segunda-feira, julho 07, 2014

A ciência do Face - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 07/07

Redes sociais são um veículo poderoso de reprodução de comportamentos que podem se tornar violentos


As redes sociais são a próxima fronteira das ciências sociais. Essa nova disciplina (ciências sociais aplicadas às redes sociais) já tem um nome: física social.

O termo "física social" data do Iluminismo do século 18 e era um projeto de uma ciência do humano à semelhança da mecânica newtoniana. Claro, fracassou porque o ser humano é difícil de ser contido dentro do controle das variáveis que o método científico exige. Por isso as ciências humanas são algo entre a arte, a poesia e uma ciência envergonhada com sua própria imprecisão.

Mas, eis que, com o advento das redes sociais, temos a possibilidade de aplicar métodos quantitativos a "fragmentos de comportamento" humano (sonho do behaviorismo), traduzidos em número de posts. Os físicos sociais sonham com a possibilidade de prever comportamentos nas redes (e fora dela, mas estimulados por ela) com precisão matemática.

O pesquisador do MIT Alex Pentland tem esperanças de que a física social nos traga as certezas que as ciências "duras" trazem, sem criar problemas éticos. Talvez ele seja um tanto sonhador. E mais: ele pensa que com o advento do big data seremos capazes de prever guerras, massacres, epidemias, tendências ainda invisíveis de comportamento. Enfim, seremos capazes de criar uma sociedade organizada a partir do big data ("data-driven society").

Big data é uma gigantesca plataforma de convergência de dados que desenharia de modo muito preciso o que eu "sou".

Essa plataforma saberia o que eu quero e o que eu não quero de modo mais objetivo do que meus devaneios existenciais, a partir do rastro do que compro, dos meus exames médicos, dos lugares que frequento, dos filmes que baixo na internet, do que como, dos remédios que tomo, das roupas que uso, dos posts que faço, enfim, dos dados que descrevem minhas escolhas e minha fisiologia.

O livro "Social Physics, How Good Ideas Spread "" The Lessons From a New Science" de Alex Pentland, ed. Penguin Classics, New York, 2014, (física social, como boas ideias se espalham "" lições a partir de um nova ciência) é um manifesto de boas intenções com relação à ciência do big data e das redes sociais.

A ideia dele é estabelecer de modo preciso como boas ideias se espalham pelas redes e se transformam em ação no mundo.

Entretanto, até Pentland, um "integrado" à sociedade tecnológica moderna, teme pelos riscos de tamanha empreitada e chama a atenção para a necessidade de parâmetros éticos na lida com as pessoas que, afinal, estão criando esses dados e muitas vezes postando suas vidas. Temo que Pentland seja um tanto ingênuo no seu projeto.

Veja, não duvido que tal ciência ocorra (ferindo todos os parâmetros éticos existentes). Pelo contrário, formas dela já estão em curso. Temo que as redes sociais não sejam tão evidentemente "do bem" como pensa Pentland. Refiro-me aos transtornos que ela pode causar.

Nem tudo são flores na vida dessa jovem ciência. Recentemente, o artigo "Experimental evidence of massive-scale emotional contagion through social networks" (evidência experimental de contágio emocional de massa através das redes sociais), fruto de uma pesquisa desse tipo (a Folha falou desta pesquisa na segunda-feira dia 30 de junho), gerou protestos nas redes e fora dela.

A pesquisa realizada por Adam D. I. Kramer, James I. Guillory e Jeffrey T. Hancock filtrou posts recebidos por usuários do Facebook escolhidos randomicamente e sem que eles soubessem (daí os protestos). O filtro fez com que essas pessoas recebessem apenas posts com conteúdo emocional "positivo" ou "negativo" durante uma semana em janeiro de 2012.

O resultado foi que as emoções se espalharam "na velocidade da luz" provando que nas redes sociais emoções positivas e negativas se espalham indiscriminadamente, levando os usuários a repetirem (postarem) as emoções que receberam via Facebook.

O impacto é claro: as redes sociais são um veículo poderoso de reprodução de comportamentos que podem facilmente se tornar violentos. Vide o que aconteceu com a infeliz falsa "bruxa" do Guarujá.

Bem me quer, mal me quer - LÚCIA GUIMARÃES

O ESTADÃO - 07/07

"Vocês gostam de mim! Vocês realmente gostam de mim!" Quando Sally Field concluiu o agradecimento pelo seu segundo Oscar de melhor atriz, em 1985, pelo filme Um Lugar no Coração, a plateia em Hollywood caiu numa risada que era parte ternura, parte sarcasmo. A ternura era pela franqueza da atriz, que tinha feito seu nome na TV nos anos 60 como A Noviça Voadora e admitira que, mais do que tudo, sonhava com o respeito de seus pares. O sarcasmo pode ter sido inspirado pelo fato de que as outras quatro atrizes concorrentes naquele ano tinham desempenhos superiores. Elas eram Jessica Lange, Sissy Spacek e duas das maiores atrizes da língua inglesa, Judy Davis e Vanessa Redgrave. Já ouvi várias vezes comentários sobre a necessidade de aprovação que usam a frase "Vocês realmente gostam de mim".

