quinta-feira, outubro 15, 2015

A quem se destina - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 15/10

A maior parte das pedaladas fiscais não foi feita para beneficiar os pobres, mas sim os muito ricos através dos subsídios para as grandes empresas no Programa de Sustentação do Investimento ( PSI) do BNDES. No Banco do Brasil, os atrasos são dos empréstimos para empresas do agronegócio. Nesses dois bancos se concentra a maior parte da dívida.

O grande empresariado bateu palmas e fez fila para pegar recursos do PSI. O programa gerou essa dívida de R$ 24,5 bilhões acumulada com o BNDES. Mas o custo não é só esse. O PSI é com taxa supersubsidiada. Mas todos os empréstimos do BNDES são com taxas mais baixas do que as que o Tesouro paga. Foram transferidos para o banco, para que ele emprestasse, outros R$ 500 bilhões. Sobre essa dinheirama há custos que continuarão pesando no bolso do contribuinte nos próximos anos, talvez décadas.

As despesas do Tesouro para carregar a dívida contraída para transferir recursos para o BNDES ou as contas da equalização de taxas de juros provam que a política econômica do PT se destinou aos mais ricos. O discurso demagógico de pedalada feita para favorecer os pobres é desmentido pelos fatos. O gasto com as grandes empresas foi infinitamente maior do que com os programas de transferência de renda.

Os governos do ex- presidente Lula e da presidente Dilma adotaram políticas criadas pelo governo militar. Tudo foi refeito: política de escolha de grupos vencedores, dinheiro barato financiado com os impostos do resto da população, fechamento da economia para reduzir a competição, regulação tendenciosa que beneficiava alguns em detrimento de outros. Na economia, nada foi mais parecido com o governo militar do que os governos do PT.

Agora, Lula e Dilma estão usando mais uma vez o discurso populista para justificar o fato de o governo ter desrespeitado a Lei de Responsabilidade Fiscal, com o argumento de que o fizeram para atender aos pobres. Os números mostram o contrário. Das pedaladas de R$ 40 bilhões, R$ 6 bilhões foram de atrasos à Caixa Econômica para o pagamento de programas como Bolsa Família. A maior parte da dívida é com programas do bolsa empresário.

O governo Dilma prejudicou também os mais pobres quando foi leniente com a inflação. Deixou que a taxa ficasse tempo demais perto do teto da meta e segurou artificialmente os preços administrados para elevá- los após as eleições. O resultado foi inflação perto de 10%, queda do poder de compra das famílias brasileiras e encolhimento das vendas.

A inflação sempre atingirá mais diretamente os mais pobres, por isso a primeira política social é manter a taxa sob controle. A estabilização foi um poderoso instrumento de inclusão e permitiu que políticas sociais tivessem resultado, aumentando o movimento de retirada de brasileiros da pobreza. Quando o governo permite uma taxa que chega a este nível calamitoso de agora - com o PIB encolhendo 3%- a consequência direta é retirar renda da população, principalmente dos mais pobres.

Por ação, através dos programas de subsídio às grandes empresas, e por omissão, ao deixar a inflação subir, o governo está fazendo o oposto do que deveria fazer. Está usando mais recursos públicos para os ricos; tirando renda dos mais pobres através da inflação.

Por isso, a conversa do ex- presidente Lula e a nota do Planalto são mais do que demagógicas. São falsas. As pedaladas não foram feitas para pagar os beneficiários do Bolsa Família porque faltou dinheiro. Como já disse aqui, outros programas tiveram, em 2014, por razões eleitorais, um aumento súbito, que foi revogado no ano seguinte. Mas, além disso, os números mostram a quem se destina a maior parte dos subsídios e subvenções pagos pelo Tesouro: às grandes empresas.

A ilusão de que o PT pudesse fazer o ajuste fiscal, corrigindo os erros que cometeu, já se desfez. Os gritos de "fora Levy" na reunião da CUT mostram que não há o que o ministro da Fazenda possa fazer. O partido não aceita ajuda para corrigir a bagunça que fez porque não acredita em responsabilidade fiscal. Foi por isso que a lei foi ferida tantas vezes nos últimos anos. Na opinião emitida por Lula na CUT, o país deve continuar desajustado. Faltou dizer quem paga a conta da desordem petista na economia.


Globalização, da ópera à corrupção - CARLOS ALBERTO SARDENBERG

O GLOBO - 15/10

Não se pode dizer que as pessoas sempre foram tolerantes. Ocorre que a roubalheira ficava bem escondida



O combate à corrupção é um amplo movimento global. Comportamentos antes admitidos ou deixados para lá — os políticos são assim mesmo, lembram-se? — agora são alvo de radical intolerância. O político italiano Ignazio Marino, um homem de esquerda, com as bandeiras progressistas, incluindo o casamento gay, perdeu a prefeitura de Roma quando foram exibidas contas elevadas de restaurante, que ele espetava no cofre municipal. Alguns dirão que foi exagero, mas a bronca agora é assim. Depois de tanta tolerância e impunidade, o pêndulo foi para o outro lado.

Há grandes e pequenas corrupções. Nas grandes, com frequência se trata de roubo em obras públicas, tecnologia dominada mundialmente. As pequenas vão desde contas de restaurante até gastos das primeiras-damas em cidades interioranas. E sem contar a história da Fifa. Na França, por exemplo, a imprensa está muito ocupada com o Mundial de Rúgbi e com as eliminatórias para a Eurocopa. Mas não passa dia sem notícia do caso Michel Platini, o presidente da Uefa, associação de futebol da Europa, candidatíssimo a moralizar a Fifa até ser apanhado recebendo um pagamento por consultoria mal explicada.

