Agência de suposta promoção do Brasil no exterior continua a ser exemplo de clientelismo
Sucessivas crises ajudaram a expor nos últimos cem dias a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex). Em nenhum dos episódios, alguns tragicômicos, a motivação foi a defesa do interesse público.
A Apex nasceu há 16 anos como apêndice numa política comercial até hoje mal esboçada, fragmentada e ineficaz. Tem sido motivo de disputas políticas constantes, do governo Lula ao de Jair Bolsonaro.
A ambiguidade dessa agência estatal, hoje abrigada no Ministério das Relações Exteriores, surgiu na lei que a criou (10.668/2003) e se reflete no próprio estatuto, onde sua função é descrita numa única frase de 89 palavras, com abrangência equivalente à de um programa de governo.
No papel, ela cuida de “promoção” das exportações e dos investimentos, assim como da “pesquisa, formação, capacitação, competitividade e desenvolvimento” de indústria, comércio, serviços, tecnologia e agricultura, em todos os quadrantes do planeta, não importando a dimensão da empresa, pública ou privada.
Na realidade, não passa de mais um organismo inoperante com gastos milionários, mais de 300 cargos no Brasil e no exterior, cobiçados porque bem remunerados, e com uma atividade muitas vezes superposta à de vários departamentos ministeriais. Mantém uma rede de escritórios que começa no Brasil e se estende por Colômbia, EUA, Cuba, Angola, Bélgica, Emirados Árabes Unidos, Moscou e Pequim.
A Apex consome mais de R$ 600 milhões por ano — valor similar ao de um programa contra enchentes no Rio, por exemplo. Esse dinheiro tem origem em um tributo pago por todas as empresas sobre as folhas salariais.
A receita é garantida e crescente, a despeito do ciclo de aguda recessão, de consequências na vida de 13,5 milhões de desempregados. O avanço da Apex contrasta, por exemplo, com o declínio nas exportações de produtos industriais, de maior valor agregado. Em 2000, a comercialização de manufaturados somava 59% da receita total das vendas externas. A Apex surgiu em 2003. Hoje, esses produtos representam 36% do total exportado.
Evidentemente, esse retrocesso não pode ser debitado exclusivamente da conta da agência. Mas realça sua ambiguidade e disfuncionalidade. Sua história retrata um fracasso governamental e é, cada vez mais, representativa daquilo que parece unir Bolsonaro ao antecessor Lula: a sedução pelo loteamento político do governo por conveniências ideológicas, religiosas e partidárias, sem observância do interesse público. Acabar com a Apex pode ser um recomeço.
Nenhum comentário:
Postar um comentário