Quando o presidente Lula insistiu na realização da Copa e dos Jogos Olímpicos no Brasil, suspeito que ele tinha aspirações semelhantes às de Sally Field. Não falo de grandes oportunidades de trazer turismo e melhorias de infraestrutura a múltiplos estados. A orgia de gastos e superfaturamento, os pobres despejados, o viaduto despencado, não acredito que faziam parte dos planos. Mas ficou claro que impedir tudo isso também não.

Falo da ânsia de protagonismo que nos fez abrir embaixadas em cidades como Basseterre, a capital do arquipélago caribenho de São Cristóvão e Neves, a menor nação independente das Américas, com sua população de 57 mil e colocada como 180ª parceira comercial do Brasil.

Nós éramos populares mas nossos pares não nos achavam capazes de uma performance com calibre de Oscar. Sorríamos e encantávamos como a Noviça Voadora mas isso não nos valia um convite para contracenar com Jack Nicholson, quer dizer, George W. Bush. A mesma insegurança confessada pela atriz abraçada à sua estatueta parece saltar destas palavras de Lula sobre a escolha do Brasil para sediar os Jogos: "É a autoafirmação de uma nação, um povo. É a demonstração de que nós queremos participar definitivamente desse mundo globalizado, com inserção soberana e realizando tudo aquilo que nós temos direito".

Coitado do povo que precisa sediar evento esportivo para se sentir inserido no mundo. Soberania não é a palavra que me ocorre depois que descobrimos como a FIFA tungou o Brasil e como, segundo rumores, o Comitê Olímpico Internacional teria ameaçado nos tomar os Jogos e sediá-los em Londres se não abrirmos mais os cofres. O prefeito de Nova York decidiu cair fora da competição para sediar as Olimpíadas de 2024 depois de concluir que o evento ia atrapalhar a economia da cidade. Filadélfia seguiu o exemplo.

Escrevo a uma distância geográfica que me não me permite aferir o humor de brasileiros e turistas ou celebrar as nefastas previsões que não se concretizaram.

Mais conhecido por passar pitos na nossa política econômica, o jornal britânico Financial Times decretou o Brasil vitorioso por antecipação nesta Copa. "Se você mora em Paris, fica desorientado ao visitar um país onde quase todo mundo é simpático", escreve Simon Kuper, um holandês. Depois de exaltar a qualidade do futebol jogado, ele lista como segundo e terceiro argumentos pelo evento vitorioso o Brasil e os brasileiros. Nossas belezas naturais e a atitude que ele disse lhe ter proporcionado um curso intensivo de gerência do seu mau temperamento. Kuper conta que o tema do artigo lhe ocorreu quando estava boiando na piscina do hotel em Brasília, ouvindo o gorjeio de pássaros. O quarto argumento do jornalista foi ter atravessado uma Copa sem o medo que sentia do crime na África do Sul, em 2010. Ele admite que circulou em locais turísticos com forte policiamento. "No Brasil", escreve, "até os policiais lhe dão um amigável tapinha nas costas quando você passa (se você é um estrangeiro branco de classe média, de qualquer maneira)". Não duvido do desfrute do jornalista, mas os brasileiros que não recebem de meganhas amistoso tapinhas nas costas e voltarão a enfrentar índices calamitosos de violência urbana assim que o juiz apitar o fim do último jogo podem suspeitar que Kuper continua boiando. Em sua defesa, lembro que o artigo elogioso é sobre a experiência de passar pela Copa e não de viver no país.

Mas a distância do Brasil me colocou próxima a outra realidade. A da torcida contra nós. Em toda a minha experiência de expatriada nunca vi tanto rancor gratuito. A combinação da Internet com os ânimos exaltados pelo esporte é poderosa e promoveu um novo tipo de hooliganismo. Durante o jogo contra a Colômbia, a mídia social explodiu em postagens de ódio e sarcasmo que chegaram ao auge quando Neymar saiu de maca, um incidente que foi, acreditem, celebrado, não por trolls analfabetos mas por jornalistas e acadêmicos. Um sociólogo de Duke University escreveu no Twitter que "todos odeiam o Brasil" e, depois de dizer que Neymar estava fingindo, apagou o tweet, imagino, assustado com a reação. Imagine se ele diria durante uma aula, "todo mundo odeia o Brasil".

No Huffington Post, um certo Samuel Luckhurst listou as cinco razões pelas quais seria um desastre o Brasil ganhar a Copa. Uma delas é a própria seleção: "É só uma olhada nos jogadores quando saem valsando no intervalo para converter torcedores neutros em fãs da Colômbia. O falso machismo, os delírios de grandeza, o excesso de celebração e autossatisfação, até para um time medíocre como este, não têm rivais". Vou me abster de interpretar tanta hostilidade mas é certo que ocupamos outro lugar na imaginação globalizada. Só não sei se é o lugar sonhado pelo Lula

Empresas temem crise no apoio à exportação - SÉRGIO LEO

VALOR ECONÔMICO - 07/07

Fazenda atrasa pagamentos do Proex-Equalização

Em um movimento que alguns empresários já atribuem à "contabilidade criativa" do governo, o Ministério da Fazenda começou a atrasar o pagamento aos bancos por uma importante linha de apoio à exportação, o Proex-Equalização - que cobre a diferença entre altos juros cobrados nos empréstimos aos exportadores no país e o custo do financiamento para os concorrentes, no exterior.