Aliás, esta é outra modalidade frequente: consultorias nunca feitas, mas formalizadas em contrato para lavar o dinheiro.

Como se chegou a este ponto? Na verdade, não se pode dizer que as pessoas sempre foram tolerantes com a corrupção. Ocorre que a roubalheira ficava bem escondida. Isso acabou com duas providências básicas: leis exigindo a abertura, a transparência das contas públicas, regras bem aproveitadas pela imprensa; e novas leis para o sistema financeiro que praticamente acabaram com o sigilo das contas bancárias.

Tanto é assim que o combate à corrupção é mais forte, e bem-sucedido, nos países democráticos, com imprensa livre. Na Rússia e na Turquia, por exemplo, denúncias têm dado cadeia para jornalistas nos últimos dias.

Outro fator crucial é a globalização do sistema financeiro. No primeiro momento, essa internacionalização ajudou os corruptos a esconder dinheiro, pulando com as contas de país para país. Agora, as autoridades fazem o caminho inverso, seguindo o dinheiro pelo mundo afora.

Ainda bem.

VIAJANDO POR AÍ

E por falar em globalização, tem Uber em São Petersburgo, lá no alto da Rússia. É um enorme conforto para o estrangeiro. Você entra no aplicativo e a página aparece na sua língua, exatamente no formato em que foi feito o registro original. Elimina estresse com o idioma, mapas, sistema de táxis, tarifas, câmbio etc.

Já a internet engasga. Perguntei aqui e ali, e parece que é o seguinte: uma mistura de problemas técnicos — redes de alcance limitado — com alguma censura. Acontecem umas coisas estranhas quando se entra seguido em várias páginas de noticiário. A conexão cai e, às vezes, o seu próprio notebook simplesmente apaga.

Já em Paris, a internet é bala, mas não tem Uber. No país das corporações, os taxistas espalharam protestos, e o aplicativo foi proibido por lei, como está acontecendo no Rio e em São Paulo. Azar para quem vem para a Olimpíada.

Por outro lado, tanto em Paris quanto em São Petersburgo o sistema de compra de ingressos para espetáculos é totalmente globalizado. É como se fosse o Uber do entretenimento. Pode-se fazer tudo pela internet, da compra ao pagamento no cartão. Não precisa nem emitir o bilhete — você passa na catraca com o código de barras recebido por e-mail no seu celular.

Tirante para os pequenos gastos, nem é preciso sacar dinheiro local. Vai tudo no cartão.

Muita gente reclama que as cidades ficaram muito iguais — e essa é mesmo a primeira impressão. Dos aeroportos aos carros, as lojas, os restaurantes — tudo parece familiar. Ainda mais quando se vê todo mundo com celular na mão. No Museu Hermitage, por exemplo, estão à disposição aplicativos da Apple e do Google pelos quais o visitante faz seu roteiro.

Não facilita só para o estrangeiro. Essa globalização dos serviços é amigável para todos.

Não elimina as identidades locais, muito menos as culturais.

Dois pequenos mas interessantes exemplos. São Petersburgo é conservadora. O Teatro Mikhailovsky apresenta uma “Tosca” e um “Lago dos cisnes” absolutamente clássicos. E na ópera, as legendas aparecem apenas em russo.

Já na Ópera da Bastilha, as legendas estão em inglês e, claro, francês. E apresenta um “Don Giovanni” contemporâneo. Os cantores são verdadeiros atores, estão de terno e gravata — aqueles ternos moderninhos, de paletó curto e calça apertada. O cenário os coloca numa Paris de hoje, com prédios de apartamento e o conquistador fugindo de elevador.

Na famosa ária em que Leporello, o empregado de Don Giovanni, relata a série de conquistas de seu patrão, ele saca um celular para ler o número de mulheres seduzidas. E mais: há uma rápida cena de nu frontal de uma das moças.

A globalização é assim também: entrega o clássico e o revolucionário, no caso, ambos espetáculos de classe mundial.

GOSTOSA



Fim dos tempos - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 15/12

"O tempo da política não é o tempo da economia." Até agosto, pelo menos, era o que diziam os líderes do PMDB a fim de espinafrar Joaquim Levy. No tempo do ministro da Fazenda, o governo acabaria antes de a economia se recuperar da recessão, na análise dos caciques maiores.

O tempo da economia não é o tempo da política. Seja qual for o governo em 2016, terá de enfrentar a recessão, a esta altura mais do que encomendada para o ano que vem. Remendos e projetos de reforma que poderiam atenuar a crise não serão aprovados até bem entrado o ano, na expectativa mais otimista.

Caso Dilma Rousseff permaneça no cargo, terá de lidar com o fato de que o número de baixas entre a "população civil", o cidadão comum, estará crescendo com mais rapidez. Muito difícil que não seja assim até meados do ano (quando então o número de baixas ainda continuará crescendo, mas mais devagar).

Suponha-se que isso que vamos chamar sarcasticamente de "elite política" decida não levar Dilma Rousseff para o cadafalso. Uma presidente que não será mais popular do que agora governará pessoas com a vida ainda mais avariada pela crise.

Não há motivos para esperar melhoria material da vida cotidiana.

A renda continuará a cair, devido a mais desemprego, reduções ou reajustes menores de salário, inflação baixando bem menos do que o imaginado.

O total de dinheiro emprestado cai, pois os bancos relutam em emprestar e a taxa de juros é insuportável. Dado que desemprego e quebras de empresas vão aumentar, dificilmente bancos ficarão menos relutantes. Os juros não cairão no ano que vem, pelo menos para todos os efeitos práticos.

As expectativas ruins para a economia não serão aliviadas pela política: haverá ainda zum-zum de deposição ou uma presidente impopular. Logo, difícil acreditar que a confiança do consumidor se recupere do colapso que a abateu ao mínimo que se tem registro.

