REVISTA ÉPOCA
O Brasil viu o PT criar o monstro JBS e ficou calado. O Brasil viu o monstro emboscar um presidente e depois voar livre para Nova York. Cadeia para o Brasil.
O que os companheiros Janot e Fachin consideraram suficiente para abrir investigação contra Michel Temer é um soluço diante daquilo que, durante dois anos, acharam insuficiente para abrir investigação contra Dilma Rousseff – a presidente do petrolão. A incrível rapidez dessa operação (que poderia se chamar Carne Muito Fraca) fez surgir nas redes sociais os codinomes de Rodrigo Enganot e Edson Facinho. Que gente má.
Antes dessa mão de areia jogada nos olhos da plateia, o espetáculo verdadeiro chegava ao coração do escândalo com as revelações de João Santana e Mônica Moura. Ali ficava claro – mais do que nunca – que o proverbial assalto exposto pela Lava Jato fora regido de dentro do palácio petista, sem intermediários.
O marqueteiro e sua esposa mostraram como o governo (repetindo: o governo, não o partido) agia para embaraçar as investigações da força-tarefa – inclusive tentando preveni-los da prisão e, consequentemente, evitar sua delação. Coisa de máfia. Acusado de atuar nesses vazamentos está o ex-ministro da Justiça – o mesmo que triangulava com o procurador-geral e o STF no longo período em que Dilma, a idônea, era tornada imune a investigações.
Como até os pedalinhos de Atibaia estão cansados de saber, Lula e sua revolução redentora inventaram os irmãos Batista como potência empresarial. Os subterrâneos do BNDES têm muito a revelar sobre essa história de sucesso, mas a Operação Carne Muito Fraca chegou bem na hora para embaçar a cena. O que se viu foi uma homologação tipo fast-food da espionagem de Joesley e da conclusão quase mediúnica sobre uma suposta autorização do presidente da República para a compra do silêncio de Eduardo Cunha.
Tudo muito grave. Ou o presidente tem de ser afastado e preso – e essa investigação não pode parar antes do fim – ou terá sido um erro de psicografia. Aí quem psicografou vai ter de pagar. Na mesma moeda.
Existirá psicografia seletiva? Fica a dúvida. Porque as mesmas mentes que detectaram crime do presidente na conversa com o campeão do Lula parecem não ter notado os crimes do campeão. Na mesma conversa, ele diz ter subornado meio mundo. Mas aí deu um tchau para os supremos companheiros e foi pousar livre como um pássaro na Quinta Avenida. Será que é normal? Ou seria paranormal?
Deixem os irmãos Batista curtir sua fortuna tranquilos em Nova York. O mais indicado mesmo, neste momento, é o Brasil se entregar e negociar uma delação premiada. Conte tudo, Brasil. Confesse que você viu o monstro sendo criado pelo PT e engordando na sua cara. Admita que desde o mensalão você viu (ninguém te contou) Lula e seu Estado-Maior transformando grandes empresas nacionais em anexos do PT para comprar seus melhores sonhos totalitários. E, por favor, não venha agora fingir surpresa com o fato de a política nacional estar contaminada por esses tubarões. Dizem que quem não recebia PC Farias na era Collor caía em desgraça. PC era uma criança perto dos seus sucessores na era Lula.
O Brasil acordou invocado na semana passada, olhou-se no espelho e se descobriu virtuoso. Decidido terminantemente a ser a virgem do bordel. Tudo bem. O que acontecia antes disso era que um presidente antiquado, de um partido fisiológico, abrira as portas do Estado brasileiro para que as melhores cabeças pudessem saneá-lo, salvá-lo do desastre petista. Por que Temer fez isso? Não interessa. O que interessa é que o seu time de ouro iniciou um milagre e virou todos os indicadores na direção certa – a única que interessa à sua vida real, Brasil.
Mas você estava com saudade de ver heróis da resistência como Lindbergh Farias sabotando as reformas, não é verdade? Bem, então está dando tudo certo para você. O lobista de José Dirceu, condenado a 20 anos de prisão na Lava Jato, também já está solto. Siga apoiando o processo de depuração das instituições deflagrado pelos irmãos Batista. Quem sabe eles não se comovem e criam uma Bolsa Brasil? Aí talvez você possa até largar essa vida corrida e ir descansar para sempre no Guarujá.
domingo, maio 28, 2017
Herdeiros incompetentes - PERCIVAL PUGGINA
ZERO HORA 28/05
Estou cansado desse presidencialismo, cuja maior competência consiste em gerar crises
Senhores leitores. De denúncias estamos mais do que abastecidos. Estamos lotados. Não há mais espaço, seja nas gavetas, seja no HD. Dispenso-me de mencionar a saturação dos também repletos estômagos e suas náuseas. Penso que já passamos da hora. É tempo de começarmos a nos preocupar com a explicação que daremos a nossos filhos e netos quando nos questionarem sobre o que fizemos com o país em que lhes toca viver.
Aos que têm tantas respostas certas para perguntas erradas, chegará certamente o dia em que alguém fará as perguntas corretas: "Por que, diabos, vocês perseveram no mesmo erro, eleição após eleição, crise após crise? Por que, mais de um século após a proclamação da República, vocês insistem em manter um sistema de governo que nunca funcionou direito?". E eu ainda dirijo a mim mesmo esta outra pergunta: "Já não estás cansado, escriba, de escolher, a cada eleição, quem te parece menos pior? O mal menor?". Sim, estou! E como estou!
Em 1891 decidimos seguir, em parte, o modelo adotado nos Estados Unidos. Se funcionava lá, nos parecia razoável supor que funcionasse aqui. Mas o que era razoável aos olhos de Benjamin Constant e seus companheiros, há muito revelou não ser! Um inteiro século de evidências o comprovam. Eis por que observo atentamente os acontecimentos do Tio Sam. Pela primeira vez percebo os eleitores norte-americanos um pouco frustrados com algo que nos acompanha a cada eleição presidencial e na maior parte dos pleitos majoritários que nos são disponibilizados: forte rejeição aos dois candidatos e, como consequência, a nação legitimamente confiada a mãos imperitas e desacreditadas. Não seria diferente com uma vitória da Sra. Clinton. Se enfrentarem um processo de impeachment, verão o quanto dói uma saudade...
A irracionalidade do nosso presidencialismo berra nas páginas dos livros de História. Somos uma nação de condenados. Por imposição de um modelo institucional, somos sentenciados a suportar, longamente, governos incompetentes, corruptos, a respeito dos quais se acumulam suspeitas que se transformam em evidências e cujos males vamos tolerando em nome de uma governabilidade de regra capenga, negocista e inconfiável.
Se há algo que me amaina a consciência é saber que nos últimos 30 anos, nos meios de comunicação do Rio Grande do Sul, ninguém mais insistentemente do que eu combateu o presidencialismo. Aprendi a rejeitá-lo, primeiramente, nos ensinamentos do meu pai, o deputado Adolpho Puggina, e nos artigos de Mem de Sá, de Carlos de Brito Velho e Raul Pilla; posteriormente, no convívio com o dileto amigo e mestre professor Cézar Saldanha Souza Júnior. Os primeiros morreram sem ver os infortúnios destes anos de bruma e tormenta. Mas sei o quanto padeceu seu discernimento, nas dificuldades dos tempos em que viveram, escutando o silêncio suscitado por seus clamores. O que sentiram não terá sido diferente do que sinto agora, nesta quadra da minha existência, tendo vivido os abalos de 1961, 1964, 1969, 1992, e os audíveis e inaudíveis ruídos destes últimos desregrados e corrompidos anos. O mundo avança e o Brasil se arrasta em seus emaranhados institucionais. Sinto como se as centenas de palestras e programas de rádio de que participei tivessem entrado por um ouvido e saído pelo outro; como se o que escrevi em centenas de artigos e, pelo menos, em dois capítulos de livros recentes, tivessem entrado por um olho e saído pelo outro.
Sim, estou cansado desse presidencialismo, cuja maior competência consiste em gerar crises sem lhes dar solução que não as agrave. Sim, estou cansado de ver a nação fechar os olhos ao mal que vê porque a medicina institucional — sabe-se — pode matar o paciente. Então, vivemos da denúncia. Quanto bem nos faz denunciar! Mas isso não desfaz o que somos: herdeiros incompetentes desta terra da promissão, incapazes, negligentes no dever de assumir as soluções institucionais sem as quais o país jamais será saneado.
Senhores leitores. De denúncias estamos mais do que abastecidos. Estamos lotados. Não há mais espaço, seja nas gavetas, seja no HD. Dispenso-me de mencionar a saturação dos também repletos estômagos e suas náuseas. Penso que já passamos da hora. É tempo de começarmos a nos preocupar com a explicação que daremos a nossos filhos e netos quando nos questionarem sobre o que fizemos com o país em que lhes toca viver.
Aos que têm tantas respostas certas para perguntas erradas, chegará certamente o dia em que alguém fará as perguntas corretas: "Por que, diabos, vocês perseveram no mesmo erro, eleição após eleição, crise após crise? Por que, mais de um século após a proclamação da República, vocês insistem em manter um sistema de governo que nunca funcionou direito?". E eu ainda dirijo a mim mesmo esta outra pergunta: "Já não estás cansado, escriba, de escolher, a cada eleição, quem te parece menos pior? O mal menor?". Sim, estou! E como estou!
Em 1891 decidimos seguir, em parte, o modelo adotado nos Estados Unidos. Se funcionava lá, nos parecia razoável supor que funcionasse aqui. Mas o que era razoável aos olhos de Benjamin Constant e seus companheiros, há muito revelou não ser! Um inteiro século de evidências o comprovam. Eis por que observo atentamente os acontecimentos do Tio Sam. Pela primeira vez percebo os eleitores norte-americanos um pouco frustrados com algo que nos acompanha a cada eleição presidencial e na maior parte dos pleitos majoritários que nos são disponibilizados: forte rejeição aos dois candidatos e, como consequência, a nação legitimamente confiada a mãos imperitas e desacreditadas. Não seria diferente com uma vitória da Sra. Clinton. Se enfrentarem um processo de impeachment, verão o quanto dói uma saudade...
A irracionalidade do nosso presidencialismo berra nas páginas dos livros de História. Somos uma nação de condenados. Por imposição de um modelo institucional, somos sentenciados a suportar, longamente, governos incompetentes, corruptos, a respeito dos quais se acumulam suspeitas que se transformam em evidências e cujos males vamos tolerando em nome de uma governabilidade de regra capenga, negocista e inconfiável.
Se há algo que me amaina a consciência é saber que nos últimos 30 anos, nos meios de comunicação do Rio Grande do Sul, ninguém mais insistentemente do que eu combateu o presidencialismo. Aprendi a rejeitá-lo, primeiramente, nos ensinamentos do meu pai, o deputado Adolpho Puggina, e nos artigos de Mem de Sá, de Carlos de Brito Velho e Raul Pilla; posteriormente, no convívio com o dileto amigo e mestre professor Cézar Saldanha Souza Júnior. Os primeiros morreram sem ver os infortúnios destes anos de bruma e tormenta. Mas sei o quanto padeceu seu discernimento, nas dificuldades dos tempos em que viveram, escutando o silêncio suscitado por seus clamores. O que sentiram não terá sido diferente do que sinto agora, nesta quadra da minha existência, tendo vivido os abalos de 1961, 1964, 1969, 1992, e os audíveis e inaudíveis ruídos destes últimos desregrados e corrompidos anos. O mundo avança e o Brasil se arrasta em seus emaranhados institucionais. Sinto como se as centenas de palestras e programas de rádio de que participei tivessem entrado por um ouvido e saído pelo outro; como se o que escrevi em centenas de artigos e, pelo menos, em dois capítulos de livros recentes, tivessem entrado por um olho e saído pelo outro.
Sim, estou cansado desse presidencialismo, cuja maior competência consiste em gerar crises sem lhes dar solução que não as agrave. Sim, estou cansado de ver a nação fechar os olhos ao mal que vê porque a medicina institucional — sabe-se — pode matar o paciente. Então, vivemos da denúncia. Quanto bem nos faz denunciar! Mas isso não desfaz o que somos: herdeiros incompetentes desta terra da promissão, incapazes, negligentes no dever de assumir as soluções institucionais sem as quais o país jamais será saneado.
O mundo gira enquanto o Brasil se enrola - ROLF KUNTZ
ESTADÃO - 28/05
Ninguém vai deixar seus negócios à espera do fim da crise, nem os problemas darão trégua
Bateu em R$ 4,55 trilhões, valor muito maior que o da produção anual de qualquer outro país sul-americano, a dívida bruta do governo geral brasileiro. Essa era a posição de abril, segundo o último relatório das contas consolidadas do setor público. Esse monte de papagaios corresponde, pelo critério usado no Brasil, a 71,7% do produto interno bruto (PIB), valor adicionado da produção de bens e serviços – carros, aviões, tecidos, vestuário, bicicletas, cervejas, macarrões, óculos, sapatos, celulares, televisores, assistência médica, espetáculos, cortes de cabelo, jogos de futebol, telefonemas e tantos outros itens consumidos e usados no dia a dia dos brasileiros ou exportados. Pelo padrão brasileiro, a conta exclui os títulos do Tesouro na carteira do Banco Central (BC). Pelo método usado no Fundo Monetário Internacional (FMI), sem essa exclusão a dívida pública brasileira já chegou a 78,3% do PIB no ano passado, deve atingir 81,2% neste ano e alcançar 87,8% em 2022. Como esse padrão é aplicado aos 189 países-membros da instituição, os dados do Fundo são úteis para comparações internacionais.
O endividamento público brasileiro é muito maior que o da maior parte dos demais emergentes, de acordo com os números do FMI. Para a média das economias emergentes, o endividamento do governo geral ficou em 48,6% do PIB em 2016, deve chegar a 49,8% neste ano e aumentar até 52,4% em 2022. Na América Latina os números correspondentes a esses anos são 60,1%, 60,7% e 62,5%. Essas médias são obviamente afetadas pela posição brasileira e, em menor grau, pela situação de uns poucos países, como o Uruguai (60,9% no ano passado e 64% em 2022).
É bobagem comparar a dívida pública brasileira com as de países desenvolvidos, como os da Europa. Tesouros europeus podem ter compromissos proporcionalmente muito maiores, mas suas condições de financiamento são imensamente mais favoráveis. Podem rolar suas dívidas pagando juros muito baixos e, em alguns casos, negativos. No Brasil, os títulos vinculados, por exemplo, à Selic, a taxa básica de juros, pagam 11,25% ao ano. Há outras formas de remuneração, mas todas são muito mais pesadas que os custos suportados pelos governos do mundo rico.
Algumas outras diferenças podem tornar mais claro esse ponto. O crédito soberano do Brasil foi classificado no grau de investimento durante alguns anos, mas perdeu essa qualificação em 2015. Em 2016 as três maiores agências de avaliação de risco cortaram a nota brasileira mais uma vez, deixando-a dois níveis abaixo do chamado padrão de bom pagador. No jargão do mercado, papéis alojados no grau especulativo são também chamados de lixo (trash). Esse apelido pode ser um exagero no caso brasileiro, mas seria uma enorme tolice menosprezar o problema.
Os dois cortes da nota, no segundo semestre de 2015 e no primeiro de 2016, foram respostas das três principais agências – Standard & Poor’s (S&P), Moody’s e Fitch – a decisões fiscais irresponsáveis do governo da presidente Dilma Rousseff. Nem todos se lembram, mas ela realizou a rara façanha de provocar duas quedas na classificação brasileira de risco nos meses finais de seu desastroso mandato. As pedaladas, tema central de seu processo de impeachment, foram uma pequena parcela dos erros e desmandos cometidos na condução das finanças federais entre 2011 e o primeiro trimestre de 2016. O rebaixamento da nota de crédito soberano arrastou a classificação de muitas instituições financeiras e outros tipos de empresas, tanto estatais quanto privadas.
A inflação marca outra diferença considerável entre o caso brasileiro e o das economias europeias. Na zona do euro, a autoridade monetária vem batalhando há anos, com sucesso até agora limitado, para elevar a inflação até 2% ao ano. Para isso tem emitido montanhas de dinheiro e mantido os juros em níveis muito baixos. No Brasil, a inflação persistente e muito acima dos padrões internacionais foi combatida com juros elevados. Com a recessão e o crédito apertado, a alta de preços começou a perder vigor no ano passado. Em outubro o BC começou a reduzir os juros básicos, baixando-os de 14,25% para os atuais 11,25%.
Também a inflação, muito alta pelos padrões internacionais e certamente nociva por qualquer padrão razoável, tem contribuído para a manutenção de juros elevados e, como consequência, para encarecer o serviço da dívida pública. Mas a causalidade, nesse caso, opera em dois sentidos. De um lado, a inflação complica a gestão da dívida, por causa dos juros necessários à contenção dos preços. De outro, o desarranjo amplo e permanente das contas públicas cria pressões inflacionárias e reduz a eficácia da política monetária. Não se pode romper esse jogo de forma duradoura sem o conserto das contas de governo. Sem isso haverá sempre o risco de um repique inflacionário.
Com a crise política, a S&P decidiu pôr em observação o quadro brasileiro, com possibilidade de novo rebaixamento da nota. A nova condição foi estendida a 38 instituições financeiras, na maior parte sólidas, e a 57 empresas. Na sexta-feira, a Moody’s também anunciou o risco de rebaixamento.
Pode-se discutir se essa extensão é adequada, mas nenhuma pessoa responsável pode simplesmente menosprezar alguns fatos. O mundo continua a rodar, enquanto se desdobra a crise política brasileira. As agências de classificação têm de entregar serviço ao mercado. O mercado continua funcionando, por enquanto sem criar problemas muito sérios. Mas ninguém vai abandonar seus interesses à espera da solução das encrencas brasileiras. O banco central americano poderá em junho elevar de novo os juros básicos. Também isso poderá afetar o País.
Enfim, será preciso continuar o trabalho, complicadíssimo e nem sempre bem aceito, de resgatar as contas públicas e fortalecer a saúde fiscal com a reforma da Previdência. Cuidar do jogo político sem levar em conta esses dados pode ser desastroso. Quantos, em Brasília, têm consciência disso?