Além disso, empresas de comércio exterior começaram a receber, agora, em meados do ano, carta do Banco do Brasil com a informação de que "por falta de orçamento", foram suspensas as operações de Proex-Equalização para apoio às vendas externas.

Anunciado pelo Ministério do Planejamento como "o principal instrumento público de apoio ás exportações brasileiras", o Proex é periodicamente afetado por restrições orçamentárias. Mas os empresários do setor se queixam de que não é comum o atraso ao pagamento dos bancos que operam com essas linhas, como vem acontecendo.

O Ministério da Fazenda não respondeu aos pedidos da coluna de explicações à Secretaria do Tesouro Nacional sobre as acusações de que pode estar em curso mais um episódio de "contabilidade criativa" para evitar que más notícias transpareçam nas contas públicas.

Para remunerar as instituições financeiras que usam o Proex-Equalização, o Ministério da Fazenda emite títulos da dívida do Tesouro Nacional, as NTN-I. Em maio, com atraso de algumas semanas, o Tesouro emitiu 15,6 milhões dessas notas, no valor de pouco mais de US$ 49 milhões. E deixou, até agora, sem data de pagamento as operações feitas em maio e em junho.

Paralelamente, outro problema vem afetando o programa de apoio aos exportadores: a realização de operações vultosas com empresa de grande porte, a serem concretizadas só depois de 2014 e 2015, também bloqueou recursos no orçamento do Proex. Empresas exportadoras, especialmente de máquinas e equipamentos, têm recebido dos bancos informação de que não há como fechar novos contratos.

É grave. Como informou o Valor, a queda nas vendas de máquinas e equipamentos foi apontada, na divulgação dos resultados da balança de comércio exterior, pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, como uma das razões para a deterioração nas exportações de bens industrializados, que perdem espaço para produtos básicos na pauta de exportação do país.

O assunto tem sido discutido no governo, pelo Cofig, o comitê encarregado da política de crédito à exportação. Em abril, três entidades que reúnem exportadores, a Abimaq e Abdib, ambas representando fabricantes de máquinas e equipamentos, e a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), enviaram carta ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, queixando-se de "sucessivos e frequentes atrasos" na entrega das NTN-I aos bancos para cobrir operações do Proex-Equalização.

"Diante disso, os agentes financeiros credenciados ao Programa Proex Equalização já não estão aplicando a respectiva equalização de juros aos novos financiamentos", denuncia a carta. Ou seja, exportadores que querem competir no exterior estão com dificuldades em obter, no Brasil, prazos e juros equivalentes a seus concorrentes lá fora, porque os atrasos no cumprimento dos compromissos do governo tem atemorizado os bancos.

É a desmontagem de um dos poucos mecanismos existentes para enfrentar o chamado custo Brasil, que frustra as expectativas de desempenho exportador do país e aumenta o peso dos produtos básicos, de baixo valor agregado, nas contas de comércio exterior.

Pior que a falta de mecanismos para apoio à exportação é a incerteza sobre sua aplicação, que pode causar prejuízos consideráveis às empresas que montam suas estratégias de produção e vendas contando com o que foi prometido pelo governo. As entidades de comércio exterior alertaram o ministro para os efeitos negativos dos atrasos recorrentes no Proex, que, argumentam, pode "pôr em risco a credibilidade institucional deste valioso mecanismo".

Além do atraso no cumprimento de compromissos com os bancos que operam com o Proex-equalização, o Cofig, comitê que coordena sete ministérios e quatro instituições financeiras oficiais, vem discutindo as dificuldades causadas pelo recorrente esgotamento das verbas do Proex ainda em meados do ano, problema que alarmou exportadores em 2011 e 2012.

Os integrantes do comitê estudam ampliar em 20% as verbas do programa, o que pode ser feito sem necessidade de consulta ao Congresso Nacional, mas há quem defenda no governo federal que a demanda supera essa percentagem e seria necessário encaminhar ao Congresso com urgência um pedido de suplementação de verbas.

No ano passado, para evitar paralisação na aprovação de operações com o programa, foram criadas cartas de crédito pelas quais o governo se comprometia a bancar os créditos garantidos aos exportadores com contratos ainda a serem confirmados no futuro.

Em 2014, sem essa alternativa, contratos de grandes empreiteiras e, possivelmente, da Embraer, ainda em disputa com concorrentes no exterior, asseguraram e bloquearam os recursos disponíveis, deixando sem apoio exportadores de menor porte.

Não adiantará, porém, obter verbas orçamentárias, se a administração "criativa" das contas públicas decidir conter, na boca do caixa, o dinheiro pago aos bancos pelo apoio ao comércio exterior. Decisões aparentemente pragmáticas como essa abalam a credibilidade do governo brasileiro e aumentam o custo para empreender no país. Parecem resolver problemas urgentes, mas criam outros, que se revelam piores, logo adiante.

O bem-estar da sucessão - PAULO DELGADO

O GLOBO - 07/07

Todo governo é no fundo conservador, preservacionista. Adora um clima passional para enquadrar como dissidente, inimigo e traidor todo crítico e competidor



Não se orienta pessoas que partem para expedição às montanhas no inverno a levar trajes de verão. Da mesma maneira, é ilusão não reconhecer a grande oportunidade que estádios de futebol oferecem para que os defeitos das pessoas se manifestem. Boca suja e língua solta não são privilégio de torcedor de futebol. Há governantes com repertório muito melhor. Com a volta do álcool ao jogo por submissão do governo à indiferença da Fifa com as tragédias que ele provoca, a combinação massa-euforia-depressão leva junto a educação.

