágio, de montagem da CPI e com a imprensa a cada dia colocando mais um personagem nesse enredo, não dá para se ter uma noção clara de até onde essa enxurrada terá força.
Mas num ponto, os aliados do governo e a oposição concordam: a popularidade da presidente está grande demais e quase se descolando do próprio governo dela, como já se descolou do Congresso. Portanto, na visão dos partidos, é preciso tirar uma lasquinha dos tais 77% acumulados em quase um ano e meio de governo para lá de tumultuada E uma forma de fazer isso é impor uma derrota a Dilma no Congresso em votações que não prejudiquem a economia como um todo, ou dando wn jeito de aproveitar a CPI para jogar uma crisezinha no colo do PT. Como fazer isso, o tempo dirá.
Por falar em economia...
Nesse sentido, avaliam, vem bem a calhar a discussão sobre o índice que deve servir de parâmetro para correção da dívida dos estados. O govemo quer usar a taxa Selic. Na última quinta-feira, a, equipe de Dileta Rousseff bateu o pé e avisou que não aceitará á proposta dos governadores de usârcomo indexador o IPCA (índice de Preços ao Consumidor Amplo), que os secretários de Fazenda consideram mais vantajoso para as finanças estaduais. Derrotar o governo Dilma nessa discussão, avaliam alguns senadores, não compromete as contas governamentais como um todo e ainda dá uma ajuda aos estados.
Entre os governadores, a oposição e partidos aliados têm mais espaço do que o PT. Os petistas governam o Distrito Federal, e quatro estados Rio Grande do Sul, Bahia, Sergipe e Acre Se os senadores ficarem como governo federal nesse quesito, muitos consideram que a vitória maior será do PT, que já tem uma presidente popular. Portanto, essa votação se mostra hoje escolhida a dedo para dar uma aliviada nas contas estaduais. E pode ser acoplada ainda de uma redução do percentual de receita que os estados devem comprometer com o pagamento das dívidas.
Por falar em oposição...
Não por acaso o senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi para a tribuna da Casa a semana passada defendera correção via IPCA, dentro do que propõem os estados. O discurso foi feito exatamente 24 horas depois de o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, do PSB, passar por Brasflia reclamando que o governo federal não tem um interlocutor forte para cuidar dos problemas estaduais. E, já que os governadores se ressentem de espaço para discutir seus problemas em bloco no governo federal, Aécio Neves começa a atirar uma bóia a esses atores políticos, tentando criar pontes para o futuro e um atalho para que eles resolvam suas questões diretamente com o Senado.
A aposta da oposição é a de que o clima entre governo e Congresso só tende a piorar diante da CPI que investigará as relações de Carlos Cachoeira com parlamentares e até governadores. E, embora os oposicionistas também tenham a sua cota nessa seara, quem está no poder central sempre tem mais a perder. Não por acaso, a presidente Dilma correu na sexta-feira para São Paulo em busca dos conselhos de Lula e lhe pediu para ir devagar com o andor porque o santo é de barro. Lula viveu uma onda de CPIs em 2005 que quase lhe custou o mandato. Escapou dela incólume e mais prestigiado porque buscou as ruas e o auxílio dos movimentos sociais que, embora de vez em quando briguem com o PT, sempre ficam ao lado dele quando a coisa aperta. Ele aconselhou Dilma a seguir pelo mesmo caminho.
O problema é que ela só terá recursos para fazer valer os programas de governo e, assim manter o povo ao seu lado, se o Congresso não deslocar recursos do caixa da União para o dos estados, como os congressistas começam a fazer agora. Esse é um fone ingrediente da briga que estará em curso no embalo da CPI.
Contículos 3 - LUIZ FERNANDO VERISSIMO
O ESTADÃO - 15/04/12
O avião sacudiu, e o homem pegou a mão da mulher sentada ao seu lado.
– Desculpe – disse o homem. – É que eu...
– O senhor tem medo de voar, é isso?
– É. Na verdade, medo não. Pavor.
O homem continuava apertando a mão da mulher. Ela disse:
– Acalme-se. Foi só uma sacudida.
O avião deu outra sacudida. O homem gemeu e pediu:
– Você pode me abraçar?
A mulher relutou, mas concordou. Envolveu o homem nos seus braços.
– Obrigado – disse o homem. – Era o que a mamãe fazia, quando eu era garoto e nós viajávamos de avião.
– Pronto, pronto – disse a mulher. – Está tudo bem.
Outra sacudida.
– Eu posso agarrar o seu seio? – pediu o homem.
– Meu seio?!
– Para me lembrar da mamãe. Vai me dar mais segurança.
– Pode – disse a mulher, abrindo a blusa para o homem segurar seu seio.
Nisso ouviu-se a voz da aeromoça avisando que era para apertarem os cintos de segurança porque o avião estava entrando numa zona de turbulência.
– Ai meu Deus – disse o homem. E para a mulher: – Comece a tirar a roupa!
Metade
Fazia tempo que o Gordo Mário não aparecia no bar. A turma estranhava. Que fim levara o Gordo Mário? Na certa, gordo daquele jeito, tivera um enfarte. O que seria uma pena. O Gordo Mário era um grande companheiro. Divertido. Sempre alegre. Sempre cheio de histórias. Não podia ter morrido. Era tão popular e tinha tantos amigos que, se tivesse morrido, todos já saberiam.
E o Gordo Mário realmente não tinha tido um enfarte e morrido. Tanto não tinha que um dia reapareceu. Na verdade, quem apareceu foi meio Gordo Mário. Um Gordo Mário magro, quase irreconhecível. Contou que tinha feito uma dieta espetacular e perdido metade do seu peso. Aliás, contou isto várias vezes, para quem quisesse e não quisesse ouvir. O Gordo Mário não tinha outro assunto, só a dieta que o fizera perder a metade do que era.
O consenso no bar foi o seguinte: o Gordo Mário tinha perdido a metade errada.
Escolhas
Albert Camus disse que a única questão filosófica é o suicídio. Surpreende que – tendo sido goleiro na sua juventude argelina – Camus não tenha feito um adendo: as únicas questões filosóficas são o suicídio e o pênalti. Este pensamento não passou pela cabeça nem do Doninho, que ia bater o pênalti naquele final de jogo empatado, nem do Marcão, goleiro do adversário.
Mas os dois estavam vivendo um momento camusiano: dois homens diante da magnitude de uma escolha decisiva, de uma escolha de vida ou morte que só depende deles, que não está nem escrita nem preordenada nas estrelas. Doninho: finjo que vou chutar na direita mas chuto na esquerda, ou chuto na direita mesmo porque ele vai adivinhar que eu vou fazer mesmo o que fingi que ia fazer, para enganá-lo.
A escolha é só minha, Deus não tem nada a ver com isto. Marcão: escolho um lado e me atiro. Se acertar acertei, se não acertar... De qualquer maneira, a escolha é só minha. Doninho corre para a bola e chuta, e o conto termina aqui. Se a bola entra ou não, não é mais uma questão filosófica.
O avião sacudiu, e o homem pegou a mão da mulher sentada ao seu lado.
– Desculpe – disse o homem. – É que eu...
– O senhor tem medo de voar, é isso?
– É. Na verdade, medo não. Pavor.
O homem continuava apertando a mão da mulher. Ela disse:
– Acalme-se. Foi só uma sacudida.
O avião deu outra sacudida. O homem gemeu e pediu:
– Você pode me abraçar?
A mulher relutou, mas concordou. Envolveu o homem nos seus braços.
– Obrigado – disse o homem. – Era o que a mamãe fazia, quando eu era garoto e nós viajávamos de avião.
– Pronto, pronto – disse a mulher. – Está tudo bem.
Outra sacudida.
– Eu posso agarrar o seu seio? – pediu o homem.
– Meu seio?!
– Para me lembrar da mamãe. Vai me dar mais segurança.
– Pode – disse a mulher, abrindo a blusa para o homem segurar seu seio.
Nisso ouviu-se a voz da aeromoça avisando que era para apertarem os cintos de segurança porque o avião estava entrando numa zona de turbulência.
– Ai meu Deus – disse o homem. E para a mulher: – Comece a tirar a roupa!
Metade
Fazia tempo que o Gordo Mário não aparecia no bar. A turma estranhava. Que fim levara o Gordo Mário? Na certa, gordo daquele jeito, tivera um enfarte. O que seria uma pena. O Gordo Mário era um grande companheiro. Divertido. Sempre alegre. Sempre cheio de histórias. Não podia ter morrido. Era tão popular e tinha tantos amigos que, se tivesse morrido, todos já saberiam.
E o Gordo Mário realmente não tinha tido um enfarte e morrido. Tanto não tinha que um dia reapareceu. Na verdade, quem apareceu foi meio Gordo Mário. Um Gordo Mário magro, quase irreconhecível. Contou que tinha feito uma dieta espetacular e perdido metade do seu peso. Aliás, contou isto várias vezes, para quem quisesse e não quisesse ouvir. O Gordo Mário não tinha outro assunto, só a dieta que o fizera perder a metade do que era.
O consenso no bar foi o seguinte: o Gordo Mário tinha perdido a metade errada.
Escolhas
Albert Camus disse que a única questão filosófica é o suicídio. Surpreende que – tendo sido goleiro na sua juventude argelina – Camus não tenha feito um adendo: as únicas questões filosóficas são o suicídio e o pênalti. Este pensamento não passou pela cabeça nem do Doninho, que ia bater o pênalti naquele final de jogo empatado, nem do Marcão, goleiro do adversário.
Mas os dois estavam vivendo um momento camusiano: dois homens diante da magnitude de uma escolha decisiva, de uma escolha de vida ou morte que só depende deles, que não está nem escrita nem preordenada nas estrelas. Doninho: finjo que vou chutar na direita mas chuto na esquerda, ou chuto na direita mesmo porque ele vai adivinhar que eu vou fazer mesmo o que fingi que ia fazer, para enganá-lo.
A escolha é só minha, Deus não tem nada a ver com isto. Marcão: escolho um lado e me atiro. Se acertar acertei, se não acertar... De qualquer maneira, a escolha é só minha. Doninho corre para a bola e chuta, e o conto termina aqui. Se a bola entra ou não, não é mais uma questão filosófica.
O Facebook tem medo da internet - JOHN GAPPER
JOHN GAPPER
O Yahoo!, de 1994, levou 18 anos para chegar à situação atual; o Facebook terá sorte se durar tanto tempo
Não admira que Mark Zuckerberg tenha se comportado de modo tão defensivo na semana passada. Enquanto pagava US$ 1 bilhão para eliminar a ameaça que o Instagram representava para o Facebook, antigos gigantes da web passavam por momentos de humilhação.
O Yahoo!, que revelou mais um plano de reorganização, e a AOL, que vendeu 800 patentes à Microsoft por US$ 1,1 bilhão, estão sob ataque dos fundos de hedge. As duas companhias têm valor de mercado equivalente a apenas uma fração do que atingiram durante a bolha de internet dos anos 1990.
O Vale do Silício foi sempre competitivo, mas as barreiras para o ingresso no boom das redes sociais, em seu estágio atual, são tão baixas, e o capital, tão abundante, que o processo de destruição criativa agora ocorre em ritmo acelerado. Se o Facebook, a caminho de lançar sua oferta pública inicial de ações, pagou US$ 1 bilhão para neutralizar o Instagram, qual será o valor do Pinterest, do Path e de outros serviços que ainda estão por ser inventados?
Porque o Instagram tem receita zero, é impossível determinar em que medida Zuckerberg exagerou na oferta por um único aplicativo, que tem roubado usuários ao Facebook.
Sabemos o que ele teme -repetir o destino de muitas empresas de internet voltadas ao consumidor (entre as quais redes sociais como a Bebo, adquirida pela AOL em 2008 por US$ 850 milhões e vendida no ano passado por US$ 10 milhões). Elas podem ganhar milhões de usuários e conquistar imensos valores de mercado repentinamente -e implodir de maneira igualmente súbita.
O mais notável sobre a transação entre o Facebook e o Instagram é que a mudança de rumo tenha acontecido tão rápido. Em geral, uma empresa precisa estar operando como companhia de capital aberto há ao menos um ou dois anos e sofrer pressão de investidores para que comece a pensar defensivamente a adquirir concorrentes nascentes.
Depois, tem de decidir se vai integrar a nova aquisição às suas demais operações, o que acarreta o risco de arruinar a nova propriedade, ou se vai mantê-la separada.
O Instagram caminhava para ser o maior serviço on-line de fotografia, o que ameaçava o domínio do Facebook sobre a veiculação de fotos, mas Zuckerberg não poderá simplesmente absorver a companhia.
"Trata-se de um marco importante para o Facebook porque pela primeira vez adquirimos um produto e empresa com tantos usuários. Não é algo que planejemos repetir muitas vezes", prometeu. Mas o que acontecerá quando uma nova companhia iniciante começar a atrair a atenção dos usuários do Facebook?
Já existem alguns exemplos, como o Path, rede social móvel para o iPhone e o Android; e o Pinterest, um site de fotos cujo foco é a moda.
Qualquer empresa de tecnologia que planeje permanecer no mercado precisa da capacidade de se defender via aquisições. Mas o fato de que o Facebook tenha feito isso antes de amadurecer revela algo de preocupante quanto à internet. A combinação de barreiras baixas à entrada, distribuição digital, companhias de capital para empreendimentos ávidas por investir, engenheiros de software ambiciosos e a oportunidade de ganhar bilhões geraram um ambiente de hipercompetição.
Mas nenhuma companhia está segura. Warren Buffett é famoso por sua aversão a investir em tecnologia, porque esse tipo de investimento é imprevisível. Os serviços ao consumidor na internet contam com as muralhas mais fáceis de derrubar.
A proteção do Facebook é o efeito de rede propiciado por seus milhões e milhões de usuários, mas a ascensão do Instagram e a derrocada do MySpace e de outros serviços demonstram o quanto isso é frágil.
Zuckerberg tem evitado, até o momento, as armadilhas ao conduzir a ascensão de sua empresa com inteligência, recuando de seus erros com rapidez suficiente para não alienar os usuários. Mas o crescimento do Facebook se desacelerou nos EUA e parece claro que ele começou a se preocupar com as ameaças ao domínio de sua empresa.
O Instagram era uma, mas há outras. A internet tem o desagradável hábito de consumir suas empresas maduras -o Yahoo!, fundado em 1994, demorou 18 anos para chegar à sua situação atual. O Facebook terá sorte se durar tanto tempo.