Ninguém vai deixar seus negócios à espera do fim da crise, nem os problemas darão trégua
Bateu em R$ 4,55 trilhões, valor muito maior que o da produção anual de qualquer outro país sul-americano, a dívida bruta do governo geral brasileiro. Essa era a posição de abril, segundo o último relatório das contas consolidadas do setor público. Esse monte de papagaios corresponde, pelo critério usado no Brasil, a 71,7% do produto interno bruto (PIB), valor adicionado da produção de bens e serviços – carros, aviões, tecidos, vestuário, bicicletas, cervejas, macarrões, óculos, sapatos, celulares, televisores, assistência médica, espetáculos, cortes de cabelo, jogos de futebol, telefonemas e tantos outros itens consumidos e usados no dia a dia dos brasileiros ou exportados. Pelo padrão brasileiro, a conta exclui os títulos do Tesouro na carteira do Banco Central (BC). Pelo método usado no Fundo Monetário Internacional (FMI), sem essa exclusão a dívida pública brasileira já chegou a 78,3% do PIB no ano passado, deve atingir 81,2% neste ano e alcançar 87,8% em 2022. Como esse padrão é aplicado aos 189 países-membros da instituição, os dados do Fundo são úteis para comparações internacionais.
O endividamento público brasileiro é muito maior que o da maior parte dos demais emergentes, de acordo com os números do FMI. Para a média das economias emergentes, o endividamento do governo geral ficou em 48,6% do PIB em 2016, deve chegar a 49,8% neste ano e aumentar até 52,4% em 2022. Na América Latina os números correspondentes a esses anos são 60,1%, 60,7% e 62,5%. Essas médias são obviamente afetadas pela posição brasileira e, em menor grau, pela situação de uns poucos países, como o Uruguai (60,9% no ano passado e 64% em 2022).
É bobagem comparar a dívida pública brasileira com as de países desenvolvidos, como os da Europa. Tesouros europeus podem ter compromissos proporcionalmente muito maiores, mas suas condições de financiamento são imensamente mais favoráveis. Podem rolar suas dívidas pagando juros muito baixos e, em alguns casos, negativos. No Brasil, os títulos vinculados, por exemplo, à Selic, a taxa básica de juros, pagam 11,25% ao ano. Há outras formas de remuneração, mas todas são muito mais pesadas que os custos suportados pelos governos do mundo rico.
Algumas outras diferenças podem tornar mais claro esse ponto. O crédito soberano do Brasil foi classificado no grau de investimento durante alguns anos, mas perdeu essa qualificação em 2015. Em 2016 as três maiores agências de avaliação de risco cortaram a nota brasileira mais uma vez, deixando-a dois níveis abaixo do chamado padrão de bom pagador. No jargão do mercado, papéis alojados no grau especulativo são também chamados de lixo (trash). Esse apelido pode ser um exagero no caso brasileiro, mas seria uma enorme tolice menosprezar o problema.
Os dois cortes da nota, no segundo semestre de 2015 e no primeiro de 2016, foram respostas das três principais agências – Standard & Poor’s (S&P), Moody’s e Fitch – a decisões fiscais irresponsáveis do governo da presidente Dilma Rousseff. Nem todos se lembram, mas ela realizou a rara façanha de provocar duas quedas na classificação brasileira de risco nos meses finais de seu desastroso mandato. As pedaladas, tema central de seu processo de impeachment, foram uma pequena parcela dos erros e desmandos cometidos na condução das finanças federais entre 2011 e o primeiro trimestre de 2016. O rebaixamento da nota de crédito soberano arrastou a classificação de muitas instituições financeiras e outros tipos de empresas, tanto estatais quanto privadas.
A inflação marca outra diferença considerável entre o caso brasileiro e o das economias europeias. Na zona do euro, a autoridade monetária vem batalhando há anos, com sucesso até agora limitado, para elevar a inflação até 2% ao ano. Para isso tem emitido montanhas de dinheiro e mantido os juros em níveis muito baixos. No Brasil, a inflação persistente e muito acima dos padrões internacionais foi combatida com juros elevados. Com a recessão e o crédito apertado, a alta de preços começou a perder vigor no ano passado. Em outubro o BC começou a reduzir os juros básicos, baixando-os de 14,25% para os atuais 11,25%.
Também a inflação, muito alta pelos padrões internacionais e certamente nociva por qualquer padrão razoável, tem contribuído para a manutenção de juros elevados e, como consequência, para encarecer o serviço da dívida pública. Mas a causalidade, nesse caso, opera em dois sentidos. De um lado, a inflação complica a gestão da dívida, por causa dos juros necessários à contenção dos preços. De outro, o desarranjo amplo e permanente das contas públicas cria pressões inflacionárias e reduz a eficácia da política monetária. Não se pode romper esse jogo de forma duradoura sem o conserto das contas de governo. Sem isso haverá sempre o risco de um repique inflacionário.
Com a crise política, a S&P decidiu pôr em observação o quadro brasileiro, com possibilidade de novo rebaixamento da nota. A nova condição foi estendida a 38 instituições financeiras, na maior parte sólidas, e a 57 empresas. Na sexta-feira, a Moody’s também anunciou o risco de rebaixamento.
Pode-se discutir se essa extensão é adequada, mas nenhuma pessoa responsável pode simplesmente menosprezar alguns fatos. O mundo continua a rodar, enquanto se desdobra a crise política brasileira. As agências de classificação têm de entregar serviço ao mercado. O mercado continua funcionando, por enquanto sem criar problemas muito sérios. Mas ninguém vai abandonar seus interesses à espera da solução das encrencas brasileiras. O banco central americano poderá em junho elevar de novo os juros básicos. Também isso poderá afetar o País.
Enfim, será preciso continuar o trabalho, complicadíssimo e nem sempre bem aceito, de resgatar as contas públicas e fortalecer a saúde fiscal com a reforma da Previdência. Cuidar do jogo político sem levar em conta esses dados pode ser desastroso. Quantos, em Brasília, têm consciência disso?
A política e a obstrução da Justiça - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 28/05
É dever da Polícia Federal e do Ministério Público proteger o bom andamento da Operação Lava Jato
Certamente, há muita gente interessada em obstruir ou, ao menos, dificultar o trabalho da Operação Lava Jato. É dever da Polícia Federal e do Ministério Público proteger o bom andamento desse trabalho investigativo e persecutório, que já revelou tantos crimes cometidos por gente graúda da política e do mundo empresarial.
Nessa tarefa de proteção das investigações, um instrumento valioso é a previsão constante na Lei da Organização Criminosa (Lei 12.850/2013), que tipifica o crime de obstrução de Justiça, estabelecendo a pena de três a oito anos de reclusão, além de multa, para quem “impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”. Ao longo desses anos de Lava Jato, várias vezes foi necessário recorrer a esse artigo para assegurar o bom andamento da operação.
Nos últimos tempos, no entanto, tem havido certo abuso na interpretação do que vem a ser obstrução de Justiça. Caso recente ocorreu na petição da Procuradoria-Geral da República (PGR) endereçada ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na qual se volta a pedir a decretação da prisão preventiva do senador Aécio Neves (PSDB-MG).
A PGR afirma que o senador Aécio Neves articulava para pôr um “freio de arrumação na Polícia Federal” e, como uma das provas, cita conversa gravada entre o senador mineiro e o senador José Serra (PSDB-SP). No diálogo transcrito, os dois concordam a respeito da necessidade de um ministro da Justiça forte.
De acordo com o conteúdo revelado no documento da PGR, o senador José Serra pede para que o senador Aécio converse com o presidente Michel Temer sobre a necessidade de um ministro da Justiça forte. Serra diz explicitamente que o objetivo “não é fazer algo arbitrário”, mas simplesmente que “as coisas tenham um caminho de desenvolvimento”.
Para a Procuradoria, o áudio confirma a tese de que o senador Aécio Neves articulava para pôr limites à Lava Jato. Pode até ser que haja outras provas e que o STF venha a considerar que o senador Aécio Neves tenha obstruído a Justiça. No caso do diálogo referido, no entanto, é mais do que excessivamente subjetiva a interpretação de que os interlocutores conspiravam, ao demandar um ministro da Justiça forte, contra os trabalhos da Polícia Federal e do Ministério Público.
A prevalecer a interpretação da PGR sobre o que seja obstrução de justiça, teremos a criminalização – e consequente proscrição – de toda e qualquer conversa sobre política. Desde a época do mensalão e, muito especialmente, com o petrolão, o sr. Lula da Silva e a tigrada alegaram que o PT era vítima da criminalização da política. Na verdade, petistas foram condenados pela prática de crimes comuns, mas eles tentaram vender a ideia de que esses crimes faziam parte da política nacional e que seria uma injustiça condená-los por esses crimes tão habituais. Todo mundo fazia, era a desculpa inerente ao argumento petista. Algo parecido ocorre com os black blocs que depredam patrimônio público e privado durante manifestações. Quando são incriminados por suas ações, que estão claramente tipificadas no Código Penal, eles dizem que são vítimas de uma suposta criminalização dos movimentos sociais ou criminalização da manifestação. Como é evidente, o argumento não se sustenta. Tanto no caso dos petistas como no caso dos vândalos, quem criminaliza é a lei, que diz, por exemplo, que é crime depredar patrimônio público.
Mas, quando o Ministério Público diz que uma conversa entre senadores, em que se discute a necessidade de um ministro da Justiça forte – o que, até onde se sabe, é uma coisa boa para qualquer país –, prova a intenção de pôr um “freio de arrumação na Polícia Federal”, ocorre de fato uma indevida e perigosa criminalização da política. Não fossem os tempos atuais tão estranhos, haveria pronta reação da sociedade a tal abuso interpretativo da lei e dos fatos. Só falta que a lei penal, nas poucas vezes em que é efetivamente aplicada, seja utilizada para fins políticos. Seria burlar o País.
É dever da Polícia Federal e do Ministério Público proteger o bom andamento da Operação Lava Jato
Certamente, há muita gente interessada em obstruir ou, ao menos, dificultar o trabalho da Operação Lava Jato. É dever da Polícia Federal e do Ministério Público proteger o bom andamento desse trabalho investigativo e persecutório, que já revelou tantos crimes cometidos por gente graúda da política e do mundo empresarial.
Nessa tarefa de proteção das investigações, um instrumento valioso é a previsão constante na Lei da Organização Criminosa (Lei 12.850/2013), que tipifica o crime de obstrução de Justiça, estabelecendo a pena de três a oito anos de reclusão, além de multa, para quem “impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa”. Ao longo desses anos de Lava Jato, várias vezes foi necessário recorrer a esse artigo para assegurar o bom andamento da operação.
Nos últimos tempos, no entanto, tem havido certo abuso na interpretação do que vem a ser obstrução de Justiça. Caso recente ocorreu na petição da Procuradoria-Geral da República (PGR) endereçada ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), na qual se volta a pedir a decretação da prisão preventiva do senador Aécio Neves (PSDB-MG).
A PGR afirma que o senador Aécio Neves articulava para pôr um “freio de arrumação na Polícia Federal” e, como uma das provas, cita conversa gravada entre o senador mineiro e o senador José Serra (PSDB-SP). No diálogo transcrito, os dois concordam a respeito da necessidade de um ministro da Justiça forte.
De acordo com o conteúdo revelado no documento da PGR, o senador José Serra pede para que o senador Aécio converse com o presidente Michel Temer sobre a necessidade de um ministro da Justiça forte. Serra diz explicitamente que o objetivo “não é fazer algo arbitrário”, mas simplesmente que “as coisas tenham um caminho de desenvolvimento”.
Para a Procuradoria, o áudio confirma a tese de que o senador Aécio Neves articulava para pôr limites à Lava Jato. Pode até ser que haja outras provas e que o STF venha a considerar que o senador Aécio Neves tenha obstruído a Justiça. No caso do diálogo referido, no entanto, é mais do que excessivamente subjetiva a interpretação de que os interlocutores conspiravam, ao demandar um ministro da Justiça forte, contra os trabalhos da Polícia Federal e do Ministério Público.
A prevalecer a interpretação da PGR sobre o que seja obstrução de justiça, teremos a criminalização – e consequente proscrição – de toda e qualquer conversa sobre política. Desde a época do mensalão e, muito especialmente, com o petrolão, o sr. Lula da Silva e a tigrada alegaram que o PT era vítima da criminalização da política. Na verdade, petistas foram condenados pela prática de crimes comuns, mas eles tentaram vender a ideia de que esses crimes faziam parte da política nacional e que seria uma injustiça condená-los por esses crimes tão habituais. Todo mundo fazia, era a desculpa inerente ao argumento petista. Algo parecido ocorre com os black blocs que depredam patrimônio público e privado durante manifestações. Quando são incriminados por suas ações, que estão claramente tipificadas no Código Penal, eles dizem que são vítimas de uma suposta criminalização dos movimentos sociais ou criminalização da manifestação. Como é evidente, o argumento não se sustenta. Tanto no caso dos petistas como no caso dos vândalos, quem criminaliza é a lei, que diz, por exemplo, que é crime depredar patrimônio público.
Mas, quando o Ministério Público diz que uma conversa entre senadores, em que se discute a necessidade de um ministro da Justiça forte – o que, até onde se sabe, é uma coisa boa para qualquer país –, prova a intenção de pôr um “freio de arrumação na Polícia Federal”, ocorre de fato uma indevida e perigosa criminalização da política. Não fossem os tempos atuais tão estranhos, haveria pronta reação da sociedade a tal abuso interpretativo da lei e dos fatos. Só falta que a lei penal, nas poucas vezes em que é efetivamente aplicada, seja utilizada para fins políticos. Seria burlar o País.
Sexo e os sentimentos - MARTHA MEDEIROS
ZERO HORA - 28/05
Faz sentido dizer que sexo vale menos que amor? Essa hierarquia só existe para os excessivamente românticos, apegados aos contos de fada
Sexo é sinônimo de prazer. Erotismo, luxúria, pecado, sacanagem. O sexo traz em si um cenário de mil e uma noites de promessas, todas voltadas para a volúpia. Quem nunca praticou é tomado por fantasias libidinosas extraídas do cinema, das revistas masculinas e de piadas e relatos picantes que garantem não existir nada melhor na vida, para horror dos sentimentais e dos pudicos. Sexo melhor que amor? Heresia, fim do mundo.
Faltou dizer que sexo não é apenas prazer: ele é plural, dispara uma conjunção de sensações físicas de alta intensidade que comovem e podem nos levar à paixão — se não pelo outro, com certeza por nós mesmos, tamanho é o processo de autoconhecimento que ele dispara. Não estou falando, obviamente, dos encontros de uma noite só, as chamadas "one night stand", em que mal se sabe o nome da pessoa com quem estamos e cuja finalidade é praticamente aeróbica, uma aventura para apimentar o cotidiano. Ato sexual não é a mesma coisa que relação sexual.
Quando há relação, todos os sentimentos do mundo invadem a cama — e de uma forma tão contraditória que começa aí o espanto e a graça da coisa. Podemos, em nossa rotina de trabalho, ser um funcionário obediente, cumpridor de horários, servo de nossos patrões, e à noite, na cama, sermos dominadores, entrando no jogo erótico de assumir o controle e dar ordens. Ou, ao contrário: depois de um dia liderando e estimulando vários profissionais, nos tornarmos submissos sobre os lençóis, a ponto de escutarmos palavras que normalmente nos ofenderiam e humilhariam, mas que, naquele momento, se prestam ao cenário e à cena: excitação resulta de alguma performance também.
Esta variação de comportamento, ao mesmo tempo inocente e indecente, só é possível porque temos a segurança de saber que naquele instante não haverá julgamento moral, e sim entrega absoluta — e rara. Sexo envolve plena confiança, ou ficaríamos travados, temendo cair no ridículo. Desperta a coragem para permitir que nossos desejos mais secretos sejam expostos e realizados. Exige compreensão do tempo que cada um precisa para se desnudar de seus pudores. Requer um olhar generoso e terno para a desinibição do outro e, sobretudo, inteligência — sim, inteligência — para lidar com tudo que há de estranho, ilógico e dicotômico neste embate íntimo. Costumamos valorizar o corpão (que a maioria não tem), mas uma cabeça boa é que faz toda a diferença entre o sexo vigoroso e o sexo protocolar.
Diante desta universalidade de sensações, faz sentido dizer que sexo vale menos que amor? Essa hierarquia só existe para os excessivamente românticos, apegados aos contos de fada. Não é por acaso que transar é sinônimo de "fazer amor", pois é disso mesmo que se trata, de um êxtase emocional e não apenas físico (ainda que "fazer amor" seja uma expressão enjoada). Sexo pode ser bandido, perverso e impuro em sua essência, nunca em sua conotação. Em análise, sexo é sublime também.
Sexo é sinônimo de prazer. Erotismo, luxúria, pecado, sacanagem. O sexo traz em si um cenário de mil e uma noites de promessas, todas voltadas para a volúpia. Quem nunca praticou é tomado por fantasias libidinosas extraídas do cinema, das revistas masculinas e de piadas e relatos picantes que garantem não existir nada melhor na vida, para horror dos sentimentais e dos pudicos. Sexo melhor que amor? Heresia, fim do mundo.
Faltou dizer que sexo não é apenas prazer: ele é plural, dispara uma conjunção de sensações físicas de alta intensidade que comovem e podem nos levar à paixão — se não pelo outro, com certeza por nós mesmos, tamanho é o processo de autoconhecimento que ele dispara. Não estou falando, obviamente, dos encontros de uma noite só, as chamadas "one night stand", em que mal se sabe o nome da pessoa com quem estamos e cuja finalidade é praticamente aeróbica, uma aventura para apimentar o cotidiano. Ato sexual não é a mesma coisa que relação sexual.
Quando há relação, todos os sentimentos do mundo invadem a cama — e de uma forma tão contraditória que começa aí o espanto e a graça da coisa. Podemos, em nossa rotina de trabalho, ser um funcionário obediente, cumpridor de horários, servo de nossos patrões, e à noite, na cama, sermos dominadores, entrando no jogo erótico de assumir o controle e dar ordens. Ou, ao contrário: depois de um dia liderando e estimulando vários profissionais, nos tornarmos submissos sobre os lençóis, a ponto de escutarmos palavras que normalmente nos ofenderiam e humilhariam, mas que, naquele momento, se prestam ao cenário e à cena: excitação resulta de alguma performance também.
Esta variação de comportamento, ao mesmo tempo inocente e indecente, só é possível porque temos a segurança de saber que naquele instante não haverá julgamento moral, e sim entrega absoluta — e rara. Sexo envolve plena confiança, ou ficaríamos travados, temendo cair no ridículo. Desperta a coragem para permitir que nossos desejos mais secretos sejam expostos e realizados. Exige compreensão do tempo que cada um precisa para se desnudar de seus pudores. Requer um olhar generoso e terno para a desinibição do outro e, sobretudo, inteligência — sim, inteligência — para lidar com tudo que há de estranho, ilógico e dicotômico neste embate íntimo. Costumamos valorizar o corpão (que a maioria não tem), mas uma cabeça boa é que faz toda a diferença entre o sexo vigoroso e o sexo protocolar.