Se ainda houvesse humor na política, diríamos que é bom ir a velório onde o morto parece o mais aliviado. Pois, em matéria de política, vivo mesmo é sempre o governo. Por isso, governante nenhum gosta de vaia. É como ler o próprio obituário em vida. Alguns já se destacaram por comer o tomate atirado em sua direção ali mesmo na frente do agressor. Ovos não sei se dá para fritá-los mesmo diante do incandescente ambiente doméstico que estamos vivenciando.

Não é fácil entender a conduta humana misturada na política. Amar os inimigos é tão grandioso quanto amar seu próximo como a si mesmo. O poeta alemão Heinrich Heine, brincalhão, confessa: “Tenho a mais pacifica disposição. Meus desejos são: uma modesta cabana com teto de palha, uma boa cama, boa comida, leite e manteiga bem frescos, flores diante da janela, em frente à porta algumas belas árvores e, se o bom Deus quiser me tornar inteiramente feliz, me concederá a alegria de ver seis ou sete de meus inimigos serem enforcados nessas árvores. De coração tocado eu lhes perdoarei, em sua morte, todo o mal que na vida me fizeram — pois devemos perdoar nossos inimigos, mas não antes de serem executados”.

A sucessão caminhará melhor se ficar menos hipócrita. Os candidatos devem decidir não ver inimigos na realidade e parar com essa mania de botar luta de classes nas dificuldades de governar. Afinal, na Esplanada dos Ministérios e nos palácios estaduais habitam todas as elites, algumas já mortas, mas ressuscitadas por técnicas de coalizão e respiração público-privada. A base disso é que todo governo é no fundo conservador, preservacionista. Adora um clima passional para enquadrar como dissidente, inimigo e traidor todo crítico e competidor. São os próprios governos que criam sua armadilha e alimentam a oposição a eles quando insistem em buscar prazer no contraste, o confronto permanente.

A psicanálise sustenta que a agressividade se torna poderoso obstáculo à civilização se a defesa contra ela causar tanta infelicidade como a própria agressividade! O infortúnio atribuído aos “outros” é resultado da confusão da política — de direita e de esquerda — que considera o Estado mais importante do que a sociedade. O estatismo vira fácil uma forma de militarismo. A energia agressiva — o ódio — que a autoridade acredita ser só da sociedade vem também dessa política de prontidão permanente sobre a vida do cidadão.

A sucessão é o momento da sociedade, de testar o seu bem-estar.

Riscos reais e imaginários - GUSTAVO LOYOLA

VALOR ECONÔMICO - 07/07

A relação crédito/PIB elevou-se por causa dos bancos públicos, cuja participação foi de 14% do PIB para 28,8%

Em relatório anual divulgado na semana passada, o Banco de Compensações Internacionais (BIS) arrolou o Brasil entre os países suscetíveis a risco de crises financeiras nos próximos anos. A inclusão do Brasil nesse grupo se deveu primordialmente ao comportamento recente da razão crédito/PIB que é um dos indicadores antecedentes de crises bancárias utilizados por aquela instituição.

Segundo o BIS, os dados históricos sugerem que uma diferença maior do que dez pontos percentuais entre a razão crédito/PIB e sua tendência de longo prazo usualmente sinaliza a eclosão de uma crise bancária no prazo de três anos. No caso brasileiro, essa diferença está atualmente em cerca de quatorze pontos percentuais, justificando assim o alerta trazido pelo BIS em seu relatório anual. Haveria, de fato, o risco apontado pelo BIS ou, ao contrário, estamos apenas diante de mais um "erro de modelo"?

Trata-se de uma questão relevante. Se confirmada a existência de risco iminente de estresse financeiro, o remédio seria a adoção imediata pelo Banco Central das chamadas medidas macroprudenciais com vistas a moderar o crescimento do crédito. Tipicamente, tais medidas envolveriam elevação do capital exigido dos bancos para determinadas operações, aumento dos recolhimentos compulsórios e imposição de limites para os prazos das operações de financiamento. Ademais, caso já estivessem implantados entre nós todos os princípios de Basileia 3, o indicador citado levaria ao acionamento pelo Banco Central do chamado "colchão anticíclico" de capital, com vistas a diminuir a capacidade de alavancagem dos bancos. As consequências seriam negativas para a atividade econômica e, tendo em vista a presente fraqueza do PIB, uma recessão seria inevitável.

Porém, felizmente este não é o caso. O indicador do BIS não reflete uma situação de crescimento endógeno do crédito típica dos momentos de euforia nos mercados financeiros que costumam levar a bolhas especulativas. Na realidade, em ampla medida, tal indicador está apenas captando as consequências da exagerada atuação procíclica dos bancos públicos nos últimos anos. Se houve crescimento excessivo de crédito no Brasil, o responsável maior foi determinação política do governo de turbinar a concessão de crédito pelos bancos oficiais federais, inclusive com o aporte de recursos do erário. Os dados rotineiramente divulgados pelo Banco Central corroboram essa afirmativa.