O Yahoo!, de 1994, levou 18 anos para chegar à situação atual; o Facebook terá sorte se durar tanto tempo
Não admira que Mark Zuckerberg tenha se comportado de modo tão defensivo na semana passada. Enquanto pagava US$ 1 bilhão para eliminar a ameaça que o Instagram representava para o Facebook, antigos gigantes da web passavam por momentos de humilhação.
O Yahoo!, que revelou mais um plano de reorganização, e a AOL, que vendeu 800 patentes à Microsoft por US$ 1,1 bilhão, estão sob ataque dos fundos de hedge. As duas companhias têm valor de mercado equivalente a apenas uma fração do que atingiram durante a bolha de internet dos anos 1990.
O Vale do Silício foi sempre competitivo, mas as barreiras para o ingresso no boom das redes sociais, em seu estágio atual, são tão baixas, e o capital, tão abundante, que o processo de destruição criativa agora ocorre em ritmo acelerado. Se o Facebook, a caminho de lançar sua oferta pública inicial de ações, pagou US$ 1 bilhão para neutralizar o Instagram, qual será o valor do Pinterest, do Path e de outros serviços que ainda estão por ser inventados?
Porque o Instagram tem receita zero, é impossível determinar em que medida Zuckerberg exagerou na oferta por um único aplicativo, que tem roubado usuários ao Facebook.
Sabemos o que ele teme -repetir o destino de muitas empresas de internet voltadas ao consumidor (entre as quais redes sociais como a Bebo, adquirida pela AOL em 2008 por US$ 850 milhões e vendida no ano passado por US$ 10 milhões). Elas podem ganhar milhões de usuários e conquistar imensos valores de mercado repentinamente -e implodir de maneira igualmente súbita.
O mais notável sobre a transação entre o Facebook e o Instagram é que a mudança de rumo tenha acontecido tão rápido. Em geral, uma empresa precisa estar operando como companhia de capital aberto há ao menos um ou dois anos e sofrer pressão de investidores para que comece a pensar defensivamente a adquirir concorrentes nascentes.
Depois, tem de decidir se vai integrar a nova aquisição às suas demais operações, o que acarreta o risco de arruinar a nova propriedade, ou se vai mantê-la separada.
O Instagram caminhava para ser o maior serviço on-line de fotografia, o que ameaçava o domínio do Facebook sobre a veiculação de fotos, mas Zuckerberg não poderá simplesmente absorver a companhia.
"Trata-se de um marco importante para o Facebook porque pela primeira vez adquirimos um produto e empresa com tantos usuários. Não é algo que planejemos repetir muitas vezes", prometeu. Mas o que acontecerá quando uma nova companhia iniciante começar a atrair a atenção dos usuários do Facebook?
Já existem alguns exemplos, como o Path, rede social móvel para o iPhone e o Android; e o Pinterest, um site de fotos cujo foco é a moda.
Qualquer empresa de tecnologia que planeje permanecer no mercado precisa da capacidade de se defender via aquisições. Mas o fato de que o Facebook tenha feito isso antes de amadurecer revela algo de preocupante quanto à internet. A combinação de barreiras baixas à entrada, distribuição digital, companhias de capital para empreendimentos ávidas por investir, engenheiros de software ambiciosos e a oportunidade de ganhar bilhões geraram um ambiente de hipercompetição.
Mas nenhuma companhia está segura. Warren Buffett é famoso por sua aversão a investir em tecnologia, porque esse tipo de investimento é imprevisível. Os serviços ao consumidor na internet contam com as muralhas mais fáceis de derrubar.
A proteção do Facebook é o efeito de rede propiciado por seus milhões e milhões de usuários, mas a ascensão do Instagram e a derrocada do MySpace e de outros serviços demonstram o quanto isso é frágil.
Zuckerberg tem evitado, até o momento, as armadilhas ao conduzir a ascensão de sua empresa com inteligência, recuando de seus erros com rapidez suficiente para não alienar os usuários. Mas o crescimento do Facebook se desacelerou nos EUA e parece claro que ele começou a se preocupar com as ameaças ao domínio de sua empresa.
O Instagram era uma, mas há outras. A internet tem o desagradável hábito de consumir suas empresas maduras -o Yahoo!, fundado em 1994, demorou 18 anos para chegar à sua situação atual. O Facebook terá sorte se durar tanto tempo.
Os novos versos satânicos - SERGIO AUGUSTO
O ESTADÃO - 15/04/12
Ao satanizar as críticas de Günter Grass, um ministro de Israel plagiou e 'talibou' a intolerância dos arqui-inimigos de seu país
Um alemão estragou o Pessach deste ano em Israel. Não com um panzer, mas com um poema. Que o governo local recebeu como se fosse uma praga desviada do Egito para Jerusalém. O poema, a rigor, mais parecia um manifesto, uma diatribe contra o ânimo belicoso do governo de Binyamin Netanyahu e a reiterada intenção de seus pares, militares e civis, de bombardear preventivamente o Irã, desencadeando um conflito de proporções e consequências imprevisíveis.
Até por não ser uma joia literária, não valeu o metafórico carneiro pascal sacrificado pelo ministro do Interior de Israel, Eli Yishai. Ao acusar o romancista Günter Grass de antissemitismo, enquadrá-lo como persona non grata e proibir sua entrada no país, Yishai imolou sim o direito à crítica e a liberdade de expressão nos umbrais de Jerusalém. Ao satanizar os versos de Grass e ensarilhar armas políticas para um combate que deveria ser apenas de palavras contra palavras, o ministro plagiou e talibou a intolerância de seus arqui-inimigos.
Vítima de uma fatwa decretada pelo aiatolá Khomeini por seu romance Versos Satânicos, já lá se vão 23 anos, o indiano Salman Rushdie reagiu rapidamente ao destempero israelense, com três tuitadas, que em resumo diziam o seguinte: a proibição foi infantil; Grass é autor das melhores respostas literárias ao nazismo (O Tambor, Gato e Rato, Anos de Cão); ninguém pode crer seriamente que ele seja antissemita. "É intolerável que todo e qualquer alemão que critique Israel seja tachado de antissemita", protestou Gideon Levy, em sua coluna no diário israelense Haaretz.
Pouco importa se Grass serviu numa organização paramilitar nazista quando tinha 17 anos. Suas críticas não remoem a 2ª Guerra Mundial, não contestam o Holocausto nem questionam os atos de terrorismo cometidos por Menachem Begin três décadas antes de tornar-se primeiro-ministro de Israel. Tratam de uma questão atual: o crescente e incontrolável potencial nuclear de Israel, inacessível a qualquer inspeção. Grass sugere o óbvio: o controle, permanente e igualitário, do potencial nuclear israelense e das instalações nucleares iranianas por uma instância internacional.
"Ele foi até brando", comentou Tariq Ali, há muito agastado com a "linguagem protofascista contra os árabes palestinos" dos atuais líderes de extrema direita israelenses, em particular do ministro das relações exteriores, Avigdor Lieberman.
Avi Primor, embaixador de Israel na Alemanha, pichou o poema, mas qualificou a proibição de "exagerada, histérica ou populista". Além de, acrescento eu, contraproducente (incitou a extrema direita antissemita) e inócua como punição a Grass, que, por seu confesso passado como soldado nos estertores do 3º Reich, já estava proibido de entrar em território israelense há seis anos, por uma lei que, salvo engano, data de 1952. De mais a mais, aos 84 anos, o escritor não deve ter a menor intenção de visitar Israel outra vez.
"Foi uma decisão absolutamente cínica e ridícula", declarou à revista Der Spiegel outro observador acima de qualquer suspeita, o historiador israelense Tom Segev, que se confessa envergonhado de ver seu país comparado a regimes fanáticos, como, por exemplo, o do Irã. Quando, há quatro anos, israelenses vandalizaram e picharam mesquitas, residências e lojas com desenhos da estrela de Davi, em Qebdan, As-Sawiya e outras pequenas cidades palestinas, a comparação desairosa foi bem mais longe, no espaço e no tempo. "Será a estrela de Davi a nova suástica?", perguntou Judy Maldelbaum, na revista online Salon (15 de abril de 2010), arriscando-se a ganhar a pecha de antissemita e também ter sua entrada proibida em todo o território israelense, que, aliás, não para de crescer.
Edmund Sanders, correspondente do Los Angeles Times em Jerusalém, fez um levantamento dos limites à liberdade de expressão na democracia israelense, "que outras democracias rejeitariam". Por não dispor de uma Constituição, tudo lá é decidido pelo Parlamento e a Suprema Corte. Censura prévia a noticiosos e repressão a dissidentes não são novidades naquelas paragens. Uma consulta ao site do Human Rights Watch (www.hrw.org) é um tira-teima seguro.
Grass não foi o primeiro a levar um "Verbotten" pela proa por se meter a besta e criticar o governo de Israel. Em 2008, O cientista político Norman Filkenstein foi preso, deportado e proibido por dez anos de pisar na Terra Prometida. Dois anos depois, o linguista (também americano e judeu) Noam Chomsky foi barrado quando se preparava para dar uma palestra na Universidade de Bir Zeit, em Ramallah (Cisjordânia).
Dois pesos, duas medidas. As autoridades israelenses se desdobraram em rapapés a Gianfranco Fini quando o ex-vice-ministro italiano visitou Jerusalém. Fini é filiado a um partido que descende em linha direta do fascismo. Va bene, o fascismo foi há muito tempo. O nazismo também. Mas só que o ministro de Berlusconi teve a gentileza de dizer que a queima em público de uma bandeira de Israel era muito pior do que a morte de um homem de 29 anos trucidado por uma gangue de skinheads em Verona, em maio de 2008.
Ao satanizar as críticas de Günter Grass, um ministro de Israel plagiou e 'talibou' a intolerância dos arqui-inimigos de seu país
Um alemão estragou o Pessach deste ano em Israel. Não com um panzer, mas com um poema. Que o governo local recebeu como se fosse uma praga desviada do Egito para Jerusalém. O poema, a rigor, mais parecia um manifesto, uma diatribe contra o ânimo belicoso do governo de Binyamin Netanyahu e a reiterada intenção de seus pares, militares e civis, de bombardear preventivamente o Irã, desencadeando um conflito de proporções e consequências imprevisíveis.
Até por não ser uma joia literária, não valeu o metafórico carneiro pascal sacrificado pelo ministro do Interior de Israel, Eli Yishai. Ao acusar o romancista Günter Grass de antissemitismo, enquadrá-lo como persona non grata e proibir sua entrada no país, Yishai imolou sim o direito à crítica e a liberdade de expressão nos umbrais de Jerusalém. Ao satanizar os versos de Grass e ensarilhar armas políticas para um combate que deveria ser apenas de palavras contra palavras, o ministro plagiou e talibou a intolerância de seus arqui-inimigos.
Vítima de uma fatwa decretada pelo aiatolá Khomeini por seu romance Versos Satânicos, já lá se vão 23 anos, o indiano Salman Rushdie reagiu rapidamente ao destempero israelense, com três tuitadas, que em resumo diziam o seguinte: a proibição foi infantil; Grass é autor das melhores respostas literárias ao nazismo (O Tambor, Gato e Rato, Anos de Cão); ninguém pode crer seriamente que ele seja antissemita. "É intolerável que todo e qualquer alemão que critique Israel seja tachado de antissemita", protestou Gideon Levy, em sua coluna no diário israelense Haaretz.
Pouco importa se Grass serviu numa organização paramilitar nazista quando tinha 17 anos. Suas críticas não remoem a 2ª Guerra Mundial, não contestam o Holocausto nem questionam os atos de terrorismo cometidos por Menachem Begin três décadas antes de tornar-se primeiro-ministro de Israel. Tratam de uma questão atual: o crescente e incontrolável potencial nuclear de Israel, inacessível a qualquer inspeção. Grass sugere o óbvio: o controle, permanente e igualitário, do potencial nuclear israelense e das instalações nucleares iranianas por uma instância internacional.
"Ele foi até brando", comentou Tariq Ali, há muito agastado com a "linguagem protofascista contra os árabes palestinos" dos atuais líderes de extrema direita israelenses, em particular do ministro das relações exteriores, Avigdor Lieberman.
Avi Primor, embaixador de Israel na Alemanha, pichou o poema, mas qualificou a proibição de "exagerada, histérica ou populista". Além de, acrescento eu, contraproducente (incitou a extrema direita antissemita) e inócua como punição a Grass, que, por seu confesso passado como soldado nos estertores do 3º Reich, já estava proibido de entrar em território israelense há seis anos, por uma lei que, salvo engano, data de 1952. De mais a mais, aos 84 anos, o escritor não deve ter a menor intenção de visitar Israel outra vez.
"Foi uma decisão absolutamente cínica e ridícula", declarou à revista Der Spiegel outro observador acima de qualquer suspeita, o historiador israelense Tom Segev, que se confessa envergonhado de ver seu país comparado a regimes fanáticos, como, por exemplo, o do Irã. Quando, há quatro anos, israelenses vandalizaram e picharam mesquitas, residências e lojas com desenhos da estrela de Davi, em Qebdan, As-Sawiya e outras pequenas cidades palestinas, a comparação desairosa foi bem mais longe, no espaço e no tempo. "Será a estrela de Davi a nova suástica?", perguntou Judy Maldelbaum, na revista online Salon (15 de abril de 2010), arriscando-se a ganhar a pecha de antissemita e também ter sua entrada proibida em todo o território israelense, que, aliás, não para de crescer.
Edmund Sanders, correspondente do Los Angeles Times em Jerusalém, fez um levantamento dos limites à liberdade de expressão na democracia israelense, "que outras democracias rejeitariam". Por não dispor de uma Constituição, tudo lá é decidido pelo Parlamento e a Suprema Corte. Censura prévia a noticiosos e repressão a dissidentes não são novidades naquelas paragens. Uma consulta ao site do Human Rights Watch (www.hrw.org) é um tira-teima seguro.
Grass não foi o primeiro a levar um "Verbotten" pela proa por se meter a besta e criticar o governo de Israel. Em 2008, O cientista político Norman Filkenstein foi preso, deportado e proibido por dez anos de pisar na Terra Prometida. Dois anos depois, o linguista (também americano e judeu) Noam Chomsky foi barrado quando se preparava para dar uma palestra na Universidade de Bir Zeit, em Ramallah (Cisjordânia).