Diante desta universalidade de sensações, faz sentido dizer que sexo vale menos que amor? Essa hierarquia só existe para os excessivamente românticos, apegados aos contos de fada. Não é por acaso que transar é sinônimo de "fazer amor", pois é disso mesmo que se trata, de um êxtase emocional e não apenas físico (ainda que "fazer amor" seja uma expressão enjoada). Sexo pode ser bandido, perverso e impuro em sua essência, nunca em sua conotação. Em análise, sexo é sublime também.
Um festival de patrulhamento - EDITORIAL GAZETA DO POVO
GAZETA DO POVO - 28/05
Os diretores que retiraram seus filmes de um festival por causa da seleção de duas outras produções gostariam, no fundo, que o evento tivesse uma absoluta unidade político-ideológica
O Cine PE Festival Audiovisual, um dos principais festivais de cinema do Brasil, realizado no Recife, ainda está sem data para ocorrer. Originalmente previsto para começar em 23 de maio, foi adiado pela organização após o protesto de cineastas que retirarem sete filmes do festival. Mas o que tanto incomodou os diretores de Abissal, A menina só, Baunilha, Iluminadas, Não me prometa nada, O silêncio da noite é que tem sido testemunha das minhas amarguras e Vênus: Filó, a fadinha lésbica, a ponto de eles optarem por não exibir seus filmes?
Os cineastas não quiseram ter suas produções exibidas no mesmo festival que também havia selecionado o documentário O Jardim das Aflições, sobre o filósofo Olavo de Carvalho, e a ficção Real – O plano por trás da história, romantização da criação do Plano Real, em 1994. Segundo um dos diretores responsáveis pelo protesto, a organização do festival estava dando espaço à “direita extremista”.
Os cineastas fizeram justamente aquilo de que acusam os realizadores do filme sobre Olavo de Carvalho
De imediato, a ação dos cineastas prejudica o próprio público do festival, privado de ver não apenas as sete produções retiradas do evento (estuda-se uma exibição ao ar livre, paralela ao festival), mas todas as demais: o Cine PE exibe apenas poucas dezenas de filmes e a saída de sete deles força a organização a buscar substitutos para não esvaziar o festival, o que leva tempo. No entanto, há muito mais na atitude dos cineastas.
Pode-se argumentar que é seu direito não querer ter sua obra associada a outras que promovem ideias das quais se discorda – ainda que seja tarefa árdua descrever que tipo de “extremismo” há em O Jardim das Aflições e, especialmente, em Real. Até onde se sabe, os cineastas não exigiram que o festival rejeitasse os dois filmes, tendo apenas retirado as próprias produções – por mais que, na prática, a ação tenha inviabilizado o evento, mesmo que temporariamente. Mas será tudo mera questão de livre escolha dos cineastas?
Gabi Saegesser, diretora de Iluminadas, alegou que O Jardim das Aflições “vai contra qualquer possibilidade de diálogo”. Mas quem evita o diálogo são justamente os cineastas que se retiraram do festival, recusando-se a dividir a mesma tela com visões das quais discordam. Ela chegou a afirmar que a inclusão do documentário no Cine PE “é como se desrespeitasse a visão política e social de outros filmes”. O raciocínio implícito é o de que os diretores gostariam de ver no festival uma absoluta unidade político-ideológica (e eles nem consideram a hipótese de o teor de seus próprios filmes “desrespeitar a visão política e social” de outras produções ou da plateia). Mas não é para isso que tais eventos servem. O Cine PE, ao exibir filmes de diversos matizes, seria uma chance de fomentar o debate. Mas os cineastas preferiram isolar-se a engajar-se em uma conversa produtiva – fazendo justamente aquilo de que acusam os realizadores do filme sobre Olavo de Carvalho.
Não à toa o historiador e cineasta de esquerda Cleonildo Cruz atacou os diretores por sua atitude de “patrulhamento” e “intolerância político-cultural”, dizendo que “precisamos sair da bolha. Falar além dessa retórica que só empregamos para os nossos” e citando exemplos de eventos recentes que reuniram o juiz Sergio Moro (descrito por Cruz como “juiz parcial da Lava Jato”) e Dilma Rousseff.
Em meados da década de 90, Joseph Overton desenvolveu o conceito que depois ficou conhecido como “janela de Overton”: um “intervalo” dentro do qual estariam as ideias consideradas “aceitáveis” (Overton pensava no discurso que um político precisaria adotar para ser viável eleitoralmente), e fora do qual estariam posições tidas por “radicais”, “extremas” ou “inaceitáveis”. Esta janela, no entanto, pode mudar de posição, ser alargada ou estreitada. Uma distorção (normalmente provocada pela ação de grupos de pressão) pode fazer uma ideia perfeitamente razoável passar a ser vista como “extrema”, enquanto a defesa de verdadeiras barbaridades pode ser vista como perfeitamente normal. O episódio do Cine PE mostra como, no mundo cultural brasileiro, a “janela de Overton” está tão deslocada para a esquerda que qualquer outra posição é classificada como “extremista” e seus defensores não servem nem mesmo como interlocutores legítimos. Uma atitude que apenas prejudica a vida intelectual do país.
Os diretores que retiraram seus filmes de um festival por causa da seleção de duas outras produções gostariam, no fundo, que o evento tivesse uma absoluta unidade político-ideológica
O Cine PE Festival Audiovisual, um dos principais festivais de cinema do Brasil, realizado no Recife, ainda está sem data para ocorrer. Originalmente previsto para começar em 23 de maio, foi adiado pela organização após o protesto de cineastas que retirarem sete filmes do festival. Mas o que tanto incomodou os diretores de Abissal, A menina só, Baunilha, Iluminadas, Não me prometa nada, O silêncio da noite é que tem sido testemunha das minhas amarguras e Vênus: Filó, a fadinha lésbica, a ponto de eles optarem por não exibir seus filmes?
Os cineastas não quiseram ter suas produções exibidas no mesmo festival que também havia selecionado o documentário O Jardim das Aflições, sobre o filósofo Olavo de Carvalho, e a ficção Real – O plano por trás da história, romantização da criação do Plano Real, em 1994. Segundo um dos diretores responsáveis pelo protesto, a organização do festival estava dando espaço à “direita extremista”.
Os cineastas fizeram justamente aquilo de que acusam os realizadores do filme sobre Olavo de Carvalho
De imediato, a ação dos cineastas prejudica o próprio público do festival, privado de ver não apenas as sete produções retiradas do evento (estuda-se uma exibição ao ar livre, paralela ao festival), mas todas as demais: o Cine PE exibe apenas poucas dezenas de filmes e a saída de sete deles força a organização a buscar substitutos para não esvaziar o festival, o que leva tempo. No entanto, há muito mais na atitude dos cineastas.
Pode-se argumentar que é seu direito não querer ter sua obra associada a outras que promovem ideias das quais se discorda – ainda que seja tarefa árdua descrever que tipo de “extremismo” há em O Jardim das Aflições e, especialmente, em Real. Até onde se sabe, os cineastas não exigiram que o festival rejeitasse os dois filmes, tendo apenas retirado as próprias produções – por mais que, na prática, a ação tenha inviabilizado o evento, mesmo que temporariamente. Mas será tudo mera questão de livre escolha dos cineastas?
Gabi Saegesser, diretora de Iluminadas, alegou que O Jardim das Aflições “vai contra qualquer possibilidade de diálogo”. Mas quem evita o diálogo são justamente os cineastas que se retiraram do festival, recusando-se a dividir a mesma tela com visões das quais discordam. Ela chegou a afirmar que a inclusão do documentário no Cine PE “é como se desrespeitasse a visão política e social de outros filmes”. O raciocínio implícito é o de que os diretores gostariam de ver no festival uma absoluta unidade político-ideológica (e eles nem consideram a hipótese de o teor de seus próprios filmes “desrespeitar a visão política e social” de outras produções ou da plateia). Mas não é para isso que tais eventos servem. O Cine PE, ao exibir filmes de diversos matizes, seria uma chance de fomentar o debate. Mas os cineastas preferiram isolar-se a engajar-se em uma conversa produtiva – fazendo justamente aquilo de que acusam os realizadores do filme sobre Olavo de Carvalho.
Não à toa o historiador e cineasta de esquerda Cleonildo Cruz atacou os diretores por sua atitude de “patrulhamento” e “intolerância político-cultural”, dizendo que “precisamos sair da bolha. Falar além dessa retórica que só empregamos para os nossos” e citando exemplos de eventos recentes que reuniram o juiz Sergio Moro (descrito por Cruz como “juiz parcial da Lava Jato”) e Dilma Rousseff.
Em meados da década de 90, Joseph Overton desenvolveu o conceito que depois ficou conhecido como “janela de Overton”: um “intervalo” dentro do qual estariam as ideias consideradas “aceitáveis” (Overton pensava no discurso que um político precisaria adotar para ser viável eleitoralmente), e fora do qual estariam posições tidas por “radicais”, “extremas” ou “inaceitáveis”. Esta janela, no entanto, pode mudar de posição, ser alargada ou estreitada. Uma distorção (normalmente provocada pela ação de grupos de pressão) pode fazer uma ideia perfeitamente razoável passar a ser vista como “extrema”, enquanto a defesa de verdadeiras barbaridades pode ser vista como perfeitamente normal. O episódio do Cine PE mostra como, no mundo cultural brasileiro, a “janela de Overton” está tão deslocada para a esquerda que qualquer outra posição é classificada como “extremista” e seus defensores não servem nem mesmo como interlocutores legítimos. Uma atitude que apenas prejudica a vida intelectual do país.
Desemprego e pensamento mágico - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 28/05
O pensamento heterodoxo brasileiro acredita que o crescimento tudo resolve.
A partir de leitura muito extremada de Keynes, a heterodoxia supõe um mundo em que, na prática, não há restrição de recursos. A suposição de desemprego permanente de recursos produtivos permite, se as políticas de estímulo à demanda forem adotadas, que a economia cresça sem limites.
Para essa tradição de pensamento, o sucesso do leste asiático não é fruto das elevadíssimas taxas de poupança, sempre acima de 35% do PIB, das prolongadíssimas jornadas de trabalho e dos melhores sistemas educacionais do mundo.
Para a heterodoxia brasileira, o sucesso do leste asiático deve-se ao BNDES deles e à capacidade que esse tipo de intervenção teria de alocar a poupança financeira aos setores "portadores de futuro", seja lá o que isso signifique. O escândalo do JBS, longe de ser caso isolado, sugere que mesmo nossos heterodoxos não sabem bem o que isso significa.
Reza a lógica heterodoxa: pau na máquina que o crescimento tudo resolve. Evidentemente, a heterodoxia brasileira não entende os motivos de os juros reais serem elevados, apesar de a inflação ser muito alta.
O pensamento mágico da heterodoxia brasileira tem sido particularmente alimentado pelo recente período de queda do desemprego, anterior à recessão. Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, de 2003 até 2014 o desemprego recuou de 12,5% para 5%, expressiva queda de 7,5 pontos percentuais.
A política de pau na máquina teria sido responsável pela queda do desemprego.
A PME, pesquisa que foi descontinuada há pouco mais de um ano, cobre as seis principais regiões metropolitanas —Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador e Recife—, ou 25% do mercado de trabalho nacional.
Desde 2012, temos a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), de abrangência nacional, que é trimestral e substitui a PME.
Adicionalmente temos, desde 1981, a Pnad anual, que apresenta fotografia do mercado de trabalho nacional para meses de setembro.
Meus colegas do Ibre Bruno Ottoni Vaz e Tiago Barreira, cruzando os dados da PME, da Pnad anual e da PNADC, construíram uma série da taxa de desemprego a partir de setembro de 1992 para todo o território nacional, harmonizada com a metodologia da PNADC.
O resultado é muito menos animador. Em vez da redução de 7,5 pontos percentuais, houve, entre 2003 e 2014, queda bem menos expressiva, de 3,2 pontos percentuais (de 10,0% para 6,8%).
Além disso, metade da queda, ou 1,6 ponto percentual, ocorreu no primeiro mandato da presidente Dilma (de 8,4% em 2010 para 6,8% em 2014). O problema é que o regime de política econômica de Dilma foi claramente não sustentável: juros artificialmente baixos, tarifas represadas, deficit público e externo elevados, inflação crescente etc.
Nos oito anos do presidente Lula, com toda a ajuda da economia mundial, a taxa de desemprego reduziu-se em 1,6 ponto percentual (de 10,0% em 2003 para 8,4% em 2010) e, na média, foi ligeiramente pior do que o período FHC (9,2% em Lula ante 8,9% com FHC).
Desde a estabilização econômica, em 1995, a taxa de desemprego cresceu muito e só caiu para níveis relativamente baixos, como o de 6,8% em 2014, quando comprometemos o futuro com políticas populistas.
Urge aprovar a reforma trabalhista para conseguirmos, de forma sustentável, reduzir o desemprego.
O pensamento heterodoxo brasileiro acredita que o crescimento tudo resolve.
A partir de leitura muito extremada de Keynes, a heterodoxia supõe um mundo em que, na prática, não há restrição de recursos. A suposição de desemprego permanente de recursos produtivos permite, se as políticas de estímulo à demanda forem adotadas, que a economia cresça sem limites.
Para essa tradição de pensamento, o sucesso do leste asiático não é fruto das elevadíssimas taxas de poupança, sempre acima de 35% do PIB, das prolongadíssimas jornadas de trabalho e dos melhores sistemas educacionais do mundo.
Para a heterodoxia brasileira, o sucesso do leste asiático deve-se ao BNDES deles e à capacidade que esse tipo de intervenção teria de alocar a poupança financeira aos setores "portadores de futuro", seja lá o que isso signifique. O escândalo do JBS, longe de ser caso isolado, sugere que mesmo nossos heterodoxos não sabem bem o que isso significa.
Reza a lógica heterodoxa: pau na máquina que o crescimento tudo resolve. Evidentemente, a heterodoxia brasileira não entende os motivos de os juros reais serem elevados, apesar de a inflação ser muito alta.
O pensamento mágico da heterodoxia brasileira tem sido particularmente alimentado pelo recente período de queda do desemprego, anterior à recessão. Segundo a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE, de 2003 até 2014 o desemprego recuou de 12,5% para 5%, expressiva queda de 7,5 pontos percentuais.
A política de pau na máquina teria sido responsável pela queda do desemprego.
A PME, pesquisa que foi descontinuada há pouco mais de um ano, cobre as seis principais regiões metropolitanas —Porto Alegre, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Salvador e Recife—, ou 25% do mercado de trabalho nacional.
Desde 2012, temos a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), de abrangência nacional, que é trimestral e substitui a PME.
Adicionalmente temos, desde 1981, a Pnad anual, que apresenta fotografia do mercado de trabalho nacional para meses de setembro.
Meus colegas do Ibre Bruno Ottoni Vaz e Tiago Barreira, cruzando os dados da PME, da Pnad anual e da PNADC, construíram uma série da taxa de desemprego a partir de setembro de 1992 para todo o território nacional, harmonizada com a metodologia da PNADC.
O resultado é muito menos animador. Em vez da redução de 7,5 pontos percentuais, houve, entre 2003 e 2014, queda bem menos expressiva, de 3,2 pontos percentuais (de 10,0% para 6,8%).
Além disso, metade da queda, ou 1,6 ponto percentual, ocorreu no primeiro mandato da presidente Dilma (de 8,4% em 2010 para 6,8% em 2014). O problema é que o regime de política econômica de Dilma foi claramente não sustentável: juros artificialmente baixos, tarifas represadas, deficit público e externo elevados, inflação crescente etc.
Nos oito anos do presidente Lula, com toda a ajuda da economia mundial, a taxa de desemprego reduziu-se em 1,6 ponto percentual (de 10,0% em 2003 para 8,4% em 2010) e, na média, foi ligeiramente pior do que o período FHC (9,2% em Lula ante 8,9% com FHC).
Desde a estabilização econômica, em 1995, a taxa de desemprego cresceu muito e só caiu para níveis relativamente baixos, como o de 6,8% em 2014, quando comprometemos o futuro com políticas populistas.
Urge aprovar a reforma trabalhista para conseguirmos, de forma sustentável, reduzir o desemprego.
Rasgaram os manuais - MARCOS LISBOA
FOLHA DE SP - 28/05
Nos últimos 11 dias se sucederam decisões precipitadas, fora dos procedimentos esperados, por motivos nem sempre nobres.
Frequentemente, elabora-se alguma tese sobre a lógica e os interesses das decisões.
A política e seus desdobramentos, porém, nem sempre decorrem de grandiosas estratégias ou de movimentos conspiratórios. Cabe não desprezar a possibilidade de incompetência, erro operacional ou motivos mais comezinhos, como a simples vaidade.
Tudo começou com uma notícia no jornal "O Globo". A reportagem afirmava que Temer teria explicitamente consentido no pagamento a um possível delator em troca de seu silêncio. No dia seguinte, os principais jornais confirmaram o encontro.
Não resta dúvida de que há muito a investigar nas ações do presidente. Não se recebe empresário sem testemunha em casa à noite, ainda mais com as suspeitas que cercam os participantes.
Mais tarde, a gravação foi apresentada. Indicava fatos graves e duas surpresas. Certamente havia conversas que, se comprovadas, revelam prevaricação do presidente. Afinal, o empresário sugeria o cometimento de crimes.
A primeira surpresa foi que, no diálogo, não havia a anuência explícita à compra do silêncio. A imprensa atropelara as melhores práticas, que requerem reportar precisamente o que se pode afirmar –nesse caso, verificando a gravação original ou checando a notícia com fontes independentes.
A reportagem de "O Globo" foi publicada e repercutida por outros veículos sem que fosse verificada a veracidade do diálogo e sem que isso fosse deixado claro para os leitores. Credibilidade arranhada.
Nos dias seguintes, a segunda surpresa. A gravação não fora objeto de perícia oficial e as primeiras análises sugeriam edição. Nada que não pudesse ser esclarecido caso a gravação tivesse sido periciada previamente, como recomendável.
Na sequência das críticas à condução do processo, foram liberadas mais de 2.000 gravações feitas durante a investigação. No meio, várias sem relação com a ocorrência de crimes, como uma em que um jornalista conversa com a sua fonte. Divulgá-la fere a Constituição.
Não houve a necessária análise prévia de quais gravações eram relevantes para a investigação. Mais uma vez a precipitação, qualquer que seja o seu motivo, resultou em atropelo das boas práticas e feriu a norma legal.