Entre 2008 e 2013, a relação crédito/PIB no Brasil elevou-se de 40,7% para 56,2%, sem dúvida um ganho expressivo. Ocorre que praticamente toda essa elevação se deu por causa dos bancos públicos, cuja participação passou de 14,7% do PIB para 28,8% no período. Considerando um período mais recente, entre 2011 e 2013, o saldo de crédito concedido pelos bancos públicos cresceu 63%, que se comparam com apenas 12% de aumento do saldo dos bancos privados.

O crescimento ocorreu notadamente no credito imobiliário ofertado às pessoas físicas pela Caixa Econômica Federal (CEF) e nas operações do BNDES com pessoas jurídicas. Em ambos os casos, deve ser observado que os juros praticados guardam pouca ou nenhuma relação com as taxas de mercado, estas influenciadas diretamente pela política monetária do Banco Central. Isso significa que a demanda por tais tipos de crédito deve ter sido pouco afetada pelo ciclo recente de alta dos juros pelo BC, onde a taxa Selic foi elevada em 375 pontos base.

Desse modo, o termômetro do BIS acusa uma "febre" no mercado de crédito que é em grande medida consequência do abuso das políticas de gestão da demanda agregada que se seguiram à crise de 2008. Logo após a quebra do Lehman em setembro daquele ano, havia de fato razões para que as políticas monetárias e fiscais se afrouxassem e os bancos públicos expandissem a concessão de crédito, para compensar o recuo dos bancos privados. Porém, já ao final de 2009, deveria ter sido iniciada a reversão de tais políticas. Não foi o que ocorreu. Ao contrário, no governo Dilma houve a continuidade dos repasses de recursos do Tesouro ao BNDES e a determinação para que os bancos públicos baixassem suas margens e expandissem o crédito, inclusive nas modalidades onde não tinham tradição.

Finalmente, além das questões relativas à gestão macroeconômica, o alerta do BIS chama a atenção para as dificuldades de se implantar no Brasil alguns dos princípios de Basileia 3. Especificamente no caso do colchão anticíclico de capital, parece haver incompatibilidade absoluta desse mecanismo com algumas das "jabuticabas" presentes em terras tupiniquins. Uma delas é a atuação dos bancos públicos turbinada com recursos "inesgotáveis" por um acionista disposto a assumir todos os riscos, como vimos nos últimos anos. Outra é a existência de direcionamento de crédito, como no caso dos financiamentos imobiliários, em que os bancos são obrigados a aplicar uma parcela de sua captação de depósitos de poupança. Pode ser difícil exigir dos bancos temperança, quando eles estão sujeitos a sanções caso não contratem um determinado montante mínimo de crédito.

Democracia de massa - MARIO CESAR FLORES

O ESTADO DE S.PAULO - 07/07


A insatisfação e a inquietação crescem e se generalizam. Dados publicados na mídia: no primeiro trimestre de 2014 o produto interno bruto (PIB) cresceu pífio 0,2%, o investimento correspondeu a 17% do PIB (na China, 40%...) e a indústria recuou 0,8%. Contas externas em crise. A inflação resiste alta e há risco de estagflação. Vivemos a ameaça de colapso do sistema de energia elétrica. Conflitos no campo e nas cidades são rotina. O atendimento à saúde e a educação vão mal. E espalham-se no País a criminalidade e a desordem, as greves nos serviços públicos que usam o povo como refém, o desrespeito a decisões judiciais e os protestos com vandalismo irracional, por motivos de razoáveis a absurdos.

Quais as razões? Citam-se velhas e novas, internas e externas, que existem e contribuem. Mas a razão básica situa-se no Estado, conduzido por poder político hoje moldado sob a influência de injunções da demografia na democracia.

De fato: com população moderada a pequena, sem clivagens sociais drásticas - a Noruega, por exemplo -, é fácil estruturar a democracia. Dotado de razoável instrução, consciência cívica e segurança socioeconômica, o povo escolhe bem o poder político. Já nas grandes massas socialmente heterogêneas e amorfas, com setores que, carentes dessas condições, são susceptíveis à ilusão do messianismo salvacionista, é difícil fazê-la correta e eficaz - problema presente no Brasil nos últimos oito decênios de forte crescimento demográfico e urbanização, de substituição da política oligárquica rural pela popular urbana. A liberdade política, violentada na República Velha pelo patriarcalismo, hoje o é pela vulnerabilidade do povo à influência de imagens redentoras, emblemática na pergunta ao autor deste artigo em fila de votação em 2010: "Qual é mesmo o número da mulher que o Lula mandou votar nela?".

Nossa democracia de massa difusa facilita a existência de mais de 30 partidos, camaleônicos, sem consistência doutrinária e programática - no que são coerentes com o povo -, pautados pela participação no poder, pela visão eleitoral oportunista em detrimento do profundo e do maior prazo. É campo fértil para o populismo com seu messianismo carismático e sua esperança na ilusão, para a política-espetáculo (a exemplo da associação da cidadania com o consumismo), para medidas ditas sociais (algumas realmente necessárias, discutível é o modus faciendi) que mobilizam votos, mas não consolidam a cidadania consciente, para a demagógica e falsa luta de classes e o terceiro-mundismo anacrônico.

