O GLOBO - 15/04/12
Com o desemprego entre os jovens chegando a 50% em países da zona do euro como Espanha e Grécia, é o caso de se perguntar: sacrifica-se uma geração em nome de uma moeda de países diversos demais para serem sustentáveis? Se for assim, ampliar a zona do euro estará de acordo com o aparente objetivo da Europa de maximizar a integração econômica, sem necessariamente adotar a união política total?
A boa notícia é que a pesquisa econômica de fato tem algumas coisas a dizer sobre se a Europa deveria ter uma moeda única. A má notícia é que se tornou cada vez mais claro que, pelo menos para grandes países, áreas de moeda única serão altamente instáveis caso não sigam fronteiras nacionais. No mínimo, as uniões monetárias requerem uma confederação com muito mais poder centralizado sobre tributação e outras políticas do que os líderes europeus imaginam para a zona do euro.
E a famosa conjectura feita em 1961 pelo ganhador do Prêmio Nobel Robert Mundell de que as fronteiras nacional e monetária não necessariamente precisam coincidir? Em seu provocativo trabalho "A Theory of Optimum Currency Areas", na "American Economic Review", Mundell argumentou que, na medida em que os trabalhadores pudessem mover-se dentro de uma região monetária em busca de empregos, a região poderia deixar de recorrer ao mecanismo de equilíbrio do ajuste da taxa cambial. Ele deu crédito a outro (futuro) Prêmio Nobel, James Meade, por ter reconhecido a importância da mobilidade laboral em estudo anterior, mas criticou-o por interpretar a ideia de forma muito limitada, especialmente no contexto da nascente integração europeia.
Mundell não enfatizou crises financeiras, mas presumivelmente a mobilidade da força de trabalho é mais importante hoje do que nunca. Não surpreende que os trabalhadores deixem os países em crise da zona do euro, mas não necessariamente para nações mais fortes ao norte. Em vez disso, trabalhadores portugueses se dirigem a antigas colônias em expansão, como Brasil e Macau. Trabalhadores irlandeses estão partindo em massa para Canadá, Austrália e EUA. Trabalhadores espanhóis buscam a Romênia, até recentemente uma grande fonte de mão de obra para a agricultura na Espanha.
Ainda assim, se a mobilidade dentro da zona do euro fosse de algum modo semelhante ao ideal de Mundell, não estaríamos vendo 25% de desemprego na Espanha, enquanto na Alemanha a taxa está abaixo de 7%.
Depois, articulistas reconheceram que há outros critérios essenciais para uma união monetária bem-sucedida, difíceis de alcançar sem profunda integração política. Peter Kenen argumentou, no final da década de 60, que, sem movimentos cambiais como amortecedores, uma união monetária requer transferências fiscais como forma de compartilhar riscos.
Para um país normal, o sistema de tributação constitui um enorme estabilizador. Nos EUA, quando o preço dos combustíveis sobe, a renda cresce no Texas e em Montana. Isto significa que esses estados contribuem mais para o orçamento nacional, dessa forma ajudando o resto do país. A Europa, é claro, não tem uma significativa autoridade tributária centralizada, de modo que o estabilizador automático está ausente.
Alguns acadêmicos europeus tentaram argumentar que não havia necessidade de transferências ao estilo americano porque qualquer degrau desejado de compartilhamento de riscos pode ser, na teoria, atingido via mercados financeiros. A afirmação está enormemente equivocada. Mercados financeiros podem ser frágeis e fornecem pouca capacidade de compartilhar riscos ligados aos rendimentos do trabalho, que constituem a maior parte da renda em qualquer economia avançada.
Kenen estava principalmente preocupado com transferências a curto prazo para suavizar solavancos cíclicos. Mas, numa união monetária com grandes diferenças de renda e níveis de desenvolvimento, o curto prazo pode se estender por um longo tempo. Muitos alemães sentem, acertadamente, que qualquer sistema de transferência fiscal se transformará num tubo de alimentação permanente, do mesmo modo que o Norte da Itália sustentou o Sul no último século. De fato, passados mais de 20 anos, alemães ainda não vêm um fim para as contas decorrentes da reunificação do país.
Mais tarde, Maurice Obstfeld assinalou que, além de transferências fiscais, uma união monetária necessita de regras claramente definidas em relação ao emprestador de última instância. Do contrário, haverá excesso de corrida aos bancos e pânico de devedores. Obstfeld tinha em mente um mecanismo de socorro aos bancos, mas hoje está suficientemente claro que também é preciso um emprestador de última instância para estados e municipalidades.
Um corolário lógico dos critérios estabelecidos por Kenen e Obstfeld, e mesmo da tese da mobilidade laboral de Mundell, é que as uniões monetárias não podem sobreviver sem legitimidade política, muito provavelmente envolvendo eleições em toda uma região. Os líderes europeus não podem fazer grandes transferências entre países, indefinidamente, sem um coerente arcabouço político europeu.
Formuladores de política na Europa queixam-se com frequência que, se não fosse a crise financeira nos EUA, a zona do euro estaria bem. Talvez estejam certos. Mas qualquer sistema financeiro deve ser capaz de resistir a choques, inclusive os mais fortes.
A Europa pode não ser, segundo qualquer padrão que se adote, uma área monetária ótima. Mas, sem maior integração política e econômica - que poderá terminar não incluindo todos os atuais membros da zona do euro -, a moeda única corre o risco de não chegar ao fim desta década.
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