O Estado de S.Paulo - 11/04
Na prática, temos caminhado para um sistema semi-presidencialista
Uma boa forma de avaliar o início do governo Bolsonaro na área econômica é verificar o grau de continuidade da agenda do governo anterior. Em outubro, defendi que, apesar da renovação política, seria essencial dar prosseguimento à agenda econômica iniciada por Michel Temer.
Por este aspecto, há, naturalmente, boas e más notícias. Do lado positivo, há a proposta de reforma da Previdência e os leilões de infraestrutura - aeroportos, terminais portuários e ferrovia Norte-Sul. Em ambos os casos, em diferentes graus, há continuidade. Com competência, o ministro de Infraestrutura Tarcisio de Freitas, ex-secretário do PPI (Programa de Parcerias de Investimento) de Temer seguiu o trabalho iniciado no governo anterior. Já a proposta de reforma da Previdência, apesar de ser um novo projeto, reflete o aprendizado com a experiência do time antecessor.
A nota negativa é a pouca efetividade da Casa Civil, que é a responsável pela coordenação do governo e definição de prioridades. A percepção é de que muitos esforços iniciados no governo anterior foram descontinuados. Mudanças nos marcos regulatórios de setores de infraestrutura e no funcionamento de agências reguladoras, por exemplo, não parecem estar tendo o devido cuidado. Nada que não possa ser corrigido. Afinal, passaram-se apenas 100 dias.
É na política onde se acumulam os maiores equívocos, que são mais difíceis de corrigir. Bolsonaro errou ao fragilizar a relação com seu mais importante aliado no Congresso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Antes disso, deu tratamento inadequado ao seu colaborador desde a campanha, o ex-ministro Gustavo Bebiano. São sinais ruins na política, onde confiança é essencial. Um governo que sofre com a carência de lideranças políticas hábeis não poderia perder colaboradores.
Bolsonaro procura corrigir erros, o que é positivo, mas não será possível reverter a situação rapidamente. A confiança não é facilmente construída e, uma vez abalada, custa a ser reconquistada. É necessário perseverança.
O risco de isolamento político do presidente é real, especialmente com sua popularidade em rápida queda. Diante da urgente agenda de reformas constitucionais, este quadro preocupa. Como agravante, Bolsonaro não defende com a necessária ênfase sua agenda de reformas. O Congresso irá fazê-lo?
A classe política reage aos tropeços de Bolsonaro. Assistimos a um protagonismo crescente do Legislativo, e isso tem consequências.
Começando pelas negativas, tivemos a aprovação da proposta de emenda constitucional (PEC) tornando impositivas as emendas parlamentares de bancada. Quase a totalidade dos gastos se tornará obrigatória.
Além disso, o Senado aprovou uma PEC que determina o repasse direto de recursos de emendas individuais aos caixas dos entes subnacionais, sem a necessidade de convênios com a União. A tinta da caneta está acabando. Isso sem contar as (justas) discussões sobre limitar a utilização de medidas provisórias pelo Executivo.
Assim, apesar do grande poder do governo de intervir na esfera econômica, o presidente da República pouco pode do ponto de vista orçamentário, por conta do elevado volume de despesas obrigatórias.
Que fique por aí. Pauta-bomba no Congresso seria irresponsabilidade. Felizmente, Maia sabe disso.
Do lado positivo, a Câmara finalizou a votação do cadastro positivo, apesar da ausência de empenho do governo, e agora discute a reforma tributária que prevê a criação de um imposto sobre o valor agregado em substituição a vários impostos indiretos. Se prosperar, esta medida será um primeiro grande passo para elevar o potencial de crescimento do Brasil, posto que a complexidade do sistema tributário é o fator que mais deprime a posição do País nos rankings globais de competitividade.
Na prática, temos caminhado para um sistema semi-presidencialista, com maior papel do Congresso. Esta sim é a nova política. Sobram dúvidas, porém, sobre sua capacidade de conduzir reformas. Que ao menos não falte responsabilidade do Congresso com o País.
quinta-feira, abril 11, 2019
Governo e seita - MERVAL PEREIRA
O Globo - 11/04
Bolsonaro se dedicou muito mais nesses primeiros cem dias a defender sua pauta de costumes e valores
Nos cem primeiros dias do governo Bolsonaro, já dá para ver que temos dois governos, um que funciona, outro que parece uma seita religiosa sem um líder ou, pior, com líderes atrapalhados, que às vezes pode ser o próprio presidente, outras é o guru dele, o professor on-line Olavo de Carvalho, que vem acumulando poder na mesma proporção que provoca confusão.
Seus seguidores, especialmente os filhos de Bolsonaro, ouvem seus conselhos e nomeiam e desnomeiam ministros baseados neles, com facilidade assustadora. São uma fonte de incertezas, e muitos, entre eles membros do núcleo militar que Olavo vem inutilmente chamando para um bate-boca virtual, consideram que estão atrapalhando a recuperação da economia.
O balanço deste início de governo não é positivo, e essa constatação já aparece na queda da popularidade do presidente. Mas houve pontos relevantes. O governo andou no caminho certo em áreas importantes: economia e segurança pública, além da infraestrutura, que está dando consequência à decisão de privatizar setores básicos para o desenvolvimento.
Mas andou irremediavelmente errado em setores essenciais, como a Educação e as Relações Exteriores. O ministro Ernesto Araújo continua desmontando o que considera o aparelhamento no Itamaraty, desprezando o conhecimento de embaixadores experientes, como fez agora com Sérgio Amaral, removendo-o de Washington para tentar colocar no lugar um assessor também ligado ao autointitulado filósofo de Virgínia, que ajuda a governar pelo Skype.
Mas o da Educação não resistiu aos primeiros cem dias e já foi substituído. Parece ter sido uma troca de seis por meia dúzia, mas Abraham Weintraub tem sobre Vélez Rodríguez duas vantagens, que podem ser perigosas: fala português, e é mais inteligente para implementar no MEC a mesma agenda retrógrada, com ares de modernidade.
Abandonou, por exemplo, a linguagem vulgar que usava nas palestras sobre o combate ao pensamento de esquerda, como fez recentemente em Foz do Iguaçu, no Foro dos Conservadores organizado pelo filho 03 Eduardo Bolsonaro. “Quando ele (um comunista) chegar para você com o papo ‘nhoim nhoim’, xinga. Faz como o Olavo de Carvalho diz para fazer. E quando você for dialogar, não pode ter premissas racionais”, disse na ocasião.
Ele também é o autor da seguinte pérola: “Os judeus controlam os bancos, os jornais e o sistema financeiro. São a raiz do comunismo internacional”. E isso porque Bolsonaro diz que “ama Israel”. Ao discursar na sua posse no ministério, parecia outro Weintraub. Listou como objetivos “acalmar os ânimos” e respeitar “diferentes opiniões”. Só que não. Logo em seguida esclareceu o que entende por “pacificar”: “A gente está decretando agora que o MEC tem um rumo, uma direção, e quem não estiver satisfeito com ela vai ser tirado.”
Mas, pelo menos, arrolou entre as prioridades melhorar o ensino, admitindo que o desempenho dos alunos brasileiros nos exames internacionais é equivalente aos de países pobres, quando o gasto com a educação é de país rico.
Weintraub tem razão ao dizer que quem não está de acordo deve deixar o governo. Mas o que mais acontece hoje não são divergências conceituais, pois todos sabem onde se meteram ao aceitar trabalhar neste governo. O que existe é briga de grupos pelo poder.
O caso mais evidente de divergência ideológica foi o da cientista política Ilona Szabó, desconvidada por Moro a pedido do próprio presidente. É o típico caso de erro essencial de pessoa. Ou de ingenuidade. Para não criar mais problema, convidou para o lugar um delegado acusado de misoginia.
Bolsonaro se dedicou muito mais nesses primeiros cem dias a defender sua pauta de costumes e valores, para incentivar o núcleo de eleitores mais radicalizados que o apoiaram na eleição.
A reforma da Previdência, por exemplo, é francamente contrária ao que pensa. Cada vez que diz que não gostaria de fazer a reforma, mas sabe que ela é essencial, o presidente estimula que o Congresso a desidrate.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem então que redobrar seus esforços para convencer deputados e senadores que terão ganho político com a aprovação da reforma ainda no primeiro semestre, ganhando tempo para que as medidas deem resultado para deixá-los fortes nas campanhas de 2020 e 2022.
Bolsonaro se dedicou muito mais nesses primeiros cem dias a defender sua pauta de costumes e valores
Nos cem primeiros dias do governo Bolsonaro, já dá para ver que temos dois governos, um que funciona, outro que parece uma seita religiosa sem um líder ou, pior, com líderes atrapalhados, que às vezes pode ser o próprio presidente, outras é o guru dele, o professor on-line Olavo de Carvalho, que vem acumulando poder na mesma proporção que provoca confusão.
Seus seguidores, especialmente os filhos de Bolsonaro, ouvem seus conselhos e nomeiam e desnomeiam ministros baseados neles, com facilidade assustadora. São uma fonte de incertezas, e muitos, entre eles membros do núcleo militar que Olavo vem inutilmente chamando para um bate-boca virtual, consideram que estão atrapalhando a recuperação da economia.
O balanço deste início de governo não é positivo, e essa constatação já aparece na queda da popularidade do presidente. Mas houve pontos relevantes. O governo andou no caminho certo em áreas importantes: economia e segurança pública, além da infraestrutura, que está dando consequência à decisão de privatizar setores básicos para o desenvolvimento.
Mas andou irremediavelmente errado em setores essenciais, como a Educação e as Relações Exteriores. O ministro Ernesto Araújo continua desmontando o que considera o aparelhamento no Itamaraty, desprezando o conhecimento de embaixadores experientes, como fez agora com Sérgio Amaral, removendo-o de Washington para tentar colocar no lugar um assessor também ligado ao autointitulado filósofo de Virgínia, que ajuda a governar pelo Skype.