Nesse quadro de inconsistência social e política é inviável o modelo de governo natural na democracia: o governo de coalizão apoiada na convergência de programas e ideários. Mais coerente com ele (e ocorrendo no Brasil) é o governo de cooptação de partidos vazios de ideias, agigantado para resolver a equação da cooptação, com o correlato "aparelhamento" do Estado à revelia da competência. Além, é claro, de propenso à corrupção. Consequência: a continuidade (ou agravamento) do sintetizado no início do artigo e, a reboque, o descrédito da política e dos políticos.

Como resolver esse imbróglio? É fundamental a redução das injunções negativas inerentes à grande massa. Em destaque a melhora da educação, mas também de outros serviços públicos - saúde, habitação, transporte... -, necessária ao resgate da autoconsciência cívica, habilitando-a ao exercício dos direitos políticos (em particular, o voto) sem o contágio da hipnose política que dissolve a razão na confusão mental da multidão fascinada pela retórica messiânica.

Essa redução exige tempo, não se muda um perfil socioeconômico com deficiências gritantes por passe de mágica. Mas o tempo por si só não resolve: na esfera política há que usá-lo (e abreviá-lo) com competência e altruísmo para superar a obsessão pela posse do poder e permitir que se faça o que deve ser feito, mesmo que sem retorno eleitoral no curto prazo.

Se isso não acontecer, tende a crescer a ideia de que a democracia de massa sem razoável configuração socioeconômica tem limites (a "democracia relativa" do presidente Geisel...?). Descartados o autoritarismo radical e a democracia seletiva, incompatível com o ânimo popular hoje vigente - as democracias da França e Alemanha do século 19 promoveram a universalização do ensino antes do voto universal -, o quadro é permissivo à ocorrência de combinações ambíguas de que já vivemos sintomas, sutis ou nem tanto, "tropicalizadas" na receita bolivariana, de práticas semiautoritárias com viés (real ou ilusório) socialista e manifestações de democracia (eleição a principal). Combinações propaladas como adequadas ao País, na retórica pragmática que procura dispensar o raciocínio e é ajustada ao público ocasional, pelos Goebbels repetitivos ou Antônios Conselheiros seculares urbanos de promessas paradisíacas, da era da TV. Combinações a que podem ser úteis (dois exemplos) o aventado "controle social (?) da mídia" e os conselhos/comissões da Política de Participação Social, em tese democráticos, mas que, em sociedades simpáticas ao messianismo redentorista, podem funcionar como sovietes tutelados.

O quadro sugere a pergunta: como se explica a democracia de massa bem-sucedida nos EUA? Simples: lá as primeiras colônias adotaram a organização democrática coerente com a pequena propriedade e institucionalizaram o ensino básico universal, inicialmente estruturado nas igrejas. Sua democracia de massa atual decorre dessa base sadia. Aqui ocorreu o patriarcalismo da grande propriedade e a ausência da educação, que não interessava ao modelo, à sombra do absolutismo português. Com o ocaso do patriarcalismo rural a hegemonia passou à esfera urbana e nela, à política mais condicionada pelo poder do que por ideias. Entre elas, forte, o redentorismo populista comum na democracia de massa.

Corrigir é viável, mas não será fácil.

O novo momento das relações Brasil-China - SERGIO AMARAL

FOLHA DE SP - 07/07

Cerca de 90% das empresas chinesas no Brasil são estatais, o que confere ao governo chinês coordenação melhor do que a nossa


O presidente da China, Xi Jinping, chega ao Brasil no próximo domingo (13). Estará acompanhado por uma comitiva de 200 empresários. A visita, de uma semana, marca o momento em que as relações Brasil-China alcançam um patamar mais alto.

O comércio entre os dois países teve um crescimento espantoso e, em poucos anos, a China se tornou o primeiro mercado para as exportações brasileiras. Segundo um estudo do Conselho Empresarial Brasil China, os investimentos anunciados no período de 2007 a 2012 atingiram cerca de US$ 68 bilhões, a metade dos quais já está em execução.

De início, buscavam assegurar o suprimento de commodities como minério de ferro e petróleo. Em seguida, concentraram-se em empreendimentos em infraestrutura como energia e telecomunicações. Depois, voltaram-se para oportunidades do mercado consumidor brasileiro, como é o caso das montadoras de automóveis. Mais recentemente, expandiram-se ao setor de serviços, particularmente o financeiro, com a presença de três entre os principais bancos chineses, o ICBC, o Banco da China e o Banco da Construção.

O intercâmbio é sustentável e tem condições de continuar a crescer, porque está lastreado na complementaridade entre as duas economias. O Brasil tem uma disponibilidade de recursos naturais, água e terras aráveis, que fazem falta à China. Pode assim oferecer o que a China demanda e continuará a demandar por um bom tempo, ou seja, commodities metálicas e alimentos.

As relações deverão melhorar. Nos próximos anos, a expansão estará centrada na formação de parcerias em dois eixos: agronegócio e infraestrutura. Se quisermos agregar valor aos nossos produtos de exportação, temos de começar pelos setores em que somos mais competitivos, como o agronegócio. Empresas chinesas e brasileiras estão negociando parcerias para o processamento conjunto de commodities agrícolas, assim como para sua comercialização e distribuição na China.