Neste cenário pavoroso, parece até prosaico citar uma estatística econômica importante da vida real. As vendas nos hiper e supermercados caíam por quatro meses, até agosto. Devem ter caído em setembro.

Note-se a reação de economistas ao resultado das vendas do comércio, divulgado ontem pelo IBGE: o varejo continuará a cair até o final do ano. Para quem se aventura a previsões daí em diante, caem até o Carnaval ou Semana Santa de 2016. O desemprego continuará em alta até o final do ano que vem.

Esse é o cenário de degradação normal (o ambiente é propício a desastres; a inflação pode ganhar ritmo). A sobrevida do governo Dilma Rousseff terá sequelas horrendas.

A política não tem levado em conta que o seu tempo, o seu ritmo, está encomendando recessão ainda maior para 2016 e produzindo ainda mais entulhos que vão dificultar a retomada econômica, que talvez não venha nem em 2017.

Caso a chicana político-judicial-parlamentar redunde na deposição de Dilma Rousseff, o tempo da economia também será curto para os responsáveis e envolvidos. Até agora, todos eles se comportam feito uma malta de irresponsáveis e depredadores do país. É bom que comecem a pensar em um plano do que fazer da terra arrasada.

Secura no consumo - CELSO MING

O ESTADÃO - 15/10

A percepção é a de que tão cedo não haverá virada de tendência


A inflação - que corrói a renda -, o desemprego, a falta de confiança no futuro e, por conta disso tudo, o comportamento bem mais conservador do consumidor, todos esses fatores vêm se compondo para derrubar o consumo.

Os números mais recentes ainda são de agosto, mas confirmam a percepção de que tão cedo não haverá virada de tendência.

A queda de 0,9% sobre as vendas do varejo restrito (que excluem materiais de construção e veículos) de julho completa uma retração acumulada de 3,0% nos oito primeiros meses deste ano, sobre igual período do ano passado (veja o gráfico abaixo)





O setor de veículos aponta para uma paisagem desoladora: queda de 15,7% em agosto; e de 15,4% na acumulada do ano até o oitavo mês.

No entanto, a informação mais relevante no comportamento do mercado varejista é a forte dispersão da retração do consumo. Dos dez segmentos que compõem a pesquisa do IBGE, nada menos que oito acusam em agosto queda de vendas. Apenas artigos farmacêuticos e de perfumaria e artigos de uso pessoal e doméstico tiveram algum desempenho positivo. Isso mostra que o movimento de retração está espraiado por toda a economia.

Desapontados com o baixo desempenho, alguns setores da produção, especialmente os de bens de consumo duráveis, reivindicam mais estímulos do governo para o crédito, com o objetivo de ajudar a roda a voltar a girar para a frente. Mas esta é uma proposta que carrega contraindicações. Em primeiro lugar, não falta crédito na praça e, por isso, não é o que está emperrando o consumo. Em segundo, a política do Banco Central é de restrição monetária, que também alcança o crédito. Acionar a máquina em sentido contrário é operar contra a política que, mal ou bem, é a que está prevalecendo. Em terceiro lugar, as famílias já estão operando no vermelho, com limites orçamentários cada vez mais estreitos. Puxar pelo crédito pode significar forçar a inadimplência.

O presidente de um banco importante revelou a esta Coluna que o grande comércio varejista começa a lidar com a crescente incapacidade dos seus fornecedores de entregar mercadorias nos prazos combinados. Isso mostra que os produtores estão enfrentando sérias restrições de capital de giro. E, quando isso acontece, a arrecadação também baqueia, porque o empresário prefere ficar devendo para a Receita Federal do que ficar pendurado no banco com juros do olho da cara.

Não há, por enquanto, nenhum sinal de que a retração esteja próxima de reverter-se. Ao contrário, os prognósticos são de que a recessão avançará 2016 adentro.

A primeira manifestação de alívio acontecerá quando o impasse político se desfizer, o ajuste das contas públicas se reequacionar e o País puder voltar à normalidade.

Enquanto isso não acontecer, ainda se poderá contar com algum desempenho positivo em setores especiais, principalmente no agronegócio, que continua batendo recordes - apesar da seca e da crise - e dos principais segmentos ligados à exportação, que agora podem contar com um dólar mais favorável.

CONFIRA:

Mantra

No pronunciamento que fez nesta quarta-feira na Câmara dos Deputados, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, repetiu o mantra que recita em todos os eventos e solenidades em que vai: (1) não há crescimento econômico sustentável sem contas públicas em ordem; (2) ninguém investe em aumento de capacidade de produção enquanto não ficar claro o que será feito para derrubar o rombo fiscal; (3) também o aumento do emprego só acontece com orçamento ajustado; (4) o crédito é retomado logo após a retomada da confiança; (5) nas condições atuais da crise, é praticamente inevitável o aumento de impostos; (6) o projeto da nova CPMF tem por objetivo dar cobertura para o rombo da Previdência - e não o financiamento da Saúde.

E no que vai dar tudo isso aí? - MARCO ANTONIO ROCHA

O Estado de São Paulo - 15/10

Apergunta que aflige a opinião pública consciente neste momento é se o governo Dilma acaba logo ou vai até 2018. Na boca do povo, a indagação é mais direta: o que é que vai sair de tudo isso aí e o que vai acontecer com a gente?

Brasileiros jovens, universitários e pais de família com filhos pequenos devem estar se perguntando o que é que se pode ou se deve esperar para este país. Não no futuro abstrato, de longo prazo, mas no que as expectativas humanas normais abrangem.