Mas o da Educação não resistiu aos primeiros cem dias e já foi substituído. Parece ter sido uma troca de seis por meia dúzia, mas Abraham Weintraub tem sobre Vélez Rodríguez duas vantagens, que podem ser perigosas: fala português, e é mais inteligente para implementar no MEC a mesma agenda retrógrada, com ares de modernidade.
Abandonou, por exemplo, a linguagem vulgar que usava nas palestras sobre o combate ao pensamento de esquerda, como fez recentemente em Foz do Iguaçu, no Foro dos Conservadores organizado pelo filho 03 Eduardo Bolsonaro. “Quando ele (um comunista) chegar para você com o papo ‘nhoim nhoim’, xinga. Faz como o Olavo de Carvalho diz para fazer. E quando você for dialogar, não pode ter premissas racionais”, disse na ocasião.
Ele também é o autor da seguinte pérola: “Os judeus controlam os bancos, os jornais e o sistema financeiro. São a raiz do comunismo internacional”. E isso porque Bolsonaro diz que “ama Israel”. Ao discursar na sua posse no ministério, parecia outro Weintraub. Listou como objetivos “acalmar os ânimos” e respeitar “diferentes opiniões”. Só que não. Logo em seguida esclareceu o que entende por “pacificar”: “A gente está decretando agora que o MEC tem um rumo, uma direção, e quem não estiver satisfeito com ela vai ser tirado.”
Mas, pelo menos, arrolou entre as prioridades melhorar o ensino, admitindo que o desempenho dos alunos brasileiros nos exames internacionais é equivalente aos de países pobres, quando o gasto com a educação é de país rico.
Weintraub tem razão ao dizer que quem não está de acordo deve deixar o governo. Mas o que mais acontece hoje não são divergências conceituais, pois todos sabem onde se meteram ao aceitar trabalhar neste governo. O que existe é briga de grupos pelo poder.
O caso mais evidente de divergência ideológica foi o da cientista política Ilona Szabó, desconvidada por Moro a pedido do próprio presidente. É o típico caso de erro essencial de pessoa. Ou de ingenuidade. Para não criar mais problema, convidou para o lugar um delegado acusado de misoginia.
Bolsonaro se dedicou muito mais nesses primeiros cem dias a defender sua pauta de costumes e valores, para incentivar o núcleo de eleitores mais radicalizados que o apoiaram na eleição.
A reforma da Previdência, por exemplo, é francamente contrária ao que pensa. Cada vez que diz que não gostaria de fazer a reforma, mas sabe que ela é essencial, o presidente estimula que o Congresso a desidrate.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem então que redobrar seus esforços para convencer deputados e senadores que terão ganho político com a aprovação da reforma ainda no primeiro semestre, ganhando tempo para que as medidas deem resultado para deixá-los fortes nas campanhas de 2020 e 2022.
Crescer com responsabilidade fiscal - HENRIQUE MEIRELLES
FOLHA DE SP - 11/04
Programa IncentivAuto refuta subsídios e renúncias sem critérios
No início do ano, a General Motors do Brasil anunciou que, após três anos de prejuízo operacional, planejava encerrar suas operações no Brasil e passá-las para outro país. Após conversas com o governo paulista, seguida de negociações com fornecedores, revendas e sindicatos dos trabalhadores, a empresa resolveu reavaliar a decisão levando em conta estes e outros fatores.
Nesse intervalo de tempo, a Ford comunicou, em meio a uma reestruturação estratégica, o fechamento da unidade de São Bernardo do Campo, que fabrica majoritariamente caminhões, em linha com uma decisão global de sair da produção direta desse tipo de veículo.
Os episódios da GM e da Ford mostram o quanto as indústrias de São Paulo e do Brasil estão inseridas na economia global, sujeitas a decisões de investimento e de produção que levam em conta as vantagens competitivas entre países.
Nos estudos que desenvolvi com a equipe técnica da Secretaria da Fazenda e Planejamento ficou claro que, nesses casos, a competição que São Paulo está inserido não é com outros estados, mas com outros países. Nas decisões em pauta, veículos que deixam de ser produzidos em São Paulo não passam a ser fabricados em outro estado brasileiro, mas sim em outro país.
Os trabalhadores de São Paulo e de outros estados, em sua rede de concessionárias em todo o país e também os da indústria de fornecedores, correm o risco de pagar o preço por decisões de estratégias globais. Neste contexto está a política do governo João Doria de abertura a investimentos e de ampla participação da iniciativa privada no desenvolvimento de São Paulo. Concebemos uma solução não só para alavancar os investimentos de médio e longo prazos, mas para propiciar um ambiente de negócios adequado para o necessário planejamento das indústrias.
Lançamos o IncentivAuto, que em tudo difere dos subsídios, das renúncias fiscais sem critérios adequados. Enquanto aqueles programas dão incentivos para a produção existente ou sobre mera expectativa de manutenção ou aumento de produção e emprego, o IncentivAuto:
1 - Exige que a montadora invista valores bem definidos, crie pelo menos 400 novos empregos e só aí, após rigorosa verificação pelos técnicos do estado, possa usufruir dos benefícios do programa. Ou seja, primeiro a empresa moderniza, amplia ou inaugura uma linha de produção com recursos próprios, aumenta a produção e o número de empregos —e só depois recebe desconto no imposto devido;
2 - Terá como desconto máximo de ICMS 25% do valor devido sobre as vendas adicionais resultantes dos investimentos acima de R$ 10 bilhões. Ou seja, há um incentivo sobre o imposto adicional a ser cobrado com o acréscimo das vendas resultantes dos novos investimentos;
3 - Propiciará novas receitas que sequer existiriam caso o investimento não fosse feito no Brasil.
Esse patamar de ICMS é consistente com o que vem sendo praticado pela maioria dos estados. Ao contrário de programas condenados pela Organização Mundial do Comércio, o nosso não é subsídio e não se trata de guerra fiscal.
Mesmo com o IncentivAuto, a carga tributária sobre os automóveis no Brasil permanece uma das maiores do mundo. Portanto, a iniciativa paulista é uma contribuição para o enfrentamento do custo Brasil e para que o país possa se integrar de forma plena à economia mundial.
Os resultados falam por si. A GM anunciou R$ 10 bilhões de investimentos no Brasil para os próximos cinco anos. Irá gerar novos empregos diretos e ampliará sua produção. É certo dizer que, em função do IncentivAuto, estamos preservando, de imediato, cerca de 65 mil empregos e outros tantos em outros estados quando se soma toda a ocupação na cadeia de produção e vendas da GM.
No caso da Ford, há interesse de outras montadoras em comprar as operações de caminhões e investir baseados no IncentivAuto. O governo de São Paulo criou condições para que empresas façam investimentos que gerem emprego e renda no país.
O cenário hoje é desafiador. A atuação do Estado exige uma compreensão global da economia mundial para preservar o futuro da indústria de São Paulo e do Brasil. O nosso compromisso com as sociedades paulista e brasileira é criar condições para desenvolvimento dos negócios, gerando riqueza com responsabilidade fiscal. Esta é a nossa receita.
Henrique Meirelles
Secretário da Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo, candidato à Presidência pelo MDB, ex-ministro da Fazenda (2016-2018, governo Temer), ex-presidente do Banco Central (2003-2010, governo Lula) e ex-presidente mundial do BankBoston
Programa IncentivAuto refuta subsídios e renúncias sem critérios
No início do ano, a General Motors do Brasil anunciou que, após três anos de prejuízo operacional, planejava encerrar suas operações no Brasil e passá-las para outro país. Após conversas com o governo paulista, seguida de negociações com fornecedores, revendas e sindicatos dos trabalhadores, a empresa resolveu reavaliar a decisão levando em conta estes e outros fatores.
Nesse intervalo de tempo, a Ford comunicou, em meio a uma reestruturação estratégica, o fechamento da unidade de São Bernardo do Campo, que fabrica majoritariamente caminhões, em linha com uma decisão global de sair da produção direta desse tipo de veículo.
Os episódios da GM e da Ford mostram o quanto as indústrias de São Paulo e do Brasil estão inseridas na economia global, sujeitas a decisões de investimento e de produção que levam em conta as vantagens competitivas entre países.
Nos estudos que desenvolvi com a equipe técnica da Secretaria da Fazenda e Planejamento ficou claro que, nesses casos, a competição que São Paulo está inserido não é com outros estados, mas com outros países. Nas decisões em pauta, veículos que deixam de ser produzidos em São Paulo não passam a ser fabricados em outro estado brasileiro, mas sim em outro país.
Os trabalhadores de São Paulo e de outros estados, em sua rede de concessionárias em todo o país e também os da indústria de fornecedores, correm o risco de pagar o preço por decisões de estratégias globais. Neste contexto está a política do governo João Doria de abertura a investimentos e de ampla participação da iniciativa privada no desenvolvimento de São Paulo. Concebemos uma solução não só para alavancar os investimentos de médio e longo prazos, mas para propiciar um ambiente de negócios adequado para o necessário planejamento das indústrias.
Lançamos o IncentivAuto, que em tudo difere dos subsídios, das renúncias fiscais sem critérios adequados. Enquanto aqueles programas dão incentivos para a produção existente ou sobre mera expectativa de manutenção ou aumento de produção e emprego, o IncentivAuto:
1 - Exige que a montadora invista valores bem definidos, crie pelo menos 400 novos empregos e só aí, após rigorosa verificação pelos técnicos do estado, possa usufruir dos benefícios do programa. Ou seja, primeiro a empresa moderniza, amplia ou inaugura uma linha de produção com recursos próprios, aumenta a produção e o número de empregos —e só depois recebe desconto no imposto devido;
2 - Terá como desconto máximo de ICMS 25% do valor devido sobre as vendas adicionais resultantes dos investimentos acima de R$ 10 bilhões. Ou seja, há um incentivo sobre o imposto adicional a ser cobrado com o acréscimo das vendas resultantes dos novos investimentos;
3 - Propiciará novas receitas que sequer existiriam caso o investimento não fosse feito no Brasil.