Na infraestrutura, as empresas chinesas desenvolveram tecnologias, buscam mercados e dispõem de recursos para financiar parcerias com construtoras brasileiras. Esses projetos, particularmente no setor ferroviário, terão um sentido estratégico. É o caso da ferrovia Lucas do Rio Verde-Campinorte que, em seguida, se bifurcará em duas vias, para o escoamento da soja do Centro-Oeste nos portos do Pará e Espírito Santo. Caso o consórcio sino-brasileiro venha a vencer a licitação, as empresas chinesas terão uma participação em todas as etapas da exportação da soja: a originação do produto, a logística do escoamento, a comercialização e a distribuição na China.

A rapidez na expansão das relações suscita a cada passo novos desafios. Eles estão sendo resolvidos, em boa medida, por um mecanismo de alto nível, a Cosban (Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação), que se tem mostrado hábil para antecipar dificuldades e encaminhar soluções. O Conselho Empresarial tem buscado dar a sua contribuição mediante a aproximação e identificação de oportunidades de negócio.

O desafio para o Brasil, além da maior competitividade do produto chinês, está na forma de operar dos dois países. Cerca de 90% das empresas chinesas no Brasil são estatais e atuam sob a orientação e supervisão da agência oficial Sasac, o que confere ao governo chinês uma visão de conjunto e capacidade de coordenação maiores do que as que nós temos. Outras vezes, o desafio está em questões operacionais relacionadas à implementação de decisões já tomadas, como a concessão de vistos a funcionários de empresas chinesas ou a formalização do acesso de produtos e investimentos brasileiros no mercado chinês.

É preciso superar as dificuldades para que o intercâmbio prossiga de modo desimpedido e assegure resultados mutuamente proveitosos. Que a visita de Xi Jinping contribua para avançar neste sentido.

Coisas da copa - PAULO BROSSARD

ZERO HORA - 07/07

Neymar, a grande figura da Seleção Brasileira n a Copa do Mundo, sofreu uma fratura da terceira vértebra lombar, em consequência de joelhaço que o atingiu por parte de um lateral da Colômbia. A brutalidade foi documentada no início, meio e fim, uma vez que reproduzida pela generalidade dos meios de comunicação, nacionais e estrangeiros, de forma que a ocorrência e o modo como ela ocorreu foram fartamente difundidos.

Embora não seja possuidor da paixão pelo futebol, não ignoro que há normas cogentes a disciplinar a lisura da ação esportiva; é pacífico que a agressão em campo é incompatível com elas. Ora, em várias disputas eu vi, com os meus olhos, cenas nada esportivas e inequivocamente violentas em meio à paralela leniência dos juízes. E isso na Copa do Mundo. Vê-se que o resultado se tornou público no lamentável caso de que foi vítima Neymar, que pode não ter sido de alta ou perene gravidade, mas que o tirou do campo, privando a Seleção Brasileira por algum tempo de personagem de marcada primazia, exatamente no momento crucial das finais.

Admitir como lícita a agressão capaz de gerar impedimento efetivo de esportista por algum tempo, dias, semanas, ou até meses, seria legitimar a violência mais ostensiva, com a agravante de ter ocorrido perante os olhos do mundo. Enfim, não perdeu a atualidade a sentença castelhana, segundo a qual "Al valiente no quite el cortés".

Sem prejuízo dessa mácula, é de ser considerada bem-sucedida a copa mundial realizada entre nós. Pode-se dizer, sem exagero, que os êxitos já verificados garantem o bom sucesso da iniciativa, a qual altera de tal modo a vida nacional de forma a permanecerem todos, brasileiros e estrangeiros sem conta, sob o império da Copa, como se submetidos ao fascínio do futebol, convertido na secular lei da terra.

Contudo, é de lastimar o fato, inegável e notório, da coincidente estagnação nacional, consórcio da inflação com a paralisação econômica, e que não é segredo para ninguém, quando se reconhece e se afirma que a indústria está em crise, ainda que o setor agroindustrial, tantas vezes injuriado, venha respondendo pelo alívio ainda visível do conjunto.

A partir da festa final no próximo domingo, não será surpresa se os incômodos de certa forma afastados e momentaneamente quase esquecidos voltarem a ocupar as preocupações do cotidiano, recolocados no proscênio dos acontecimentos. Não me sinto à vontade para indicá-los e me limito a aludir ao que me parece poderá ocorrer nessa fase.

Sem ele - ELENA LANDAU

O GLOBO - 07/07

É melhor ser alegre que ser triste. A alegria é hoje a marca da Copa do Brasil. Por quatro semanas ela deixa de ser o evento da controversa Fifa. A política e a torcida não se confundem mais, e o debate sobre o uso indevido de recursos públicos é, por momentos, deixado de lado. É a Copa do Brasil, com a cara do Brasil. Confraternização nas ruas, cordialidade, beleza das nossas cidades, é o que vale. Seu sucesso vem daí.

Não importa se as obras ficaram prontas no último segundo, se o Galeão continua sendo um dos piores aeroportos do mundo, que o número de arenas seja excessivo, ou que o improvisado Itaquerão não tivesse condição de sediar a decepcionante cerimonia de abertura. Tudo é festa. Infelizmente, essa mesma alegria não se vê nos jogos de nossa seleção.

Temos uma equipe comandada por um senhor sisudo, que impõe em campo um futebol sem inspiração e sem graça. Junto com o meio de campo, o prazer em jogar parece ter sumido do nosso futebol.