Crises políticas e econômicas o País já atravessou várias. Não ficou incólume, como costumam dizer os inocentes, mas sofreu solavancos nas suas instituições que sempre tornam os horizontes incertos e o chão, instável. Há pouco mais de 60 anos uma instabilidade política nascida com o suicídio de Getúlio Vargas e encerrada com a deposição de João Goulart nos mergulhou numa ditadura que durou formalmente 20 anos.

Saímos dela para uma democracia que já tem 30 anos, codificada numa Constituição que completou 27, mas ainda estamos nos indagando se realmente temos instituições confiáveis. E não são poucos os que pregam, à vista dos últimos acontecimentos, o retorno dos militares. Se- riam apelidados, em tempos idos, de “vivandeiros do caos”.

Mas vamos aos fatos concretos: 1) não há resposta para “o que é que vai sair de tudo isso aí?”. Ninguém sabe, e ninguém tem condições nem de tentar responder; 2) mas há elementos para dizer o que vai acontecer com a gente: muito maiores dificuldades econômicas pela frente.

Olhando os dois lados da crise que o País atravessa, o econômico e o político, o que se pode dizer com certeza é que, quanto mais tempo levar para desatar o nó político, mais difícil e prolongada será qualquer possível recuperação da economia.

O Brasil andou para trás nos últimos anos, depois de ter andado para a frente. Não faz muito tempo, o ex-presidente Lula proclamava com euforia que o Brasil era a 6.ª economia do mundo, a caminho de se tornar a 5.ª e, talvez, ultrapassar a França. Se chegarmos ao fim deste ano em 15.º lugar, já será menos mal.

Mas a economia mundial não perdoa quem se atrasa. É como numa corrida de Fórmula 1. Tem o pelotão da frente, com os campeões habituais – Europa Ocidental, América do Norte (cada vez mais absorvendo o México), China, Austrália, Nova Zelândia e Japão. Tem o pelotão dos esforçados – Brasil, Argentina, América do Sul em geral, África do Sul, Índia, Rússia, etc. E tem o pelotão dos retardatários, envolvidos em guerras, internas ou entre si, ou em situação de miséria tal que só sobrevivem com muita ajuda internacional. E o padrão do mundo econômico, das instituições financeiras, dos fundos, etc., é de favorecimento de quem está na frente na Fórmula 1 da Economia mundial. Quanto melhor vai uma economia, mais recursos de investimentos e de financiamentos ela recebe.

Há dez anos falecia, aos 76 anos, Andre Gunder Frank, economista doutorado na Universidade de Chicago, de linha ortodoxa, onde foi aluno de Milton Friedman. Não obstante, tornouse um economista “de esquerda” nos EUA, num tempo em que todo economista que não rezasse pela cartilha de Chicago era tido como “de esquerda”. Além disso, foi colaborador da Monthly Review, publicação alegadamente do Partido Comunista americano. No seu livro O Desenvolvimento do Subdesenvolvimento, Gunder Frank mostrava que o subdesenvolvimento de uma economia se autoalimenta. Hoje em dia, é visível que o desenvolvimento também se autoalimenta, como ficou claro com a China nos últimos 20 anos.

O Brasil está numa perigosa curva do espaço-tempo econômico. Com as quedas do PIB nos últimos anos e a perspectiva de ele tornar-se negativo, atrasou-se na corrida da Fórmula 1 Econômica mundial, e esse atraso se pode autoalimentar, deixando o País de oferecer o futuro promissor que sempre apresentou.

Rótulo descabido - EDITORIAL ZERO HORA

ZERO HORA - 15/10

A definição genérica de que os descontentes com o governo fazem parte de um movimento golpista não deveria contagiar altas autoridades, em especial a presidente da República. Em pronunciamento para uma plateia de aliados, no 12º Congresso da Central Única dos Trabalhadores, a presidente afirmou e indagou-se, ao reconhecer a gravidade da crise política: "Eu me insurjo contra o golpismo e suas ações conspiratórias. Quem tem força moral, reputação ilibada e biografia limpa para atacar minha honra? Quem?".

Embora o recado tivesse endereço certo, o enrolado presidente da Câmara, Eduardo Cunha, a quem caberá decidir se os pedidos de impeachment terão ou não andamento, a questão proposta pela presidente parece reduzir as insatisfações a articulações golpistas. Governantes devem reconhecer as próprias dificuldades e identificar as origens de apelos em favor do impeachment. O que há é uma crescente insatisfação popular motivada por insegurança, falta de perspectivas para a economia, crise política e, principalmente, corrupção.

Reduzir as causas de tal comportamento a articulações políticas é simplificar um cenário cada vez mais complexo. Recorrer ao rótulo do golpismo não é suficiente para isentar a presidente de responsabilidade pela situação calamitosa em que o país se encontra. Não é a "oposição golpista" que está investigando irregularidades: são instituições responsáveis, como a Polícia Federal, o Ministério Público, o Tribunal de Contas da União e o Tribunal Superior Eleitoral. A presidente tem todo o direito de se defender, mas com argumentos concretos e não com chavões ideológicos.

ACEITOU JESUS


Dilma vai ao ataque - BERNARDO MELLO FRANCO

Folha de S.Paulo - 15/10

Discursos não ganham guerras, mas podem motivar a tropa para o combate. A presidente Dilma Rousseff apostou nisso ao elevar o tom contra a oposição e se dizer alvo de uma ofensiva de "golpismo escancarado". Na noite de terça-feira, ela fez o mais duro pronunciamento desde que subiu a rampa do Planalto, em janeiro de 2011.