Tempos conturbados e a gravidade dos problemas não justificam os excessos ocasionais que resultam em vítimas inocentes, como Reinaldo Azevedo.
O combate à corrupção tem permitido enfrentar práticas inaceitáveis da nossa constrangedora realidade. Fortalecer o Estado de Direito passa também por reconhecer os equívocos recentes.
Nos últimos 11 dias se sucederam decisões precipitadas, fora dos procedimentos esperados, por motivos nem sempre nobres.
Frequentemente, elabora-se alguma tese sobre a lógica e os interesses das decisões.
A política e seus desdobramentos, porém, nem sempre decorrem de grandiosas estratégias ou de movimentos conspiratórios. Cabe não desprezar a possibilidade de incompetência, erro operacional ou motivos mais comezinhos, como a simples vaidade.
Tudo começou com uma notícia no jornal "O Globo". A reportagem afirmava que Temer teria explicitamente consentido no pagamento a um possível delator em troca de seu silêncio. No dia seguinte, os principais jornais confirmaram o encontro.
Não resta dúvida de que há muito a investigar nas ações do presidente. Não se recebe empresário sem testemunha em casa à noite, ainda mais com as suspeitas que cercam os participantes.
Mais tarde, a gravação foi apresentada. Indicava fatos graves e duas surpresas. Certamente havia conversas que, se comprovadas, revelam prevaricação do presidente. Afinal, o empresário sugeria o cometimento de crimes.
A primeira surpresa foi que, no diálogo, não havia a anuência explícita à compra do silêncio. A imprensa atropelara as melhores práticas, que requerem reportar precisamente o que se pode afirmar –nesse caso, verificando a gravação original ou checando a notícia com fontes independentes.
A reportagem de "O Globo" foi publicada e repercutida por outros veículos sem que fosse verificada a veracidade do diálogo e sem que isso fosse deixado claro para os leitores. Credibilidade arranhada.
Nos dias seguintes, a segunda surpresa. A gravação não fora objeto de perícia oficial e as primeiras análises sugeriam edição. Nada que não pudesse ser esclarecido caso a gravação tivesse sido periciada previamente, como recomendável.
Na sequência das críticas à condução do processo, foram liberadas mais de 2.000 gravações feitas durante a investigação. No meio, várias sem relação com a ocorrência de crimes, como uma em que um jornalista conversa com a sua fonte. Divulgá-la fere a Constituição.
Não houve a necessária análise prévia de quais gravações eram relevantes para a investigação. Mais uma vez a precipitação, qualquer que seja o seu motivo, resultou em atropelo das boas práticas e feriu a norma legal.
Tempos conturbados e a gravidade dos problemas não justificam os excessos ocasionais que resultam em vítimas inocentes, como Reinaldo Azevedo.
O combate à corrupção tem permitido enfrentar práticas inaceitáveis da nossa constrangedora realidade. Fortalecer o Estado de Direito passa também por reconhecer os equívocos recentes.
Direta já? - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 28/05
SÃO PAULO - Direta já? Em tese, eu concordo. Todo poder, afinal, emana do povo. Além disso, a campanha seria uma oportunidade para a população definir para que lado o país deve caminhar, deixando para trás as intermináveis discussões sobre a legitimidade do presidente.
Só que nada na vida é tão simples. Além do reconhecimento do fato de que é improvável que o Congresso aprove uma emenda que lhe retiraria o poder de escolher sozinho o mandatário, o que me faz pensar duas vezes antes de sair gritando "direta já" são o custo e a oportunidade.
Só a parte operacional de uma eleição nacional sai por cerca de R$ 500 milhões. Se somarmos a isso o ressarcimento às rádios e TVs pelo horário eleitoral e as verbas que seria preciso repassar aos partidos para a campanha, chegamos fácil à casa dos bilhões. Talvez seja muito dinheiro para escolher um presidente que ficará pouco tempo no cargo. Na verdade, dependendo de quanto Michel Temer conseguir procrastinar sua saída, poderão ser poucos meses.
Outro problema é que os partidos não estão prontos para o pleito. Eles têm dificuldades não só para decidir quem poderá ser candidato sem correr o risco de ser preso em plena campanha como também para acertar o discurso que usariam na eleição.
Tome-se o caso do PT. O que o PT diria na campanha? Se o partido seguir se opondo às reformas econômicas e ganhar a Presidência, ou terá enormes dificuldades para governar, ou cometerá um segundo estelionato eleitoral. E, é claro, o PT não é a única sigla que se verá diante da tentação de dizer só o que o eleitor quer ouvir e não o que ele precisa saber.
Um fato triste da democracia é que basta haver um elemento na disputa disposto a usar a cartada populista para afetar o posicionamento dos demais. A pergunta é se o Brasil que tanto clama por honestidade conseguiria, nesse ambiente de polarização e ruína econômica que vivemos, fazer uma campanha honesta.
SÃO PAULO - Direta já? Em tese, eu concordo. Todo poder, afinal, emana do povo. Além disso, a campanha seria uma oportunidade para a população definir para que lado o país deve caminhar, deixando para trás as intermináveis discussões sobre a legitimidade do presidente.
Só que nada na vida é tão simples. Além do reconhecimento do fato de que é improvável que o Congresso aprove uma emenda que lhe retiraria o poder de escolher sozinho o mandatário, o que me faz pensar duas vezes antes de sair gritando "direta já" são o custo e a oportunidade.
Só a parte operacional de uma eleição nacional sai por cerca de R$ 500 milhões. Se somarmos a isso o ressarcimento às rádios e TVs pelo horário eleitoral e as verbas que seria preciso repassar aos partidos para a campanha, chegamos fácil à casa dos bilhões. Talvez seja muito dinheiro para escolher um presidente que ficará pouco tempo no cargo. Na verdade, dependendo de quanto Michel Temer conseguir procrastinar sua saída, poderão ser poucos meses.
Outro problema é que os partidos não estão prontos para o pleito. Eles têm dificuldades não só para decidir quem poderá ser candidato sem correr o risco de ser preso em plena campanha como também para acertar o discurso que usariam na eleição.
Tome-se o caso do PT. O que o PT diria na campanha? Se o partido seguir se opondo às reformas econômicas e ganhar a Presidência, ou terá enormes dificuldades para governar, ou cometerá um segundo estelionato eleitoral. E, é claro, o PT não é a única sigla que se verá diante da tentação de dizer só o que o eleitor quer ouvir e não o que ele precisa saber.
Um fato triste da democracia é que basta haver um elemento na disputa disposto a usar a cartada populista para afetar o posicionamento dos demais. A pergunta é se o Brasil que tanto clama por honestidade conseguiria, nesse ambiente de polarização e ruína econômica que vivemos, fazer uma campanha honesta.
Caos nosso de cada dia - FERNANDO GABEIRA
O GLOBO - 28/05
Não há razão para dizer que o Brasil não tem jeito e que a barbárie é um destino inescapável
Numa carta endereçada a Robert Louis Stevenson, o escritor Henry James diz que gostaria que ela fosse um mingau de boas notícias. Infelizmente, não é possível preparar esse prato no Brasil, com notícias tão tristes que nem podemos homenagear e conhecer melhor as vítimas do atentado em Manchester, algo que aconteceu nos principais países do mundo.
Apesar das más notícias, é possível demonstrar que o Brasil está preparado para uma situação melhor se olhar para algumas decisões recentes. Por exemplo: as desordens que aconteceram em Brasília não aconteceram em Curitiba, quando Lula foi depor. E, se acontecessem, seriam rapidamente debeladas, tal o aparato policial e sua articulação com outros setores do governo.
É preciso evitar e combater a barbárie, aceita ainda por uma esquerda que flerta com a violência e não superou o viés autoritário das teorias do século passado. Uma esquerda que não sustenta dois minutos de discussão se for chamada a defender com ideias a destruição de prédios públicos e propriedades particulares, sobretudo os primeiros, que pertencem ao povo que ela supõe representar.
Curitiba foi diferente, dirão alguns. Além do mais, o que estava marcado em Brasília era apenas mais uma das inúmeras manifestações. Ficamos acostumados com manifestações dominicais pacíficas, feitas por gente que trabalha a semana inteira e derrubou o governo Dilma sem quebrar uma janela.
E nos acostumamos também com manifestações marcadas com antecedência de quase um mês, algo que já comentei aqui, reforçando a importância de analisar a conjuntura, sobretudo num país de mudanças tão rápidas.
Uma nova conjuntura foi aberta com a delação dos donos da Friboi. Ela atingiu Temer em cheio e criou uma situação insustentável para ele. O PT finge que não foi delatado também, que o partido não recebeu US$ 150 milhões para as contas das campanhas de Lula e Dilma. Daí sua fuga para a frente, firme na tentativa de fazer com que Lula escape da cadeia, vencendo as eleições presidenciais, se possível ainda neste ano.
Li que a inteligência do governo tinha captado os sinais de possível violência no movimento Ocupa Brasília, convocado no auge das contraditórias respostas de Temer às acusações que pesam contra ele. No entanto, esta antevisão não resultou num esquema mais complexo de prevenção, que poderia ser realizado pela relativamente bem paga polícia de Brasília?
Sempre se pode argumentar que o governo de Brasília é de oposição a Temer e iria ou confraternizar ou fazer vista grossa diante dos excessos dos manifestantes. Mas isso também poderia ser previsto por uma inteligência modesta e deveria ter sido levado em conta na organização do esquema preventivo, que poderia contar com a Força Nacional e a logística do Exército.
Além dos ministérios que simbolizam o governo, o prédio mais importante do Exército, o chamado Forte Apache, está em Brasília. As condições não eram idênticas às de Curitiba. Mas isso faz parte de uma inteligência modesta: adaptar experiências bem-sucedidas a realidades diferentes. A incapacidade de preparar um esquema preventivo praticamente deixa como alternativa o aumento da repressão. É precisamente isso que interessa à esquerda, atrair uma forte repressão, de preferência excessiva.
Isso faz com que a imprensa priorize os excessos da repressão e jogue para um segundo plano os atos de vandalismo que a motivaram. A esquerda não é inteligente, se você der a esse termo uma dimensão estratégica, mas é esperta. Se o governo responde com uma pobre informação e uma tática burra, os antidemocratas nadam de braçada.
Concordo que Temer deve deixar a Presidência. Mas discordo dos métodos e dos objetivos das pessoas que estão na rua para derrubá-lo. Elas querem apenas um escudo para seu líder escapar da polícia. Primeiro você arruína o país com uma irresponsável política populista. Em seguida, você começa a destruir prédios públicos com a esperança de voltar ao poder e prosseguir na rapina.
Isso não acontecerá pelo caminho do voto, em eleições limpas. Mas a fragilidade do governo e sua incapacidade de analisar o momento favorecem as tendências autoritárias e destrutivas da esquerda.
Não há razão para dizer que o Brasil não tem jeito e que a barbárie é um destino inescapável. Nem é preciso olhar para fora em busca de exemplos nos países avançados. Aqui dentro mesmo é possível encontrar as bases para uma política que defenda a civilização da barbárie. Milhões de pessoas nas manifestações dominicais provaram que é possível combater um governo corrupto e incapaz sem verter uma gota de sangue. Curitiba viveu serenamente um momento de tensão, a vida e os bens da cidade foram protegidos com competência.
São essas qualidades que farão a balança pesar a favor da democracia, isolando cada vez mais os setores que não se adaptam a ela. Mas, é claro, serão necessários alguma coisa que você possa chamar de governo e algum presidente que, pelo menos, esteja preocupado com o país e não com as investigações que rondam seu palácio.
Numa carta endereçada a Robert Louis Stevenson, o escritor Henry James diz que gostaria que ela fosse um mingau de boas notícias. Infelizmente, não é possível preparar esse prato no Brasil, com notícias tão tristes que nem podemos homenagear e conhecer melhor as vítimas do atentado em Manchester, algo que aconteceu nos principais países do mundo.
Apesar das más notícias, é possível demonstrar que o Brasil está preparado para uma situação melhor se olhar para algumas decisões recentes. Por exemplo: as desordens que aconteceram em Brasília não aconteceram em Curitiba, quando Lula foi depor. E, se acontecessem, seriam rapidamente debeladas, tal o aparato policial e sua articulação com outros setores do governo.
É preciso evitar e combater a barbárie, aceita ainda por uma esquerda que flerta com a violência e não superou o viés autoritário das teorias do século passado. Uma esquerda que não sustenta dois minutos de discussão se for chamada a defender com ideias a destruição de prédios públicos e propriedades particulares, sobretudo os primeiros, que pertencem ao povo que ela supõe representar.
Curitiba foi diferente, dirão alguns. Além do mais, o que estava marcado em Brasília era apenas mais uma das inúmeras manifestações. Ficamos acostumados com manifestações dominicais pacíficas, feitas por gente que trabalha a semana inteira e derrubou o governo Dilma sem quebrar uma janela.
E nos acostumamos também com manifestações marcadas com antecedência de quase um mês, algo que já comentei aqui, reforçando a importância de analisar a conjuntura, sobretudo num país de mudanças tão rápidas.
Uma nova conjuntura foi aberta com a delação dos donos da Friboi. Ela atingiu Temer em cheio e criou uma situação insustentável para ele. O PT finge que não foi delatado também, que o partido não recebeu US$ 150 milhões para as contas das campanhas de Lula e Dilma. Daí sua fuga para a frente, firme na tentativa de fazer com que Lula escape da cadeia, vencendo as eleições presidenciais, se possível ainda neste ano.
Li que a inteligência do governo tinha captado os sinais de possível violência no movimento Ocupa Brasília, convocado no auge das contraditórias respostas de Temer às acusações que pesam contra ele. No entanto, esta antevisão não resultou num esquema mais complexo de prevenção, que poderia ser realizado pela relativamente bem paga polícia de Brasília?
Sempre se pode argumentar que o governo de Brasília é de oposição a Temer e iria ou confraternizar ou fazer vista grossa diante dos excessos dos manifestantes. Mas isso também poderia ser previsto por uma inteligência modesta e deveria ter sido levado em conta na organização do esquema preventivo, que poderia contar com a Força Nacional e a logística do Exército.
Além dos ministérios que simbolizam o governo, o prédio mais importante do Exército, o chamado Forte Apache, está em Brasília. As condições não eram idênticas às de Curitiba. Mas isso faz parte de uma inteligência modesta: adaptar experiências bem-sucedidas a realidades diferentes. A incapacidade de preparar um esquema preventivo praticamente deixa como alternativa o aumento da repressão. É precisamente isso que interessa à esquerda, atrair uma forte repressão, de preferência excessiva.
Isso faz com que a imprensa priorize os excessos da repressão e jogue para um segundo plano os atos de vandalismo que a motivaram. A esquerda não é inteligente, se você der a esse termo uma dimensão estratégica, mas é esperta. Se o governo responde com uma pobre informação e uma tática burra, os antidemocratas nadam de braçada.
Concordo que Temer deve deixar a Presidência. Mas discordo dos métodos e dos objetivos das pessoas que estão na rua para derrubá-lo. Elas querem apenas um escudo para seu líder escapar da polícia. Primeiro você arruína o país com uma irresponsável política populista. Em seguida, você começa a destruir prédios públicos com a esperança de voltar ao poder e prosseguir na rapina.
Isso não acontecerá pelo caminho do voto, em eleições limpas. Mas a fragilidade do governo e sua incapacidade de analisar o momento favorecem as tendências autoritárias e destrutivas da esquerda.
Não há razão para dizer que o Brasil não tem jeito e que a barbárie é um destino inescapável. Nem é preciso olhar para fora em busca de exemplos nos países avançados. Aqui dentro mesmo é possível encontrar as bases para uma política que defenda a civilização da barbárie. Milhões de pessoas nas manifestações dominicais provaram que é possível combater um governo corrupto e incapaz sem verter uma gota de sangue. Curitiba viveu serenamente um momento de tensão, a vida e os bens da cidade foram protegidos com competência.
São essas qualidades que farão a balança pesar a favor da democracia, isolando cada vez mais os setores que não se adaptam a ela. Mas, é claro, serão necessários alguma coisa que você possa chamar de governo e algum presidente que, pelo menos, esteja preocupado com o país e não com as investigações que rondam seu palácio.
A deterioração aumenta e não é só a da política - CELSO MING
ESTADÃO - 28/05
Ao colocar o Brasil em perspectiva negativa na última sexta-feira, 26, a Moody's indica como aumentam as incertezas sobre a capacidade do governo de gerir a economia
Nesta sexta-feira, uma das três mais importantes agências de análise de risco, a Moody’s, colocou em perspectiva negativa a avaliação dos títulos de dívida do Brasil.
Trata-se de um aviso prévio. Se não houver solução imediata para a crise política, aumentam as incertezas sobre a capacidade do governo de perseguir o equilíbrio das contas públicas e, com isso, cresce o risco de calote. Não significa que o Brasil vá dar calote. Significa, apenas, que a qualidade dos títulos está azedando. A consequência imediata é o aumento dos juros.
O instrumento financeiro que mede melhor esse risco é o Credit Default Swap (CDS), contrato que funciona como seguro contra problemas de pagamento de um título de dívida. O CDS do Brasil saltou de 2,0 pontos porcentuais ao ano acima dos juros registrados imediatamente antes da crise para a casa dos 2,4.
Por trás dessa alta e da decisão da Moody’s está o pressuposto de que a crise tende a adiar as reformas e, com isso, a solução para a deterioração das contas públicas fica mais incerta. Como o rombo aumenta, a dívida cresce.
O aumento dos juros dos títulos do Brasil que atinge também os títulos privados é simples consequência da lei da oferta e da procura. Se há menos interessados em ficar com títulos mais bichados, cai o valor desses ativos no mercado.
Há pouco tempo, uma das discussões mais acirradas que aconteciam no setor das finanças girava em torno do corte dos juros básicos (Selic) que o Banco Central (BC) aplicaria na reunião do Copom, marcada para esta quarta-feira. As apostas se concentravam entre a tesourada de 1,0 ponto porcentual e a de 1,25 ponto. A crise mudou as coisas, as incertezas aumentaram e agora há mais esse primeiro passo para novo rebaixamento do rating do Brasil, que provavelmente será seguido pelas outras agências, Fitch e Standard & Poor’s.
Nos últimos dias, a equipe econômica se esforçava para demonstrar que continuaria dando conta da agenda, qualquer que fosse o desfecho da crise política. É esforço compreensível, pois eles estão lá também para não deixar a peteca cair. Mas quem tem alguma quilometragem rodada em administração macroeconômica sabe que, em tempos bicudos, essa mercadoria não tem entrega garantida, ao menos nas condições prometidas.