Dois pesos, duas medidas. As autoridades israelenses se desdobraram em rapapés a Gianfranco Fini quando o ex-vice-ministro italiano visitou Jerusalém. Fini é filiado a um partido que descende em linha direta do fascismo. Va bene, o fascismo foi há muito tempo. O nazismo também. Mas só que o ministro de Berlusconi teve a gentileza de dizer que a queima em público de uma bandeira de Israel era muito pior do que a morte de um homem de 29 anos trucidado por uma gangue de skinheads em Verona, em maio de 2008.
Ficha limpa no amor - DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 15/04/12
A partir de poucos dados você abre sua vida, achando que a chegada do amor dispensa qualquer cautela
Quando você vai comprar um carro usado, chama um mecânico de confiança para dar uma geral e ver se ele está em boas condições; se se trata de um apartamento, procura conversar com os porteiros, saber se existem problemas no prédio, se a paz reina entre os moradores, e quando vai contratar uma doméstica, além de exigir que tenha carteira de trabalho, ainda telefona aos últimos empregos para indagar detalhes, tipo se tem bom gênio, se é cuidadosa, honesta, asseada, e a última, clássica:
E "por que ela saiu de sua casa?". Perguntas, vamos admitir, da maior indiscrição, mas perfeitamente cabíveis; afinal, é alguém que você não conhece e com quem vai conviver.
Aí um dia você acha graça em um homem e deixa que ele não só entre em sua casa como se instale em sua cama e em seu coração. Não sabe bem de quem se trata -ele passou dois anos na Europa, fazendo um vago curso de cinema-, mas, pela maneira como se veste, pelos amigos que tem e as simpatias pelo mesmo partido politico, só pode ser gente fina.
A partir desses dados, abre para ele sua vida, achando que a chegada do amor é um tal acontecimento que dispensa qualquer cautela.
Quanto aos homens, a situação também é grave; se ela é gostosa, segundo o padrão particular de cada um, é o que basta -e depois reclamam.
Mas um belo dia cada um começa a se mostrar como é, e nesse ponto as mulheres, mais dissimuladas que os homens, oferecem uma surpresa por minuto.
Aquela que era tão doce, suave, bem-humorada e resolvida escondeu o que verdadeiramente é: dominadora, prepotente e ciumenta. No começo, ele acha graça e até gosta de ter uma mulher tão apaixonada que tem ciúmes. Mas um dia, numa festa, quando ele está conversando com um amigo e os dois sérios, ela imagina que estão falando de mulher; se estão às gargalhadas, devem estar falando de mulher também, claro.
Em qualquer dos casos, as consequências podem ser dramáticas: se ela chega e diz "que engraçado, na hora em que eu chego o assunto acaba" ou "de que vocês estavam rindo?" -e eles estavam falando de mulher, claro-, o normal é ela ficar emburrada e voltar para casa sem dizer uma palavra. E quem aguenta uma mulher assim?
E ele? Por mais charmoso que seja, quando se conheceram estava sem emprego, dormindo na casa de um amigo -por uns tempos. Foi, aos poucos, se instalando naquele apartamento tão simpático, com aquela mulher que é um doce.
Como trabalhar não é seu forte e cinema é uma profissão delicada, continuam assim por meses; afinal, estão se dando bem, ele vai ao supermercado, faz uma massinha quando ela chega do trabalho (ela, que é carente, finge que não percebe e esquece sempre um dinheirinho no cinzeiro). Afinal, ficar sem emprego acontece com qualquer um e, como é uma situação temporária, pra que mudar as coisas?
Por tudo isso e muito mais, antes de começar um namoro cada um dos interessados tem o direito, ou melhor, a obrigação de procurar saber como foi com os ex do outro, as qualidades e os defeitos -e sobretudo, como foi a separação-, para avaliar se vai valer a pena o investimento emocional.
Mas talvez seja melhor não; se isso acontecesse, acabariam os casais neste mundo.
O jeito é mesmo correr o risco.
A partir de poucos dados você abre sua vida, achando que a chegada do amor dispensa qualquer cautela
Quando você vai comprar um carro usado, chama um mecânico de confiança para dar uma geral e ver se ele está em boas condições; se se trata de um apartamento, procura conversar com os porteiros, saber se existem problemas no prédio, se a paz reina entre os moradores, e quando vai contratar uma doméstica, além de exigir que tenha carteira de trabalho, ainda telefona aos últimos empregos para indagar detalhes, tipo se tem bom gênio, se é cuidadosa, honesta, asseada, e a última, clássica:
E "por que ela saiu de sua casa?". Perguntas, vamos admitir, da maior indiscrição, mas perfeitamente cabíveis; afinal, é alguém que você não conhece e com quem vai conviver.
Aí um dia você acha graça em um homem e deixa que ele não só entre em sua casa como se instale em sua cama e em seu coração. Não sabe bem de quem se trata -ele passou dois anos na Europa, fazendo um vago curso de cinema-, mas, pela maneira como se veste, pelos amigos que tem e as simpatias pelo mesmo partido politico, só pode ser gente fina.
A partir desses dados, abre para ele sua vida, achando que a chegada do amor é um tal acontecimento que dispensa qualquer cautela.
Quanto aos homens, a situação também é grave; se ela é gostosa, segundo o padrão particular de cada um, é o que basta -e depois reclamam.
Mas um belo dia cada um começa a se mostrar como é, e nesse ponto as mulheres, mais dissimuladas que os homens, oferecem uma surpresa por minuto.
Aquela que era tão doce, suave, bem-humorada e resolvida escondeu o que verdadeiramente é: dominadora, prepotente e ciumenta. No começo, ele acha graça e até gosta de ter uma mulher tão apaixonada que tem ciúmes. Mas um dia, numa festa, quando ele está conversando com um amigo e os dois sérios, ela imagina que estão falando de mulher; se estão às gargalhadas, devem estar falando de mulher também, claro.
Em qualquer dos casos, as consequências podem ser dramáticas: se ela chega e diz "que engraçado, na hora em que eu chego o assunto acaba" ou "de que vocês estavam rindo?" -e eles estavam falando de mulher, claro-, o normal é ela ficar emburrada e voltar para casa sem dizer uma palavra. E quem aguenta uma mulher assim?
E ele? Por mais charmoso que seja, quando se conheceram estava sem emprego, dormindo na casa de um amigo -por uns tempos. Foi, aos poucos, se instalando naquele apartamento tão simpático, com aquela mulher que é um doce.
Como trabalhar não é seu forte e cinema é uma profissão delicada, continuam assim por meses; afinal, estão se dando bem, ele vai ao supermercado, faz uma massinha quando ela chega do trabalho (ela, que é carente, finge que não percebe e esquece sempre um dinheirinho no cinzeiro). Afinal, ficar sem emprego acontece com qualquer um e, como é uma situação temporária, pra que mudar as coisas?
Por tudo isso e muito mais, antes de começar um namoro cada um dos interessados tem o direito, ou melhor, a obrigação de procurar saber como foi com os ex do outro, as qualidades e os defeitos -e sobretudo, como foi a separação-, para avaliar se vai valer a pena o investimento emocional.
Mas talvez seja melhor não; se isso acontecesse, acabariam os casais neste mundo.
O jeito é mesmo correr o risco.
O sumiço da peruca de Jesus - HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 15/04/12
Se ainda estivesse entre nós, e é uma pena que não esteja, Geraldo Mayrink teria visto confirmar-se em dobro, na última Semana Santa, sua constatação, tantas vezes repetida, de que não há limites para a insânia. Como todos nós, o saudoso jornalista teria deplorado o trágico momento em que o ator Thiago Klimeck, de 27 anos, se enforcou acidentalmente sob os olhares do povo, quando, na praça da matriz em Itararé, interior de São Paulo, interpretava o personagem Judas - só podia ser ele - numa encenação da Paixão de Cristo. Ninguém percebeu de imediato a gravidade do que se passava. Nos últimos dias, informava-se que o cérebro de Thiago, privado de oxigênio durante os quatro minutos em que o corpo esteve pendurado, teria sofrido danos irreversíveis.
A tragédia de Itararé teve uma contrapartida burlesca que, sem prejuízo do respeito que tinha pela fé alheia, teria divertido o bem-humorado Mayrink. Aconteceu na pequena Inhaúma, a 90 quilômetros de Belo Horizonte, na noite da Quarta-Feira Santa. Pouco antes de sair à rua a Procissão do Encontro, em que dois cortejos, um masculino, outro feminino, levando imagens do Bom Senhor Jesus dos Passos e de Nossa Senhora das Dores, respectivamente, a certa altura se fundem, numa espécie de pororoca da fé, para simbolizar o encontro, a caminho do Calvário, de Cristo com sua Mãe.
Tudo estava pronto para a saída quando alguém, na turma dos homens, deu pela falta de um acessório, e não qualquer um: a peruca do Senhor dos Passos.
Imagem com peruca? Sim, explicou a reportagem do jornal Estado de Minas, contando que antigamente era costume fabricar santos carecas e adornar suas cabeças com perucas de cabelos naturais - não raro, ofertadas por devotas que, atendidas em suas preces, de bom grado sacrificavam as cabeleiras. "Na época de festas e datas comemorativas", detalhou o repórter, "as perucas eram lavadas e recebiam papelotes para formação de cachos."
Como as jubas, mesmo santificadas, com o tempo se deterioram, adquirindo o aspecto de esgarçadas vassouras de piaçava, algum tempo atrás os fiéis de Inhaúma rodaram o pires e investiram o total arrecadado, cerca de R$ 1,7 mil, na encomenda de perucas para o Senhor dos Passos e a Nossa Senhora das Dores. Os adornos capilares foram confeccionados em Maravilhas - município mineiro que, aliás, também tem seu folclore em matéria de ícones: lá existe um Santo Antônio que, reza a lenda, não gostava da capela onde o entronizaram, e por isso, anos a fio, fugia toda noite rumo a uma fazenda, não se sabe se com ou sem peruca. Ficou nesse vaivém até que os moradores de Maravilhas conquistaram sua simpatia com uma grande festa. Paparicado, o santo casamenteiro nunca mais fugiu.
No centro comunitário da Inhaúma, de onde sairia a procissão masculina, os fiéis, perplexos, coçavam as cabeças, sem saber o que fazer. Não dava para levar ao Calvário um Cristo calvo. Como se aproximasse o momento do encontro Dele com Nossa Senhora das Dores, o jeito foi desengavetar uma peruca velha, já aposentada, e com ela compor o visual do Bom Senhor dos Passos. Ninguém reparou.
Previsivelmente, o sumiço das melenas do santo se tornou e continua sendo o assunto imperioso entre os 6 mil habitantes de Inhaúma. Não passou despercebido o fato que o autor do crime não se interessou pela peruca, mais frondosa, de Nossa Senhora das Dores. E houve quem observasse, sem qualquer sentimento de orgulho municipal, que furto de peruca em igreja talvez seja algo inédito, pois larápios na casa de Deus em geral surrupiam imagens, cálices, castiçais.
Quem será a criatura capaz de tamanho sacrilégio? No começo se falou de uma mulher que, tendo cortado os cabelos da filha mais do que deveria, teria se apoderado do adereço do santo para disfarçar a barbeiragem. Uma semana depois, a polícia descobriu que na vizinha Cachoeira da Prata alguém pusera à venda uma peruca. Será a mesma do Bom Senhor dos Passos? O mistério entrou pelo fim de semana e pode ainda reservar surpresas, uma vez que, como dizia o Mayrink, não há limites para a insânia.
De volta ao futuro - ELIANE CANTANHÊDE
FOLHA DE SP - 15/04/12
BRASÍLIA - Para os céticos, o saldo visível da ida de Dilma Rousseff aos Estados Unidos limitou-se à certificação da cachaça brasileira e à criação de dois novos consulados em solo pátrio. Cá pra nós, muito pouco. Para isso, bastaria um encontro dos embaixadores ali na esquina.
Como dito aqui, porém, a importância da visita a Washington está menos no que foi dito e mais no que não foi dito, ou melhor, está no que foi dito diretamente entre Dilma e Barack Obama. E nas possibilidades abertas na economia, no intercâmbio, na cooperação, sobretudo nas áreas de energia e defesa.
Os temas mais espinhosos da política internacional foram claramente discutidos, mas deixados para Hillary Clinton e Antônio Patriota destrincharem em Brasília amanhã, alheios ao clima de CPI do Cachoeira e de guerra política interna.
Aos dois cabe ajustar um pouco mais as visões desfocadas sobre o Irã. Brasil e Turquia mediaram o fracassado acordo com o Irã, mas um foi excluído e se autoexcluiu da nova rodada, ontem, em Istambul, enquanto o outro é o anfitrião. Não será surpresa de Hillary e Patriota recolocarem o Brasil em algum lugar dessa história.
Já quanto a Síria, não tem muito jeito. Não tem lente que dê jeito, pois os dois países acham a situação grave, mas os Estados Unidos insistem em derrubar Al Assad, e o Brasil não quer saber de "interferência em assuntos internos".
No dia 24, chega o secretário de Defesa, Leon Panetta, para mergulhar nesse oceano de oportunidades do emergente Brasil, com renovação de caças, submarinos, navios e todo um sistema bilionário de vigilância de fronteiras terrestres e marítimas.
Dilma apoiou a reeleição de Obama não por ato falho, mas ostensivamente. E por um motivo cristalino: os dois países e seus atuais presidentes têm interesses crescentes e muito trabalho conjunto pela frente. Apesar das divergências.
BRASÍLIA - Para os céticos, o saldo visível da ida de Dilma Rousseff aos Estados Unidos limitou-se à certificação da cachaça brasileira e à criação de dois novos consulados em solo pátrio. Cá pra nós, muito pouco. Para isso, bastaria um encontro dos embaixadores ali na esquina.
Como dito aqui, porém, a importância da visita a Washington está menos no que foi dito e mais no que não foi dito, ou melhor, está no que foi dito diretamente entre Dilma e Barack Obama. E nas possibilidades abertas na economia, no intercâmbio, na cooperação, sobretudo nas áreas de energia e defesa.
Os temas mais espinhosos da política internacional foram claramente discutidos, mas deixados para Hillary Clinton e Antônio Patriota destrincharem em Brasília amanhã, alheios ao clima de CPI do Cachoeira e de guerra política interna.