Esse patamar de ICMS é consistente com o que vem sendo praticado pela maioria dos estados. Ao contrário de programas condenados pela Organização Mundial do Comércio, o nosso não é subsídio e não se trata de guerra fiscal.
Mesmo com o IncentivAuto, a carga tributária sobre os automóveis no Brasil permanece uma das maiores do mundo. Portanto, a iniciativa paulista é uma contribuição para o enfrentamento do custo Brasil e para que o país possa se integrar de forma plena à economia mundial.
Os resultados falam por si. A GM anunciou R$ 10 bilhões de investimentos no Brasil para os próximos cinco anos. Irá gerar novos empregos diretos e ampliará sua produção. É certo dizer que, em função do IncentivAuto, estamos preservando, de imediato, cerca de 65 mil empregos e outros tantos em outros estados quando se soma toda a ocupação na cadeia de produção e vendas da GM.
No caso da Ford, há interesse de outras montadoras em comprar as operações de caminhões e investir baseados no IncentivAuto. O governo de São Paulo criou condições para que empresas façam investimentos que gerem emprego e renda no país.
O cenário hoje é desafiador. A atuação do Estado exige uma compreensão global da economia mundial para preservar o futuro da indústria de São Paulo e do Brasil. O nosso compromisso com as sociedades paulista e brasileira é criar condições para desenvolvimento dos negócios, gerando riqueza com responsabilidade fiscal. Esta é a nossa receita.
Henrique Meirelles
Secretário da Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo, candidato à Presidência pelo MDB, ex-ministro da Fazenda (2016-2018, governo Temer), ex-presidente do Banco Central (2003-2010, governo Lula) e ex-presidente mundial do BankBoston
Os tempos de Bolsonaro - WILLIAM WAACK
O Estado de S.Paulo - 11/04/2019
Não adianta, como o governo tenta, enumerar medidas e decretos para “provar” que as coisas andaram rápido.
No universo da física newtoniana no qual vivemos o tempo tem uma medida padrão igual para todo mundo. Não é a que vale para os cem dias de Jair Bolsonaro na Presidência. O tempo da política nem sempre combina com a duração das unidades do tempo cronológico. Para o atual governo, o tempo subjetivo correu muito mais rápido.
Essa rapidez na passagem do “tempo político” é em função de dois fenômenos separados, mas que andam de mãos dadas. Um é o grau de expectativa do público em geral frente ao governo que prometeu mudar o País em prazo recorde. O outro é o grau de intolerância e descrédito com que o mesmo público em geral encara a política. Jair Bolsonaro incentivou e continua incentivando os dois fenômenos.
Não adianta, como integrantes do governo tentam, enumerar medidas, decretos, projetos, propostas ou nomeações como forma de “provar” que as coisas andaram rápido. Nem adianta se queixar de “impaciência” por parte de milhões de pessoas que abraçaram a forte ilusão, reiterada em campanha eleitoral, segundo a qual o capitão resolveria logo o pelotão de problemas.
Serve menos ainda no atual ambiente político argumentar – tema recorrente nas redes sociais mantidas em estado de permanente efervescência – que o governo herdou um País arrebentado por sucessivas administrações perdulárias. E que dez, ou 20, ou 30 anos de incompetência não se revertem em uns três meses. É como esperar que o apego subjetivo e emocional à esperança de mudança imediata seja transformado numa postura calma e racional por quem grita há meses “temos de acabar com tudo o que está aí”.
São conhecidos e foram tratados exaustivamente por toda parte os problemas do governo para lutar na batalha da comunicação, na articulação política para aprovação de reformas, na coordenação de suas prioridades, no estabelecimento de estratégias, na escolha entre as diversas (e até antagônicas) forças políticas que o sustentam – nisso incluindo a personalidade do presidente e a influência aberta ou velada de entes familiares que o cercam.
Em parte as dificuldades resultam de frases de campanha eleitoral que se transformaram em armadilhas conceituais. A principal delas é a diferenciação, totalmente falsa, entre “velha” e “nova” política, quando o que existe é política, à qual pode se dedicar um governante com maior ou menor competência. Em parte as mesmas dificuldades resultam do famoso “modo negação”: é quando o governante, relutando em enfrentar os dados da realidade, atribui a um sujeito oculto ou a uma nebulosa conspiração os obstáculos que não consegue superar (como articular eficientemente uma base de apoio no Legislativo, por exemplo).
Mas talvez a maior dificuldade tenha sido encarar o fato de que o tempo, especialmente o psicológico, mas também o cronológico –, está trabalhando contra, e não a favor do capital político conquistado com a vitória eleitoral em 2018. Há uma urgente necessidade de se atacar questões de curtíssimo prazo e enorme impacto, como a da reforma da Previdência, que não parece refletida na organização e coordenação dos esforços políticos do governo – notório, até aqui, em dissipar parte da energia em temas irrelevantes para lidar com um sufoco como o da crise fiscal.
Um dos efeitos – positivo do ponto de vista da necessidade de aprovação de reformas estruturantes – desse período inicial de impaciência e franca intolerância é a mobilização de várias camadas de elites (política, militar e empresarial) para dar um sentido e direção práticos ao que o governo prometeu fazer e, na percepção generalizada, está gastando tempo subjetivo demais. É a promessa de libertar um país de suas próprias amarras.
Para o atual governo o tempo está correndo muito mais rápido – e contra
Não adianta, como o governo tenta, enumerar medidas e decretos para “provar” que as coisas andaram rápido.
No universo da física newtoniana no qual vivemos o tempo tem uma medida padrão igual para todo mundo. Não é a que vale para os cem dias de Jair Bolsonaro na Presidência. O tempo da política nem sempre combina com a duração das unidades do tempo cronológico. Para o atual governo, o tempo subjetivo correu muito mais rápido.
Essa rapidez na passagem do “tempo político” é em função de dois fenômenos separados, mas que andam de mãos dadas. Um é o grau de expectativa do público em geral frente ao governo que prometeu mudar o País em prazo recorde. O outro é o grau de intolerância e descrédito com que o mesmo público em geral encara a política. Jair Bolsonaro incentivou e continua incentivando os dois fenômenos.
Não adianta, como integrantes do governo tentam, enumerar medidas, decretos, projetos, propostas ou nomeações como forma de “provar” que as coisas andaram rápido. Nem adianta se queixar de “impaciência” por parte de milhões de pessoas que abraçaram a forte ilusão, reiterada em campanha eleitoral, segundo a qual o capitão resolveria logo o pelotão de problemas.
Serve menos ainda no atual ambiente político argumentar – tema recorrente nas redes sociais mantidas em estado de permanente efervescência – que o governo herdou um País arrebentado por sucessivas administrações perdulárias. E que dez, ou 20, ou 30 anos de incompetência não se revertem em uns três meses. É como esperar que o apego subjetivo e emocional à esperança de mudança imediata seja transformado numa postura calma e racional por quem grita há meses “temos de acabar com tudo o que está aí”.
São conhecidos e foram tratados exaustivamente por toda parte os problemas do governo para lutar na batalha da comunicação, na articulação política para aprovação de reformas, na coordenação de suas prioridades, no estabelecimento de estratégias, na escolha entre as diversas (e até antagônicas) forças políticas que o sustentam – nisso incluindo a personalidade do presidente e a influência aberta ou velada de entes familiares que o cercam.
Em parte as dificuldades resultam de frases de campanha eleitoral que se transformaram em armadilhas conceituais. A principal delas é a diferenciação, totalmente falsa, entre “velha” e “nova” política, quando o que existe é política, à qual pode se dedicar um governante com maior ou menor competência. Em parte as mesmas dificuldades resultam do famoso “modo negação”: é quando o governante, relutando em enfrentar os dados da realidade, atribui a um sujeito oculto ou a uma nebulosa conspiração os obstáculos que não consegue superar (como articular eficientemente uma base de apoio no Legislativo, por exemplo).
Mas talvez a maior dificuldade tenha sido encarar o fato de que o tempo, especialmente o psicológico, mas também o cronológico –, está trabalhando contra, e não a favor do capital político conquistado com a vitória eleitoral em 2018. Há uma urgente necessidade de se atacar questões de curtíssimo prazo e enorme impacto, como a da reforma da Previdência, que não parece refletida na organização e coordenação dos esforços políticos do governo – notório, até aqui, em dissipar parte da energia em temas irrelevantes para lidar com um sufoco como o da crise fiscal.
Um dos efeitos – positivo do ponto de vista da necessidade de aprovação de reformas estruturantes – desse período inicial de impaciência e franca intolerância é a mobilização de várias camadas de elites (política, militar e empresarial) para dar um sentido e direção práticos ao que o governo prometeu fazer e, na percepção generalizada, está gastando tempo subjetivo demais. É a promessa de libertar um país de suas próprias amarras.
Para o atual governo o tempo está correndo muito mais rápido – e contra
Mudança traz mudança - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 11/04
Uma coisa são as mudanças tão intensas e tão abrangentes, como as que estamos vivendo em todo o mundo. E outra, bem diferente, é a percepção dessas mudanças. Isso lembra a história do sapo que salta imediatamente quando colocado em contato com água fervente, mas não sente o calor se o aquecimento acontece lentamente com ele dentro da panela.
A revolução digital, a indústria 4.0, o forte aumento da expectativa de vida, a metamorfose do emprego, o aquecimento do planeta... Tudo isso acontece ao mesmo tempo e com grande intensidade. No entanto, os padrões de medida e de avaliação continuam os mesmos, como se continuassem servindo para a realidade mutante.
Se, por exemplo, o emprego tal como conhecido até agora está se transformando e se as pessoas estão sendo cada vez mais obrigadas a garantir sua renda por meio de ocupação autônoma, por que seguir medindo o desemprego da maneira convencional?
Há duas semanas, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, argumentava que o projeto de criação do regime de capitalização da Previdência Social tal como redigido era inaceitável porque, entre outras razões, não previa a contribuição do empregador para a conta do beneficiário. Claro, é bem melhor contar com a contribuição da empresa. Mas, se o mundo caminha para uma economia de serviços em que predomina a ocupação por conta própria, por que insistir na contribuição da empresa e não prever o que acontecerá provavelmente com a maioria, que não terá seu ganha-pão e contribuições adicionais para a aposentadoria por meio de um contrato formal de trabalho?