Acuada, Dilma foi ao ataque. Acusou os adversários de tentarem forçar um "terceiro turno" e de se esforçarem para "construir, de forma artificial, o impedimento de um governo eleito pelo voto direto". "O que antes era inconformismo, por terem perdido a eleição, agora transformou-se em um claro desejo de retrocesso político, de ruptura institucional. E isso tem nome, isso é um golpismo escancarado", afirmou.

No trecho mais forte, a presidente disse que seu mandato é ameaçado por "moralistas sem moral". "Quem tem força moral, reputação ilibada e biografia limpa suficientes para atacar a minha honra?", questionou.

Diante de sindicalistas amigos, Dilma falou em diálogo e em "paz política", mas pediu ajuda para a guerra. "Nenhum trabalhador pode baixar a guarda. É preciso defender a legalidade e normalidade com toda energia", conclamou. Foi aplaudida pelo presidente da CUT, Vagner Freitas, que já prometeu resistir de "armas na mão" se o mandato da aliada estiver em risco.

A ofensiva verbal da presidente tem um objetivo claro: motivar os eleitores do PT a saírem em sua defesa. Com apenas 8% de aprovação, ela está muito abaixo do patamar histórico do partido. Sem recuperação nas pesquisas, não há possibilidade de trégua no Congresso.

O novo tom de Dilma empolgou os aliados. Nesta quarta, muitos petistas sonhavam em convencê-la a fazer um pronunciamento em cadeia de rádio e TV. A ideia tem poucas chances de dar certo. Nas últimas vezes em que o Planalto recorreu à ferramenta, a voz da presidente foi abafada pelo som das panelas.


A baliza de Teori - MARIA CRISTINA FERNANDES

VALOR ECONÔMICO - 15/10

Teori Zavascki é o mais diligente dos ministros do Supremo. Leva 15 dias, em média, para uma decisão liminar e 23 dias para a publicação de um acórdão. O prazo para liminar se multiplica por quatro quando cai nas mãos do ministro Luiz Fux e por sete nos acórdãos publicados pelo ministro Marco Aurélio Mello. Na primeira das três liminares concedidas pelo Supremo para barrar o rito do impeachment definido pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, Teori gastou quatro dias além da média aferida pela FGV do Rio.

A diligência do mais discreto dos ministros da Corte, que não dá entrevistas e vive há dois anos uma reclusa viuvez em Brasília, encurtou o prazo de validade do presidente da Câmara dos deputados. A decisão, a ser julgada no mérito pelo plenário da Corte, carimba de ´inusitado´ o rito pretendido. Desde que sua movimentação bancária foi escancarada por promotores suíços, o adjetivo passaria por elogioso a Eduardo Cunha não fosse o desmonte daquela que se apresentava como a única saída para a manutenção do seu cargo - uma rede de proteção em troca de rito que daria curso ao processo de impeachment por maioria simples.

O desmembramento da Lava-jato, decidido pelo mesmo Teori, já havia enfraquecido o presidente da Câmara na medida em que dispersou a defesa dos envolvidos na operação e evitou a reprise da estratégia traçada pelo ex-deputado José Dirceu no mensalão.

Ao remeter os processos para a primeira instância, Teori possibilitou que a Lava-jato, para os desprovidos de foro, deixe, paulatinamente, o rito acelerado do juiz Sérgio Moro e entre na toada mais morosa e permeável da primeira instância. Ao mesmo tempo, homologou delações premiadas que deixam Eduardo Cunha tanto mais exposto do que qualquer outro dos possíveis réus com foro, quanto privado, pela imprevisibilidade do Supremo, de firmar acordos de sobrevivência.

A fiança desses acordos é desfeita pela expectativa de que o STF acolha a denúncia do procurador-geral da República contra o presidente da Câmara. Pelo conjunto da obra, é provável que o Supremo tanto o acolha como réu quanto rejeite o rito que estabeleceu para o impeachment.

Colaboram para isso os modos e usos do presidente da Câmara bem como o respeito desfrutado por Teori Zavascki dentro e fora da Corte. Na sabatina que, em 2012, aprovou sua indicação para o Supremo, o ministro circunscreveu seu ofício com uma definição que o meio jurídico acabaria usando para resumir seus três anos na Corte: "Um bom juiz, além de ter os predicados de honorabilidade, de imparcialidade e de conhecimento técnico, deve agregar também a capacidade de ouvir, a capacidade de pesar, a capacidade de decidir com bom senso".

Governo e oposição não teriam qualquer compromisso de manter acordos para dar prosseguimento a um processo recauchutado de impeachment ou para barrá-lo. Pela simples razão de que o país não pode correr o risco de ter um réu no terceiro cargo da linha sucessória da Presidência da República.

Restaria ao presidente da Câmara renunciar ao cargo na tentativa de conseguir um salvo-conduto no Conselho de Ética que lhe permita concluir o mandato de deputado. Foi numa manobra do gênero que o presidente do Senado, Renan Calheiros, conseguiu salvar seu mandato em 2007 durante sua primeira passagem pela presidência daquela Casa. O senador contou com o apoio de um governo Luiz Inácio Lula da Silva que já havia pulado a fogueira do mensalão, recuperara a popularidade mas não tinha interesse em alimentar ruídos com o PMDB.

Para perder o apoio do seu partido e da Câmara, o presidente da Casa ainda precisa ser alvo de uma campanha popular bem sucedida ou de um bloqueio judicial dos meios com os quais abastece sua rede de apoiadores. Se renunciar ao cargo, é até provável, pelo trâmite da Lava-Jato, que Eduardo Cunha ainda possa se recandidatar e venha a ser julgado no exercício de um próximo mandato.