Aos dois cabe ajustar um pouco mais as visões desfocadas sobre o Irã. Brasil e Turquia mediaram o fracassado acordo com o Irã, mas um foi excluído e se autoexcluiu da nova rodada, ontem, em Istambul, enquanto o outro é o anfitrião. Não será surpresa de Hillary e Patriota recolocarem o Brasil em algum lugar dessa história.
Já quanto a Síria, não tem muito jeito. Não tem lente que dê jeito, pois os dois países acham a situação grave, mas os Estados Unidos insistem em derrubar Al Assad, e o Brasil não quer saber de "interferência em assuntos internos".
No dia 24, chega o secretário de Defesa, Leon Panetta, para mergulhar nesse oceano de oportunidades do emergente Brasil, com renovação de caças, submarinos, navios e todo um sistema bilionário de vigilância de fronteiras terrestres e marítimas.
Dilma apoiou a reeleição de Obama não por ato falho, mas ostensivamente. E por um motivo cristalino: os dois países e seus atuais presidentes têm interesses crescentes e muito trabalho conjunto pela frente. Apesar das divergências.
Vamos e venhamos outra vez - JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo - 15/04/12
Volta e meia, toco no assunto de hoje, sempre com as mesmas opiniões. Não adianta nada, mas sei que há muita gente que pensa parecido e gosta de ver estas observações expostas novamente, com outras palavras. Não há de ser em minha geração, mas virá o dia em que nos tocaremos de vez. Morrerei cético, mas na torcida e com o fio de esperança que todos precisam carregar. Refiro-me a nós mesmos, o tão falado povo brasileiro.
Quando eu era um jovem metido a várias coisas (aliás, tão metido que, se hoje encontrasse um fedelho opinioso como eu era aos 20, desapareceria do recinto assim que ele falasse e me manteria à distância, no mínimo em outro município), os brasileiros não tinham culpa pelo atraso do País, mais tarde adornado com a designação, então em uso chique, de "subdesenvolvimento". A culpa era do imperialismo norte-americano, tudo o que de ruim nos acontecia era culpa do imperialismo norte-americano. Até quando a moça não queria nada com a gente, a culpa era do imperialismo, que impunha padrões de beleza masculina humilhantes e ainda obrigava a gente a usar blusão James Dean no calor de Salvador, afetar ares entediados e besuntar o cabelo com as banhas e cremes fedentinosos que inventavam para nossos penteados serem iguais, por exemplo, ao do Farley Granger. Elas, as coroas do meu tempo, hoje ficam com vergonha e fingem que esqueceram, mas caíam até em sussurrinhos indecorosos, quando esse tal Farley Granger e seu famoso penteado apareciam na tela. Legiões de compatriotas foram assim ultrajados pelo imperialismo.
Para vencer esse poderoso inimigo, mobilizaríamos as massas e faríamos a Revolução. Mas, como já assinalava o bom juízo dos antigos, ser revoltado é fácil, difícil é ser revoltoso. A maior parte dos revolucionários era mais para a revoltada e debatia temas palpitantes, tais como a existência de uma burguesia nacional ou a vigência de regimes feudalistas no Nordeste, e só dois ou três gatos-pingados eram revoltosos e tentavam ir além do debate, geralmente com resultados péssimos para a saúde. A Revolução se foi, o negócio passou a ser as grandiosas Reformas de Base, que ninguém nunca soube direito de que se trataria e que agora todo mundo esqueceu de vez.
Poupando-nos um retrospecto que não traria nenhuma novidade, o que temos é o que está aí. Todo mundo sabe como é ruim a situação do Brasil em carga tributária, em saúde, em educação, em transportes, em segurança pública, em trânsito urbano, em aplicação da justiça, em saneamento básico e, enfim, em praticamente todas as categorias concebíveis. Não lembro um só dia, nos anos recentes, em que uma grande tramoia, um desvio de dinheiro espetacular ou um roubo sem precedentes não seja matéria dos noticiários. Ninguém mais presta atenção direito, confunde tudo e o resultado final é uma espécie de monturo na cabeça da gente, que se amontoa espantosamente a cada dia.
Os partidos políticos não são nada, nem em matéria de crenças e princípios, nem de qualquer outra coisa; não há ideais, há interesses. Não são partidos, são bandos ou, sem esticar demais a metáfora, quadrilhas rapineiras, que não pensam nos interesses do País, mas na aquisição de poder e influência geradora de riqueza. Os homens públicos, dentro ou fora dos parlamentos, em todos os níveis, parecem não conseguir escapar à malha corruptora que abafa o Estado em todas as esferas. E, de qualquer forma, injustiça ou não, a palavra "político" é hoje quase sinônima de ladrão.
Mesmo quando não há ilegalidade, há indecência, há recursos a eufemismos cínicos e trapaças engenhosamente maquiladas de manobras legítimas e o fato é que o Estado, sustentado pelos impostos mais altos do mundo, continua a ser sugado de todas as maneiras, fraudado de todas as formas. Roubam parlamentares, roubam administradores, roubam funcionários, roubam todos. Para lembrar somente um exemplo mais recente, a verba liberada para a reconstrução de Teresópolis, não deve ter sido suficiente, já que nada se fez. Aliás, li que instalaram algumas sirenes. Mas deviam ser de qualidade inferior, porque várias falharam. Isso é o que dá, quando se libera verba sem prever a taxa de corrupção aplicável por praxe.
É pensando nessas coisas que vem uma saudadezinha do imperialismo, era bem melhor, pensem aí. Agora a gente matuta, matuta, e chega à desagradável conclusão de que sempre quisemos botar a culpa do nosso atraso, do subdesenvolvimento ou que outros males nossos citemos, em alguém diferente de nós. A mania vem diminuindo um pouco, mas até hoje é comum um cidadão indignado discursar no boteco, espinafrando o brasileiro - o brasileiro não obedece à lei, o brasileiro é malandro, o brasileiro não tem educação, o brasileiro isso e aquilo. Brasileiro, quem? Ele não, e os outros sim?
Parece sempre necessário lembrar que somos todos brasileiros e envolvidos na vida brasileira. Há quase 200 anos, somos donos exclusivos disto aqui e nunca fizemos por onde honrar a imensa riqueza que herdamos, mas, ao contrário, instauramos desigualdades monstruosas, assaltamos a fazenda pública e fomentamos o atraso à custa do prejuízo geral e do ganho dos privilegiados. Somos nós os responsáveis pelo que está aí, nada disso se fez, ou se faz, por geração espontânea, fomos nós. Cabe repetir a verdade, já cediça, de que os corruptos não são marcianos, são também brasileiros como nós, aqui paridos e criados. Portanto, vamos e venhamos, pode ser chato, mas a evidência se impõe, não é possível fugir dela. Toda árvore boa produz frutos bons, e toda árvore má produz frutos maus. Uma árvore boa não pode dar frutos maus, nem uma árvore má dar frutos bons. O autor destes dois últimos pensamentos foi até um pouco lembrado nesta Páscoa, embora bem menos que o coelho.
Sorte é comigo mesmo - FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 15/04/12
Ganhei amigos quando me tornei poeta e descobri que havia outros, vivos, ali perto de minha casa
Não é para me gabar, mas devo admitir que, apesar de alguns percalços, dei sorte na vida. Isso a começar por ser filho de Newton Ferreira, então centroavante da seleção maranhense de futebol, e de Zizi, sensível à poesia e à pintura.
Dei sorte por ter sido, na infância, amigo de Esmagado, Espírito e Canhoteiro, que jogavam pelada comigo na pracinha do Mercado Novo. Canhoteiro chegou à seleção brasileira, e Esmagado tornou-se ídolo da torcida maranhense.
Antes, ele, Espírito e eu, o Periquito, surripiávamos copos nos botecos da cidade e os vendíamos a um quitandeiro da Camboa. Com o dinheiro, aos domingos, íamos ao cinema Éden e jantávamos numa birosca ali perto.
Isso sem falar nos tantos irmãos e irmãs que tive de cuja amizade desfruto até hoje. Ganhei outros amigos quando me tornei poeta e descobri que, fora os poetas mortos da antologia escolar, havia outros, vivos, ali perto de minha casa, na praça João Lisboa. E foi então que me tornei intelectual, membro do Centro Cultural Gonçalves Dias.
E, como se não bastasse, certo dia, fui procurado por uma moça chamada Lucy Teixeira, que nascera em São Luís, mas estudara direito em Belo Horizonte. De lá, mudara-se para o Rio, de onde viera para passar férias com a família e me trouxe a tese com que Mário Pedrosa concorrera à cátedra de estética e história da arte do colégio Pedro 2º.
Foi então que me meteu na cabeça que devia me mudar para o Rio de Janeiro. Ouvi seu conselho e, no ano seguinte, estava eu instalado no quarto de uma pensão de estudantes que ficava na rua da Glória. Logo me tornei amigo de Mário e dos artistas plásticos que frequentavam seu apartamento. E disso nasceria o movimento neoconcreto.
Por sorte minha, Lucy, em Belo Horizonte, tornara-se amiga de Otto Lara Resende, Fernando Sabino e Hélio Pellegrino, todos já morando no Rio, que era a capital da República e também a capital cultural do Brasil.
Através dela, os conheci e deles me tornei amigo. E ainda por sorte, através deles, conheci Millôr Fernandes, já então famoso por suas charges na revista "O Cruzeiro", sob o pseudônimo de Vão Gôgo.
Foi então que me casei com Thereza Aragão e me mudei para Ipanema, onde já morava Millôr e onde morreria recentemente, no mesmo edifício coberto de pastilhas verde-claro, na esquina da Vieira Souto com a Aníbal de Mendonça.
Passamos a nos encontrar quase todas as manhãs, naquele ponto da praia situado atrás do Country Club, já que meu apartamento era na Visconde de Pirajá, esquina com a Henrique Dumont. Àquela altura, eu trabalhava na revista "Manchete", chamado que fui por Otto, a conselho de Millôr, quando ele soube que me haviam demitido de "O Cruzeiro". Isso é ter sorte ou não é?
Outro período em que eu e Millôr estivemos mais próximos foi no teatro Opinião, durante a montagem de "Liberdade, Liberdade", peça sua e de Flávio Rangel. A ideia de escrevê-la nasceu quando os dois assistiram, ali, ao show "Opinião", que dera início às atividades do grupo, o primeiro espetáculo a contestar a ditadura militar. "Liberdade, Liberdade" foi o segundo.
A peça era constituída basicamente de frases em defesa da liberdade da autoria de filósofos e estadistas, de Platão a Voltaire e George Washington. O regime, ainda que incomodado, hesitou em proibir o espetáculo, já que teria que censurar gente tão ilustre.
É claro, porém, que Millôr não iria se contentar apenas com citar frases célebres de pensadores sisudos. Por isso mesmo, valeu-se do fato de que as cadeiras do teatro rangiam a cada movimento do espectador para fazer a seguinte piada.
"Neste momento, achamos fundamental que cada um tome uma posição definida, seja para a esquerda, seja para a direita. E que fique nela! Porque senão, companheiros, as cadeiras do teatro rangem muito e ninguém ouve nada."
A peça foi um sucesso. Por isso mesmo, os milicos, inconformados, mandaram capangas armados tumultuarem o espetáculo e possivelmente tirá-lo de cartaz.
Descobrimos o golpe a tempo e, com a ajuda de Hélio Fernandes, diretor da "Tribuna da Imprensa" e irmão de Millôr, levamos para lá a polícia, que os desarmou. A peça seguiu sua carreira. Algum tempo depois, uma bomba destruiria parte de nosso teatro. Por sorte, ninguém morreu.
Ganhei amigos quando me tornei poeta e descobri que havia outros, vivos, ali perto de minha casa
Não é para me gabar, mas devo admitir que, apesar de alguns percalços, dei sorte na vida. Isso a começar por ser filho de Newton Ferreira, então centroavante da seleção maranhense de futebol, e de Zizi, sensível à poesia e à pintura.
Dei sorte por ter sido, na infância, amigo de Esmagado, Espírito e Canhoteiro, que jogavam pelada comigo na pracinha do Mercado Novo. Canhoteiro chegou à seleção brasileira, e Esmagado tornou-se ídolo da torcida maranhense.
Antes, ele, Espírito e eu, o Periquito, surripiávamos copos nos botecos da cidade e os vendíamos a um quitandeiro da Camboa. Com o dinheiro, aos domingos, íamos ao cinema Éden e jantávamos numa birosca ali perto.
Isso sem falar nos tantos irmãos e irmãs que tive de cuja amizade desfruto até hoje. Ganhei outros amigos quando me tornei poeta e descobri que, fora os poetas mortos da antologia escolar, havia outros, vivos, ali perto de minha casa, na praça João Lisboa. E foi então que me tornei intelectual, membro do Centro Cultural Gonçalves Dias.
E, como se não bastasse, certo dia, fui procurado por uma moça chamada Lucy Teixeira, que nascera em São Luís, mas estudara direito em Belo Horizonte. De lá, mudara-se para o Rio, de onde viera para passar férias com a família e me trouxe a tese com que Mário Pedrosa concorrera à cátedra de estética e história da arte do colégio Pedro 2º.
Foi então que me meteu na cabeça que devia me mudar para o Rio de Janeiro. Ouvi seu conselho e, no ano seguinte, estava eu instalado no quarto de uma pensão de estudantes que ficava na rua da Glória. Logo me tornei amigo de Mário e dos artistas plásticos que frequentavam seu apartamento. E disso nasceria o movimento neoconcreto.
Por sorte minha, Lucy, em Belo Horizonte, tornara-se amiga de Otto Lara Resende, Fernando Sabino e Hélio Pellegrino, todos já morando no Rio, que era a capital da República e também a capital cultural do Brasil.
Através dela, os conheci e deles me tornei amigo. E ainda por sorte, através deles, conheci Millôr Fernandes, já então famoso por suas charges na revista "O Cruzeiro", sob o pseudônimo de Vão Gôgo.
Foi então que me casei com Thereza Aragão e me mudei para Ipanema, onde já morava Millôr e onde morreria recentemente, no mesmo edifício coberto de pastilhas verde-claro, na esquina da Vieira Souto com a Aníbal de Mendonça.