Nesta terça-feira, o Estado publicou reportagem de Márcia De Chiara, que mostrou a enorme transformação pela qual vão passando os shopping centers. Cada vez mais o consumidor recorrerá às compras online. As lojas estão se transformando em showrooms, o fluxo de mercadorias já não obedece o trajeto anterior, mas passam a ser entregues a partir de centros de logística, muitas vezes localizados em outros municípios.
Essa pequena mudança implica outras transformações. Uma delas é no campo do emprego. A maior categoria de trabalhadores no Brasil, a dos comerciários, está sendo esvaziada. As lojas precisam cada vez menos de vendedores e podem substituí-los por menor número de consultores, encarregados de orientar o consumidor sobre a melhor escolha. Também o faturamento dos shoppings tende a cair porque as encomendas passam a ser feitas pela internet e isso reduzirá seu fluxo de caixa.
Na área da tributação, a coisa fica até mais complexa porque já não se sabe em que municípios acontece a compra. Por exemplo, o consumidor pode acionar uma operação por meio de um celular que, por sua vez, cai num centro de distribuição de outra cidade para uma mercadoria a ser entregue em endereço de outro município.
Se o objeto do comércio é um serviço, como um software, um texto, uma avaliação clínica, que pode ser gerado em outro país e determinar um lançamento de débito em cartão de crédito, já não se sabe que instituição pública tributará quem, como e em que localidade, e sob quais regras.
Enfim, os hábitos vão mudando. Na área do emprego, o trabalhador vai se dando conta de que não está preparado para executar as novas funções exigidas. Isso mostra quanto a educação e o ensino estão atrasados.
Uma coisa são as mudanças tão intensas e tão abrangentes, como as que estamos vivendo em todo o mundo. E outra, bem diferente, é a percepção dessas mudanças. Isso lembra a história do sapo que salta imediatamente quando colocado em contato com água fervente, mas não sente o calor se o aquecimento acontece lentamente com ele dentro da panela.
A revolução digital, a indústria 4.0, o forte aumento da expectativa de vida, a metamorfose do emprego, o aquecimento do planeta... Tudo isso acontece ao mesmo tempo e com grande intensidade. No entanto, os padrões de medida e de avaliação continuam os mesmos, como se continuassem servindo para a realidade mutante.
Se, por exemplo, o emprego tal como conhecido até agora está se transformando e se as pessoas estão sendo cada vez mais obrigadas a garantir sua renda por meio de ocupação autônoma, por que seguir medindo o desemprego da maneira convencional?
Há duas semanas, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, argumentava que o projeto de criação do regime de capitalização da Previdência Social tal como redigido era inaceitável porque, entre outras razões, não previa a contribuição do empregador para a conta do beneficiário. Claro, é bem melhor contar com a contribuição da empresa. Mas, se o mundo caminha para uma economia de serviços em que predomina a ocupação por conta própria, por que insistir na contribuição da empresa e não prever o que acontecerá provavelmente com a maioria, que não terá seu ganha-pão e contribuições adicionais para a aposentadoria por meio de um contrato formal de trabalho?
Nesta terça-feira, o Estado publicou reportagem de Márcia De Chiara, que mostrou a enorme transformação pela qual vão passando os shopping centers. Cada vez mais o consumidor recorrerá às compras online. As lojas estão se transformando em showrooms, o fluxo de mercadorias já não obedece o trajeto anterior, mas passam a ser entregues a partir de centros de logística, muitas vezes localizados em outros municípios.
Essa pequena mudança implica outras transformações. Uma delas é no campo do emprego. A maior categoria de trabalhadores no Brasil, a dos comerciários, está sendo esvaziada. As lojas precisam cada vez menos de vendedores e podem substituí-los por menor número de consultores, encarregados de orientar o consumidor sobre a melhor escolha. Também o faturamento dos shoppings tende a cair porque as encomendas passam a ser feitas pela internet e isso reduzirá seu fluxo de caixa.
Na área da tributação, a coisa fica até mais complexa porque já não se sabe em que municípios acontece a compra. Por exemplo, o consumidor pode acionar uma operação por meio de um celular que, por sua vez, cai num centro de distribuição de outra cidade para uma mercadoria a ser entregue em endereço de outro município.
Se o objeto do comércio é um serviço, como um software, um texto, uma avaliação clínica, que pode ser gerado em outro país e determinar um lançamento de débito em cartão de crédito, já não se sabe que instituição pública tributará quem, como e em que localidade, e sob quais regras.
Enfim, os hábitos vão mudando. Na área do emprego, o trabalhador vai se dando conta de que não está preparado para executar as novas funções exigidas. Isso mostra quanto a educação e o ensino estão atrasados.
O lado certo da história - RODRIGO CONSTANTINO
GAZETA DO POVO - PR - 11/04
Tanto o coletivismo, que mata o indivíduo (tratado como meio sacrificável), como o individualismo exacerbado, que anula a importância do coletivo, devem ser condenados
"Vivemos na época de maior prosperidade material e liberdade individual da história, algo que pode ser facilmente comprovado com dados e estatísticas, como a expectativa de vida e as garantias de direitos das minorias, especialmente nos países ocidentais. Não obstante, poucas vezes se viu tanta vitimização e reclamação, como se as novas gerações vivessem num antro de opressão e miséria. O que se passa?
Para explicar esse paradoxo, e defender os pilares da civilização ocidental hoje enfraquecidos, Ben Shapiro lançou seu novo livro The Right Side of History, que já ocupa há dias o número um entre os mais vendidos. Merecido. Trata-se de uma obra de grande qualidade e poder de síntese, que navega por séculos de filosofia, religião e pensamento político, mostrando como o legado que mistura Grécia e Jerusalém é o responsável pelo relativo sucesso ocidental.
Para Shapiro, o segredo está justamente na constante tensão entre razão e fé, entre argumentação lógica e busca de sentido mais elevado, que marcou a trajetória ocidental. A herança judaico-cristã forneceu o “telos” para a civilização ocidental, ou seja, o sentido, o “onde” chegar, propósitos morais, enquanto a razão grega ofereceu o instrumento mais poderoso para essa jornada. Um não pode se sustentar sem o outro.
Segundo o autor conservador, o grande erro dos modernos foi achar que a razão, por si só, poderia garantir o futuro do Ocidente, abrindo mão daquilo que permitia a manutenção do tecido social das comunidades. O materialismo não basta, pois o homem tem necessidade de sentido. Aqueles que enaltecem o iluminismo, ignorando que ele só foi possível no contexto ocidental, não teriam compreendido a relevância desse casamento, ainda que tenso, entre razão e religião. Querem manter o efeito abrindo mão da causa.
O sucesso ocidental não é de raça ou de etnia
Shapiro bebeu bastante de fontes como Tomás de Aquino, mas há muita influência de pensadores mais recentes também, assim como os “pais fundadores” da América – o experimento social que sintetiza esse principal legado ocidental, uma nação criada com base na ideia de liberdade individual dentro de um ambiente moral definido. E seu livro é uma defesa desse legado, que merece ser defendido, mas que vem sendo difamado pela esquerda, que pinta a América como um rastro de opressão e injustiças, em vez de entender que se trata da mais bela conquista humanitária, ainda que imperfeita (como tudo que é humano).
Tanto o coletivismo, que mata o indivíduo (tratado como meio sacrificável), como o individualismo exacerbado, que anula a importância do coletivo, são condenados por Shapiro. Para ele, existem quatro fatores fundamentais para o sucesso de uma sociedade: o foco nos objetivos individuais, já que cada um é único; os instrumentos que capacitam os indivíduos a buscar esses objetivos; o foco nos objetivos coletivos; e os instrumentos que capacitam a sociedade a concretizar esses objetivos.
Os dois extremos – coletivismo e individualismo – seriam traições a esse delicado equilíbrio de forças. Quando a coesão social se perde, quando as comunidades se enfraquecem e cada um é visto como uma ilha ou um átomo, ocorre um esgarçamento do tecido social que é extremamente perigoso, e coloca em risco as próprias liberdades individuais.
Na falta de valores morais, que para Shapiro dependem das religiões, os cidadãos perdem o norte e correm o risco de cair no hedonismo e no relativismo. Por trás dos “valores universais” que os humanistas seculares enaltecem, há uma premissa de cunho religioso que vem como legado judaico-cristão: o homem é feito à imagem de Deus. Sem esse critério absoluto fica impossível defender certas condutas, pois tudo valeria. Não há base moral forte o suficiente, sem isso, para condenar o poder pelo poder, o evolucionismo amoral, até a eugenia. E as tendências “progressistas” em relação ao aborto comprovam isso.
A narrativa do autor sobre como saímos de um ambiente que nos trouxe o próprio iluminismo, graças aos pilares judaico-cristãos que fomentaram o avanço da ciência, e caímos num pós-modernismo irracional é bastante interessante. Shapiro mostra a influência de vários filósofos e psicólogos na destruição dos principais fundamentos de nossa civilização, que foi abandonando aos poucos os padrões morais e permitindo o advento de um subjetivismo insano, em que os sentimentos pessoais passam a importar mais do que fatos objetivos e a busca pela verdade.
Hoje, com a política de identidades e a ideologia de gênero, chegamos ao ápice do ataque contra a razão, a moral e a ciência. Regressamos a um tribalismo doentio que segrega em vez de unir baseado em metas comuns. Abandonamos a lei natural grega e os valores cristãos, e nos entregamos às paixões e aos apetites bestiais. Viramos as costas para Atenas e Jerusalém, e isso nunca fica impune. Precisamos, diz Shapiro, resgatar os valores que fizeram do Ocidente essa grande civilização, lembrando-se do alerta de Reagan: a liberdade nunca está a mais do que uma geração de ser perdida.