Não falo de forma saudosista do futebol arte, dos tempos de Garrincha ou Pelé. Os tempos são outros, o futebol mudou. Mas há algo estranho nessa seleção. Os gols são comemorados quase que raivosamente. A celebração do time só aparece de forma mais clara nas orações após o jogo ou nos abraços de David Luiz. A entrada em campo, em fila única e com as mãos sobre o ombro do companheiro da frente, mais parece uma ordem unida.

Não sei se é o excesso de responsabilidade por jogar em casa, o medo da cobrança. Pode ser, mas vem de longe. Acho que começou no famoso "vão ter que me engolir" e continua nessa mania de chamar técnico de professor e a equipe de família, isolando o grupo e reduzindo consagrados profissionais a meninos.

Mas o jogo contra Colômbia começou diferente. O Brasil estava mais solto. Parecia que o clima iria mudar. Até que a irresponsabilidade de um zagueiro tira Neymar de campo e da Copa. A violência dos jogos, estimulada por uma arbitragem de péssima qualidade, é a marca negativa da Copa.

Neymar era a exceção na nossa equipe. Ele se destacava pela alegria e categoria. Trazia sempre no seu sorriso franco a imagem do prazer em jogar, de estar vivendo intensamente essa grande oportunidade, que lhe foi inexplicavelmente negada em 2010. De seus pés poderia acontecer o inesperado, aquela jogada que encanta os amantes do futebol. Certamente iria disputar com Messi e Robben o título de melhor da Copa. Ele já faz falta.

Ainda temos chances de levantar a taça. Acredito nisso, sempre acreditei. Sem ele, vai ficar muito mais triste, e mais difícil, mas ainda é possível. Quem sabe o poeta tem razão: pra fazer samba com beleza é preciso um bocado de tristeza.

GOSTOSA


Real e fantasia - RUBENS RICUPERO

FOLHA DE SSP - 07/07

Se não formos capazes de superar conquistas do Real, vamos começar a perder até o terreno conquistado


Três impressões me deixaram os comentários sobre os 20 anos do lançamento da moeda: a durabilidade da memória, a ausência de prejudicados e as interpretações equivocadas.

Nenhuma outra medida econômica brasileira continua a ser lembrada uma geração depois. Só isso prova que o Real deu certo. No momento em que o Supremo julga queixas de vítimas de todos os outros planos, o Real é o único que não está em causa, pois não provocou mortos ou feridos. Sinal de que a transparência teve a capacidade de evitar choques lesivos de direitos.

Por outro lado, fala-se do Real no presente como se ele ainda durasse e fosse plano detalhado de desenvolvimento. Trata-se de equívoco, que mostra como faz falta um projeto estratégico de país, coisa que o Real nunca foi.

O Real teve a natureza de iniciativa limitada no tempo e com objetivo bem definido: impedir que o Brasil caísse na hiperinflação. Isso ele conseguiu de imediato. Duas décadas mais tarde, ninguém leva a sério tal perigo. Visava também restituir ao país um mínimo de estabilidade que permitisse prever e planejar, ter crédito de longo prazo para comprar carro e casa própria, o que igualmente virou rotina.

Era o que eu tinha em mente na época quando insistia em que a estabilidade trazida pelo Real não passava do patamar do monumento a ser edificado. Esse sim é que deveria constituir o projeto para o Brasil. As comemorações indicaram que não se põe em dúvida a solidez da base; o que se discute é se o monumento construído sobre essas fundações pode ser considerado perfeito e acabado.

A resposta óbvia é não. Apesar de frágil, a democracia de 1994 teve sucesso em resolver os desafios mortais que os militares nos legaram: o risco de hiperinflação e a crise da dívida externa. Avançamos em qualidade de moeda, responsabilidade nos gastos, eliminação de mostrengos como bancos estaduais, esqueletos no armário, estatais irrecuperáveis. Finalmente começamos a reduzir a miséria, a pobreza e a desigualdade.

Os êxitos, no entanto, ficaram truncados: ainda há indexação, estamos longe de ter orçamento de verdade, a febre inflacionária baixou, mas o foco infeccioso permanece latente. O exagero dos gastos com benefícios da previdência e das transferências de renda suprimiu a capacidade do setor público de investir em infraestrutura. Não logramos conciliar aumento de emprego e salário com inflação baixa, crescimento e melhora da produtividade. Acima de tudo, chegamos a um ponto em que, se não formos capazes de superar as conquistas do Real, vamos começar a perder até o terreno conquistado.

O debate do 20º aniversário revelou maturidade acerca do que falta fazer. Mas o consenso sobre objetivos não se estende a meios, conforme se vê na discussão do desempenho do governo. Passadas as eleições, o exemplo a seguir é o do pacto em favor do país celebrado pelos maiores partidos do México para aprovar no Congresso o necessário. A alternativa do confronto traz de volta o fantasma de outros aniversários trágicos do ano: o suicídio de Getúlio e o golpe de 1964.

PT - a estratégia do ataque à mídia - CARLOS ALBERTO DI FRANCO

O GLOBO - 07/07

Em 1964, sob o pretexto de preservar a democracia ameaçada por um presidente da República manipulado pelo radicalismo das esquerdas, os militares tomaram o poder. E o que se anunciava como intervenção transitória, com ânimo de devolver o poder aos civis, se transformou no pesadelo da ditadura. A imprensa foi amordaçada. Lideranças foram suprimidas. