Valor Econômico - 06/12/2011
O vencedor de eleições legislativas de domingo na Rússia era conhecido antecipadamente: o partido Rússia Unida, organizado por Vladimir Putin. Da mesma forma, não há dúvida de que Putin vencerá a eleição prevista para março de 2012. Mas o entusiasmo público que ratificou o governo de Putin durante uma década desapareceu, prova disso é o mau desempenho de seu partido, Rússia Unida, nas eleições recém-realizadas para a Duma.
Ao contrário da Europa, atormentada por uma crise de endividamento, dos EUA, cujos líderes estão discutindo sobre como conter o déficit, a Rússia pode parecer um oásis de estabilidade e continuidade. Mas essa continuidade é uma reminiscência da "zastoi", ou estagnação, da era Brezhnev.
Os oito anos de 7% de crescimento médio anual do PIB durante o governo anterior de Putin (2000-2008) permitiu à Rússia pagar suas dívidas, acumular quase US$ 600 bilhões em reservas de moeda estrangeira e passar a fazer parte do grupo de principais economias emergentes. Uma década depois da crise de 1998, que colocou a Rússia de joelhos, seus líderes se gabavam de que o país poderia resistir à crise financeira de 2008.
Reformas significativas parecem altamente improváveis pela simples razão de que prejudicariam os interesses das elites dominantes russas. Elas têm escasso ou nenhum interesse em apoiar os direitos de propriedade, o Estado de Direito e a concorrência.
Dados os fundamentos econômicos russos, a queda da popularidade de Putin pode parecer surpreendente. A previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) de crescimento de 4% em 2011 e em anos subsequentes coloca a Rússia bem atrás da China e da Índia, porém muito à frente das taxas médias de crescimento dos países ricos do G-7. Além disso, o orçamento russo ficará equilibrado enquanto os preços do petróleo permanecerem acima de US $ 110 por barril.
As tendências de mais longo prazo também melhoraram. O declínio demográfico rápido foi contido a partir da virada do século (época em que os caixões superavam os berços em 7 para 4), depois que generosos subsídios governamentais impulsionaram a taxa de fertilidade de seu mínimo de 1,16 filho por mulher para 1,58 em 2010. Esse número ainda está muito abaixo da taxa de substituição (populacional) de 2,1, mas a fertilidade mais alta, juntamente com medidas bem sucedidas para reduzir a mortalidade masculina, diminuíram o ritmo de encolhimento da população.
Mas a Rússia permanece essencialmente um "Estado rentista" - isto é, um Estado cuja principal fonte de renda são receitas - no caso, de petróleo e gás - em vez de impostos, o que, assim, mantém a cobrança por representação política fora do cenário. Em vez disso, o Estado é alvo de empreendedores políticos que se empenham em capturá-lo para apoderarem-se das rendas que o Estado controla.
A Rússia conserva a maioria das características de Estados rentista: autocracia, instituições políticas e judiciais fracas, governo arbitrário, ausência de Estado de Direito, escassa transparência, restrições à liberdade de expressão, corrupção generalizada, clientelismo e nepotismo. Também comum a Estados rentistas são horizontes de investimento curtos, vulnerabilidade à volatilidade dos preços das commodities - euforia quando disparam, crise quando despencam - e um setor industrial subdesenvolvido e não competitivo.
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A Rússia atual é um gigantesco reservatório de matérias-primas e sua economia depende fortemente de commodities - mineração e poços petrolíferos. A Rússia é o maior exportador de petróleo e de gás do mundo, detendo mais de 25% do total de reservas comprovadas de gás. As commodities respondem por mais de dois terços das receitas de exportações do país e são a principal fonte de receitas do Estado.
O impacto sobre a governança é totalmente previsível. Em 2011, o índice de "percepção de corrupção" compilado pela Transparência Internacional classificou a Rússia na posição 143 entre 182 países, juntamente com a Nigéria, e na posição 182 entre 210 países em termos de "controle da corrupção", um dos indicadores de governança mundial compilado pelo Banco Mundial. No que diz respeito ao Estado de Direito, houve apenas uma melhoria mínima, ficando a Rússia classificada na posição 156.
Enquanto isso, a infraestrutura está se desintegrando até mesmo na vital indústria extrativa e sua indústria é não competitiva internacionalmente. A indústria de armamentos russa perdeu a sua forte posição junto à Índia e a China, antes seus dois principais clientes. Apesar das afirmações grandiosas sobre nanotecnologia e um "Vale do Silício" russo em Skolkovo, os gastos com P&D são de apenas um 1/15 do nível americano e um quarto do chinês. Como proporção do PIB, os gastos com P&D foram reduzidos para a metade desde o início da década de 1990, e estão agora apenas em 1% do PIB. Cientistas e pesquisadores, antes ponto de orgulho da União Soviética, desapareceram, frequentemente atraídos por oportunidades mais gratificantes, na própria Rússia ou no exterior.
De fato, as universidades russas estão quase ausentes do ranking mundial: somente duas aparecem na lista das 500 principais compilada pela Universidade de Xangai e no fim da lista entre as 400 classificados pelo Higher Education Supplement, do "The Times". A Rússia também exibe mau desempenho - é a 63ª - no Índice de Competitividade Mundial divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, bem atrás de todos os países desenvolvidos e até mesmo de muitos países em desenvolvimento. O mesmo vale quanto a capacidade de inovação e tecnologia.
Mas há indícios de esperança. A Rússia já não está atrás dos países desenvolvidos em uso da internet, que tem proporcionado espaço para a expressão não regulamentada do pensamento, permitindo aos usuários contornar a mídia noticiosa oficial - esmagadoramente pró-Putin. Além disso, após prolongadas negociações, a Rússia firmou um acordo de adesão à Organização Mundial do Comércio, o que implica a necessidade de cumprir todas as obrigações em matéria de transparência e regras de negócios.
Mas ainda há dúvida sobre uma transformação abrangente da economia russa. Um dos principais economistas independentes russos, Sergei Guriev, reitor da Nova Escola Econômica, observou em tom pessimista em 2010 que reformas significativas parecem altamente improváveis - pela simples razão de que prejudicariam os interesses das elites dominantes russas. Em qualquer país rico em recursos naturais e antidemocrático, a classe política e os interesses comerciais que a rodeiam têm escasso ou nenhum incentivo para apoiar os direitos de propriedade mais vigorosos, o Estado de Direito e a concorrência. Na verdade, tais mudanças estruturais enfraqueceriam o controle político e econômico exercido pela elite no poder. O status quo - regras opacas, decisões arbitrárias e a ausência de prestação de contas - permite que atores bem relacionados enriqueçam, apoderando-se de receitas das exportações de commodities.
Quando a Rússia comemorar o vigésimo aniversário do colapso da União Soviética, neste Natal, terá muito para comemorar. Infelizmente, o que não mudou a fará sentir muito remorso. (Tradução de Sergio Blum)
Pierre Buhler, diplomata francês, é autor de "La Puissance au XXieme Siècle (O poder no Século XXI). Copyright: Project Syndicate, 2011.