Precisamos fazer nossa parte, educar nossos filhos para a vida real, incutir neles a noção do sacrifício em prol de algo maior do que seus umbigos, ao mesmo tempo em que os ensinamos a valorizar as liberdades individuais e a razão. O sucesso ocidental não é de raça ou de etnia, como os supremacistas brancos da “direita alternativa”, em parte reagindo aos “progressistas”, alegam. Shapiro detesta esses racistas e não esconde isso.
O sucesso é de ideias, e são elas que devem ser resgatadas, pois o Ocidente é especial. Não importa o que os ingratos mimados e ressentidos digam. Eles vivem numa época e num lugar incríveis, por mais que cuspam naquilo que possuem. Precisamos ajudá-los a reencontrar propósitos morais elevados, que encarem a vida humana como sagrada e que nos guie para um desejo de ser sempre melhor, tanto como pessoa, como também do ponto de vista da sociedade.
O indivíduo, num entorno de decência moral e com propósitos morais elevados, protegido pela razão e o direito de propriedade, pode buscar sua felicidade e florescer como pessoa, contribuindo assim para o avanço da sociedade como um todo. Uma ideia que merece ser defendida!
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal."
"Vivemos na época de maior prosperidade material e liberdade individual da história, algo que pode ser facilmente comprovado com dados e estatísticas, como a expectativa de vida e as garantias de direitos das minorias, especialmente nos países ocidentais. Não obstante, poucas vezes se viu tanta vitimização e reclamação, como se as novas gerações vivessem num antro de opressão e miséria. O que se passa?
Para explicar esse paradoxo, e defender os pilares da civilização ocidental hoje enfraquecidos, Ben Shapiro lançou seu novo livro The Right Side of History, que já ocupa há dias o número um entre os mais vendidos. Merecido. Trata-se de uma obra de grande qualidade e poder de síntese, que navega por séculos de filosofia, religião e pensamento político, mostrando como o legado que mistura Grécia e Jerusalém é o responsável pelo relativo sucesso ocidental.
Para Shapiro, o segredo está justamente na constante tensão entre razão e fé, entre argumentação lógica e busca de sentido mais elevado, que marcou a trajetória ocidental. A herança judaico-cristã forneceu o “telos” para a civilização ocidental, ou seja, o sentido, o “onde” chegar, propósitos morais, enquanto a razão grega ofereceu o instrumento mais poderoso para essa jornada. Um não pode se sustentar sem o outro.
Segundo o autor conservador, o grande erro dos modernos foi achar que a razão, por si só, poderia garantir o futuro do Ocidente, abrindo mão daquilo que permitia a manutenção do tecido social das comunidades. O materialismo não basta, pois o homem tem necessidade de sentido. Aqueles que enaltecem o iluminismo, ignorando que ele só foi possível no contexto ocidental, não teriam compreendido a relevância desse casamento, ainda que tenso, entre razão e religião. Querem manter o efeito abrindo mão da causa.
O sucesso ocidental não é de raça ou de etnia
Shapiro bebeu bastante de fontes como Tomás de Aquino, mas há muita influência de pensadores mais recentes também, assim como os “pais fundadores” da América – o experimento social que sintetiza esse principal legado ocidental, uma nação criada com base na ideia de liberdade individual dentro de um ambiente moral definido. E seu livro é uma defesa desse legado, que merece ser defendido, mas que vem sendo difamado pela esquerda, que pinta a América como um rastro de opressão e injustiças, em vez de entender que se trata da mais bela conquista humanitária, ainda que imperfeita (como tudo que é humano).
Tanto o coletivismo, que mata o indivíduo (tratado como meio sacrificável), como o individualismo exacerbado, que anula a importância do coletivo, são condenados por Shapiro. Para ele, existem quatro fatores fundamentais para o sucesso de uma sociedade: o foco nos objetivos individuais, já que cada um é único; os instrumentos que capacitam os indivíduos a buscar esses objetivos; o foco nos objetivos coletivos; e os instrumentos que capacitam a sociedade a concretizar esses objetivos.
Os dois extremos – coletivismo e individualismo – seriam traições a esse delicado equilíbrio de forças. Quando a coesão social se perde, quando as comunidades se enfraquecem e cada um é visto como uma ilha ou um átomo, ocorre um esgarçamento do tecido social que é extremamente perigoso, e coloca em risco as próprias liberdades individuais.
Na falta de valores morais, que para Shapiro dependem das religiões, os cidadãos perdem o norte e correm o risco de cair no hedonismo e no relativismo. Por trás dos “valores universais” que os humanistas seculares enaltecem, há uma premissa de cunho religioso que vem como legado judaico-cristão: o homem é feito à imagem de Deus. Sem esse critério absoluto fica impossível defender certas condutas, pois tudo valeria. Não há base moral forte o suficiente, sem isso, para condenar o poder pelo poder, o evolucionismo amoral, até a eugenia. E as tendências “progressistas” em relação ao aborto comprovam isso.
A narrativa do autor sobre como saímos de um ambiente que nos trouxe o próprio iluminismo, graças aos pilares judaico-cristãos que fomentaram o avanço da ciência, e caímos num pós-modernismo irracional é bastante interessante. Shapiro mostra a influência de vários filósofos e psicólogos na destruição dos principais fundamentos de nossa civilização, que foi abandonando aos poucos os padrões morais e permitindo o advento de um subjetivismo insano, em que os sentimentos pessoais passam a importar mais do que fatos objetivos e a busca pela verdade.
Hoje, com a política de identidades e a ideologia de gênero, chegamos ao ápice do ataque contra a razão, a moral e a ciência. Regressamos a um tribalismo doentio que segrega em vez de unir baseado em metas comuns. Abandonamos a lei natural grega e os valores cristãos, e nos entregamos às paixões e aos apetites bestiais. Viramos as costas para Atenas e Jerusalém, e isso nunca fica impune. Precisamos, diz Shapiro, resgatar os valores que fizeram do Ocidente essa grande civilização, lembrando-se do alerta de Reagan: a liberdade nunca está a mais do que uma geração de ser perdida.
Precisamos fazer nossa parte, educar nossos filhos para a vida real, incutir neles a noção do sacrifício em prol de algo maior do que seus umbigos, ao mesmo tempo em que os ensinamos a valorizar as liberdades individuais e a razão. O sucesso ocidental não é de raça ou de etnia, como os supremacistas brancos da “direita alternativa”, em parte reagindo aos “progressistas”, alegam. Shapiro detesta esses racistas e não esconde isso.
O sucesso é de ideias, e são elas que devem ser resgatadas, pois o Ocidente é especial. Não importa o que os ingratos mimados e ressentidos digam. Eles vivem numa época e num lugar incríveis, por mais que cuspam naquilo que possuem. Precisamos ajudá-los a reencontrar propósitos morais elevados, que encarem a vida humana como sagrada e que nos guie para um desejo de ser sempre melhor, tanto como pessoa, como também do ponto de vista da sociedade.
O indivíduo, num entorno de decência moral e com propósitos morais elevados, protegido pela razão e o direito de propriedade, pode buscar sua felicidade e florescer como pessoa, contribuindo assim para o avanço da sociedade como um todo. Uma ideia que merece ser defendida!
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal."
De cabeça para baixo - CARLOS ALBERTO SARDENBERG
O GLOBO - 11/04
Municípios estão quebrados. Dezenas foram criados em anos recentes; a maioria sem a menor condição de gerar receitas
Futebol de praia, jogo oficial, bola alta na área: o jovem atacante tenta a bicicleta, fura espetacularmente e se estatela na areia. O experiente técnico, quase um educador, observa, meio conformado: meu filho, você de cabeça para cima já não é lá essas coisas...
Pois tem muita jogada aqui no Brasil que está de cabeça para baixo. Pacto federativo, por exemplo. Prefeitos fazem marcha a Brasília para exigir participação maior no bolo tributário nacional. Querem mais dinheiro distribuído pelo governo federal. O presidente Bolsonaro vai lá e recolhe aplausos ao garantir que vai entregar.
Qual dinheiro?
O governo federal está quebrado, lutando para conseguir um déficit de R$ 139 bilhões neste ano, que será o sexto rombo anual seguido. Também, claro, o sexto ano seguido de crescimento da dívida pública.
Para voltar ao superávit e estancar a expansão da dívida, o governo federal precisa de um ajuste (uma combinação de mais receita e menos despesa) de R$ 300 bilhões.
Isso quando a carga tributária já é muito pesada, e os serviços públicos carecem de tudo, de material a profissionais.
Nisso, o pessoal do Ministério da Economia ainda arrisca a bicicleta. Promete reduzir impostos e distribuir mais para estados e municípios.
Os municípios estão quebrados. Dezenas foram criados em anos recentes, a maioria sem a menor condição de gerar receitas próprias. A Constituição de 1988 distribuiu mais impostos para os municípios. As prefeituras, em regra, aumentaram os gastos de pessoal e diminuíram as despesas com prestação de serviços. São, geralmente, inviáveis.
Neste caso, jogar de cabeça para cima seria eliminar municípios, fazer fusões — o que no mínimo reduziria os gastos com estruturas de prefeituras e câmara de vereadores.
Sem condição política. E lá se vão os prefeitos tentar a bicicleta em Brasília.
Pertence a esse mesmo tipo de jogada a tentativa de lideranças políticas e econômicas de introduzir os temas, digamos, do novo século. Uns dizem, por exemplo, que a política monetária clássica — dos regimes de meta de inflação — já não funciona. Vai daí que o BC deveria reduzir a taxa básica de juros para um nível inferior ao da inflação e despejar dinheiro no mercado para estimular o crescimento.
Em países cujos BCs lutam para conseguir elevar a inflação de zero para 1% ao ano, com décadas seguidas de estabilidade monetária e fiscal, aquela já é uma ideia de cabeça para baixo. Aqui no Brasil, onde uma inflação de 4,5% ao ano é um golaço, a sugestão também não para de pé.
Vão pelo mesmo caminho as teses progressistas, pelas quais “não basta” fazer o ajuste para a recuperação do crescimento. É necessário, dizem, investir e gerar empregos.