Passamos a nos encontrar quase todas as manhãs, naquele ponto da praia situado atrás do Country Club, já que meu apartamento era na Visconde de Pirajá, esquina com a Henrique Dumont. Àquela altura, eu trabalhava na revista "Manchete", chamado que fui por Otto, a conselho de Millôr, quando ele soube que me haviam demitido de "O Cruzeiro". Isso é ter sorte ou não é?
Outro período em que eu e Millôr estivemos mais próximos foi no teatro Opinião, durante a montagem de "Liberdade, Liberdade", peça sua e de Flávio Rangel. A ideia de escrevê-la nasceu quando os dois assistiram, ali, ao show "Opinião", que dera início às atividades do grupo, o primeiro espetáculo a contestar a ditadura militar. "Liberdade, Liberdade" foi o segundo.
A peça era constituída basicamente de frases em defesa da liberdade da autoria de filósofos e estadistas, de Platão a Voltaire e George Washington. O regime, ainda que incomodado, hesitou em proibir o espetáculo, já que teria que censurar gente tão ilustre.
É claro, porém, que Millôr não iria se contentar apenas com citar frases célebres de pensadores sisudos. Por isso mesmo, valeu-se do fato de que as cadeiras do teatro rangiam a cada movimento do espectador para fazer a seguinte piada.
"Neste momento, achamos fundamental que cada um tome uma posição definida, seja para a esquerda, seja para a direita. E que fique nela! Porque senão, companheiros, as cadeiras do teatro rangem muito e ninguém ouve nada."
A peça foi um sucesso. Por isso mesmo, os milicos, inconformados, mandaram capangas armados tumultuarem o espetáculo e possivelmente tirá-lo de cartaz.
Descobrimos o golpe a tempo e, com a ajuda de Hélio Fernandes, diretor da "Tribuna da Imprensa" e irmão de Millôr, levamos para lá a polícia, que os desarmou. A peça seguiu sua carreira. Algum tempo depois, uma bomba destruiria parte de nosso teatro. Por sorte, ninguém morreu.
Em ritmo de mutirão - DORA KRAMER
O Estado de S.Paulo - 15/04/12
O ministro Carlos Ayres Britto toma posse na presidência do Supremo Tribunal Federal na próxima quinta-feira confiante em que o processo do mensalão possa ser julgado no prazo de 20 dias úteis de trabalho quase ininterrupto: de segunda a sexta-feira, com sessões de manhã e à tarde, em ritmo de mutirão.
Assim que o ministro revisor, Ricardo Lewandowski, liberar o processo, o novo presidente da Corte consultará os colegas sobre a ideia do esforço concentrado e levará o tema à pauta, respeitadas as 48 horas de antecedência para publicação no Diário da Justiça. "O script será definido pelo colegiado."
A preliminar, que não depende dele, é a liberação do relatório do revisor. Se isso ocorrer no mês de maio, "como seria o ideal", o julgamento poderia ser concluído até o fim de junho, antes do início oficial do período de campanhas eleitorais, em 6 de julho.
Na visão de Ayres Britto, o melhor seria que o processo não entrasse na pauta do Supremo no segundo semestre, pois 6 ministros (3 titulares e 3 substitutos) dos 11 integrantes da Corte estarão voltados integralmente para as atividades do Tribunal Superior Eleitoral.
"A possibilidade de o julgamento ocorrer durante o período eleitoral torna de fato mais difícil a sua conclusão ainda este ano", aponta, ressalvando, no entanto, que considera factível a hipótese de acontecer antes das eleições.
Não obstante esteja atento ao processo - "incomum, pela quantidade de réus (38), de testemunhas, pelo volume dos autos, pelo risco de prescrição e o interesse que desperta no público" -, o mensalão não é a agenda principal de Ayres Britto em seu curto período na presidência, até novembro - quando completa 70 anos no dia 18 e será obrigado a se aposentar.
Essencial, na concepção dele, é dar cumprimento à função do STF de assegurar o cumprimento da Constituição, "o documento que põe o Estado e a sociedade nos eixos".
Nesse sentido será o discurso de posse que começa hoje a escrever no avião - "por isso trouxe o computador" - na viagem entre São Paulo e Brasília. "Vou fazer um chamamento à necessidade de que sejamos militantes obsessivos da Constituição", adianta.
É a maneira pela qual, diz o ministro, o Supremo se afirma "para compensar o déficit de legitimidade que temos pelo fato de não termos sido eleitos: não governamos, mas nossa função é impedir o desgoverno fazendo da Constituição um corpo vivo do qual emanam políticas públicas prioritárias".
Outro ponto a ser abordado no discurso de posse de Ayres Britto é o chamado "ativismo do Judiciário", por vezes chamado pejorativamente de "judicialização" da política. "Quando dizem que estamos interferindo em outros poderes não levam em conta que isso é inerente à atividade: quando a coisa fica feia, quando os dissensos se impõem, as partes recorrem ao Judiciário."
Há, na opinião dele, ativismo sim, "mas sem protagonismo" nem usurpação de poderes. O que tem acontecido de diferente "é a disposição do Supremo de enfrentar essas questões mais polêmicas e sensíveis com as quais o Legislativo muitas vezes evita se defrontar".
Isso pela própria natureza da atividade, originária de votos. "A instância política tende a recuar quando acha que suas decisões possam provocar prejuízos eleitorais, mas o Judiciário é imune a isso."
Portanto, não vê sentido na versão de que movimentos externos de desmoralização daqueles que os réus do processo veem como algozes possam influir no julgamento.
"Os juízes são vacinados contra qualquer tipo de pressão, o que não quer dizer que não deva considerar os anseios coletivos de modo a conciliar o Direito com a vida real."
Ayres Britto diz isso se referindo mais a questões que dependem da interpretação dos preceitos constitucionais do que propriamente ao caso específico do "caso rumoroso".
"O Supremo tem consciência da gravidade do problema, mas nem eu como condutor do processo nem quaisquer dos ministros nos investimos de nossas funções com a faca nos dentes ou vestidos em luvas de pelica."
Antes da hora - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 15/04/12
Quantas crianças caberiam sentadas no Maracanã? Adultos seriam 86 mil, antes da reforma, mas as crianças ocupam menos espaço e nas arquibancadas poderiam se apertar. O que vocês acham: 100 mil? 120 mil? Se for isso, nem um Maracanã seria suficiente para pôr sentadas todas as crianças de apenas 5 a 9 anos que trabalham no Brasil. Elas são 123 mil. Na faixa de 10 a 13 anos, precisaríamos de vários estádios porque são 785 mil.
Os dados acima eu ouvi na Organização Internacional do Trabalho (OIT), mas a entidade usa a estatística do IBGE, da última Pnad disponível. Estive num encontro, dias atrás, em São Paulo, com especialistas no assunto. Eles dizem que o número pode ser maior, por pesquisas que fazem, e porque parte desse trabalho se dá dentro de casa, e o domicílio, por lei, é inviolável.
Os números oficiais já são alarmantes o suficiente e mostram a aceitação de uma irracionalidade. Crianças que trabalham se desempenham mal nas escolas ou acabam saindo delas na adolescência. Serão trabalhadores despreparados no futuro. E pior, o país reproduz a cadeia da miséria que quer erradicar. Há pesquisas mostrando que elas terão, ao longo da vida, em média, uma renda menor do que aquelas que fizeram tudo na época certa. Na infância e adolescência: brincar, estudar, praticar esportes, e dar tempo para que o corpo e a mente se formem para a vida adulta saudável e produtiva.
As entidades que se dedicam ao assunto em suas várias formas - trabalho infantil, exploração sexual, envolvimento com tráfico e outros crimes - estão com a sensação de que a sociedade não tem muita sensibilidade para o problema. Acham que persistem mitos, como o de que o trabalho infantil enobrece, ensina, prepara para a vida, forma o caráter. Muitos adultos hoje contam histórias de que começaram a trabalhar cedo. Alguns têm um enredo de superação, mas são incontáveis - porque invisíveis - os casos de fracasso, de pessoas que porque não se educaram, e trabalharam cedo demais, ficaram na miséria e desenvolveram sequelas e limitações incapacitantes.
Renato Mendes, coordenador nacional do Programa Internacional de Erradicação do Trabalho Infantil da OIT, diz que há boas notícias também: o problema vem diminuindo ao longo das últimas duas décadas a ponto de já se poder sonhar com a erradicação, no curto prazo, do trabalho nas faixas de idade menor, como de 5 a 9.
Se forem incluídas outras faixas etárias até os 17 anos são quatro milhões de crianças e adolescentes no trabalho. Em 1992, eram 10 milhões. De 2004 a 2009, houve redução de um milhão de crianças e adolescentes na estatística. Houve uma onda forte de combate, quando foram divulgadas denúncias de trabalho em carvoarias e outros setores insalubres e perigosos. Hoje, a OIT notou que o ritmo de melhora está em queda e o problema começou a ficar invisível para a sociedade.
- É um problema que exige muito das políticas públicas. Se houver mais creches, haverá menos trabalho doméstico. Se houver ensino em tempo integral, o adolescente ficará menos vulnerável a ser recrutado por atividades ilegais. As escolas não estão sendo suficientemente atrativas para manter o estudante, por isso as crianças vão para as escolas quando mais jovens, mas o índice de evasão na adolescência é muito alto. As pessoas que têm ingresso prematuro no mercado de trabalho têm alta taxa de desemprego mais tarde. Muitas estão expostas a atividades perigosas ou proibidas, como o tráfico de drogas e a prostituição - disse Mendes.
Ele acha que o ponto crítico é o de 14 a 17 anos porque há uma tolerância da sociedade e até um incentivo a que isso ocorra. Programas como o do Menor Aprendiz não foram contados na estatística. São regulamentados, têm o horário certo para não impedir a vida educacional, garantias trabalhistas e uma lista das atividades que não podem ser executadas com segurança por menores. Por lei, e por acordo internacional assinado pelo Brasil, existem 94 atividades que não podem ser exercidas por menores, por serem perigosas, insalubres e prejudiciais a pessoas em formação. O que se inclui na estatística de trabalho infantil e de adolescente são as atividades proibidas, criminosas e executadas fora das leis trabalhistas:
- O percentual de crianças e adolescentes com 14 ou 15 anos que trabalhavam diminuiu de 19,9% para 16,1% entre 2004 e 2009. Entretanto, cerca de 1,2 milhão de pessoas nessa faixa etária estavam ocupadas no ano de 2009.
Há diferenciações a serem feitas, entre trabalho leve em casa, de ajuda aos pais, que não prejudicará o adolescente, e o trabalho excessivo, até de crianças, determinado pela miséria da família, ou emprego doméstico de menor. Existem 182 mil adolescentes de 16 e 17 anos no Brasil em trabalho doméstico sem carteira. Trabalhando nas casas das famílias. São principalmente do sexo feminino e estão expostas a "esforços físicos intensos, isolamento, abuso físico, psicológico e sexual" que comprometem seu desenvolvimento social e psicológico.
Há aberrações criminosas, como o recrutamento dos meninos pelo tráfico, e das meninas pelas redes de prostituição. Há muito que o governo, as empresas, a sociedade podem fazer contra esse mal. O primeiro passo é entender que o problema existe, é complexo, e não se deixar envolver pelos mitos que cercam o trabalho infantil como meritório. Um país não combate aquilo que não enxerga como distorção ou crime.
Quantas crianças caberiam sentadas no Maracanã? Adultos seriam 86 mil, antes da reforma, mas as crianças ocupam menos espaço e nas arquibancadas poderiam se apertar. O que vocês acham: 100 mil? 120 mil? Se for isso, nem um Maracanã seria suficiente para pôr sentadas todas as crianças de apenas 5 a 9 anos que trabalham no Brasil. Elas são 123 mil. Na faixa de 10 a 13 anos, precisaríamos de vários estádios porque são 785 mil.
Os dados acima eu ouvi na Organização Internacional do Trabalho (OIT), mas a entidade usa a estatística do IBGE, da última Pnad disponível. Estive num encontro, dias atrás, em São Paulo, com especialistas no assunto. Eles dizem que o número pode ser maior, por pesquisas que fazem, e porque parte desse trabalho se dá dentro de casa, e o domicílio, por lei, é inviolável.
Os números oficiais já são alarmantes o suficiente e mostram a aceitação de uma irracionalidade. Crianças que trabalham se desempenham mal nas escolas ou acabam saindo delas na adolescência. Serão trabalhadores despreparados no futuro. E pior, o país reproduz a cadeia da miséria que quer erradicar. Há pesquisas mostrando que elas terão, ao longo da vida, em média, uma renda menor do que aquelas que fizeram tudo na época certa. Na infância e adolescência: brincar, estudar, praticar esportes, e dar tempo para que o corpo e a mente se formem para a vida adulta saudável e produtiva.
As entidades que se dedicam ao assunto em suas várias formas - trabalho infantil, exploração sexual, envolvimento com tráfico e outros crimes - estão com a sensação de que a sociedade não tem muita sensibilidade para o problema. Acham que persistem mitos, como o de que o trabalho infantil enobrece, ensina, prepara para a vida, forma o caráter. Muitos adultos hoje contam histórias de que começaram a trabalhar cedo. Alguns têm um enredo de superação, mas são incontáveis - porque invisíveis - os casos de fracasso, de pessoas que porque não se educaram, e trabalharam cedo demais, ficaram na miséria e desenvolveram sequelas e limitações incapacitantes.
Renato Mendes, coordenador nacional do Programa Internacional de Erradicação do Trabalho Infantil da OIT, diz que há boas notícias também: o problema vem diminuindo ao longo das últimas duas décadas a ponto de já se poder sonhar com a erradicação, no curto prazo, do trabalho nas faixas de idade menor, como de 5 a 9.
Se forem incluídas outras faixas etárias até os 17 anos são quatro milhões de crianças e adolescentes no trabalho. Em 1992, eram 10 milhões. De 2004 a 2009, houve redução de um milhão de crianças e adolescentes na estatística. Houve uma onda forte de combate, quando foram divulgadas denúncias de trabalho em carvoarias e outros setores insalubres e perigosos. Hoje, a OIT notou que o ritmo de melhora está em queda e o problema começou a ficar invisível para a sociedade.
- É um problema que exige muito das políticas públicas. Se houver mais creches, haverá menos trabalho doméstico. Se houver ensino em tempo integral, o adolescente ficará menos vulnerável a ser recrutado por atividades ilegais. As escolas não estão sendo suficientemente atrativas para manter o estudante, por isso as crianças vão para as escolas quando mais jovens, mas o índice de evasão na adolescência é muito alto. As pessoas que têm ingresso prematuro no mercado de trabalho têm alta taxa de desemprego mais tarde. Muitas estão expostas a atividades perigosas ou proibidas, como o tráfico de drogas e a prostituição - disse Mendes.