Outra notícia ruim foi a demissão da presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques. Ela era parte do grupo de notáveis no comando de postos-chave da economia, como o próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles; o presidente do BC, Ilan Goldfajn; e o presidente da Petrobrás, Pedro Parente.
Os empresários pressionavam Temer por mais flexibilidade na concessão de créditos pelo BNDES. Também os setores encarregados de relançar o Programa de Parcerias de Investimento pediam mais lubrificantes nos financiamentos. Maria Silvia já não tinha apoio firme do presidente. Agora ele enfrenta um treme-treme e seu apoio não significa muito.
Esses fatos estão dizendo que ficou bem mais difícil administrar a economia. E essa é mais uma fonte de pressão para que Temer renuncie.
Ao colocar o Brasil em perspectiva negativa na última sexta-feira, 26, a Moody's indica como aumentam as incertezas sobre a capacidade do governo de gerir a economia
Nesta sexta-feira, uma das três mais importantes agências de análise de risco, a Moody’s, colocou em perspectiva negativa a avaliação dos títulos de dívida do Brasil.
Trata-se de um aviso prévio. Se não houver solução imediata para a crise política, aumentam as incertezas sobre a capacidade do governo de perseguir o equilíbrio das contas públicas e, com isso, cresce o risco de calote. Não significa que o Brasil vá dar calote. Significa, apenas, que a qualidade dos títulos está azedando. A consequência imediata é o aumento dos juros.
O instrumento financeiro que mede melhor esse risco é o Credit Default Swap (CDS), contrato que funciona como seguro contra problemas de pagamento de um título de dívida. O CDS do Brasil saltou de 2,0 pontos porcentuais ao ano acima dos juros registrados imediatamente antes da crise para a casa dos 2,4.
Por trás dessa alta e da decisão da Moody’s está o pressuposto de que a crise tende a adiar as reformas e, com isso, a solução para a deterioração das contas públicas fica mais incerta. Como o rombo aumenta, a dívida cresce.
O aumento dos juros dos títulos do Brasil que atinge também os títulos privados é simples consequência da lei da oferta e da procura. Se há menos interessados em ficar com títulos mais bichados, cai o valor desses ativos no mercado.
Há pouco tempo, uma das discussões mais acirradas que aconteciam no setor das finanças girava em torno do corte dos juros básicos (Selic) que o Banco Central (BC) aplicaria na reunião do Copom, marcada para esta quarta-feira. As apostas se concentravam entre a tesourada de 1,0 ponto porcentual e a de 1,25 ponto. A crise mudou as coisas, as incertezas aumentaram e agora há mais esse primeiro passo para novo rebaixamento do rating do Brasil, que provavelmente será seguido pelas outras agências, Fitch e Standard & Poor’s.
Nos últimos dias, a equipe econômica se esforçava para demonstrar que continuaria dando conta da agenda, qualquer que fosse o desfecho da crise política. É esforço compreensível, pois eles estão lá também para não deixar a peteca cair. Mas quem tem alguma quilometragem rodada em administração macroeconômica sabe que, em tempos bicudos, essa mercadoria não tem entrega garantida, ao menos nas condições prometidas.
Outra notícia ruim foi a demissão da presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques. Ela era parte do grupo de notáveis no comando de postos-chave da economia, como o próprio ministro da Fazenda, Henrique Meirelles; o presidente do BC, Ilan Goldfajn; e o presidente da Petrobrás, Pedro Parente.
Os empresários pressionavam Temer por mais flexibilidade na concessão de créditos pelo BNDES. Também os setores encarregados de relançar o Programa de Parcerias de Investimento pediam mais lubrificantes nos financiamentos. Maria Silvia já não tinha apoio firme do presidente. Agora ele enfrenta um treme-treme e seu apoio não significa muito.
Esses fatos estão dizendo que ficou bem mais difícil administrar a economia. E essa é mais uma fonte de pressão para que Temer renuncie.
Salmão, bacalhau ou namorado? - GUSTAVO FRANCO
ESTADÃO - 28/05
O triste fato é que as ideias pró-mercado não são encontradas de forma natural no sistema partidário brasileiro - foi preciso a hiperinflação para que essas ideias pudessem se materializar
Soube recentemente numa conferência que a quase totalidade do salmão consumido no Brasil é de cativeiro e que, nessas condições, talvez pela melancolia, sua carne possui uma coloração cinza esbranquiçada nada parecida com o vibrante cor de laranja sempre destacado nas propagandas de comida japonesa.
Mas não é nada que não se corrija com uma alimentação equilibrada.
A coloração alaranjada que todos apreciam, e que pode ser encontrada em qualquer restaurante, se deve, na verdade, a um corante introduzido na ração, a astaxantina, um carotenoide normalmente encontrado em crustáceos e que tem fortes propriedades antioxidantes, entre outros benefícios para a saúde.
Não sei você, caro leitor, mas eu não tinha ideia que o meu sashimi favorito era colorido artificialmente por produtos de uma dupla de multinacionais europeias. Tampouco que o cultivo de salmões pelo mundo é feito por algumas poucas empresas grandes, operando em vários países e sob rigorosos padrões tecnológicos e de qualidade. Nada menos artesanal: uma interessante lição para quem acha que fabricar parafusos com alto conteúdo nacional é melhor do que cultivar a terra ou o mar com alto conteúdo de inteligência.
Passando às doutrinas econômicas, parece-me que o governo Michel Temer é como o salmão de cativeiro que foi buscar sua coloração em conceitos e pessoas que sempre estiveram bem longe das ideias cinza esbranquiçadas adotadas historicamente por esse grupo político.
Numa primeira observação, é fácil afirmar que o ideário fiscal e de reforma encampado pelo governo é de origem tucana, e que este seria o colorante a enfeitar uma agenda que está conosco há vários anos. Curiosamente, esse salmão atucanado parece, às vezes, mais despojado que o original, ao menos a julgar pela propaganda na TV para a reforma da Previdência, que foi bem além do que os tucanos jamais ousaram: fala do código de trânsito (cinto de segurança), da privatização (sem a qual ninguém teria celular) e do Plano Real, tudo isso junto, com orgulho e convicção como não se viu entre as lideranças do PSDB no decorrer do tempo.
Pensando bem, talvez tenha sido o próprio PSDB a inventar esse fenômeno da colorização artificial de peixes sem muita personalidade. Como era mesmo o salmão tucano em seu hábitat natural? Teria mesmo esta vibrante tonalidade alaranjada neoliberal pró-mercado? Ou estaria para um avermelhado mais à esquerda, como de um atum alimentado com pasta de tomates?
O triste fato é que as ideias pró-mercado não são encontradas de forma natural no sistema partidário brasileiro. Foi preciso uma urgência nacional – a hiperinflação – agravada por sucessivos fracassos em lidar com o assunto usando a medicina alternativa, para que as ideias pró-mercado encontrassem uma janela para se materializar nas reformas que compuseram o Plano Real.
Sim, o PSDB também se serviu de corantes e aditivos para se apresentar ao País com a nova moeda e suas agendas de reforma, mas mesmo conseguindo muitos êxitos, foi perdendo o viço, como se vacilasse diante do que colocou em movimento e corasse diante da acusação de neoliberalismo. Não foi à toa que lhe apuseram a imagem do muro e da indecisão.
Mas foi do PSDB que veio em 1988 o famoso desabafo de Mario Covas, segundo o qual o Brasil precisa de um choque de capitalismo. É certo que ainda precisa e que no sistema partidário em particular está mais do que na hora de ver aparecer ideias pró-mercado em formato assertivo e diretamente hostil ao corporativismo e ao capitalismo de apaniguados e quadrilhas que estamos assistindo desmoronar nos últimos tempos.
Até o fim do dia, na sexta-feira, os mercados estavam relativamente calmos achando que o corante havia triunfado sobre o salmão, e que a sequência de eventos políticos, qualquer que fosse, ia resultar na manutenção da equipe e das ideias econômicas a governar a política econômica e a agenda de reformas de que o País tanto precisa.
Até segunda ordem, a premissa é que tanto faz se temos salmão, bacalhau ou namorado, desde que seja fresco e honesto, e traga os corantes e aditivos certos para o paladar e para a saúde econômica do País.
O triste fato é que as ideias pró-mercado não são encontradas de forma natural no sistema partidário brasileiro - foi preciso a hiperinflação para que essas ideias pudessem se materializar
Soube recentemente numa conferência que a quase totalidade do salmão consumido no Brasil é de cativeiro e que, nessas condições, talvez pela melancolia, sua carne possui uma coloração cinza esbranquiçada nada parecida com o vibrante cor de laranja sempre destacado nas propagandas de comida japonesa.
Mas não é nada que não se corrija com uma alimentação equilibrada.
A coloração alaranjada que todos apreciam, e que pode ser encontrada em qualquer restaurante, se deve, na verdade, a um corante introduzido na ração, a astaxantina, um carotenoide normalmente encontrado em crustáceos e que tem fortes propriedades antioxidantes, entre outros benefícios para a saúde.
Não sei você, caro leitor, mas eu não tinha ideia que o meu sashimi favorito era colorido artificialmente por produtos de uma dupla de multinacionais europeias. Tampouco que o cultivo de salmões pelo mundo é feito por algumas poucas empresas grandes, operando em vários países e sob rigorosos padrões tecnológicos e de qualidade. Nada menos artesanal: uma interessante lição para quem acha que fabricar parafusos com alto conteúdo nacional é melhor do que cultivar a terra ou o mar com alto conteúdo de inteligência.
Passando às doutrinas econômicas, parece-me que o governo Michel Temer é como o salmão de cativeiro que foi buscar sua coloração em conceitos e pessoas que sempre estiveram bem longe das ideias cinza esbranquiçadas adotadas historicamente por esse grupo político.
Numa primeira observação, é fácil afirmar que o ideário fiscal e de reforma encampado pelo governo é de origem tucana, e que este seria o colorante a enfeitar uma agenda que está conosco há vários anos. Curiosamente, esse salmão atucanado parece, às vezes, mais despojado que o original, ao menos a julgar pela propaganda na TV para a reforma da Previdência, que foi bem além do que os tucanos jamais ousaram: fala do código de trânsito (cinto de segurança), da privatização (sem a qual ninguém teria celular) e do Plano Real, tudo isso junto, com orgulho e convicção como não se viu entre as lideranças do PSDB no decorrer do tempo.
Pensando bem, talvez tenha sido o próprio PSDB a inventar esse fenômeno da colorização artificial de peixes sem muita personalidade. Como era mesmo o salmão tucano em seu hábitat natural? Teria mesmo esta vibrante tonalidade alaranjada neoliberal pró-mercado? Ou estaria para um avermelhado mais à esquerda, como de um atum alimentado com pasta de tomates?
O triste fato é que as ideias pró-mercado não são encontradas de forma natural no sistema partidário brasileiro. Foi preciso uma urgência nacional – a hiperinflação – agravada por sucessivos fracassos em lidar com o assunto usando a medicina alternativa, para que as ideias pró-mercado encontrassem uma janela para se materializar nas reformas que compuseram o Plano Real.
Sim, o PSDB também se serviu de corantes e aditivos para se apresentar ao País com a nova moeda e suas agendas de reforma, mas mesmo conseguindo muitos êxitos, foi perdendo o viço, como se vacilasse diante do que colocou em movimento e corasse diante da acusação de neoliberalismo. Não foi à toa que lhe apuseram a imagem do muro e da indecisão.
Mas foi do PSDB que veio em 1988 o famoso desabafo de Mario Covas, segundo o qual o Brasil precisa de um choque de capitalismo. É certo que ainda precisa e que no sistema partidário em particular está mais do que na hora de ver aparecer ideias pró-mercado em formato assertivo e diretamente hostil ao corporativismo e ao capitalismo de apaniguados e quadrilhas que estamos assistindo desmoronar nos últimos tempos.
Até o fim do dia, na sexta-feira, os mercados estavam relativamente calmos achando que o corante havia triunfado sobre o salmão, e que a sequência de eventos políticos, qualquer que fosse, ia resultar na manutenção da equipe e das ideias econômicas a governar a política econômica e a agenda de reformas de que o País tanto precisa.
Até segunda ordem, a premissa é que tanto faz se temos salmão, bacalhau ou namorado, desde que seja fresco e honesto, e traga os corantes e aditivos certos para o paladar e para a saúde econômica do País.
A aposta econômica - MÍRIAM LEITÃO
O Globo - 28/05
Temer tenta surfar na economia. O presidente Michel Temer está apostando nos efeitos da semana econômica. Duas notícias favoráveis devem ser divulgadas. Os juros vão cair mais uma vez na quarta-feira. E na quinta será divulgado o PIB do primeiro trimestre e ele será positivo, podendo chegar até a 1%. Com isso, o ambiente será propício para o discurso de deixar tudo como está para manter a recuperação.
Antes da divulgação da delação de Joesley Batista o debate no mercado financeiro era se os juros cairiam 1% ou 1,25%. Depois disso, a aposta na queda maior foi deixada de lado. Contudo, segundo os economistas é bem possível manter o ciclo de corte nas taxas porque a inflação está baixa e a recuperação ainda é incerta. O IPCA-15 mostrou a inflação acumulada em 12 meses em 3,77%. O IPCA, que sairá na semana do julgamento no TSE, deve confirmar a taxa menor do que 4%. O crescimento do ano ficou incerto, mas o primeiro trimestre será o de maior taxa no ano. Como a produção agrícola foi ainda mais forte do que o previsto, o PIB trimestral será alto. Os outros trimestres terão resultado pior do que o primeiro, porque não haverá o efeito da agricultura. Mas, no curto prazo, o número que vai sair pode chegar ou até superar o 1% no primeiro trimestre.
O noticiário econômico favorável ajudará o presidente Temer? Para ele, pode parecer uma tábua de salvação, até porque ele tem jogado na esperança de adiar sua saída do governo para enfraquecer os efeitos do escândalo da conversa no Jaburu. Há outras boas notícias para vir. A inflação de junho deve ficar em zero ou negativa, segundo o professor Luiz Roberto Cunha, porque houve redução do preço da gasolina e porque haverá queda de preço de energia com o fim da bandeira vermelha. Uma inflação baixinha levará a mais quedas da taxa de juros, mesmo com a incerteza na política.
A economia pode ser uma ajuda ao presidente Temer no seu pior momento político. É bem verdade que uma das notícias da semana será a taxa de desemprego de abril. Ninguém espera uma queda, portanto os números altos de desemprego vão de novo ocupar o noticiário, mostrando que a economia não mudou no principal, não aumentou a oferta de emprego.
Mesmo havendo alguns bons indicadores econômicos, isso não será suficiente para reverter a situação crítica em que está o presidente, porque a origem da fragilidade de Temer é política. Parte do seu tempo é dedicado hoje a se defender. Ele é um presidente sub judice.
O cálculo feito cientista político Ricardo Sennes, da consultoria Prospectiva, é que Temer precisa de dois terços do Congresso para aprovar emendas constitucionais, mas basta um terço para impedir o impeachment. É verdade, mas antes de um processo de impeachment ele enfrentará, em dez dias, o julgamento da ação no TSE. Por isso a demora do julgamento passou a ser estratégico para ele, porque, se for condenado, ainda que recorra, se enfraquecerá ainda mais.
Parte da base política do presidente está inteiramente mergulhada em articulações para o pós-Temer. Está sendo negociado um pacto de manutenção das reformas e de sustentação da governabilidade de quem for escolhido pelo voto indireto. Uma fonte do PMDB conta que até o PT foi consultado, mas a exigência que fez desmonta a pedra mais importante da articulação. O partido quer o abandono do projeto de reformas.
A economia está no foco. De um lado, Temer acredita que pode ter uma sobrevida se conseguir bons indicadores econômicos e os terá a curto prazo. De outro, as articulações para seu possível substituto parte da ideia de que é preciso preservar a pequena recuperação que houve e o projeto de reformas.
Temer fez uma equipe econômica forte e deu autonomia a ela. Isso teve frutos. A saída de Maria Silva é o primeiro revés. No mercado se diz que é preciso ficar de olho em substituição de diretorias críticas, porque ele pode querer avançar na economia no seu esforço desesperado de permanecer na Presidência. Se começar a lotear cargos econômicos, Temer pode apressar o seu fim, porque foi exatamente por ter uma equipe forte e com autonomia para trabalhar que o trouxe ao ponto de colher bons indicadores econômicos como os que começa a aparecer no país.
Temer tenta surfar na economia. O presidente Michel Temer está apostando nos efeitos da semana econômica. Duas notícias favoráveis devem ser divulgadas. Os juros vão cair mais uma vez na quarta-feira. E na quinta será divulgado o PIB do primeiro trimestre e ele será positivo, podendo chegar até a 1%. Com isso, o ambiente será propício para o discurso de deixar tudo como está para manter a recuperação.
Antes da divulgação da delação de Joesley Batista o debate no mercado financeiro era se os juros cairiam 1% ou 1,25%. Depois disso, a aposta na queda maior foi deixada de lado. Contudo, segundo os economistas é bem possível manter o ciclo de corte nas taxas porque a inflação está baixa e a recuperação ainda é incerta. O IPCA-15 mostrou a inflação acumulada em 12 meses em 3,77%. O IPCA, que sairá na semana do julgamento no TSE, deve confirmar a taxa menor do que 4%. O crescimento do ano ficou incerto, mas o primeiro trimestre será o de maior taxa no ano. Como a produção agrícola foi ainda mais forte do que o previsto, o PIB trimestral será alto. Os outros trimestres terão resultado pior do que o primeiro, porque não haverá o efeito da agricultura. Mas, no curto prazo, o número que vai sair pode chegar ou até superar o 1% no primeiro trimestre.
O noticiário econômico favorável ajudará o presidente Temer? Para ele, pode parecer uma tábua de salvação, até porque ele tem jogado na esperança de adiar sua saída do governo para enfraquecer os efeitos do escândalo da conversa no Jaburu. Há outras boas notícias para vir. A inflação de junho deve ficar em zero ou negativa, segundo o professor Luiz Roberto Cunha, porque houve redução do preço da gasolina e porque haverá queda de preço de energia com o fim da bandeira vermelha. Uma inflação baixinha levará a mais quedas da taxa de juros, mesmo com a incerteza na política.
A economia pode ser uma ajuda ao presidente Temer no seu pior momento político. É bem verdade que uma das notícias da semana será a taxa de desemprego de abril. Ninguém espera uma queda, portanto os números altos de desemprego vão de novo ocupar o noticiário, mostrando que a economia não mudou no principal, não aumentou a oferta de emprego.