Ora, por que não há investimentos? Porque um Estado inchado e quebrado segura a economia e atrapalha o empreendedor privado. Ou seja, por falta de ajuste monetário (inflação baixinha com juros idem) e equilíbrio das contas públicas.
Vamos reparar: há 25 anos se discute a implantação da idade mínima de aposentadoria no Brasil. E ainda tem gente dizendo “não basta a reforma da Previdência”.
Há 25 anos que o Executivo e o Congresso se dedicam a criar impostos e infernizar a vida do contribuinte honesto. E tem gente dizendo que “não basta” a reforma tributária.
Além de equívoco, tem uma malandragem aí. É difícil defender um sistema previdenciário e um setor público que privilegiam escandalosamente os que ganham mais e têm mais privilégios, como estabilidade e aposentadorias integrais. Os números aqui são fatais.
Daí a tentativa de tirar a importância daquelas reformas. Dizer que se precisa de mais investimento público — ou seja, mais gasto — é mais bacana do que defender ajustes e sacrifícios.
É enganação querer que tudo mundo jogue de cabeça para baixo.
Mas, sem briga, vamos propor um acordo: depois de votar e implementar a reforma da Previdência e a tributária, depois de começar a cortar privilégios de parte do funcionalismo, depois que a inflação estiver inteiramente controlada, depois de reduzir o Estado com privatizações, vamos então começar a tratar do que mais falta fazer.
E aí a gente vai descobrir que bastava, sim, fazer aquelas coisas.
Municípios estão quebrados. Dezenas foram criados em anos recentes; a maioria sem a menor condição de gerar receitas
Futebol de praia, jogo oficial, bola alta na área: o jovem atacante tenta a bicicleta, fura espetacularmente e se estatela na areia. O experiente técnico, quase um educador, observa, meio conformado: meu filho, você de cabeça para cima já não é lá essas coisas...
Pois tem muita jogada aqui no Brasil que está de cabeça para baixo. Pacto federativo, por exemplo. Prefeitos fazem marcha a Brasília para exigir participação maior no bolo tributário nacional. Querem mais dinheiro distribuído pelo governo federal. O presidente Bolsonaro vai lá e recolhe aplausos ao garantir que vai entregar.
Qual dinheiro?
O governo federal está quebrado, lutando para conseguir um déficit de R$ 139 bilhões neste ano, que será o sexto rombo anual seguido. Também, claro, o sexto ano seguido de crescimento da dívida pública.
Para voltar ao superávit e estancar a expansão da dívida, o governo federal precisa de um ajuste (uma combinação de mais receita e menos despesa) de R$ 300 bilhões.
Isso quando a carga tributária já é muito pesada, e os serviços públicos carecem de tudo, de material a profissionais.
Nisso, o pessoal do Ministério da Economia ainda arrisca a bicicleta. Promete reduzir impostos e distribuir mais para estados e municípios.
Os municípios estão quebrados. Dezenas foram criados em anos recentes, a maioria sem a menor condição de gerar receitas próprias. A Constituição de 1988 distribuiu mais impostos para os municípios. As prefeituras, em regra, aumentaram os gastos de pessoal e diminuíram as despesas com prestação de serviços. São, geralmente, inviáveis.
Neste caso, jogar de cabeça para cima seria eliminar municípios, fazer fusões — o que no mínimo reduziria os gastos com estruturas de prefeituras e câmara de vereadores.
Sem condição política. E lá se vão os prefeitos tentar a bicicleta em Brasília.
Pertence a esse mesmo tipo de jogada a tentativa de lideranças políticas e econômicas de introduzir os temas, digamos, do novo século. Uns dizem, por exemplo, que a política monetária clássica — dos regimes de meta de inflação — já não funciona. Vai daí que o BC deveria reduzir a taxa básica de juros para um nível inferior ao da inflação e despejar dinheiro no mercado para estimular o crescimento.
Em países cujos BCs lutam para conseguir elevar a inflação de zero para 1% ao ano, com décadas seguidas de estabilidade monetária e fiscal, aquela já é uma ideia de cabeça para baixo. Aqui no Brasil, onde uma inflação de 4,5% ao ano é um golaço, a sugestão também não para de pé.
Vão pelo mesmo caminho as teses progressistas, pelas quais “não basta” fazer o ajuste para a recuperação do crescimento. É necessário, dizem, investir e gerar empregos.
Ora, por que não há investimentos? Porque um Estado inchado e quebrado segura a economia e atrapalha o empreendedor privado. Ou seja, por falta de ajuste monetário (inflação baixinha com juros idem) e equilíbrio das contas públicas.
Vamos reparar: há 25 anos se discute a implantação da idade mínima de aposentadoria no Brasil. E ainda tem gente dizendo “não basta a reforma da Previdência”.
Há 25 anos que o Executivo e o Congresso se dedicam a criar impostos e infernizar a vida do contribuinte honesto. E tem gente dizendo que “não basta” a reforma tributária.
Além de equívoco, tem uma malandragem aí. É difícil defender um sistema previdenciário e um setor público que privilegiam escandalosamente os que ganham mais e têm mais privilégios, como estabilidade e aposentadorias integrais. Os números aqui são fatais.
Daí a tentativa de tirar a importância daquelas reformas. Dizer que se precisa de mais investimento público — ou seja, mais gasto — é mais bacana do que defender ajustes e sacrifícios.
É enganação querer que tudo mundo jogue de cabeça para baixo.
Mas, sem briga, vamos propor um acordo: depois de votar e implementar a reforma da Previdência e a tributária, depois de começar a cortar privilégios de parte do funcionalismo, depois que a inflação estiver inteiramente controlada, depois de reduzir o Estado com privatizações, vamos então começar a tratar do que mais falta fazer.
E aí a gente vai descobrir que bastava, sim, fazer aquelas coisas.
O setor estatal está doente - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 11/04
O Brasil poderia ter melhores bens e serviços coletivos, não fosse o fato de o setor estatal brasileiro estar gravemente doente
"A sociedade privada tem, em termos econômicos, duas entidades internas: as pessoas e as empresas. É pela conjunção entre os fatores de produção das pessoas (trabalho e iniciativa empresarial) e dos fatores de produção das empresas (capital e tecnologia, entendendo por capital os bens que se destinam à produção e não ao consumo, como prédios, máquinas, equipamentos) que a sociedade produz bens e serviços necessários ao consumo das pessoas e para o reinvestimento das empresas para sua conservação e expansão. É assim que a população – 208,5 milhões de pessoas, no caso do Brasil – tem a seu dispor milhares de bens e serviços úteis para a sobrevivência e o bem-estar social, como é assim que as empresas têm os bens de produção para seus investimentos.
Entretanto, como há bens e serviços de uso coletivo, a sociedade privada constitui um aparato necessário à administração dos chamados “serviços públicos” – defesa nacional, segurança interna, sistema de justiça etc. – e dos bens de uso coletivo – ruas, praças, rodovias etc. Esse aparato coletivo, uma espécie de condomínio, é o governo, geralmente constituído de três poderes: um que legisla, outro que executa e um terceiro que processa e julga os conflitos entre os membros da nação. A esse conjunto de três poderes e aos entes que compõem as três esferas da federação – municípios, estados e União – chama-se simplificadamente de “governo”, o qual em geral se constitui em um gigantesco setor estatal, complexo e gastador.
O tamanho do governo e a extensão de suas tarefas têm relação direta com o volume de recursos financeiros que a sociedade lhe entrega
O tamanho do governo e a extensão de suas tarefas têm relação direta com o volume de recursos financeiros que a sociedade lhe entrega de forma impositiva por meio dos tributos. Por óbvio, o quanto a sociedade pode entregar ao governo é uma fração de todo o produto nacional produzido por essa mesma sociedade. A divisão entre os bens e serviços fornecidos pelo governo e os bens e serviços fornecidos pelo mercado privado depende da fração da renda nacional (que é exatamente igual ao produto nacional) entregue ao governo em forma de tributos, que idealmente não deveria passar de um quarto, ou seja, 25%. A razão é simples: na lista de bens e serviços necessários à vida de uma pessoa ou uma família, a maior parte é de bens e serviços privados e uma menor parte é de bens e serviços públicos.
Atualmente, perto do fim da segunda década do século 21, o volume de dinheiro que o governo retira da sociedade brasileira em tributos está na faixa dos 34%, mas, em razão dos déficits públicos, o setor estatal nas três esferas federativas gasta 41% da renda nacional. Essa enorme soma de dinheiro vai para os cofres dos municípios, dos estados e da União, para pagar as obras e serviços nos setores de defesa, justiça, segurança, energia, transporte, portos, aeroportos, educação, saúde, saneamento, previdência, assistência social e outros nos quais o governo nem deveria estar. Embora pobre, o país poderia ter melhores bens e serviços coletivos, não fosse o fato de o setor estatal brasileiro estar gravemente doente, sob risco de falência múltipla dos órgãos.
O quadro de enfermidade do setor estatal apresenta três doenças graves: inchaço da máquina pública, alto grau de ineficiência e corrupção generalizada, doenças que, ao que indicam as notícias diárias, estão em processo de metástase incontrolável. Quanto ao inchaço da máquina, a norma em grande parte dos 5.570 municípios, 26 estados, Distrito Federal e União é a existência de uma máquina muito maior do que a necessária para executar suas tarefas, com excesso de órgãos e repartições, salários médios muito acima da média do mercado (exemplos de motoristas, garçons e secretárias com salários acima de R$ 15 mil e aposentadorias bem maiores que no setor privado), loteamento de cargos sob o controle dos políticos, servidores que ganham sem aparecer para o trabalho (como o caso demonstrado até mesmo em hospitais universitários pelas auditorias da Controladoria Geral da União). Enfim, uma máquina grande e perdulária que nada tem a ver com o que se exige de uma empresa moderna, eficiente e atualizada em tecnologia.