Tanto quanto a presidente da República, o da Câmara ganha tempo para permanecer no cargo com as incertezas que cercam sua eventual substituição. O deputado Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), preferido do vice-presidente Michel Temer, expôs em demasia sua opção pelo impeachment; o líder do PMDB, Leonardo Picciani, desgastou-se com o fracasso em votar os vetos presidenciais na primeira sessão do Congresso depois da reforma ministerial; e Miro Teixeira (Rede-RJ) é independente demais para galvanizar apoio na Casa.

Ao tentar ganhar tempo para si, o presidente da Câmara expande também a validade do mandato presidencial. O governo conclui as nomeações do segundo escalão e faz acordo com o Congresso para usar recursos do PAC para as emendas ao Orçamento na tentativa de ganhar gordura para embates legislativos como a manutenção dos vetos presidenciais, a prorrogação da DRU e a batalha-mor da CPMF.

Numa visível mudança de discurso, a presidente subiu o tom - "Quem tem força moral, reputação ilibada e biografia limpa suficientes para atacar a minha honra?" - e escancarou o pedágio pago ao seu antecessor: "Eu represento as reformas que o Lula fez".

Ao discursar ao lado de Dilma na noite de terça-feira em congresso da CUT, o ex-presidente debitou em sua conta a mudança no discurso da sucessora e mostrou o próximo pedágio da estrada que pode levá-la até 2018 - "Não tem um país no mundo que tenha feito ajuste e melhorado a economia".

É possível que estivesse jogando para sua plateia de sindicalistas, mas o ex-presidente não poderia ter indicado mais claramente que o rearranjo do governo fustigará o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. É uma pressão a ser reforçada pelos agraciados da reforma ministerial que têm seis breves meses, até o início da campanha municipal, para gastar.

Em sua investida pela reconfiguração do discurso e da ação presidencial, Lula enfrentará os limites que o Judiciário pode vir a impor, seja na investigação da denúncia de que foram pagas propinas por MP de incentivos fiscais, seja nas desventuras em série da Petrobras. O mesmo Teori Zavascki que, ao questionar o rito de Eduardo Cunha, deu oxigênio a Dilma autorizou que o ex-presidente seja ouvido no inquérito da Lava-jato.


GOSTOSA DO TEMPO ANTIGO




Prejuízos da ideologia estatizante - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - 15/10

Fiasco de leilão da ANP semana passada comprova a falência do modelo ideológico imposto pelo governo à exploração do petróleo


O governo brasileiro, contaminado por ideologias superadas e que estão levando ao caos onde ainda são praticadas – como é o caso da Venezuela e da Coreia do Norte –, não tem sido capaz de aprender com a realidade. Mesmo com suas finanças estouradas e suas estatais descapitalizadas – ou destruídas por corrupção, como é o caso da Petrobras –, o governo federal atrasa o crescimento do país com medidas de restrição ao investimento de empresas privadas nacionais e estrangeiras em setores essenciais, como energia, portos, transportes e petróleo.

Os leilões feitos pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) não vêm apresentando bons resultados há muito tempo – no mais recente, realizado na semana passada, apenas 14% dos blocos oferecidos foram arrematados –, por várias razões. Primeiro, porque o governo não consegue se livrar do cacoete ideológico de desconfiar do setor privado, fazendo exigências burocráticas absurdas e impondo restrições à taxa interna de retorno do investimento num setor de alto risco como o de petróleo. Segundo, mesmo com a situação quase falimentar da Petrobras – apesar de desfrutar de um monopólio que a livra de ter de ser eficiente e competir –, o governo mantém a decisão de que a estatal seja operadora exclusiva nos campos do pré-sal, com participação mínima de 30% do capital.

Essa exigência foi aprovada em 2010 por uma lei definindo que a estatal deve ser responsável pela condução e execução, direta ou indireta, de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção. É o conhecido modelo de partilha, que tem se mostrado um fracasso. Um dos absurdos é que, enquanto mantém tal exigência sobre a Petrobras, a presidente Dilma responde por prejuízo à empresa superior a R$ 60 bilhões, derivado do represamento dos preços dos derivados de petróleo para tentar segurar a inflação, agravado pelo sangramento da corrupção que vem sendo revelada na Operação Lava Jato.

Se não bastasse o ônus de a Petrobras ter de dar conta sozinha de todo o suprimento nacional, o governo segue com a obrigação de a empresa colocar 30% do capital necessário à exploração do pré-sal. Essa exigência é prejudicial tanto pela dificuldade financeira da estatal quanto pelo receio dos investidores nacionais e estrangeiros em fazer sociedade com a Petrobras, inclusive pela interferência governamental na gestão da companhia e pela crise moral que ela atravessa. Se a economia brasileira tivesse crescido 5% ao ano em média na última década, o Brasil já teria voltado a ser grande importador de petróleo.

O prejuízo que a ideologia estatizante vem causando ao país, retardando a superação do atraso e da pobreza, continua e não dá mostras de ser modificado. Nos países desenvolvidos, cujo exemplo maior são os Estados Unidos, a exploração de petróleo é feita por empresas privadas normalmente e sem ameaça à segurança nacional, como acreditam os defensores do monopólio estatal do petróleo. O Brasil é um dos poucos países do mundo que julgam ser mais importante aplicar dinheiro dos impostos na produção de petróleo do que em infraestrutura, educação e saúde. Além desse pensamento sem sentido no mundo moderno, o governo não vem aportando dinheiro novo na Petrobras e ainda criou enorme déficit para a empresa ao represar os preços de seus produtos.