Mesmo havendo alguns bons indicadores econômicos, isso não será suficiente para reverter a situação crítica em que está o presidente, porque a origem da fragilidade de Temer é política. Parte do seu tempo é dedicado hoje a se defender. Ele é um presidente sub judice.
O cálculo feito cientista político Ricardo Sennes, da consultoria Prospectiva, é que Temer precisa de dois terços do Congresso para aprovar emendas constitucionais, mas basta um terço para impedir o impeachment. É verdade, mas antes de um processo de impeachment ele enfrentará, em dez dias, o julgamento da ação no TSE. Por isso a demora do julgamento passou a ser estratégico para ele, porque, se for condenado, ainda que recorra, se enfraquecerá ainda mais.
Parte da base política do presidente está inteiramente mergulhada em articulações para o pós-Temer. Está sendo negociado um pacto de manutenção das reformas e de sustentação da governabilidade de quem for escolhido pelo voto indireto. Uma fonte do PMDB conta que até o PT foi consultado, mas a exigência que fez desmonta a pedra mais importante da articulação. O partido quer o abandono do projeto de reformas.
A economia está no foco. De um lado, Temer acredita que pode ter uma sobrevida se conseguir bons indicadores econômicos e os terá a curto prazo. De outro, as articulações para seu possível substituto parte da ideia de que é preciso preservar a pequena recuperação que houve e o projeto de reformas.
Temer fez uma equipe econômica forte e deu autonomia a ela. Isso teve frutos. A saída de Maria Silva é o primeiro revés. No mercado se diz que é preciso ficar de olho em substituição de diretorias críticas, porque ele pode querer avançar na economia no seu esforço desesperado de permanecer na Presidência. Se começar a lotear cargos econômicos, Temer pode apressar o seu fim, porque foi exatamente por ter uma equipe forte e com autonomia para trabalhar que o trouxe ao ponto de colher bons indicadores econômicos como os que começa a aparecer no país.
O inesperado acelera o fim de uma era - JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS
ESTADÃO - 28/05
A delação da JBS foi realmente uma grande bomba, que trouxe como consequências a repulsa e a falta de condições de governabilidade de Temer
Há poucos dias comemorou-se o primeiro aniversário do governo Temer. Na ocasião, dois elementos caracterizavam a conjuntura econômica. De um lado, o cenário internacional, embora difícil, parecia ser relativamente neutro em relação ao Brasil, isto é, se não empurrava o crescimento, também não o atrapalhava, e isso continua até hoje. Por outro lado, caminhávamos para um quase consenso de que havia uma recuperação da atividade econômica, na direção de uma expansão de 1% do PIB. Ao mesmo tempo, admitia-se também ser grande a possibilidade de terminar a agenda de reformas em 2017, com a trabalhista e a previdenciária.
Neste momento, o inesperado atacou. A delação da JBS foi realmente uma grande bomba, que trouxe duas consequências. Uma delas é a universal repulsa, à qual me associo, ao perdão integral dado aos Batistas para que desfrutem de um vidão nos EUA, com iate, avião e muito dinheiro. A propósito, reafirmo o que escrevi há um mês neste espaço: daqui a dois anos os campeões nacionais não significarão nada.
A outra consequência é que Temer não tem mais condição de governabilidade e deve sair de uma forma ou de outra (via TSE ou renúncia). Imagino que o evento ocorrerá num prazo relativamente curto, possivelmente, de três a cinco semanas a contar desta data.
Parece seguro dizer que a Constituição será seguida e que, portanto, a eleição do substituto será feita, em 30 dias, pelo Congresso. A chamada para “diretas já” é boa apenas para tumultos e passeatas, e não deverá ter efeito prático nenhum.
No meio dessa neblina, vamos pagar um preço relevante em termos de redução do crescimento em 2017 e, provavelmente, em 2018. Não será difícil uma estagnação no atual exercício.
Entretanto, acho importante colocar que os avanços dos últimos tempos deverão prevalecer. Se o prazo para a solução do impasse político for o que imagino, não tenho dúvida de que a inflação do ano vai se manter baixa, inferior a 4%, o que permitirá uma importante redução dos juros, ainda que algo menor do que se esperava. A sociedade brasileira, nitidamente, incorporou a ideia de que inflação alta é um veneno que não pode voltar ao cenário. Ao mesmo tempo, o setor externo continuará muito robusto, considerando o desempenho das exportações, o tamanho do saldo comercial, a redução do déficit em conta-corrente e a entrada de capital externo. A abundância de dólares continuará ocorrendo e, como os mercados estão sinalizando, qualquer indício de avanço no cenário político trará o dólar de volta à faixa dos R$ 3,15. Na mesma direção, remanesce a percepção, amplamente majoritária, da necessidade de reforma fiscal, ainda que o cronograma da Previdência vá se atrasar.
Finalmente, os avanços na exigência de melhor governança pública e privada entraram no sistema de valores para ficar. Nada mais emblemático a esse respeito do que o aviso dado pelos supermercados que, dependendo do andamento do processo, não comprarão mais carne da JBS.
Com base nas observações anteriores, vemos dois possíveis cenários adiante que denominamos de recuperação postergada e de paralisia (ou “sarneyzação”). No primeiro, o novo presidente escolhido pelo Congresso adotaria a mesma agenda que vem sendo posta em prática e manteria a atual equipe econômica. Resta dúvida se a reforma da Previdência seria a mesma que está hoje em pauta ou se seria um pouco mais diluída. De qualquer forma, o movimento em direção ao ajuste continuaria, mas temos de lembrar que a PEC do Teto de Gastos é que será mais efetiva para determinar no ano que vem o superávit primário do governo. O cenário alternativo, naturalmente, decorreria de maiores dificuldades na eleição do novo presidente, que teria como missão básica levar o País até as próximas eleições. Nesse caso, não é fora de propósito imaginar que voltaríamos à recessão.
Acredito que a percepção dos custos envolvidos na paralisia política deve levar o Congresso a privilegiar a primeira alternativa. Certamente, isso ocorrerá se prevalecer um dos nomes mais citados como possíveis candidatos, pois todos eles são, certamente, reformistas.
Nesse caso, o inesperado nos terá custado muito, mas ainda será um preço que se pode pagar.
A delação da JBS foi realmente uma grande bomba, que trouxe como consequências a repulsa e a falta de condições de governabilidade de Temer
Há poucos dias comemorou-se o primeiro aniversário do governo Temer. Na ocasião, dois elementos caracterizavam a conjuntura econômica. De um lado, o cenário internacional, embora difícil, parecia ser relativamente neutro em relação ao Brasil, isto é, se não empurrava o crescimento, também não o atrapalhava, e isso continua até hoje. Por outro lado, caminhávamos para um quase consenso de que havia uma recuperação da atividade econômica, na direção de uma expansão de 1% do PIB. Ao mesmo tempo, admitia-se também ser grande a possibilidade de terminar a agenda de reformas em 2017, com a trabalhista e a previdenciária.
Neste momento, o inesperado atacou. A delação da JBS foi realmente uma grande bomba, que trouxe duas consequências. Uma delas é a universal repulsa, à qual me associo, ao perdão integral dado aos Batistas para que desfrutem de um vidão nos EUA, com iate, avião e muito dinheiro. A propósito, reafirmo o que escrevi há um mês neste espaço: daqui a dois anos os campeões nacionais não significarão nada.
A outra consequência é que Temer não tem mais condição de governabilidade e deve sair de uma forma ou de outra (via TSE ou renúncia). Imagino que o evento ocorrerá num prazo relativamente curto, possivelmente, de três a cinco semanas a contar desta data.
Parece seguro dizer que a Constituição será seguida e que, portanto, a eleição do substituto será feita, em 30 dias, pelo Congresso. A chamada para “diretas já” é boa apenas para tumultos e passeatas, e não deverá ter efeito prático nenhum.
No meio dessa neblina, vamos pagar um preço relevante em termos de redução do crescimento em 2017 e, provavelmente, em 2018. Não será difícil uma estagnação no atual exercício.
Entretanto, acho importante colocar que os avanços dos últimos tempos deverão prevalecer. Se o prazo para a solução do impasse político for o que imagino, não tenho dúvida de que a inflação do ano vai se manter baixa, inferior a 4%, o que permitirá uma importante redução dos juros, ainda que algo menor do que se esperava. A sociedade brasileira, nitidamente, incorporou a ideia de que inflação alta é um veneno que não pode voltar ao cenário. Ao mesmo tempo, o setor externo continuará muito robusto, considerando o desempenho das exportações, o tamanho do saldo comercial, a redução do déficit em conta-corrente e a entrada de capital externo. A abundância de dólares continuará ocorrendo e, como os mercados estão sinalizando, qualquer indício de avanço no cenário político trará o dólar de volta à faixa dos R$ 3,15. Na mesma direção, remanesce a percepção, amplamente majoritária, da necessidade de reforma fiscal, ainda que o cronograma da Previdência vá se atrasar.
Finalmente, os avanços na exigência de melhor governança pública e privada entraram no sistema de valores para ficar. Nada mais emblemático a esse respeito do que o aviso dado pelos supermercados que, dependendo do andamento do processo, não comprarão mais carne da JBS.
Com base nas observações anteriores, vemos dois possíveis cenários adiante que denominamos de recuperação postergada e de paralisia (ou “sarneyzação”). No primeiro, o novo presidente escolhido pelo Congresso adotaria a mesma agenda que vem sendo posta em prática e manteria a atual equipe econômica. Resta dúvida se a reforma da Previdência seria a mesma que está hoje em pauta ou se seria um pouco mais diluída. De qualquer forma, o movimento em direção ao ajuste continuaria, mas temos de lembrar que a PEC do Teto de Gastos é que será mais efetiva para determinar no ano que vem o superávit primário do governo. O cenário alternativo, naturalmente, decorreria de maiores dificuldades na eleição do novo presidente, que teria como missão básica levar o País até as próximas eleições. Nesse caso, não é fora de propósito imaginar que voltaríamos à recessão.
Acredito que a percepção dos custos envolvidos na paralisia política deve levar o Congresso a privilegiar a primeira alternativa. Certamente, isso ocorrerá se prevalecer um dos nomes mais citados como possíveis candidatos, pois todos eles são, certamente, reformistas.
Nesse caso, o inesperado nos terá custado muito, mas ainda será um preço que se pode pagar.
Aposentadoria de servidor federal concentra renda - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 28/05
Debate sobre a Previdência tem permitido a revelação de vários mecanismos de injustiça social, como são os sistemas de benefícios do funcionalismo
Este período conturbado em que se somam crises econômica e política tem servido para expor várias das mazelas brasileiras, enquanto partidos, corporações de diversos tipos e organizações variadas se mobilizam na defesa de respectivos interesses. Já a maioria desorganizada, de renda baixa, apenas lembrada em discursos políticos em favor do “povo”, observa. Ela é que costuma pagar o preço dos acertos feitos entre poder político e categorias influentes no Congresso — servidores públicos, sindicatos fortes do setor privado —, para a criação e aumento de vantagens pecuniárias.
A própria característica desta crise econômica, sem inflação elevada, rara no Brasil, aumenta muito a percepção pela sociedade da proporção da renda que pode ganhar ou perder, em função do imprescindível ajuste fiscal a ser feito. De forma benigna, por reformas justas aprovadas no Congresso; ou por mal, via hiperinflação e recessão, caso nada seja feito. Novamente, a maioria desorganizada pagará a conta.
A capacidade de corporações agirem em interesse próprio sob o disfarce de paladinos da sociedade tem ficado muito visível, por exemplo, em manifestações de rua e depredações criminosas, contra a democracia. Não é o povo que participa desses ataques.
Nas negociações em torno da proposta de reforma da Previdência, tudo fica muito claro. Corporações sindicais e de servidores públicos se movimentam, pressionam, para manter privilégios.
Os do funcionalismo público federal são gritantes: manter o último salário como aposentadoria, sendo reajustada na mesma proporção dos aumentos dados ao servidor na ativa. Ao lado disso, a grande maioria dos trabalhadores, segurados junto ao INSS, tem como teto de benefício cinco salários mínimos (R$ 5.531). Reforma iniciada na gestão de Lula e concluída por Dilma Rousseff estabeleceu, ao menos, que servidor com a carreira iniciada a partir de 2003 está limitado ao mesmo teto do INSS, e, se quiser complementar a aposentadoria, deve contribuir para um fundo de pensão.
Muito justo. Mas quem é servidor desde antes continua com a mesma vantagem, e ainda luta para não ter de seguir uma regra de transição razoável proposta pela reforma atual para se subordinar à regra do limite de 65 anos de idade.
Porque o Tesouro foi subjugado por fortes grupos de interesse, a distribuição de renda brasileira é das mais injustas. Em artigo publicado no GLOBO, os economistas José Márcio Camargo, André Gamerman e Rodrigo Adão calculam em R$ 1,3 trilhão, em valores não atualizados, a transferência feita pelo Tesouro para cobrir o déficit do sistema de previdência do servidor federal, entre 2001 e 2015. Ou seja, R$ 1,3 milhão para cada servidor aposentado ou R$ 86 mil anuais. Esta dinheirama do contribuinte, destinada a pouco menos de um milhão de servidores inativos, equivale a três vezes a despesa com os 4,5 milhões de idosos e deficientes enquadrados no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e cinco vezes o orçamento do Bolsa Família, de que dependem 13,5 milhões de famílias, cerca de 50 milhões de pessoas ao todo. Parte desses recursos poderia ir para saúde e educação, por exemplo.
Está explicado por que os servidores federais aposentados incluem-se entre os 2% mais ricos do país. A situação fica mais disparatada quando se inclui o aposentado do Judiciário, do Ministério Público e do Legislativo. O mesmo padrão se repete no funcionalismo estadual e municipal. A reforma da Previdência, portanto, também precisa servir para reduzir as desigualdades sociais. Conhecer esses números ajuda a saber quem de fato está nas ruas contra as mudanças, em nome de quem protesta.
Este período conturbado em que se somam crises econômica e política tem servido para expor várias das mazelas brasileiras, enquanto partidos, corporações de diversos tipos e organizações variadas se mobilizam na defesa de respectivos interesses. Já a maioria desorganizada, de renda baixa, apenas lembrada em discursos políticos em favor do “povo”, observa. Ela é que costuma pagar o preço dos acertos feitos entre poder político e categorias influentes no Congresso — servidores públicos, sindicatos fortes do setor privado —, para a criação e aumento de vantagens pecuniárias.
A própria característica desta crise econômica, sem inflação elevada, rara no Brasil, aumenta muito a percepção pela sociedade da proporção da renda que pode ganhar ou perder, em função do imprescindível ajuste fiscal a ser feito. De forma benigna, por reformas justas aprovadas no Congresso; ou por mal, via hiperinflação e recessão, caso nada seja feito. Novamente, a maioria desorganizada pagará a conta.
A capacidade de corporações agirem em interesse próprio sob o disfarce de paladinos da sociedade tem ficado muito visível, por exemplo, em manifestações de rua e depredações criminosas, contra a democracia. Não é o povo que participa desses ataques.
Nas negociações em torno da proposta de reforma da Previdência, tudo fica muito claro. Corporações sindicais e de servidores públicos se movimentam, pressionam, para manter privilégios.
Os do funcionalismo público federal são gritantes: manter o último salário como aposentadoria, sendo reajustada na mesma proporção dos aumentos dados ao servidor na ativa. Ao lado disso, a grande maioria dos trabalhadores, segurados junto ao INSS, tem como teto de benefício cinco salários mínimos (R$ 5.531). Reforma iniciada na gestão de Lula e concluída por Dilma Rousseff estabeleceu, ao menos, que servidor com a carreira iniciada a partir de 2003 está limitado ao mesmo teto do INSS, e, se quiser complementar a aposentadoria, deve contribuir para um fundo de pensão.
Muito justo. Mas quem é servidor desde antes continua com a mesma vantagem, e ainda luta para não ter de seguir uma regra de transição razoável proposta pela reforma atual para se subordinar à regra do limite de 65 anos de idade.
Porque o Tesouro foi subjugado por fortes grupos de interesse, a distribuição de renda brasileira é das mais injustas. Em artigo publicado no GLOBO, os economistas José Márcio Camargo, André Gamerman e Rodrigo Adão calculam em R$ 1,3 trilhão, em valores não atualizados, a transferência feita pelo Tesouro para cobrir o déficit do sistema de previdência do servidor federal, entre 2001 e 2015. Ou seja, R$ 1,3 milhão para cada servidor aposentado ou R$ 86 mil anuais. Esta dinheirama do contribuinte, destinada a pouco menos de um milhão de servidores inativos, equivale a três vezes a despesa com os 4,5 milhões de idosos e deficientes enquadrados no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e cinco vezes o orçamento do Bolsa Família, de que dependem 13,5 milhões de famílias, cerca de 50 milhões de pessoas ao todo. Parte desses recursos poderia ir para saúde e educação, por exemplo.
Está explicado por que os servidores federais aposentados incluem-se entre os 2% mais ricos do país. A situação fica mais disparatada quando se inclui o aposentado do Judiciário, do Ministério Público e do Legislativo. O mesmo padrão se repete no funcionalismo estadual e municipal. A reforma da Previdência, portanto, também precisa servir para reduzir as desigualdades sociais. Conhecer esses números ajuda a saber quem de fato está nas ruas contra as mudanças, em nome de quem protesta.
Nossos malvados preferidos - MERVAL PEREIRA
O Globo - 28/05
Corruptores se valem da lassidão moral. A Operação Lava-Jato está nos revelando um país que suspeitávamos existir, mas nos recusávamos a enfrentar de maneira rigorosa. Explicitações desmoralizantes de um modo de ser nada republicano revelam uma ética pública que reflete a moral privada, não apenas de corruptos e corruptores, mas de todos nós, cidadãos, que afinal de contas somos os responsáveis por colocar no Congresso e no Executivo figuras que necessariamente nos representam como sociedade.
Tão chocante quanto ver e ouvir delações de executivos da Odebrecht, especialmente de seu patriarca Emílio, explicando as relações promíscuas com parlamentares e governantes com um ar de superioridade de quem está nessa vida subterrânea há muitos anos, foi ver e ouvir o dono da JBS descrever um leilão de deputados contra e a favor do impeachment da ex-presidente Dilma, como se fossem os bois que compra para seu abatedouro.
Em consequência, revela-se outro defeito de nossa formação: temos malvados preferidos. Os nossos, quando denunciados, são perseguidos por conspirações subterrâneas, em alguns casos guiados até mesmo do exterior. Os outros, nossos inimigos, mais que adversários, são culpados de tudo e muito mais. O Ministério Público e a Polícia Federal têm o estranho dom de descobrir todas as safadezas de nossos inimigos e de perseguir implacável e injustamente nossos preferidos.