Quanto à ineficiência gerencial e operativa, salvando as exceções honrosas, o setor estatal brasileiro se esmerou em tratar mal o cidadão, prestar serviços de baixa qualidade, atendimento moroso, excesso de burocracia e custos acima do necessário. Porém, a ineficiência vai mais longe. Obras inacabadas, projetos mal elaborados e obras desnecessárias são vistos por todo o país, e não é difícil provar o quanto de dinheiro se joga fora nisso tudo. O setor público tem ilhas de excelência e modernidade, algumas em setores que atendem à população, mas muitas estão nas atividades de tomar dinheiro da sociedade, como é o caso da Receita Federal – que é exemplo para o mundo em termos de eficiência e modernização tecnológica.
A terceira doença grave é a corrupção que se alastrou por todo o organismo estatal, em todas as esferas da federação. Apesar das ações da Polícia Federal, das polícias estaduais, do Ministério Público Federal, dos ministérios estaduais e das prisões de figurões da política e do poder – coisa impensável até 20 anos atrás –, a corrupção é uma epidemia nacional que, a cada dia, parece ser incontrolável e não ter fim. Quanto maior o tamanho do setor estatal, maior é o tamanho da corrupção e, por consequência, maior é o sofrimento da população. Mas o Brasil não tem alternativa, é preciso salvar o setor público para diminuir o atraso, a pobreza e o baixo nível de bem-estar social médio, e isso passa por diminuir o tamanho do governo, desburocratizar, desregulamentar, privatizar empresas estatais e vender ativos públicos dispensáveis à função de governo, além de melhorar a eficácia no combate ao crime e à corrupção."
"A sociedade privada tem, em termos econômicos, duas entidades internas: as pessoas e as empresas. É pela conjunção entre os fatores de produção das pessoas (trabalho e iniciativa empresarial) e dos fatores de produção das empresas (capital e tecnologia, entendendo por capital os bens que se destinam à produção e não ao consumo, como prédios, máquinas, equipamentos) que a sociedade produz bens e serviços necessários ao consumo das pessoas e para o reinvestimento das empresas para sua conservação e expansão. É assim que a população – 208,5 milhões de pessoas, no caso do Brasil – tem a seu dispor milhares de bens e serviços úteis para a sobrevivência e o bem-estar social, como é assim que as empresas têm os bens de produção para seus investimentos.
Entretanto, como há bens e serviços de uso coletivo, a sociedade privada constitui um aparato necessário à administração dos chamados “serviços públicos” – defesa nacional, segurança interna, sistema de justiça etc. – e dos bens de uso coletivo – ruas, praças, rodovias etc. Esse aparato coletivo, uma espécie de condomínio, é o governo, geralmente constituído de três poderes: um que legisla, outro que executa e um terceiro que processa e julga os conflitos entre os membros da nação. A esse conjunto de três poderes e aos entes que compõem as três esferas da federação – municípios, estados e União – chama-se simplificadamente de “governo”, o qual em geral se constitui em um gigantesco setor estatal, complexo e gastador.
O tamanho do governo e a extensão de suas tarefas têm relação direta com o volume de recursos financeiros que a sociedade lhe entrega
O tamanho do governo e a extensão de suas tarefas têm relação direta com o volume de recursos financeiros que a sociedade lhe entrega de forma impositiva por meio dos tributos. Por óbvio, o quanto a sociedade pode entregar ao governo é uma fração de todo o produto nacional produzido por essa mesma sociedade. A divisão entre os bens e serviços fornecidos pelo governo e os bens e serviços fornecidos pelo mercado privado depende da fração da renda nacional (que é exatamente igual ao produto nacional) entregue ao governo em forma de tributos, que idealmente não deveria passar de um quarto, ou seja, 25%. A razão é simples: na lista de bens e serviços necessários à vida de uma pessoa ou uma família, a maior parte é de bens e serviços privados e uma menor parte é de bens e serviços públicos.
Atualmente, perto do fim da segunda década do século 21, o volume de dinheiro que o governo retira da sociedade brasileira em tributos está na faixa dos 34%, mas, em razão dos déficits públicos, o setor estatal nas três esferas federativas gasta 41% da renda nacional. Essa enorme soma de dinheiro vai para os cofres dos municípios, dos estados e da União, para pagar as obras e serviços nos setores de defesa, justiça, segurança, energia, transporte, portos, aeroportos, educação, saúde, saneamento, previdência, assistência social e outros nos quais o governo nem deveria estar. Embora pobre, o país poderia ter melhores bens e serviços coletivos, não fosse o fato de o setor estatal brasileiro estar gravemente doente, sob risco de falência múltipla dos órgãos.
O quadro de enfermidade do setor estatal apresenta três doenças graves: inchaço da máquina pública, alto grau de ineficiência e corrupção generalizada, doenças que, ao que indicam as notícias diárias, estão em processo de metástase incontrolável. Quanto ao inchaço da máquina, a norma em grande parte dos 5.570 municípios, 26 estados, Distrito Federal e União é a existência de uma máquina muito maior do que a necessária para executar suas tarefas, com excesso de órgãos e repartições, salários médios muito acima da média do mercado (exemplos de motoristas, garçons e secretárias com salários acima de R$ 15 mil e aposentadorias bem maiores que no setor privado), loteamento de cargos sob o controle dos políticos, servidores que ganham sem aparecer para o trabalho (como o caso demonstrado até mesmo em hospitais universitários pelas auditorias da Controladoria Geral da União). Enfim, uma máquina grande e perdulária que nada tem a ver com o que se exige de uma empresa moderna, eficiente e atualizada em tecnologia.
Quanto à ineficiência gerencial e operativa, salvando as exceções honrosas, o setor estatal brasileiro se esmerou em tratar mal o cidadão, prestar serviços de baixa qualidade, atendimento moroso, excesso de burocracia e custos acima do necessário. Porém, a ineficiência vai mais longe. Obras inacabadas, projetos mal elaborados e obras desnecessárias são vistos por todo o país, e não é difícil provar o quanto de dinheiro se joga fora nisso tudo. O setor público tem ilhas de excelência e modernidade, algumas em setores que atendem à população, mas muitas estão nas atividades de tomar dinheiro da sociedade, como é o caso da Receita Federal – que é exemplo para o mundo em termos de eficiência e modernização tecnológica.
A terceira doença grave é a corrupção que se alastrou por todo o organismo estatal, em todas as esferas da federação. Apesar das ações da Polícia Federal, das polícias estaduais, do Ministério Público Federal, dos ministérios estaduais e das prisões de figurões da política e do poder – coisa impensável até 20 anos atrás –, a corrupção é uma epidemia nacional que, a cada dia, parece ser incontrolável e não ter fim. Quanto maior o tamanho do setor estatal, maior é o tamanho da corrupção e, por consequência, maior é o sofrimento da população. Mas o Brasil não tem alternativa, é preciso salvar o setor público para diminuir o atraso, a pobreza e o baixo nível de bem-estar social médio, e isso passa por diminuir o tamanho do governo, desburocratizar, desregulamentar, privatizar empresas estatais e vender ativos públicos dispensáveis à função de governo, além de melhorar a eficácia no combate ao crime e à corrupção."
O pulo da inflação - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 11/04
O salto da inflação em março pode ser um desvio temporário, mas é um motivo a mais para o governo se preocupar com as expectativas
O salto da inflação em março, quando os preços ao consumidor subiram 0,75%, puxados por alimentação e transportes, pode ser um desvio temporário, mas é um motivo a mais para o governo se preocupar com as expectativas. Por enquanto o bom humor parece prevalecer no mercado, apesar da surpresa negativa. Ninguém havia previsto uma alta superior a 0,67% na pesquisa habitual da Agência Estado. Mesmo diante do número pior que o esperado, economistas do mercado mantêm, no entanto, a aposta numa inflação mais branda nos próximos meses e um resultado final próximo da meta em 2019. Há até quem preveja um novo corte dos juros básicos pelo Banco Central (BC) antes do fim do ano. Essa expectativa é um dos aspectos mais positivos da economia brasileira neste momento. É essencial preservá-la.
À primeira vista há algo assustador na recente aceleração do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a mais importante medida oficial da inflação, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A alta de 0,75% foi a maior para um mês de março desde 2015, quando a variação chegou a 1,32%.
Naquele tempo, o Brasil sofria os efeitos da irresponsabilidade fiscal do governo da presidente Dilma Rousseff. Além disso, os aumentos haviam disparado, depois de uma desastrosa fase de contenção política das tarifas de eletricidade.
O choque de seriedade a partir da troca de governo, em 2016, permitiu conter a inflação e baixar os juros básicos ao menor patamar da história da taxa Selic, de 6,50% ao ano. A alta do IPCA no mês passado pode parecer, sem maior análise, uma nova perda de rumo, mas os fatos, tudo indica, são muito menos preocupantes.
Com o salto da inflação mensal de 0,43% para 0,75%, a variação acumulada em 12 meses passou de 3,89% em fevereiro para 4,58% em março e ultrapassou a meta de 4,25% fixada para 2019. Mas a maior parte do resultado de março é explicável pela alta de apenas dois grupos de preços, alimentação e transportes.
O custo da alimentação subiu 1,37%. O dos transportes, 1,44%. Considerados os pesos desses itens no orçamento médio das famílias, a alta dos preços da comida teve impacto de 0,34 ponto de porcentagem no resultado geral. O outro item produziu um efeito de 0,26 ponto. Somados, esses dois grupos seriam suficientes para gerar uma inflação de 0,60%, pouco faltando, portanto, para completar a variação de 0,75% do IPCA do mês. A diferença de 0,15 ponto decorreu de variações muito pequenas dos demais itens – saúde, vestuário, habitação, educação, artigos de residência, despesas pessoais e comunicação.
Nada parece indicar, portanto, mais que um desvio passageiro da trajetória do IPCA. Os preços da alimentação tendem a acomodar-se, com a melhora das condições de tempo. O custo dos transportes, em boa parte determinado pelos preços dos combustíveis, é sujeito a oscilações determinadas basicamente pelas cotações internacionais do petróleo.