Ele acha que o ponto crítico é o de 14 a 17 anos porque há uma tolerância da sociedade e até um incentivo a que isso ocorra. Programas como o do Menor Aprendiz não foram contados na estatística. São regulamentados, têm o horário certo para não impedir a vida educacional, garantias trabalhistas e uma lista das atividades que não podem ser executadas com segurança por menores. Por lei, e por acordo internacional assinado pelo Brasil, existem 94 atividades que não podem ser exercidas por menores, por serem perigosas, insalubres e prejudiciais a pessoas em formação. O que se inclui na estatística de trabalho infantil e de adolescente são as atividades proibidas, criminosas e executadas fora das leis trabalhistas:
- O percentual de crianças e adolescentes com 14 ou 15 anos que trabalhavam diminuiu de 19,9% para 16,1% entre 2004 e 2009. Entretanto, cerca de 1,2 milhão de pessoas nessa faixa etária estavam ocupadas no ano de 2009.
Há diferenciações a serem feitas, entre trabalho leve em casa, de ajuda aos pais, que não prejudicará o adolescente, e o trabalho excessivo, até de crianças, determinado pela miséria da família, ou emprego doméstico de menor. Existem 182 mil adolescentes de 16 e 17 anos no Brasil em trabalho doméstico sem carteira. Trabalhando nas casas das famílias. São principalmente do sexo feminino e estão expostas a "esforços físicos intensos, isolamento, abuso físico, psicológico e sexual" que comprometem seu desenvolvimento social e psicológico.
Há aberrações criminosas, como o recrutamento dos meninos pelo tráfico, e das meninas pelas redes de prostituição. Há muito que o governo, as empresas, a sociedade podem fazer contra esse mal. O primeiro passo é entender que o problema existe, é complexo, e não se deixar envolver pelos mitos que cercam o trabalho infantil como meritório. Um país não combate aquilo que não enxerga como distorção ou crime.
Partidos e representação - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 15/04/12
A fragmentação do sistema partidário brasileiro é considerada por muitos analistas de nosso cenário político como a razão para a instabilidade das relações entre o Executivo e o Legislativo. Por isso o historiador José Murilo de Carvalho, membro da Academia Brasileira de Letras, considera que o começo de uma reforma institucional deveria se dar pelos sistemas eleitoral e partidário, para evitar o risco de paralisia decisória e a compra de votos e partidos, colocando em contraposição conceitos de governabilidade e corrupção.
Para ela, o número de partidos "sempre gera maior custo de transação, mas não necessariamente afeta os resultados ou aumenta problemas de governabilidade", o que depende "da posição ideológica dos partidos parlamentares".
"Há estudos, com amostra do mundo inteiro, que mostram que, acima de três partidos e alguma coisa, há uma queda nos efeitos negativos do número de partidos", lembra Argelina Figueiredo.
Ela se diz favorável ao sistema eleitoral brasileiro, proporcional com lista aberta. "Mudanças só na regulamentação e fiscalização de campanhas."
É contra o voto distrital, até mesmo o que chama de "a conta de chegar" do sistema distrital misto, pois não aceita "nada que limite o poder de escolha do eleitor, ou seja, a representação".
Enquanto Sérgio Abranches defende o fim das coligações proporcionais, segundo ela, "não há causalidade entre coerência e coligações".
As coligações eleitorais têm objetivos, como não desperdiçar votos, por exemplo, "que são exógenos à ideologia dos partidos e não têm efeito sobre eles".
Argelina Figueiredo explica que "partidos ideológicos se coligam se acham que, por meio de alianças, vão ter resultados mais eficazes na mobilização dos eleitores. Da mesma forma que ocorre com partidos não ideológicos".
Ela admite que as coligações podem ter impacto "na capacidade de os eleitores poderem responsabilizar o partido em que votaram, mas no caso do Brasil ainda podem responsabilizar o parlamentar, ou seja, o parlamentar pode ser punido".
Ela também é contra as chamadas "cláusulas de barreira", que estipulam um percentual mínimo de votos para que os partidos possam ter representação no Congresso, e lembra que "já existe uma cláusula de barreira no próprio distrito do partido que é o coeficiente eleitoral".
Para excluir do quadro partidário os chamados "partidos de aluguel", ela diz que algumas medidas poderiam ser adotadas, por exemplo com relação ao tempo de TV.
Mas considera que "o mais fundamental é garantir que nenhuma cláusula de barreira possa atingir partidos ideológicos ou de representação de opiniões (verde, municipalista, cristão etc)".
"Prefiro que alguns partidos de aluguel permaneçam do que partidos que representam qualquer corrente de opinião sejam excluídos."
Para Argelina Figueiredo, "são exatamente as instituições de representação, a forma de governo e de organização do Estado (federalismo) que, permitindo vários pontos de entrada no sistema político, constituem um sistema de checks and balances que neutraliza a força do Executivo no interior do sistema decisório".
Já o cientista político Sérgio Abranches considera a fragmentação partidária um problema, embora admita que "sobre esse ponto há enorme controvérsia. Qualquer solução é muito difícil, porque afeta os cálculos individuais de elegibilidade dos próprios parlamentares que teriam que votar as mudanças".
Abranches diz que sempre foi contra o voto distrital, que na sua opinião "só pioraria as coisas, com o localismo que lhe é inerente".
Uma das soluções para reduzir a fragmentação dos partidos seria a mudança de cálculo da proporcionalidade, "para acabar com as sobras de votos que elegem representantes sem votos".
Ele defende a mudança do sistema D"Hondt, que utilizamos, para o Saint Laguë. A diferença é que o primeiro "permite sobras grandes, que produzem o "efeito Enéas", pelo qual um candidato muito bem votado elege outros praticamente sem voto, enquanto o segundo "cobra" mais votos para eleger cada deputado e praticamente elimina as sobras".
Esse método, adotado nas sociais-democracias escandinavas, tende a reduzir o número de partidos que conseguem representação entre 4 e 6. "Isso, somado à proibição de alianças e coligações, reduziria consideravelmente a fragmentação e permitiria melhorar significativamente a governança no presidencialismo de coalizão", diz Sérgio Abranches.
A não coincidência entre as eleições nacionais - presidente, senadores e deputados federais - e as locais - governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores - "permitiria dar um pouco mais de conteúdo nacional às campanhas nacionais e um pouco mais de teor programático às alianças".
Fora isso, Abranches aponta o problema da corrupção, "que ficou crônico", como uma questão a ser superada .
Seu enfrentamento depende de atitudes fortes do presidente, tolerância zero, Dilma às vezes parece querer chegar nisso; da independência do Ministério Público e da Polícia Federal; e da formação de consenso contra a impunidade no Judiciário." (Terça-feira, falam os políticos).
Caetano Veloso e os elegantes uspianos - PAULO WERNECK
FOLHA DE SP - 15/04/12
RESUMO Caetano Veloso comenta o ensaio recém-publicado "Verdade Tropical: Um Percurso do Nosso Tempo", em que Roberto Schwarz faz uma crítica ao livro de memórias do compositor, mas também destaca sua qualidade literária. Caetano fala de silêncios da esquerda, do estigma de conservador e reponde ao ensaísta.
"Gosto de atrito. É a base do sexo", diz Caetano Veloso à Folha. "Mas não rejeito o antagonismo."
Quinze anos depois de publicar suas memórias da Tropicália em "Verdade Tropical", um antigo antagonista bate à porta de Caetano: o crítico marxista Roberto Schwarz, no ensaio "Verdade Tropical: Um Percurso do Nosso Tempo". O texto, inédito, foi incluído no recém-lançado "Lucrécia versus Martinha" (veja crítica na pág. 6), que a Companhia das Letras lhe enviou em primeira mão.
O ensaio "reconta" criticamente a narrativa, transformando-a na história da conversão de um "menino portador de inquietação" de província a um "novo Caetano", que "festejou a derrocada da esquerda como um momento de libertação". Ao mesmo tempo, põe nas alturas a prosa do baiano.
Schwarz critica seu "traço de personalidade muito à vontade no atrito mas avesso ao antagonismo", as "ambivalências" do tropicalismo, o "patriotismo fantasioso" e "supersticioso" do compositor, sua "defesa do mercado", seu "confusionismo", sua "cumplicidade" com os agentes que o prenderam -e por aí vai.
Em suma, o ensaísta afirma que "Verdade Tropical" "compartilha os pontos de vista e o discurso dos vencedores da ditadura". Em outro momento, recrimina o "regressivo" "amor aos homens da ditadura" que Caetano e Gil expressaram.
"Esse parágrafo de Schwarz é cruel e tolo", rebate Caetano. "A prisão me pôs mais profundamente em inimizade com o projeto dos militares de direita que tomaram o Brasil". Ele reafirma sua "teimosia em permanecer no campo da esquerda", mas também diz ter deixado de temer, em 1967, "palavras como 'conservador' ou 'de direita', como se fossem xingamentos que ostracizam", diz. Direita e esquerda, nos anos da ditadura e hoje, são o foco desta entrevista, concedida por e-mail.
Ele aponta o silêncio de Schwarz e de outros expoentes do pensamento de esquerda, como a filósofa Marilena Chaui, a respeito do totalitarismo em regimes comunistas como a China e a Coreia do Norte: sobre isso, diz ele, "nossos elegantes uspianos nada dizem".
"Verdade Tropical" volta à pauta não somente pelas mãos de Schwarz, mas também pela edição em separado de um de seus capítulos, "Antropofagia", na coleção Grandes Ideias [Penguin Companhia, 72 págs., R$ 10,90].
Em agosto, o compositor completa 70 anos. A gravadora Universal abre as comemorações neste mês, com o relançamento, em CD e LP, de seu cultuado "Transa". Quarentão, o álbum foi remasterizado pelo produtor original, Steve Rooke. Em maio, sai por aqui "Live at Carnegie Hall With David Byrne", já lançado nos EUA. E, em agosto, um tributo com artistas brasileiros e estrangeiros.
Depois de produzir "Recanto", disco de Gal Costa com canções suas, Caetano volta-se para a composição de um novo CD a ser gravado com a banda Cê, que o acompanhou em "Cê" (2006) e "Zii & Zie" (2009).
Folha - Roberto Schwarz faz um misto de valorização literária e severa crítica ideológica de "Verdade Tropical", 15 anos depois da publicação. O que retém em sua leitura?
Caetano Veloso - É envaidecedor que Schwarz tenha escrito tanto (e com tanta energia) sobre meu velho livro. Claro que não coincido com o grosso da crítica ideológica. No entanto, retenho a observação de que o argumento desenvolvido a partir da cena central de "Terra em Transe" seja, no livro, um tanto mal concebido.
Por que Schwarz só publica o ensaio 15 anos depois do seu livro?
Não sei. Talvez ele o tenha lido com grande atraso (não 15 anos de atraso, é claro) e demorado muito para decidir-se a discuti-lo publicamente. Talvez ele tenha tardado também em metabolizar o que leu.
Por que o livro renasce agora, com a edição de bolso de um de seus capítulos e a crítica de Schwarz?
Não sei.
Como foi a recepção do livro nos países em que foi publicado?
Foi publicado, em boas traduções, na Itália e na Espanha (e países de língua espanhola). A tradução francesa é horrível. A grega eu não sei ler. De qualquer modo, todas as traduções partem da edição americana (os direitos fora do Brasil e de Portugal são da Knopf), que deformou muito a estrutura do original. Todos os elogios literários que o livro mereceu de Roberto não seriam justificados para quem só lesse as traduções.
Me lembro de que a "New York Times Book Review" deu resenha favorável. Ouço comentários positivos de amigos argentinos, espanhóis e italianos. Também de alguns gregos. Na França parece que, além da tradicional mania francesa de traduzir como quem corrige o original, deram o longo texto a pessoas totalmente desqualificadas intelectualmente: já que se trata de um livro de cantor pop, por que pedir a alguém que saiba ler e escrever para traduzir?
Schwarz vê a relação dos tropicalistas com a esquerda como uma "comédia de desencontros", na qual haveria mais afinidades do que divergências. Seu livro descreve longamente as divergências, e Schwarz agora as reitera. Ainda é possível falar em afinidades?
Claro que há e sempre houve afinidades. Gil e eu, além de Tom Zé e Rogério Duprat, sempre fomos "de esquerda". Nossos amigos foram sempre majoritariamente de esquerda. Na altura do tropicalismo deu-se uma virada em mim, e também em Gil, pelo menos, que exigia repensar tudo por conta própria, desfazendo adesões automáticas. O maior inimigo era esse automatismo.
A cena de "Terra em Transe" é positiva porque expõe a quebra do automatismo ideológico a que artistas e intelectuais se viam presos. Quando o protagonista fala, o tom blasfemo revela tratar-se de um momento liberador. Claro que, uma vez olhando as coisas mais livremente, os males da esquerda apareceriam.
O ensaio atribui a você uma "generalização para a esquerda do nacionalismo superficial dos estudantes que o vaiavam" e a visão da "esquerda como obstáculo à inteligência". Desde então, que renovação você vê na esquerda do ponto de vista cultural?
Toda cartilha ideológica, pode ser -e frequentemente é- obstáculo à inteligência. Eu tinha amigos na extrema esquerda que gostavam do que eu fazia e nada opunham ao tropicalismo.
Já contei em minha coluna no "Globo" como quase dei apoio logístico ao grupo de Marighella, através de minha amiga Lurdinha, uma guerrilheira que foi torturada e a quem [o delegado Sérgio Paranhos] Fleury se refere, numa entrevista, como a pessoa mais corajosa que ele conheceu.
Aliás, Hélio Oiticica, Glauber e Zé Celso eram de esquerda, além de Rubens Gerchman, Zé Agrippino e Rogério Duarte. O "desbunde" foi sobretudo um evento interno ao mundo das esquerdas. Hoje em dia, quando Delfim é defensor de Lula e Dilma e se opõe a FH, gosto da revista "Fevereiro", de Ruy Fausto, e detesto blogs como o de Paulo Henrique Amorim.