E é nessa dicotomia moral que está a raiz de nossos problemas. Enquanto perdoarmos nossos companheiros, encontrando as mais bizarras explicações para situações indefensáveis, e quisermos a letra dura da lei, ou mesmo aceitarmos ignorar a lei para punir nossos adversários, o país não sairá desse lamaçal.
A situação é tão esdrúxula que os mesmos procuradores, a mesma Polícia Federal, são instituições respeitáveis quando descobrem as falcatruas em que um figurão tucano está metido, e passam a ser vendidos, com atuação política enviesada, quando anunciam os atos corruptos de um figurão do PT. E vice-versa.
Aproveitando essa lassidão moral, os corruptores agem nos dois lados, sem partidarização, oferecendo os mesmos préstimos a tucanos, petistas, peemedebistas e a outras siglas menores, da mesma maneira que as raízes do mensalão estavam no empresário mineiro que ajudara o PSDB a testar sua tecnologia de corrupção com o dinheiro público.
Deu tão certo que o PT importou o método, mais aperfeiçoado até, e ampliando seu escopo, recém-chegado ao poder e carente de tecnologia mais avançada. Tinham experiência municipal, logo acostumaram-se aos novos ares federais, institucionalizando a roubalheira como método de governo.
A impunidade que campeava no país em relação aos criminosos do colarinho branco, fossem empresários ou políticos, permitia que esses esquemas se disseminassem na política partidária, assim como é apartidária a maioria parlamentar que hoje sustenta um governo do PMDB, PSDB, DEM e ontem sustentava um governo petista, e se prepara para novamente apoiar outro governo.
Hay governo? Soy a favor parece ser o lema desses nossos representantes, que continuam a agir da mesma maneira, sem se dar conta de que o país, aos trancos e barrancos, vai mudando e exigindo uma nova postura diante dos escândalos. E qual é a solução que está sendo tramada por baixo dos panos em Brasília?
Uma anistia ampla, geral e irrestrita que permita que ex-presidentes não vão para a cadeia, que atuais e antigos parlamentares sejam perdoados pelos financiamentos de caixas 1, 2 e quantas mais apareçam nas investigações criminais.
Não há uma alma que inclua nessa negociação um mea culpa generalizado, não há quem imagine que é preciso colocar limitações às falcatruas, limitações apenas à atuação dos que os investigam. Mas há esperanças à vista. Assim como o esquema de corrupção nacional parece ser o maior já registrado na política internacional, justamente por isso nenhum país teve que realizar uma crítica tão drástica de suas práticas políticas, tendo os valores éticos como objetivo.
As instituições brasileiras resistem à crise, mesmo quando parecem consumidas pelas mazelas que estão sendo combatidas. Mas a sociedade precisa permanecer em estado de alerta para impedir que se perca essa oportunidade de avanços democráticos.
Porque ainda há quem considere que é preciso fechar os olhos a certos desvios éticos escancarados, para permitir que as reformas avancem. Ou que a suposta melhoria da desigualdade social justifica um ou outro desvio do líder populista. Sem compreender que todos os avanços conseguidos através de métodos corruptos são um atentado à democracia e têm bases falsas, que logo ruirão.
Corruptores se valem da lassidão moral. A Operação Lava-Jato está nos revelando um país que suspeitávamos existir, mas nos recusávamos a enfrentar de maneira rigorosa. Explicitações desmoralizantes de um modo de ser nada republicano revelam uma ética pública que reflete a moral privada, não apenas de corruptos e corruptores, mas de todos nós, cidadãos, que afinal de contas somos os responsáveis por colocar no Congresso e no Executivo figuras que necessariamente nos representam como sociedade.
Tão chocante quanto ver e ouvir delações de executivos da Odebrecht, especialmente de seu patriarca Emílio, explicando as relações promíscuas com parlamentares e governantes com um ar de superioridade de quem está nessa vida subterrânea há muitos anos, foi ver e ouvir o dono da JBS descrever um leilão de deputados contra e a favor do impeachment da ex-presidente Dilma, como se fossem os bois que compra para seu abatedouro.
Em consequência, revela-se outro defeito de nossa formação: temos malvados preferidos. Os nossos, quando denunciados, são perseguidos por conspirações subterrâneas, em alguns casos guiados até mesmo do exterior. Os outros, nossos inimigos, mais que adversários, são culpados de tudo e muito mais. O Ministério Público e a Polícia Federal têm o estranho dom de descobrir todas as safadezas de nossos inimigos e de perseguir implacável e injustamente nossos preferidos.
E é nessa dicotomia moral que está a raiz de nossos problemas. Enquanto perdoarmos nossos companheiros, encontrando as mais bizarras explicações para situações indefensáveis, e quisermos a letra dura da lei, ou mesmo aceitarmos ignorar a lei para punir nossos adversários, o país não sairá desse lamaçal.
A situação é tão esdrúxula que os mesmos procuradores, a mesma Polícia Federal, são instituições respeitáveis quando descobrem as falcatruas em que um figurão tucano está metido, e passam a ser vendidos, com atuação política enviesada, quando anunciam os atos corruptos de um figurão do PT. E vice-versa.
Aproveitando essa lassidão moral, os corruptores agem nos dois lados, sem partidarização, oferecendo os mesmos préstimos a tucanos, petistas, peemedebistas e a outras siglas menores, da mesma maneira que as raízes do mensalão estavam no empresário mineiro que ajudara o PSDB a testar sua tecnologia de corrupção com o dinheiro público.
Deu tão certo que o PT importou o método, mais aperfeiçoado até, e ampliando seu escopo, recém-chegado ao poder e carente de tecnologia mais avançada. Tinham experiência municipal, logo acostumaram-se aos novos ares federais, institucionalizando a roubalheira como método de governo.
A impunidade que campeava no país em relação aos criminosos do colarinho branco, fossem empresários ou políticos, permitia que esses esquemas se disseminassem na política partidária, assim como é apartidária a maioria parlamentar que hoje sustenta um governo do PMDB, PSDB, DEM e ontem sustentava um governo petista, e se prepara para novamente apoiar outro governo.
Hay governo? Soy a favor parece ser o lema desses nossos representantes, que continuam a agir da mesma maneira, sem se dar conta de que o país, aos trancos e barrancos, vai mudando e exigindo uma nova postura diante dos escândalos. E qual é a solução que está sendo tramada por baixo dos panos em Brasília?
Uma anistia ampla, geral e irrestrita que permita que ex-presidentes não vão para a cadeia, que atuais e antigos parlamentares sejam perdoados pelos financiamentos de caixas 1, 2 e quantas mais apareçam nas investigações criminais.
Não há uma alma que inclua nessa negociação um mea culpa generalizado, não há quem imagine que é preciso colocar limitações às falcatruas, limitações apenas à atuação dos que os investigam. Mas há esperanças à vista. Assim como o esquema de corrupção nacional parece ser o maior já registrado na política internacional, justamente por isso nenhum país teve que realizar uma crítica tão drástica de suas práticas políticas, tendo os valores éticos como objetivo.
As instituições brasileiras resistem à crise, mesmo quando parecem consumidas pelas mazelas que estão sendo combatidas. Mas a sociedade precisa permanecer em estado de alerta para impedir que se perca essa oportunidade de avanços democráticos.
Porque ainda há quem considere que é preciso fechar os olhos a certos desvios éticos escancarados, para permitir que as reformas avancem. Ou que a suposta melhoria da desigualdade social justifica um ou outro desvio do líder populista. Sem compreender que todos os avanços conseguidos através de métodos corruptos são um atentado à democracia e têm bases falsas, que logo ruirão.
Atalhos institucionais - VERA MAGALHÃES
ESTADÃO - 28/05
O mais 'popular' desses puxadinhos legais atende pelo slogan de 'diretas-já'
Diante da crise generalizada e da falta de saídas fáceis, vários atores aos quais caberia a responsabilidade de conduzir o País para uma transição minimamente racional flertam perigosamente com saídas fáceis ou atalhos institucionais. É o ingrediente que falta para o Brasil descambar de vez para situações que assistimos num passado recente – ou mesmo hoje – nos nossos vizinhos de continente.
O mais “popular” desses puxadinhos legais atende pelo aparentemente libertário slogan de “diretas já!”, como se vivêssemos um período de hiato democrático e não tivéssemos um ciclo ininterrupto de eleições diretas a cada dois anos desde a década de 80. Como se a malfadada dupla Dilma Rousseff & Michel Temer não tivesse sido eleita e reeleita por voto popular.
Diretas em 2017 significa, vejam só, o tal golpe que seus defensores adoram apontar no impeachment. Seja porque não é o caminho previsto pela Constituição – esta, vale lembrar, redigida e aprovada por uma Constituinte eleita diretamente –, seja porque servirá, no atual cenário, apenas de salvo-conduto para candidatos enrolados com a Justiça e/ou salvadores da pátria que flertam perigosamente com o desalento com a política.
Por pior que seja ter um presidente eleito por um Congresso sem respaldo popular e igualmente atingido pelas denúncias de corrupção, é o que nos resta para hoje. Qualquer um, independentemente da “fé ideológica” que professe, que tenha um mínimo de compromisso com a legalidade tem de aceitar este caminho caso Michel Temer caia, o que parece cada dia mais provável.
O segundo jeitinho brasileiro para problemas graves vem na forma da utilização do julgamento da chapa Dilma-Temer para abreviar o calvário do País com o presidente que se recusa a aceitar a hipótese de renúncia. Esta ação diz respeito à campanha de 2014. Deveria ser redundante dizer que as ilegalidades – e elas foram muitas – cometidas para reeleger a malfadada dupla não valem para retirar o ex-vice por eventuais crimes cometidos em março de 2017.
Mas no Brasil da gambiarra esta saída é vista como a mais “indolor”. Pode não doer agora, mas abre uma avenida para que se subvertam as leis para resolver nós que são antes de tudo políticos. É claro que, se o caminho acordado pelos caciques for este, vai-se tentar dar um verniz de normalidade e dizer que apenas foi cumprida a jurisprudência do TSE que manda responsabilizar a chapa toda em caso de irregularidade. Mas todo mundo que acompanhou esse tortuoso julgamento que se arrasta há dois anos, sabe que, há duas semanas, a tendência era justamente a oposta: responsabilizar Dilma.
Por fim, no Brasil das jabuticabas institucionais, tem-se evidências de sobra de que o Ministério Público Federal foi, no mínimo, condescendente ao oferecer um acordo de delação premiada nunca antes visto aos irmãos Batista e demais colaboradores da JBS. Nada, nem a tal ação controlada, justifica a benevolência.
Ademais, o fato de um dos braçosdireitos de Rodrigo Janot, que até outro dia estava à frente da condução das delações da Lava Jato, atuar no escritório de advocacia que negocia a leniência do grupo é outra dessas aberrações que só ocorrem no Brasil. Que não venham os representantes da banca e os antigos colegas de Marcelo Miller dizer que ele não atuou na delação. Só essa nítida incompatibilidade já seria razão para anular o acordo em um País sério.
Ou se excluem das graves decisões que o Brasil tem pela frente todos esses exotismos institucionais ou não haverá saída virtuosa, com ou sem Lava Jato. O caminho legal pode ser mais longo e tortuoso, mas é o único possível para um País que almeje a civilização e a democracia.
O mais 'popular' desses puxadinhos legais atende pelo slogan de 'diretas-já'
Diante da crise generalizada e da falta de saídas fáceis, vários atores aos quais caberia a responsabilidade de conduzir o País para uma transição minimamente racional flertam perigosamente com saídas fáceis ou atalhos institucionais. É o ingrediente que falta para o Brasil descambar de vez para situações que assistimos num passado recente – ou mesmo hoje – nos nossos vizinhos de continente.
O mais “popular” desses puxadinhos legais atende pelo aparentemente libertário slogan de “diretas já!”, como se vivêssemos um período de hiato democrático e não tivéssemos um ciclo ininterrupto de eleições diretas a cada dois anos desde a década de 80. Como se a malfadada dupla Dilma Rousseff & Michel Temer não tivesse sido eleita e reeleita por voto popular.
Diretas em 2017 significa, vejam só, o tal golpe que seus defensores adoram apontar no impeachment. Seja porque não é o caminho previsto pela Constituição – esta, vale lembrar, redigida e aprovada por uma Constituinte eleita diretamente –, seja porque servirá, no atual cenário, apenas de salvo-conduto para candidatos enrolados com a Justiça e/ou salvadores da pátria que flertam perigosamente com o desalento com a política.
Por pior que seja ter um presidente eleito por um Congresso sem respaldo popular e igualmente atingido pelas denúncias de corrupção, é o que nos resta para hoje. Qualquer um, independentemente da “fé ideológica” que professe, que tenha um mínimo de compromisso com a legalidade tem de aceitar este caminho caso Michel Temer caia, o que parece cada dia mais provável.
O segundo jeitinho brasileiro para problemas graves vem na forma da utilização do julgamento da chapa Dilma-Temer para abreviar o calvário do País com o presidente que se recusa a aceitar a hipótese de renúncia. Esta ação diz respeito à campanha de 2014. Deveria ser redundante dizer que as ilegalidades – e elas foram muitas – cometidas para reeleger a malfadada dupla não valem para retirar o ex-vice por eventuais crimes cometidos em março de 2017.
Mas no Brasil da gambiarra esta saída é vista como a mais “indolor”. Pode não doer agora, mas abre uma avenida para que se subvertam as leis para resolver nós que são antes de tudo políticos. É claro que, se o caminho acordado pelos caciques for este, vai-se tentar dar um verniz de normalidade e dizer que apenas foi cumprida a jurisprudência do TSE que manda responsabilizar a chapa toda em caso de irregularidade. Mas todo mundo que acompanhou esse tortuoso julgamento que se arrasta há dois anos, sabe que, há duas semanas, a tendência era justamente a oposta: responsabilizar Dilma.
Por fim, no Brasil das jabuticabas institucionais, tem-se evidências de sobra de que o Ministério Público Federal foi, no mínimo, condescendente ao oferecer um acordo de delação premiada nunca antes visto aos irmãos Batista e demais colaboradores da JBS. Nada, nem a tal ação controlada, justifica a benevolência.
Ademais, o fato de um dos braçosdireitos de Rodrigo Janot, que até outro dia estava à frente da condução das delações da Lava Jato, atuar no escritório de advocacia que negocia a leniência do grupo é outra dessas aberrações que só ocorrem no Brasil. Que não venham os representantes da banca e os antigos colegas de Marcelo Miller dizer que ele não atuou na delação. Só essa nítida incompatibilidade já seria razão para anular o acordo em um País sério.
Ou se excluem das graves decisões que o Brasil tem pela frente todos esses exotismos institucionais ou não haverá saída virtuosa, com ou sem Lava Jato. O caminho legal pode ser mais longo e tortuoso, mas é o único possível para um País que almeje a civilização e a democracia.
A falta que um líder faz - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 28/05
Se Congresso armar indulto para ex-presidentes, sucessor de Temer vira picadinho
O principal embate na definição de um eventual substituto de Michel Temer é da “senioridade”, o PSDB, o PMDB e o Senado contra a “junioridade”, a massa e os partidos médios da Câmara. O ponto em comum é que todos, do PSDB ao PT, aderiram ao “voto de desconfiança construtivo”, do Direito alemão, que consagra o que vem sendo dito aqui desde o início da crise JBS: Temer só cai quando houver um sucessor virtualmente ungido.
Alckmin e Doria lançam Fernando Henrique, o top da senioridade. FHC e Serra preferem Nelson Jobim, que se finge de morto, mas está bem vivo. Tasso Jereissati faz o meio de campo, mas, se o ângulo ajudar, chuta em gol. As conversas entre eles decantam para a base governista e se ampliam em ondas pelos cafezinhos do Congresso.
É ali que o deputado “júnior” Rodrigo Maia (DEM-RJ) concentra trunfos. Como presidente da Câmara, já é o segundo na linha sucessória de Temer, terá o próprio cargo atual para negociar, é um peixe dentro d’água na Casa que detém a esmagadora maioria dos votos indiretos e nada de braçada com partidos médios, como o próprio DEM, o PTB, o PP, o PSD... De quebra, não é de PT, PSDB nem PMDB, o que alivia as resistências.
Num colégio eleitoral de 594 votos, a Câmara tem 513 e não assimila um senador. Por isso, o Senado, com seus 81, trabalha firmemente a tese de duas votações: Câmara primeiro e o Senado depois, para homologar. Cola? Não se sabe, mas Maia mais Eunício Oliveira dá chapa zero. Aliás, todos os listados têm méritos e deméritos e cada um que puser a cabeça de fora entrará na linha de fogo.
FHC tem 85 anos e usa marca-passo. Jobim circula no Judiciário, no Legislativo e no Executivo com igual desenvoltura – e assertividade –, além de dialogar de FHC a Lula, de militares a militantes, mas é consultor de advogados da Lava Jato e sócio do BTG. E Tasso, senador e ex-governador do Ceará, é cardiopata e praticamente um ilustre desconhecido da Câmara.
Quanto a Rodrigo Maia: longe de ser um intelectual como FHC, ter a estatura de Jobim e ser um político majoritário como Tasso, ele é considerado júnior e de horizonte curto: seu mundo é o Congresso, quando a crise brasileira extrapola em léguas esse limite. A questão é se esses argumentos afastam os colegas deputados e são suficientes para uma sublevação no Senado.
Pairando sobre essas considerações, há um fato e dois personagens chaves. Fato: o governo está por um fio, mas atravessou mais uma semana, reza para não explodirem mais bombas, gravadores e delatores e avalia que o derretimento da economia pesa a favor de sua manutenção, não da troca de comando. E os personagens são Temer e Gilmar Mendes.
Gravemente ferido, Temer é do PMDB e tem a condescendência dos tucanos, que o descrevem como um professor de Direito Constitucional que não ostenta riqueza e merece um “tratamento digno”, mesmo na possível queda. Quanto ao ministro: se a eleição indireta passa pelo PSDB, o destino de Temer passa por Gilmar, que preside o TSE e foi decisivo para a nomeação de dois novos ministros, no total de sete. Antes da JBS, dava-se de barato que Temer escaparia. Agora, o TSE subiu no muro. Inclusive Gilmar, que prefere observar melhor.
O PT se informa desses movimentos e pode falar, ouvir e opinar, mas sem votar num colégio indireto, que seria heresia para suas bases. Mais: onde encaixar Lula, réu seis vezes e suspeito de ter institucionalizado a corrupção? Aliás, se Suas Excelências querem aproveitar para livrar a cara dos alvos da Lava Jato e exigir do eleito indiretamente um indulto para todos os ex-presidentes, eis um aviso: isso explodiria de vez o País. A sociedade e as instituições fariam picadinho do sucessor de Temer.