Além disso, algum aumento passageiro da inflação já havia sido antecipado pelo BC e indicado na ata da última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária. A surpresa foi a magnitude da variação do IPCA, fora do intervalo previsto por economistas do mercado.
Não há, por enquanto, sinal de pressão da demanda sobre os preços ao consumidor, e também isso é um dado positivo. As famílias, como observou o gerente das pesquisas de preços do IBGE, Fernando Gonçalves, continuam gastando com muita cautela, por causa das incertezas quanto ao emprego. Sem pressão de demanda, há espaço para o BC manter a taxa básica de juros de 6,50%. Há quem preveja até um corte, mas para isso seria necessária alguma ousadia.
Espaço para queda de juros dependerá de expectativas ainda melhores quanto aos preços. O governo precisará mostrar seriedade e capacidade e avançar na reforma da Previdência para animar o mercado. Simetricamente, falhas do governo derrubarão a confiança e favorecerão a alta de preços, como tem advertido o BC. O presidente Jair Bolsonaro deveria levar a sério essa advertência.
O salto da inflação em março pode ser um desvio temporário, mas é um motivo a mais para o governo se preocupar com as expectativas
O salto da inflação em março, quando os preços ao consumidor subiram 0,75%, puxados por alimentação e transportes, pode ser um desvio temporário, mas é um motivo a mais para o governo se preocupar com as expectativas. Por enquanto o bom humor parece prevalecer no mercado, apesar da surpresa negativa. Ninguém havia previsto uma alta superior a 0,67% na pesquisa habitual da Agência Estado. Mesmo diante do número pior que o esperado, economistas do mercado mantêm, no entanto, a aposta numa inflação mais branda nos próximos meses e um resultado final próximo da meta em 2019. Há até quem preveja um novo corte dos juros básicos pelo Banco Central (BC) antes do fim do ano. Essa expectativa é um dos aspectos mais positivos da economia brasileira neste momento. É essencial preservá-la.
À primeira vista há algo assustador na recente aceleração do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a mais importante medida oficial da inflação, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A alta de 0,75% foi a maior para um mês de março desde 2015, quando a variação chegou a 1,32%.
Naquele tempo, o Brasil sofria os efeitos da irresponsabilidade fiscal do governo da presidente Dilma Rousseff. Além disso, os aumentos haviam disparado, depois de uma desastrosa fase de contenção política das tarifas de eletricidade.
O choque de seriedade a partir da troca de governo, em 2016, permitiu conter a inflação e baixar os juros básicos ao menor patamar da história da taxa Selic, de 6,50% ao ano. A alta do IPCA no mês passado pode parecer, sem maior análise, uma nova perda de rumo, mas os fatos, tudo indica, são muito menos preocupantes.
Com o salto da inflação mensal de 0,43% para 0,75%, a variação acumulada em 12 meses passou de 3,89% em fevereiro para 4,58% em março e ultrapassou a meta de 4,25% fixada para 2019. Mas a maior parte do resultado de março é explicável pela alta de apenas dois grupos de preços, alimentação e transportes.
O custo da alimentação subiu 1,37%. O dos transportes, 1,44%. Considerados os pesos desses itens no orçamento médio das famílias, a alta dos preços da comida teve impacto de 0,34 ponto de porcentagem no resultado geral. O outro item produziu um efeito de 0,26 ponto. Somados, esses dois grupos seriam suficientes para gerar uma inflação de 0,60%, pouco faltando, portanto, para completar a variação de 0,75% do IPCA do mês. A diferença de 0,15 ponto decorreu de variações muito pequenas dos demais itens – saúde, vestuário, habitação, educação, artigos de residência, despesas pessoais e comunicação.
Nada parece indicar, portanto, mais que um desvio passageiro da trajetória do IPCA. Os preços da alimentação tendem a acomodar-se, com a melhora das condições de tempo. O custo dos transportes, em boa parte determinado pelos preços dos combustíveis, é sujeito a oscilações determinadas basicamente pelas cotações internacionais do petróleo.
Além disso, algum aumento passageiro da inflação já havia sido antecipado pelo BC e indicado na ata da última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária. A surpresa foi a magnitude da variação do IPCA, fora do intervalo previsto por economistas do mercado.
Não há, por enquanto, sinal de pressão da demanda sobre os preços ao consumidor, e também isso é um dado positivo. As famílias, como observou o gerente das pesquisas de preços do IBGE, Fernando Gonçalves, continuam gastando com muita cautela, por causa das incertezas quanto ao emprego. Sem pressão de demanda, há espaço para o BC manter a taxa básica de juros de 6,50%. Há quem preveja até um corte, mas para isso seria necessária alguma ousadia.
Espaço para queda de juros dependerá de expectativas ainda melhores quanto aos preços. O governo precisará mostrar seriedade e capacidade e avançar na reforma da Previdência para animar o mercado. Simetricamente, falhas do governo derrubarão a confiança e favorecerão a alta de preços, como tem advertido o BC. O presidente Jair Bolsonaro deveria levar a sério essa advertência.
Ineficaz e com gastos milionários, a Apex só serve ao loteamento político - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 11/04
Agência de suposta promoção do Brasil no exterior continua a ser exemplo de clientelismo
Sucessivas crises ajudaram a expor nos últimos cem dias a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). Em nenhum dos episódios, alguns tragicômicos, a motivação foi a defesa do interesse público.
A Apex nasceu há 16 anos como apêndice numa política comercial até hoje mal esboçada, fragmentada e ineficaz. Tem sido motivo de disputas políticas constantes, do governo Lula ao de Jair Bolsonaro.
A ambiguidade dessa agência estatal, hoje abrigada no Ministério das Relações Exteriores, surgiu na lei que a criou (10.668/2003) e se reflete no próprio estatuto, onde sua função é descrita numa única frase de 89 palavras, com abrangência equivalente à de um programa de governo.
No papel, ela cuida de “promoção” das exportações e dos investimentos, assim como da “pesquisa, formação, capacitação, competitividade e desenvolvimento” de indústria, comércio, serviços, tecnologia e agricultura, em todos os quadrantes do planeta, não importando a dimensão da empresa, pública ou privada.
Na realidade, não passa de mais um organismo inoperante com gastos milionários, mais de 300 cargos no Brasil e no exterior, cobiçados porque bem remunerados, e com uma atividade muitas vezes superposta à de vários departamentos ministeriais. Mantém uma rede de escritórios que começa no Brasil e se estende por Colômbia, EUA, Cuba, Angola, Bélgica, Emirados Árabes Unidos, Moscou e Pequim.
A Apex consome mais de R$ 600 milhões por ano — valor similar ao de um programa contra enchentes no Rio, por exemplo. Esse dinheiro tem origem em um tributo pago por todas as empresas sobre as folhas salariais.
A receita é garantida e crescente, a despeito do ciclo de aguda recessão, de consequências na vida de 13,5 milhões de desempregados. O avanço da Apex contrasta, por exemplo, com o declínio nas exportações de produtos industriais, de maior valor agregado. Em 2000, a comercialização de manufaturados somava 59% da receita total das vendas externas. A Apex surgiu em 2003. Hoje, esses produtos representam 36% do total exportado.
Evidentemente, esse retrocesso não pode ser debitado exclusivamente da conta da agência. Mas realça sua ambiguidade e disfuncionalidade. Sua história retrata um fracasso governamental e é, cada vez mais, representativa daquilo que parece unir Bolsonaro ao antecessor Lula: a sedução pelo loteamento político do governo por conveniências ideológicas, religiosas e partidárias, sem observância do interesse público. Acabar com a Apex pode ser um recomeço.
Agência de suposta promoção do Brasil no exterior continua a ser exemplo de clientelismo
Sucessivas crises ajudaram a expor nos últimos cem dias a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). Em nenhum dos episódios, alguns tragicômicos, a motivação foi a defesa do interesse público.
A Apex nasceu há 16 anos como apêndice numa política comercial até hoje mal esboçada, fragmentada e ineficaz. Tem sido motivo de disputas políticas constantes, do governo Lula ao de Jair Bolsonaro.
A ambiguidade dessa agência estatal, hoje abrigada no Ministério das Relações Exteriores, surgiu na lei que a criou (10.668/2003) e se reflete no próprio estatuto, onde sua função é descrita numa única frase de 89 palavras, com abrangência equivalente à de um programa de governo.
No papel, ela cuida de “promoção” das exportações e dos investimentos, assim como da “pesquisa, formação, capacitação, competitividade e desenvolvimento” de indústria, comércio, serviços, tecnologia e agricultura, em todos os quadrantes do planeta, não importando a dimensão da empresa, pública ou privada.
Na realidade, não passa de mais um organismo inoperante com gastos milionários, mais de 300 cargos no Brasil e no exterior, cobiçados porque bem remunerados, e com uma atividade muitas vezes superposta à de vários departamentos ministeriais. Mantém uma rede de escritórios que começa no Brasil e se estende por Colômbia, EUA, Cuba, Angola, Bélgica, Emirados Árabes Unidos, Moscou e Pequim.
A Apex consome mais de R$ 600 milhões por ano — valor similar ao de um programa contra enchentes no Rio, por exemplo. Esse dinheiro tem origem em um tributo pago por todas as empresas sobre as folhas salariais.
A receita é garantida e crescente, a despeito do ciclo de aguda recessão, de consequências na vida de 13,5 milhões de desempregados. O avanço da Apex contrasta, por exemplo, com o declínio nas exportações de produtos industriais, de maior valor agregado. Em 2000, a comercialização de manufaturados somava 59% da receita total das vendas externas. A Apex surgiu em 2003. Hoje, esses produtos representam 36% do total exportado.
Evidentemente, esse retrocesso não pode ser debitado exclusivamente da conta da agência. Mas realça sua ambiguidade e disfuncionalidade. Sua história retrata um fracasso governamental e é, cada vez mais, representativa daquilo que parece unir Bolsonaro ao antecessor Lula: a sedução pelo loteamento político do governo por conveniências ideológicas, religiosas e partidárias, sem observância do interesse público. Acabar com a Apex pode ser um recomeço.
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