Sempre me pergunto por que Roberto Schwarz ou Marilena Chaui nunca têm nada a dizer sobre o que se passa na Coreia do Norte (não vale dizer que a "grande imprensa já diz"). Por que Lula e Tarso Genro mandaram de volta, num avião venezuelano, os atletas cubanos que tinham pedido asilo político ao Brasil? Isso é admissível? Ninguém na esquerda reclama de nada disso?
Os esforços intelectuais de [Theodor] Adorno para igualar a vida americana ao Terceiro Reich e à União Soviética só servem para provar repetidas vezes que as liberdades nas democracias liberais são suspeitas: a ostensiva falta de liberdade em países comunistas nunca é combatida, nem eloquentemente, nem cedo.
Quando eu era moço, intelectuais de esquerda dizerem-se anti-stalinistas representava um piso mínimo de elegância: quase nunca passava de uma declaração para se poder continuar sendo comunista. Não havia (como Tony Judt mostrou que não havia na França) um esforço crítico, por parte de intelectuais de esquerda, de se opor aos estados policiais.
É interessante notar que Zizek elogia o imperialismo chinês no Tibete e desculpa as paradas fascistas da Coreia do Norte. Nossos elegantes uspianos nada dizem.
Qual foi a novidade em termos de crítica ao tropicalismo no Brasil e no exterior?
Não leio quase nada sobre tropicalismo. Às vezes esse movimento é citado em publicações sobre música popular, às vezes em artigos acadêmicos (de estudos sobre América Latina ou língua portuguesa). Nada me impressiona muito.
Augusto de Campos e Ferreira Gullar polemizaram em torno de acontecimentos dos anos 1950 e 60, o país discute a Comissão da Verdade, torturadores têm sofrido "esculachos" na porta de casa. A conta dos anos 1960 e 70 não fecha?
Que conta fecha? Mas vamos andando. O ser humano é um desequilibrador. Pessoalmente, sou pela Comissão da Verdade. Há um trecho crucial em "Verdade Tropical", que Schwarz sintomaticamente ignora, em que conto o quanto aprendi sobre a verdade da sociedade brasileira ao ouvir, na cadeia, urros de dor de torturados, os quais não eram nossos companheiros de prisão política. Havia quem dissesse que se tratava de presos políticos vindos de outros quartéis. Mas chegou-se à conclusão de que eram presos comuns, ladrões da Zona Norte, bandidos.
Pois bem, antes da ditadura, durante e depois, esses maus tratos vêm se dando nas delegacias e prisões civis e militares. Se não denunciarmos (e mesmo punirmos) os torturadores que trabalhavam para o Estado, não teremos a saúde social mínima necessária para começar a acabar com isso.
Há um paralelo entre o público dos festivais e os comentaristas de internet e blogueiros de hoje?
Deve haver. Mas não interessa.
O que pensa da Comissão da Verdade e da Lei da Anistia?
Senti que o modelo espanhol da Anistia serviria para o Brasil. Hoje sou totalmente pela Comissão da Verdade e não acho que torturadores devam ser perdoados. Os guerrilheiros foram punidos (inclusive com tortura e morte). É enganoso equiparar os dois tipos de crime.
Você é retratado como um memorialista "comprometido com a vitória da nova situação, para a qual o capitalismo é inquestionável". Como responde à acusação de "conservadorismo" político?
Deixei de temer palavras como "conservador" ou "de direita", como se fossem xingamentos que ostracizam, em 1967. Minha teimosia em permanecer no campo da esquerda vem de minha crença na possibilidade de mudar para melhor o jeito de a gente viver sobre a Terra. Não descarto sequer a eventualidade de alguma violência. Mas estou certo de que o que se chama de esquerda também atrapalha muito.
O mito do Brasil e de sua oportunidade de originalidade me põe numa situação em que posso sonhar mais alto, pondo os horrores das revoluções e seus desdobramentos sob crítica. Por essa razão me atraem mais as sugestões de Mangabeira Unger do que as repetições da esquerda uspiana.
Ele abre espaço para a originalidade do Brasil. Para mim isso é fatal: somos originais, seremos originais ou desapareceremos. O capitalismo não é inquestionável: que a gasolina americana tivesse sido enriquecida com chumbo porque isso a fazia mais rentável, e que o empresário que usou essa vantagem tenha mantido em segredo a descoberta de que o chumbo era prejudicial à saúde pública para não ver cair o lucro; e que, depois de essa descoberta ter-se tornado pública, a gasolina americana tenha reduzido gradativamente até zero seu teor de chumbo, mas a brasileira não, por razões de lucro (com todas as implicações de acumulação de capital e de reafirmação de poderes imperialistas), é algo que expõe a que graus de irracionalidade e de desumanidade pode chegar uma organização social que se submeta à exclusiva força da grana. Sou contra.
Mas não quero que os que lutam contra isso possam ganhar poderes autocráticos. Uma revolução feita a partir da originalidade benigna de um Brasil de sonho deveria não precisar ser sangrenta e poderia, de qualquer modo, orientar os serviços que alguém queira prestar à Justiça de um jeito diferente daquele que tem sido desenvolvido pelos movimentos revolucionários da esquerda convencional. Estes têm levado à autocracia e a Estados policiais. Sou contra.
Além disso, quando se diz "capitalismo" o que é mesmo que se está querendo dizer? O capítulo sobre o conceito no livro de Mangabeira é instigante. E Lacan disse uma vez que "o inconsciente é capitalista".
Schwarz critica o "amor aos homens da ditadura" expresso por Gilberto Gil ao tomar ayahuasca e comenta os seus elogios à letra de "Aquele Abraço": "A lição aplicada pelos militares havia surtido efeito". Como vê essa avaliação severa?
Esse parágrafo de Schwarz é cruel e tolo. A prisão me pôs mais profundamente em inimizade com o projeto dos militares de direita que tomaram o Brasil. A descrição dos solavancos por que passamos não poderia ser desinfetada para agradar aos revolucionários de gabinete. Sou muito franco e apaixonado pela clareza e pela luz.
Gosto mais do esclarecimento do que da Dialética do Esclarecimento, que tanto obscurece. (Aliás, desconfio dessa escolha da palavra "esclarecimento" em lugar de "Iluminismo".)
A lição aplicada pelos militares surtiu efeito em mim: me fez mais realista, mais conhecedor dos pesos concretos da vida. Foi sob a ditadura, sobretudo na prisão, que aprendi a odiar o odiável em nossa sociedade.
Para o ensaísta, há uma discrepância entre as visões de "Verdade Tropical" sobre o Brasil pré-64: ora é descrito como um "ascenso socializante", com sua experiência em Santo Amaro e em Salvador, ora como "um período incubador de intolerância e ameaça à liberdade". Você enxerga essa discrepância?
Eu poderia ter sido um garoto de esquerda, sem desconfianças a respeito sequer do stalinismo. Mas não fui. Me atraiu o livro de Luís Carlos Maciel sobre Beckett, Kafka e Ionesco: a esquerda que eu conhecia era lukacsiana e ninguém falava em Adorno em 1963 em Salvador (embora se falasse muito em Gramsci, o que era pioneiro).
Poderia ter sido um garoto assim e, depois, descoberto que nos países comunistas (não só na URSS e seus satélites, mas na China de Mao, em Cuba, na Coreia do Norte) o Estado desrespeitava oficialmente os mais básicos direitos humanos -e ter me revoltado contra o projeto comunista.
Mas eu era um garoto desconfiado da "ditadura do proletariado", além de ser um sujeito pacato da baixa classe média que sentia natural horror pelo aspecto violento das revoluções.
Descobrir que a experiência do "socialismo real" era de fazer temer os esboços de implantação do comunismo entre nós não foi uma surpresa assustadora. Foi um gradual reconhecimento da complexidade das coisas. Isso aparece em meu livro com todas as idas e vindas por que minha mente passou. Com as nuances e sem evitar as questões que não ficaram resolvidas dentro de mim.
Não é um livro de propaganda ideológica. É um relato em que as reflexões relembradas -ou as sugeridas pela lembrança- acompanham cada passo.
Você se reconhece na descrição que o crítico faz de seu "traço de personalidade muito à vontade no atrito mas avesso ao antagonismo"?
Gosto de atrito. É a base do sexo. Mas não rejeito o antagonismo.
Sou nitidamente contra o Brasil ter devolvido os atletas cubanos. Sou nitidamente contra o manifesto dos militares reformados. Sou nitidamente contra Lula ter apoiado a eleição de Ahmadinejad antes de o próprio Irã decidir se as eleições tinham sido fraudadas ou não.
Bendito entre as mulheres - MÔNICA BERGAMO
FOLHA DE SP -15/04/12
O ator Du Moscovis vive na ficção e na vida real rodeado por mulheres, mas acha que o papel delas não deve ser superestimado
Eduardo Moscovis, 43, se senta à mesa de uma churrascaria com sistema de rodízio, em Botafogo, no Rio, e é direto. "Quero paleta de cordeiro, picanha nobre e fraldinha", pede ao garçom.
Quem o acompanha no almoço não consegue imaginar que durante 12 anos ele foi vegetariano. Há algum tempo, porém, voltou a comer carne, só por um motivo: "Porque eu gosto [risos]".
É com esta mesma objetividade que ele rejeita o rótulo de "especialista do universo feminino" com sua volta à TV na série "Louco por Elas" (TV Globo). "Isso é uma roubadaça", diz à repórter Lígia Mesquita. "Não tem nada mais pretensioso e burro!"
Ele está cercado por mulheres. Na trama exibida às terças-feiras, escrita e dirigida por João Falcão, vive Léo, um treinador de futebol feminino que mora na mesma casa com a filha, a enteada e a avó e que tem a ex-mulher (Deborah Secco) por perto.
Na vida real, Du, como é chamado, está casado pela segunda vez. Tem três filhas: Gabriela, 13, e Sophia, 11, do relacionamento com Roberta Richards, e Manuela, 4, com a atual mulher, a apresentadora Cynthia Howlett. No último dia 20, nasceu seu primeiro filho homem, Antônio.
Também está no ar uma vez por mês no programa "Saia Justa" (GNT), em que participa de uma roda de mulheres que discutem diversos temas atuais.
"Está sendo maravilhoso fazer a série. Era um projeto antigo meu e do João. Por ser em um horário mais tarde [23h], temos mais liberdade de experimentação. E tem inspiração nas nossas vidas. A gente aborda esse universo feminino no qual fomos colocados. Eu vivi uma história totalmente masculina até ser pai de meninas", diz.
Ele chega ao restaurante em uma moto Vespa cor creme. "Ando de 'scooter' há dez anos." Suas orelhas estão cheias de adesivos com sementes colocados por um acupunturista. "Dei um mau jeito nas costas. Não tomei anti-inflamatório. Recorri às agulhas", conta.
Sua experiência com o universo feminino o ajudou a "entender bastante coisa", mas não explica tudo. "Vocês são mais desenvolvidas que a gente desde sempre. São mais maduras, têm mais sensibilidade. Não sei se isso é bom ou ruim", diz. "E tem um grau de tudo ao mesmo tempo das mulheres. Elas conseguem falar com três pessoas ao mesmo tempo, fazer quatro tarefas. Nós, homens, somos muito mal programados para isso."
Em casa, conta que pede ajuda. "Eu peço: não falem todas ao mesmo tempo que eu não vou conseguir assimilar. Depois, as quatro vão me cobrar e eu não vou lembrar. E não é uma questão de desinteresse, é de incapacidade mesmo."
A atração que estreou há um mês marca o retorno de Moscovis à emissora após sete anos afastado. Em 2005, depois de ter protagonizado duas novelas seguidas, o ator decidiu não renovar o contrato com a Globo.
"Eu comecei no teatro e achava que minha imagem não deveria estar tão atrelada à TV", diz. "Queria ter esse distanciamento, ver como as coisas funcionavam com outras propostas, outras pessoas. E é fato que foi muito bom pra mim." Atualmente está com um contrato por obra com a emissora carioca, que vai até dezembro.
Nesse período, fez a série de TV "Alice" (HBO) e se dedicou ao teatro e ao cinema. Atuou em cinco filmes - o inédito "Corações Sujos", de Vicente Amorim, está previsto para estrear em junho.
No teatro, suas peças mais recentes são o monólogo "O Livro" e o infantil "O Menino Que Vendia Palavras". Esta última ainda pode ser vista no Rio até o dia 30 e passou pelo Festival de Curitiba há uma semana.
A fase de experimentações fora da TV, diz, aumentou seu poder de adaptação. "Você trabalha com e sem dinheiro, numa mega produção, numa produção pobre. Aprende a ver o que você espera das pessoas, o que as pessoas esperam de você."
Afirma que "deve dar para viver" fazendo só teatro. "Tem muito ator que vive assim." Não foi o seu caso. "Eu me programei quando decidi sair da TV. Me organizei para que eu conseguisse manter a galera, mesmo não recebendo aquela quantia mensal."
Seu iPhone toca. "Oi, 'brother'. Tô acabando de almoçar e dando uma entrevista ao mesmo tempo. Em 15 minutos tô aí", avisa à produção de "Louco por Elas".
Produtor associado das últimas peças que montou no teatro, conta que mesmo tendo conseguido autorização para captar recursos via Lei Rouanet, nenhuma empresa quis patrocinar seu monólogo. "A gente fica no lugar de chato, choroso, reclamão, mas é muito difícil levantar um espetáculo."
A dificuldade, entretanto, não o estimula a se engajar em movimentos políticos da classe artística. "Não tenho nenhuma vontade. Nunca fui encantado com a política. E não recebo estímulos para gostar."
O fato de a atual presidente, Dilma Rousseff, ser mulher, "não me diz nada". "Aí acho que existe a inversão do preconceito de superestimar porque é mulher. Ué, mas vocês não são tão capazes quanto [nós]? Ela não fez nada que os outros não tenham feito. E já deixou passar oportunidades muito boas para começar a aparecer de outra forma."
Além da política, outro tema que o incomoda é a pecha de galã. "Isso é muito mais um interesse que vem de fora. É o tipo de conceito feito de uma terceira pessoa em relação a você. Se algum dia alguém achou que era isso, tem que perguntar: 'Acha que ele continua sendo?'. Só continuo fazendo a minha história, trabalhando sem ficar preso a qualquer coisa.". O ator no camarim do teatro Marista, em Curitiba, na semana passada|
O ator Du Moscovis vive na ficção e na vida real rodeado por mulheres, mas acha que o papel delas não deve ser superestimado
Eduardo Moscovis, 43, se senta à mesa de uma churrascaria com sistema de rodízio, em Botafogo, no Rio, e é direto. "Quero paleta de cordeiro, picanha nobre e fraldinha", pede ao garçom.