Por outro lado, os resultados do modelo de partilha introduzido por lei em 2010 são pífios e revelam o fracasso dessa opção. Apenas um único leilão foi feito desde a descoberta do pré-sal, a produção de petróleo cresceu apenas 12,6% desde 2010 e a situação somente não é muito pior pela estagnação econômica do país. As bravatas nacionalistas, embora travestidas de defesa dos interesses do país, são prejudiciais ao desenvolvimento e ao bem-estar da população, e foram aprofundadas quando Lula resolveu obrigar que a produção de sondas e componentes industriais fosse feita em território nacional. Como resultado, a Petrobras passou a gastar mais para comprar as mesmas coisas em razão da dificuldade de importar bens e componentes melhores e mais baratos.

Em vez de temer o capital estrangeiro e as importações, o que mais o Brasil precisa é de elevar seu coeficiente de comércio exterior, aumentando as duas vias: as exportações e as importações. O tipo de nacionalismo que rejeita capitais, investimentos e comércio é uma rota para o atraso, ao contrário do que pensa o governo quando toma medidas como as que envolvem a questão do petróleo no Brasil.

Guinada à esquerda - NATUZA NERY

FOLHA DE SP - 15/10

SÃO PAULO - O ex-presidente Lula voltou a disparar contra o ajuste fiscal do governo. A uma plateia de sindicalistas, por ocasião da abertura do 12º Congresso da CUT, nesta terça (13), reclamou que sua sucessora venceu as eleições de 2014, mas adotou o manual econômico do rival. "A impressão que nós estamos passando aqui é que nós estamos com o discurso de quem perdeu e eles adotaram o nosso [de quem ganhou]", disse o petista logo após a presidente da República deixar o local do evento.

O padrinho de Dilma Rousseff já não mantém sigilo sobre as queixas que faz à gestão de sua criatura. Há muito perdeu o pudor de criticar. Sempre que não é ouvido nas internas, solta o verbo publicamente. Quem sabe assim a síndica do Planalto resolva seguir alguns de seus comandos. Lula, portanto, pressiona Dilma por uma guinada à esquerda. E cobra que ela faça mudanças até o fim do ano. Segundo o seu receituário, a caneta presidencial deveria ser usada para destravar empréstimos do BNDES a micro e pequenas empresas, reativar o crédito a setores da cadeia produtiva com baixo índice de inadimplência e fazer de tudo para aprovar a CPMF no Congresso.

Não que Lula renegue a necessidade de reequilibrar os cofres da União. Quando está a sós com a presidente ou mesmo nas reuniões com economistas que frequentam semanalmente o seu instituto, o ex-presidente afirma que cortes na carne são inevitáveis, urgentes até. Mas o ajuste, defende, não pode ser o filho único da política econômica. Se for assim, o crescimento não vem de jeito nenhum.

Lula, portanto, vê Joaquim Levy (Fazenda) como ministro de uma nota só. Fala de ajuste, alimenta o pessimismo e não mostra a porta de saída. Apesar dessa percepção, o próprio Lula desencoraja uma mexida imediata na equipe econômica. Afinal, os tempos andam turbulentos demais para movimentos tão bruscos agora.

A incrível ameaça da Unasul - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de São Paulo - 15/10

Como se o Brasil fosse uma república bananeira, sem instituições democráticas sólidas e vulnerável a conspiratas e golpes cucarachos, o secretáriogeral da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), Ernesto Samper, declarou que a entidade respalda a presidente Dilma Rousseff e que pode expulsar o País da organização caso o Congresso decida pelo impeachment sem que haja uma “causa criminal”.

Samper esteve no Brasil no último dia 13 e reuniu-se com Dilma no Planalto. Saiu do encontro dizendo-se convicto de que Dilma é uma “pessoa honesta” e que foi “eleita constitucionalmente”, razão pela qual a Unasul espera “que todos os temas políticos sejam tratados dentro do Congresso em respeito à Constituição e em respeito às normas universais sobre o direito de defesa”.

A declaração de Samper sugere que o eventual impeachment de Dilma está sendo urdido em desrespeito à Constituição – ou seja, ele insinuou que há um golpe em curso no Brasil. É exatamente esse o discurso da própria Dilma, que nos últimos dias tem tratado as articulações políticas contra ela no Congresso como se constituíssem a semente de um “golpe à paraguaia”.

A tramoia, segundo o raciocínio de Dilma, agora respaldado por Samper, visa a explorar as brechas do Congresso e a fragilidade da base governista para arquitetar a queda da petista, inventando pretextos supostamente chancelados pela Constituição. Dilma acredita que foi uma operação desse tipo que em 2012 selou a sorte do então presidente do Paraguai, Fernando Lugo, que sofreu impeachment após um processo que durou pouco mais de 24 horas. Embora nenhuma lei paraguaia tenha sido violada no caso, Dilma e sua colega argentina, Cristina Kirchner, denunciaram o “golpe” e articularam a suspensão do Paraguai do Mercosul.

Agora, conforme ameaçou Samper, é o Brasil que corre o risco de ser punido. O colombiano disse ao jornal Valor que “existe uma cláusula democrática que prevê que a Unasul deve intervir para evitar que, de uma maneira brusca, se altere a ordem constitucional”.

É evidente que Samper não fala por si nem pela Unasul. Ele fala por Dilma, que certamente quer usar a ameaça diplomática vocalizada pelo secretário-geral da Unasul como mais um argumento a favor da manutenção de seu mandato.

A Unasul é um dos grandes símbolos da temporada burlesca que testemunhou a ascensão simultânea do lulopetismo, do chavismo e do kirchnerismo na América Latina. Nasceu com a tarefa de defender os regimes bolivarianos contra todas as tentativas de denunciar o retrocesso democrático que eles representavam. Envernizada como instituição “democrática”, a Unasul nada mais é do que um instrumento dos autocratas que pretendem se perpetuar no poder na Venezuela, no Equador e em outros cantos latino-americanos.