Se Congresso armar indulto para ex-presidentes, sucessor de Temer vira picadinho
O principal embate na definição de um eventual substituto de Michel Temer é da “senioridade”, o PSDB, o PMDB e o Senado contra a “junioridade”, a massa e os partidos médios da Câmara. O ponto em comum é que todos, do PSDB ao PT, aderiram ao “voto de desconfiança construtivo”, do Direito alemão, que consagra o que vem sendo dito aqui desde o início da crise JBS: Temer só cai quando houver um sucessor virtualmente ungido.
Alckmin e Doria lançam Fernando Henrique, o top da senioridade. FHC e Serra preferem Nelson Jobim, que se finge de morto, mas está bem vivo. Tasso Jereissati faz o meio de campo, mas, se o ângulo ajudar, chuta em gol. As conversas entre eles decantam para a base governista e se ampliam em ondas pelos cafezinhos do Congresso.
É ali que o deputado “júnior” Rodrigo Maia (DEM-RJ) concentra trunfos. Como presidente da Câmara, já é o segundo na linha sucessória de Temer, terá o próprio cargo atual para negociar, é um peixe dentro d’água na Casa que detém a esmagadora maioria dos votos indiretos e nada de braçada com partidos médios, como o próprio DEM, o PTB, o PP, o PSD... De quebra, não é de PT, PSDB nem PMDB, o que alivia as resistências.
Num colégio eleitoral de 594 votos, a Câmara tem 513 e não assimila um senador. Por isso, o Senado, com seus 81, trabalha firmemente a tese de duas votações: Câmara primeiro e o Senado depois, para homologar. Cola? Não se sabe, mas Maia mais Eunício Oliveira dá chapa zero. Aliás, todos os listados têm méritos e deméritos e cada um que puser a cabeça de fora entrará na linha de fogo.
FHC tem 85 anos e usa marca-passo. Jobim circula no Judiciário, no Legislativo e no Executivo com igual desenvoltura – e assertividade –, além de dialogar de FHC a Lula, de militares a militantes, mas é consultor de advogados da Lava Jato e sócio do BTG. E Tasso, senador e ex-governador do Ceará, é cardiopata e praticamente um ilustre desconhecido da Câmara.
Quanto a Rodrigo Maia: longe de ser um intelectual como FHC, ter a estatura de Jobim e ser um político majoritário como Tasso, ele é considerado júnior e de horizonte curto: seu mundo é o Congresso, quando a crise brasileira extrapola em léguas esse limite. A questão é se esses argumentos afastam os colegas deputados e são suficientes para uma sublevação no Senado.
Pairando sobre essas considerações, há um fato e dois personagens chaves. Fato: o governo está por um fio, mas atravessou mais uma semana, reza para não explodirem mais bombas, gravadores e delatores e avalia que o derretimento da economia pesa a favor de sua manutenção, não da troca de comando. E os personagens são Temer e Gilmar Mendes.
Gravemente ferido, Temer é do PMDB e tem a condescendência dos tucanos, que o descrevem como um professor de Direito Constitucional que não ostenta riqueza e merece um “tratamento digno”, mesmo na possível queda. Quanto ao ministro: se a eleição indireta passa pelo PSDB, o destino de Temer passa por Gilmar, que preside o TSE e foi decisivo para a nomeação de dois novos ministros, no total de sete. Antes da JBS, dava-se de barato que Temer escaparia. Agora, o TSE subiu no muro. Inclusive Gilmar, que prefere observar melhor.
O PT se informa desses movimentos e pode falar, ouvir e opinar, mas sem votar num colégio indireto, que seria heresia para suas bases. Mais: onde encaixar Lula, réu seis vezes e suspeito de ter institucionalizado a corrupção? Aliás, se Suas Excelências querem aproveitar para livrar a cara dos alvos da Lava Jato e exigir do eleito indiretamente um indulto para todos os ex-presidentes, eis um aviso: isso explodiria de vez o País. A sociedade e as instituições fariam picadinho do sucessor de Temer.
Uma questão de liderança - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 28/05
Uma crise como a desencadeada no dia 17 não deveria impor à opinião pública um sentimento forte de desconfiança em relação à coisa pública ou ao mundo político.
Quando se veiculou, no dia 17 de maio, a versão de que havia um áudio no qual o presidente Michel Temer teria dado anuência à compra do silêncio de Eduardo Cunha e de Lúcio Funaro, foi pelos ares a relativa estabilidade que o País vivia nos últimos meses e que começava a mostrar seus resultados. A crise política voltou forte e arrastou os primeiros indícios de recuperação econômica. Ainda que a divulgação da gravação, no dia seguinte, tenha mostrado que não havia a propalada anuência presidencial, o estrago estava feito e o País, uma vez mais, se via enredado em discussões sobre a governabilidade.
A crise nascida no dia 17 de maio expôs velhas e novas feridas nacionais: a atuação açodada do Ministério Público, com a conivência do Poder Judiciário, os benefícios imorais e ilegais concedidos ao chefe de uma operação criminosa – que ainda ganha dinheiro com o vazamento de sua delação –, as relações espúrias do mundo político com o dinheiro privado, as desastrosas consequências morais e econômicas da política lulopetista dos campeões nacionais, com o completo desvirtuamento da finalidade do BNDES, entre outras mazelas.
Uma crise como a desencadeada no dia 17 não deveria impor à opinião pública um sentimento forte – e talvez definitivo – de desconfiança em relação à coisa pública ou ao mundo político. Afinal, é da natureza das crises expor, sem maiores pudores, as deficiências nacionais, o que, por sua vez, mostra ser absolutamente necessário olhar além da superfície o cenário político e administrativo. Tal atitude serena não é igual a jogar a sujeira para debaixo do tapete ou desviar os olhos da atuação imoral de políticos, funcionários e empresários. O que é preciso fazer, para o encaminhamento de uma solução pertinente para a crise, é ter uma clara noção da situação, uma visão nítida de para onde se pretende conduzir o País e um balanço realista dos meios de que se dispõe para tanto.
Sem isso, não se vai a lugar algum. O mundo real impõe limitações e a política é sempre a arte do possível, dentro do estrito respeito às regras do jogo democrático.
Um dos pontos que a atual crise mais evidencia é a completa ausência de lideranças políticas prontas para dar as respostas rápidas e eficientes que o momento exige. É fácil achar incendiários ou oportunistas. Difícil é encontrar quem, capaz de formular um diagnóstico realista sobre a situação nacional, também possa articular caminhos e soluções viáveis, constitucionais, para destravar o País. Não se confunda a deficiência que acabamos de apontar com qualquer dificuldade para encontrar possíveis nomes para uma eventual substituição de Michel Temer. No momento, esse é um falso problema. O posto presidencial não está vago. Referimo-nos a um problema mais estrutural e prévio à apresentação de nomes e candidaturas: a carência de lideranças capazes de fazer política, na melhor acepção do termo.
Há, sem dúvida, pessoas experientes, que conhecem o funcionamento do Congresso, do Poder Executivo e – o quanto é possível saber – das leis e do Judiciário. O que faz falta são lideranças capazes de projetar o País para o futuro, de pensar estrategicamente. Pessoas que vislumbrem novos horizontes e, como se escreveu nesse espaço há não muito tempo, possam “aglutinar sentimentos, representar vontades, promover consensos e levar adiante projetos que ultrapassem os interesses particulares”.
O momento que o País atravessa é realmente delicado, e o risco advém não tanto de eventual tibieza do governo. O principal perigo é que a atual crise aprofunde a desconfiança da população em relação à política e leve a um distanciamento dela ainda maior de jovens talentos. Essa descrença, tornada crônica, inviabilizaria a governabilidade, não só de agora, mas do futuro. É isso que cumpre evitar, antes de mais nada.
Não é das tarefas mais difíceis falar mal atualmente da política nacional. São muitas, evidentes e graves as suas falhas. É preciso, sem dúvida, analisá-las a fundo, descobrindo suas causas e propondo correções. O que não se pode nem se deve fazer é usar as dificuldades e as mazelas atuais para levar a população a fugir da política, seja alimentando sentimentos que vão da repulsa à indiferença, seja fabricando messiânicas e utópicas soluções.
Terá o Brasil líderes capazes de levar avante essa tarefa?
Uma crise como a desencadeada no dia 17 não deveria impor à opinião pública um sentimento forte de desconfiança em relação à coisa pública ou ao mundo político.
Quando se veiculou, no dia 17 de maio, a versão de que havia um áudio no qual o presidente Michel Temer teria dado anuência à compra do silêncio de Eduardo Cunha e de Lúcio Funaro, foi pelos ares a relativa estabilidade que o País vivia nos últimos meses e que começava a mostrar seus resultados. A crise política voltou forte e arrastou os primeiros indícios de recuperação econômica. Ainda que a divulgação da gravação, no dia seguinte, tenha mostrado que não havia a propalada anuência presidencial, o estrago estava feito e o País, uma vez mais, se via enredado em discussões sobre a governabilidade.
A crise nascida no dia 17 de maio expôs velhas e novas feridas nacionais: a atuação açodada do Ministério Público, com a conivência do Poder Judiciário, os benefícios imorais e ilegais concedidos ao chefe de uma operação criminosa – que ainda ganha dinheiro com o vazamento de sua delação –, as relações espúrias do mundo político com o dinheiro privado, as desastrosas consequências morais e econômicas da política lulopetista dos campeões nacionais, com o completo desvirtuamento da finalidade do BNDES, entre outras mazelas.
Uma crise como a desencadeada no dia 17 não deveria impor à opinião pública um sentimento forte – e talvez definitivo – de desconfiança em relação à coisa pública ou ao mundo político. Afinal, é da natureza das crises expor, sem maiores pudores, as deficiências nacionais, o que, por sua vez, mostra ser absolutamente necessário olhar além da superfície o cenário político e administrativo. Tal atitude serena não é igual a jogar a sujeira para debaixo do tapete ou desviar os olhos da atuação imoral de políticos, funcionários e empresários. O que é preciso fazer, para o encaminhamento de uma solução pertinente para a crise, é ter uma clara noção da situação, uma visão nítida de para onde se pretende conduzir o País e um balanço realista dos meios de que se dispõe para tanto.
Sem isso, não se vai a lugar algum. O mundo real impõe limitações e a política é sempre a arte do possível, dentro do estrito respeito às regras do jogo democrático.
Um dos pontos que a atual crise mais evidencia é a completa ausência de lideranças políticas prontas para dar as respostas rápidas e eficientes que o momento exige. É fácil achar incendiários ou oportunistas. Difícil é encontrar quem, capaz de formular um diagnóstico realista sobre a situação nacional, também possa articular caminhos e soluções viáveis, constitucionais, para destravar o País. Não se confunda a deficiência que acabamos de apontar com qualquer dificuldade para encontrar possíveis nomes para uma eventual substituição de Michel Temer. No momento, esse é um falso problema. O posto presidencial não está vago. Referimo-nos a um problema mais estrutural e prévio à apresentação de nomes e candidaturas: a carência de lideranças capazes de fazer política, na melhor acepção do termo.
Há, sem dúvida, pessoas experientes, que conhecem o funcionamento do Congresso, do Poder Executivo e – o quanto é possível saber – das leis e do Judiciário. O que faz falta são lideranças capazes de projetar o País para o futuro, de pensar estrategicamente. Pessoas que vislumbrem novos horizontes e, como se escreveu nesse espaço há não muito tempo, possam “aglutinar sentimentos, representar vontades, promover consensos e levar adiante projetos que ultrapassem os interesses particulares”.
O momento que o País atravessa é realmente delicado, e o risco advém não tanto de eventual tibieza do governo. O principal perigo é que a atual crise aprofunde a desconfiança da população em relação à política e leve a um distanciamento dela ainda maior de jovens talentos. Essa descrença, tornada crônica, inviabilizaria a governabilidade, não só de agora, mas do futuro. É isso que cumpre evitar, antes de mais nada.
Não é das tarefas mais difíceis falar mal atualmente da política nacional. São muitas, evidentes e graves as suas falhas. É preciso, sem dúvida, analisá-las a fundo, descobrindo suas causas e propondo correções. O que não se pode nem se deve fazer é usar as dificuldades e as mazelas atuais para levar a população a fugir da política, seja alimentando sentimentos que vão da repulsa à indiferença, seja fabricando messiânicas e utópicas soluções.
Terá o Brasil líderes capazes de levar avante essa tarefa?
A inércia do Brasil na podridão - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 28/05
Não há liderança partidária relevante que se arrisque a abandonar um sistema político que se chama de podre. Por outro lado, não há movimento ou organização social que se apresente como partido alternativo.
Quem está dentro não quer sair ou não tem força ou imaginação para se reagrupar em um partido reconectado a um interesse social qualquer de renovação. Quem está fora não quer entrar, não sabe como ou não tem força para fazê-lo.
É uma descrição estilizada do colapso da representatividade dos partidos gangrenados, exagerada por definição.
Sendo menos abstrato e extremista, há exemplos de saídas desse beco? Não se trata de apontar modelos, mas o descrédito dos partidos maiores, entre outras crises, propiciou tentativas de mudança na Espanha e na França.
Uma coalizão variada de organizações sociais, coletivos e coisas parecidas a micropartidos constituiu o Podemos (um caso do "quem está fora quer entrar"), que logo se tornou a terceira força política da Espanha.
Um dissidente do moribundo Partido Socialista da França aglutinou integrantes insatisfeitos do establishment e os conectou a eleitorados e movimentos de classes médias desencantadas (um caso de "quem está dentro quer sair").
Oportunista no mau ou no bom sentido, ainda vai se ver, esse dissidente, Emmanuel Macron, elegeu-se presidente e planeja refundar um partido de centro com conexões sociais e ideias mais vivas.
Dizer que a comparação europeia é inútil porque a sociedade no Brasil é amorfa não seria uma resposta, mas apenas uma questão (além de ser um erro antigo).
O nosso assunto, enfim, é o que fazer e o que não tem sido feito da dissociação crescente, quase terminal, entre sistema político e eleitorado, escancarada em 2013 e cada vez mais descarada desde então.
Não se apresentam dissidências de lideranças partidárias significativas nem para reagrupamentos simplórios, tal como uma alternativa limpinha à comunhão de delinquentes ou desclassificados que domina a política.
Por sua vez, movimentos sociais ainda mais ativos, embora minoritários, têm esperanças de poder por meio de "partidos que estão aí" (tanto na esquerda petista como na nova direita, que embarca na podridão que criticava "nas ruas" até ontem).
Parte da inércia se explica pelo óbvio cálculo de sobrevivência, pelo temor de ficar no sereno sem máquina eleitoral ou cargo estatal, "business as usual".
Além do mais, o conluio amplo e histórico que alimentou esse sistema político e suas pestes e vírus não morreu. Talvez ainda pareça viável a aliança entre fidalgos políticos, estamento empresarial e corporações que floresce faz quase 70 anos por meio da corrupção do essencial das regras do jogo da competição política e econômica.
Mesmo cientistas políticos se alarmam, por prudência quase conservadora, com a "destruição dos partidos" pelo sentimento antipolítico ou pela Lava Jato etc. Ao se omitirem na sugestão de alternativas, arriscam-se a ficar ao lado de defensores de acordões que salvem políticos menos enrolados, por exemplo.
Há inércia, em suma. Como é difícil acreditar que a sociedade revoltada esteja delegando a mudança política a um sistema que chama de podre, parece que se está à espera de um salvador.
Não há liderança partidária relevante que se arrisque a abandonar um sistema político que se chama de podre. Por outro lado, não há movimento ou organização social que se apresente como partido alternativo.
Quem está dentro não quer sair ou não tem força ou imaginação para se reagrupar em um partido reconectado a um interesse social qualquer de renovação. Quem está fora não quer entrar, não sabe como ou não tem força para fazê-lo.
É uma descrição estilizada do colapso da representatividade dos partidos gangrenados, exagerada por definição.
Sendo menos abstrato e extremista, há exemplos de saídas desse beco? Não se trata de apontar modelos, mas o descrédito dos partidos maiores, entre outras crises, propiciou tentativas de mudança na Espanha e na França.
Uma coalizão variada de organizações sociais, coletivos e coisas parecidas a micropartidos constituiu o Podemos (um caso do "quem está fora quer entrar"), que logo se tornou a terceira força política da Espanha.
Um dissidente do moribundo Partido Socialista da França aglutinou integrantes insatisfeitos do establishment e os conectou a eleitorados e movimentos de classes médias desencantadas (um caso de "quem está dentro quer sair").
Oportunista no mau ou no bom sentido, ainda vai se ver, esse dissidente, Emmanuel Macron, elegeu-se presidente e planeja refundar um partido de centro com conexões sociais e ideias mais vivas.
Dizer que a comparação europeia é inútil porque a sociedade no Brasil é amorfa não seria uma resposta, mas apenas uma questão (além de ser um erro antigo).
O nosso assunto, enfim, é o que fazer e o que não tem sido feito da dissociação crescente, quase terminal, entre sistema político e eleitorado, escancarada em 2013 e cada vez mais descarada desde então.
Não se apresentam dissidências de lideranças partidárias significativas nem para reagrupamentos simplórios, tal como uma alternativa limpinha à comunhão de delinquentes ou desclassificados que domina a política.
Por sua vez, movimentos sociais ainda mais ativos, embora minoritários, têm esperanças de poder por meio de "partidos que estão aí" (tanto na esquerda petista como na nova direita, que embarca na podridão que criticava "nas ruas" até ontem).
Parte da inércia se explica pelo óbvio cálculo de sobrevivência, pelo temor de ficar no sereno sem máquina eleitoral ou cargo estatal, "business as usual".
Além do mais, o conluio amplo e histórico que alimentou esse sistema político e suas pestes e vírus não morreu. Talvez ainda pareça viável a aliança entre fidalgos políticos, estamento empresarial e corporações que floresce faz quase 70 anos por meio da corrupção do essencial das regras do jogo da competição política e econômica.
Mesmo cientistas políticos se alarmam, por prudência quase conservadora, com a "destruição dos partidos" pelo sentimento antipolítico ou pela Lava Jato etc. Ao se omitirem na sugestão de alternativas, arriscam-se a ficar ao lado de defensores de acordões que salvem políticos menos enrolados, por exemplo.
Há inércia, em suma. Como é difícil acreditar que a sociedade revoltada esteja delegando a mudança política a um sistema que chama de podre, parece que se está à espera de um salvador.
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