Quem o acompanha no almoço não consegue imaginar que durante 12 anos ele foi vegetariano. Há algum tempo, porém, voltou a comer carne, só por um motivo: "Porque eu gosto [risos]".
É com esta mesma objetividade que ele rejeita o rótulo de "especialista do universo feminino" com sua volta à TV na série "Louco por Elas" (TV Globo). "Isso é uma roubadaça", diz à repórter Lígia Mesquita. "Não tem nada mais pretensioso e burro!"
Ele está cercado por mulheres. Na trama exibida às terças-feiras, escrita e dirigida por João Falcão, vive Léo, um treinador de futebol feminino que mora na mesma casa com a filha, a enteada e a avó e que tem a ex-mulher (Deborah Secco) por perto.
Na vida real, Du, como é chamado, está casado pela segunda vez. Tem três filhas: Gabriela, 13, e Sophia, 11, do relacionamento com Roberta Richards, e Manuela, 4, com a atual mulher, a apresentadora Cynthia Howlett. No último dia 20, nasceu seu primeiro filho homem, Antônio.
Também está no ar uma vez por mês no programa "Saia Justa" (GNT), em que participa de uma roda de mulheres que discutem diversos temas atuais.
"Está sendo maravilhoso fazer a série. Era um projeto antigo meu e do João. Por ser em um horário mais tarde [23h], temos mais liberdade de experimentação. E tem inspiração nas nossas vidas. A gente aborda esse universo feminino no qual fomos colocados. Eu vivi uma história totalmente masculina até ser pai de meninas", diz.
Ele chega ao restaurante em uma moto Vespa cor creme. "Ando de 'scooter' há dez anos." Suas orelhas estão cheias de adesivos com sementes colocados por um acupunturista. "Dei um mau jeito nas costas. Não tomei anti-inflamatório. Recorri às agulhas", conta.
Sua experiência com o universo feminino o ajudou a "entender bastante coisa", mas não explica tudo. "Vocês são mais desenvolvidas que a gente desde sempre. São mais maduras, têm mais sensibilidade. Não sei se isso é bom ou ruim", diz. "E tem um grau de tudo ao mesmo tempo das mulheres. Elas conseguem falar com três pessoas ao mesmo tempo, fazer quatro tarefas. Nós, homens, somos muito mal programados para isso."
Em casa, conta que pede ajuda. "Eu peço: não falem todas ao mesmo tempo que eu não vou conseguir assimilar. Depois, as quatro vão me cobrar e eu não vou lembrar. E não é uma questão de desinteresse, é de incapacidade mesmo."
A atração que estreou há um mês marca o retorno de Moscovis à emissora após sete anos afastado. Em 2005, depois de ter protagonizado duas novelas seguidas, o ator decidiu não renovar o contrato com a Globo.
"Eu comecei no teatro e achava que minha imagem não deveria estar tão atrelada à TV", diz. "Queria ter esse distanciamento, ver como as coisas funcionavam com outras propostas, outras pessoas. E é fato que foi muito bom pra mim." Atualmente está com um contrato por obra com a emissora carioca, que vai até dezembro.
Nesse período, fez a série de TV "Alice" (HBO) e se dedicou ao teatro e ao cinema. Atuou em cinco filmes - o inédito "Corações Sujos", de Vicente Amorim, está previsto para estrear em junho.
No teatro, suas peças mais recentes são o monólogo "O Livro" e o infantil "O Menino Que Vendia Palavras". Esta última ainda pode ser vista no Rio até o dia 30 e passou pelo Festival de Curitiba há uma semana.
A fase de experimentações fora da TV, diz, aumentou seu poder de adaptação. "Você trabalha com e sem dinheiro, numa mega produção, numa produção pobre. Aprende a ver o que você espera das pessoas, o que as pessoas esperam de você."
Afirma que "deve dar para viver" fazendo só teatro. "Tem muito ator que vive assim." Não foi o seu caso. "Eu me programei quando decidi sair da TV. Me organizei para que eu conseguisse manter a galera, mesmo não recebendo aquela quantia mensal."
Seu iPhone toca. "Oi, 'brother'. Tô acabando de almoçar e dando uma entrevista ao mesmo tempo. Em 15 minutos tô aí", avisa à produção de "Louco por Elas".
Produtor associado das últimas peças que montou no teatro, conta que mesmo tendo conseguido autorização para captar recursos via Lei Rouanet, nenhuma empresa quis patrocinar seu monólogo. "A gente fica no lugar de chato, choroso, reclamão, mas é muito difícil levantar um espetáculo."
A dificuldade, entretanto, não o estimula a se engajar em movimentos políticos da classe artística. "Não tenho nenhuma vontade. Nunca fui encantado com a política. E não recebo estímulos para gostar."
O fato de a atual presidente, Dilma Rousseff, ser mulher, "não me diz nada". "Aí acho que existe a inversão do preconceito de superestimar porque é mulher. Ué, mas vocês não são tão capazes quanto [nós]? Ela não fez nada que os outros não tenham feito. E já deixou passar oportunidades muito boas para começar a aparecer de outra forma."
Além da política, outro tema que o incomoda é a pecha de galã. "Isso é muito mais um interesse que vem de fora. É o tipo de conceito feito de uma terceira pessoa em relação a você. Se algum dia alguém achou que era isso, tem que perguntar: 'Acha que ele continua sendo?'. Só continuo fazendo a minha história, trabalhando sem ficar preso a qualquer coisa.". O ator no camarim do teatro Marista, em Curitiba, na semana passada|
Falta convencer - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 15/04/12
O presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, parece impressionado com o fato de que não consegue, como antes, fazer a cabeça dos marcadores de preços.
Embora o Banco Central tenha repisado que a inflação deste ano convergirá para o centro da meta (4,5%), o mercado insiste em trabalhar com níveis mais altos, superiores a 5,0% - mesmo depois de conhecida a inflação bem mais baixa de março (de apenas o,21%, segundo o próprio Banco Central apurou com a Pesquisa Focus).
É um pouco cedo para afirmar categoricamente que o Banco Central perdeu credibilidade porque, a rigor, ainda não há instituição mais confiável na execução dessa tarefa. Mas é inegável que a atuação do Banco Central e, mais do que isso, a falta de justificativas coerentes para ela criaram um ambiente mais carregado de incertezas.
As explicações para as decisões de política monetária mudam a cada ata do Copom. A queda dos juros começou em agosto sob o argumento de que se prenunciava catástrofe financeira de vastas proporções - que não veio. Depois, que a alta anterior dos preços das commodities havia cedido e que, assim, não pressionaria a inflação interna. Em seguida, que a atividade econômica estava em desaceleração, o que sugeria que o Banco Central olhava também para a criação de empregos - embora a economia registrasse nesse quesito o melhor desempenho da história.
No início deste ano, o Banco Central anunciou o que pareceu meta de juros: a determinação de alcançar a Selic de um dígito (abaixo de 10%). E a todo momento indica que o controle da inflação também passou a ser obtido por meio da imposição de providências macroprudenciais, cujo objetivo é regular o crédito ou o câmbio, e não enquadrar a inflação.
Alguns observadores têm contra-argumentado, em defesa do Banco Central, que até instituições mais ortodoxas encarregadas da estratégia e da execução da política monetária, como o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), o Banco Central Europeu (BCE), o Banco Nacional da Suíça (banco central) e o Banco do Japão (BoJ) fazem experimentos monetários. E que não faria sentido o Banco Central do Brasil ser exceção.
Esta é mesmo uma crise global diferente e exige respostas diferentes, como as dos grandes bancos centrais, no limite da responsabilidade (ou da irresponsabilidade). E não haveria, em princípio, contraindicação para que, nessas circunstâncias, o Banco Central do Brasil também buscasse outros caminhos para as Índias.
A diferença é que lá fora os novos vieses de política monetária vêm com justificativas e avisos claros dos objetivos pretendidos. Por aqui, não. A política mudou e o Banco Central procura outros efeitos. Mas mantém o discurso de que as intervenções no câmbio só buscam evitar a volatilidade das cotações, não a desvalorização do real; e que a política monetária opera apenas para enfiar a inflação para dentro da meta, não para alcançar juros de um dígito ou incentivar a atividade produtiva e o emprego.
O resultado é a criação de um cenário em que não fica clara a estratégia. É natural que essa falta de explicações prejudique uma missão importante do Banco Central num regime de metas de inflação: a da condução das expectativas.
Aleluia! Neymar lota o Congresso! - JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SP - 15/04/12
Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Predestinada do dia! Gerente do Santander em São Caetano: Fabiana BATTISALDO! Só o meu que nunca bate! E este professor de sobrevivência no Exército: Major Muleta. Rarará!
E um leitor me disse que pegar o Demóstenes com a boca na botija é a mesma coisa que pegar o Bolsonaro assistindo a "Glee"!
E o babado da semana: Neymar jogando uma peladinha com os "depús" no Congresso! Parabéns, Neymar, por conseguir lotar o Congresso. Coisa que não acontece há décadas! Até os fantasmas apareceram. Fantasmas, laranjas e os 800 parentes do Sarney. Para pedir autógrafo. Neymar no Congresso! Neymar e a turma da penalidade máxima.
Só que o Congresso não joga bola, leva bola. Come bola. Ah, e carrinho por trás. Adoram dar carrinho por trás!
Tavam comemorando o centenário do Santos. Quer dizer, o Congresso só vai lotar de novo daqui a cem anos!
E o Pelé deu uma de Vanusa: esqueceu o hino do Santos. O Pelé vanusou!
E esta: "Cirurgia plástica pode deduzir do imposto de renda". Oba! Dona Marisa, Marta, Amaury Jr. e Silvio Santos vão ter isenção vitalícia! E a Angela Bismarchi, isenção para oito encarnações.
Eu também vou fazer plástica: desentortar o pingolim e juntar as sobrancelhas. Eu quero uma monocelha igual à do Galvão! Rarará! E tenho uma amiga que fez tanta plástica que, quando ela breca, a boca abre! Breca e dá risada. Aí o povo pergunta: "Do que essa mulher tá tanto rindo?". "Não tô rindo, tô brecando." Rarará!
Outro babado da semana: a fila do visto para os Estados Unidos. A Hillary Hilária prometeu abrir dois consulados: em BH e Porto Alegre. Ou seja, mais duas filas! Hillary inaugura duas filas no Brasil. Fico impressionado com a fila do visto para os Estados Unidos. É fila ou fuga em massa? Fuga em massa!
O Obama tem que puxar muito o saco dos brasileiros: "Brasileiros gastam R$ 3 bi em fevereiro nos EUA". Um na Gap, um na Nike e outro em Miami. Se você encontrar um monte de areia com uma sacola em cima, pode cavucar que é um brasileiro. Se a fila do SUS causasse tanta indignação quanto a do visto, acabariam as filas do SUS!
Nóis sofre, mas nóis goza!
Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
Comissão da verdade - ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 15/04/12
Nomeação sai até o final do mês
A presidente Dilma chegou a esses nomes depois de receber indicações dos ministros Maria do Rosário (Direitos Humanos) e José Eduardo Cardozo (Justiça), e 50 sugestões de familiares de vítimas. Ela também ouviu o seu ex-marido, Carlos Araújo, e o ex-presidente Lula. Estão ainda em aberto as vagas destinadas a um historiador e a um jurista. O advogado Márcio Thomaz Bastos jogou sua indicação pela janela ao assumir a defesa do contraventor Carlos Cachoeira. O sétimo nome será escolha pessoal da presidente Dilma. A Comissão irá funcionar no Centro Cultural Banco do Brasil e terá 14 técnicos: um DAS 5 e 13 DAS 4.
"Não esperem nada do Congresso, do Judiciário e do Executivo. Se não fosse o movimento da sociedade e das redes sociais, jamais o Ficha Limpa teria sido aprovado”
— Pedro Simon, senador (PMDB-RS)
PRECEDENTE. O presidente do Conselho de Ética do Senado, Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), na foto, vai terça-feira ao ministro do STF, Ricardo Lewandowski, para pedir que libere o inquérito contra Demóstenes Torres. Lembrará que o Supremo compartilhou as informações do inquérito relacionado ao ex-senador Luiz Octávio. Maurício Corrêa era o relator do processo no STF e, na época, repassou as informações à comissão.
Na gangorra
O ministro Aloizio Mercadante (Educação) vinha em voo de cruzeiro no governo. Mas a desenvoltura de sua atuação, junto ao PT e aos aliados, a favor da criação da CPI do Carlos Cachoeira, não foi bem vista pela presidente Dilma.
Guerrilha
A cúpula do PMDB decidiu detonar a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais). As razões: sua relação preferencial com o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), e suas reuniões com a base do partido na Câmara.
Cavendish e os apetites do PMDB
O empresário Fernando Cavendish, da Delta, é um velho conhecido dos embates no PMDB. Nas eleições presidenciais de 1998, quando o ex-presidente Fernando Henrique (PSDB) foi reeleito, e o PMDB fez coligação com o tucano, ele era um dos sustentáculos da campanha do ex-governador Anthony Garotinho pela candidatura própria. O empresário alugou uma casa no Lago Sul, que serviu de bunker para Garotinho tentar aliciar os convencionais do partido para sua tese.
Nunca antes...
O ex-presidente Lula já definiu sua estratégia para responder a qualquer tentativa de relacioná-lo à empresa Delta, que cresceu em seu governo: “nunca antes na História desse pais" o governo federal contratou tantas empresas.
Silêncio
O senador Mário Couto (PSDB-PA) subiu à tribuna 12 vezes desde o início do escândalo Cachoeira. Em três delas, falou da CPI. Esbravejou contra o PT, parlamentares envolvidos, mas não fez crítica ao contraventor Carlos Cachoeira.
INTENSA a disputa de bastidores pela indicação do próximo desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. O PT nacional está bancando a candidatura do advogado Eduardo Löenhaupt da Cunha.
SEU MAIS FORTE concorrente é o advogado João Berchmans Serra, ex-sócio do escritório “Pinheiro Neto”, e apoiado pelo empresariado paulista.
EM TEMPOS DE CPI, os integrantes do governo estão sendo comunicados de que a presidente Dilma não tem compromisso com o erro.
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