Enquanto a Unasul se sentiu na obrigação de advertir a oposição brasileira de que o País pode sofrer graves consequências diplomáticas se o processo de impeachment for adiante, nenhuma palavra foi dita pelo bloco a respeito das inúmeras violências cometidas pelo governo da Venezuela contra os adversários do regime.

Às portas de uma eleição legislativa que, de acordo com todas as pesquisas, deve resultar em acachapante derrota do presidente Nicolás Maduro, recrudesce a repressão à imprensa e aos opositores venezuelanos. E, para que não haja testemunhas, Maduro proibiu que a campanha eleitoral e a votação de 6 de dezembro sejam acompanhadas por observadores independentes. Somente os delegados da Unasul, totalmente submissos aos interesses chavistas, estão autorizados a verificar a lisura do pleito.

Diante desse histórico, não surpreende que Dilma se agarre à Unasul para tentar conferir à defesa de seu mandato um caráter transcendental. Mas, na remotíssima hipótese de que a ameaça se cumpra e o Brasil venha a ser excluído da Unasul em razão da eventual destituição de Dilma, pode-se dizer, conforme apropriada expressão popular, que o Brasil terá matado dois coelhos com uma só paulada.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

POR ACORDO, PLANALTO FAZ INTERVENÇÃO PRÓ-CUNHA
O PCdoB tentava armar nesta quarta (14) uma coletiva no Supremo Tribunal Federal para oficializar uma reclamação contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Os comunistas avaliam que a liminar da ministra Rosa Weber impede Cunha de tomar quaisquer decisões sobre o impeachment da presidente Dilma. Mas o plano do PCdoB foi suspenso pelo ministro José Eduardo Cardozo (Justiça).

DESOBEDIÊNCIA
O PCdoB acha que Eduardo Cunha desobedeceu a determinação da ministra ao indeferir, terça, 5 pedidos de impeachment contra Dilma.

TÁBUA DE SALVAÇÃO
O Planalto ensaia um acordão e não quer afrontar Eduardo Cunha. Até oferecer ao deputado uma “tábua de salvação” e ganhar sua simpatia.

CARA NA POEIRA
O PCdoB faria muito barulho por nada. Com foro privilegiado, Cunha só pode ser preso em flagrante e por crime inafiançável. Não é o caso.

BLÁ BLÁ BLÁ
Também deputados petistas ameaçaram pedir a prisão de Eduardo Cunha, em caso de deferimento de pedido de impeachment. Lorota.

JUNGMANN PEDE BANQUEIRO DEPONDO NA CPI
O deputado Raul Jungmann (PPS-PE) pediu na CPI dos Fundos de Pensão a convocação, para depor, do banqueiro André Esteves, do BTG Pactual. A ideia é que ele explique seus negócios considerados danosos para fundos de pensão. Jungmann lembra que Esteves foi citado por Marcelo Odebrecht em depoimento sobre conversas em que combinou sobrepreço em contratos da Sete Brasil, por ele criada.

PROJETO DESASTROSO
A CPI quer entender como o plano de negócios da Sete Brasil, criada por André Esteves, revelou-se desastroso para o País.

O DINHEIRO SUMIU
Entre os negócios do BTG está a BR Pharma, diz o deputado, onde R$ 300 milhões do Petros viraram pó e valem hoje apenas R$ 25 milhões.

BOAS VINDAS
Jungmann também pediu a convocação de Henrique Pizzolato, ladrão transitado em julgado, tão logo ele seja trazido – sob vara – da Itália.

PAU QUE BATE EM CHICO...
Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), Sepúlveda Pertence diverge de Teori Zavascki: ele acha que a lei federal de 1950, usada para o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, continua valendo e deveria balizar o eventual impeachment de Dilma.

TAMANHO DO AFANO
O presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Antônio Rodrigues, informou que o esquema do “petrolão”, a roubalheira que quebrou a Petrobras, movimentou R$ 51,9 bilhões.

ALÔ, JUIZ MORO
A Justiça do Trabalho outra vez está sendo usada para enriquecer espertos: está na iminência de condenar uma empresa a pagar R$ 100 milhões a um vendedor de bilhete de loteria que trabalhou 18 meses.

IRONIA DO DESTINO
Aparece na lista dos 500 maiores contribuintes, divulgada pela Receita Federal, a Youssef Câmbio e Turismo. A empresa é do doleiro Alberto Youssef, preso no caso da roubalheira da Petrobras.

FORA DO NINHO
O senador Cássio Cunha Lima (PB) saiu às pressas para alertar Aécio Neves (MG) da saída de Alvaro Dias (PR) para o PV, como antecipou esta coluna. Dias pretende concorrer à Presidência, em 2018.

SECRETÁRIO JOE VALLE
No DF, Rodrigo Rollemberg (PSB) luta para convencer Joe Valle (PDT), uma das honrosas exceções na Câmara Legislativa, a assumir a Secretaria do Trabalho, Desenvolvimento Social e Direitos Humanos.

EM CAUSA PRÓPRIA
Causou estranheza a iniciativa da Procuradoria Geral do Rio Grande do Norte de suspender a Operação Damas de Espada, que investiga desvio de recursos na Assembleia Legislativa. Robinson Faria, o atual governador, foi presidente da Assembleia.

MÁS PRÁTICAS COM NOSSO BOLSO
A Anvisa informa que a maior parte dos gastos com diárias – farra no governo federal que consumiu R$ 412 milhões até agosto – deve-se a “inspeções internacionais para concessão de certificados de boas práticas de fabricação de medicamentos”, blá, blá blá.

PERGUNTA NO CASTELÃO
A seleção da Venezuela aproveitou a vinda ao Brasil para comprar produtos básicos, tipo papel higiênico, pasta de dente etc?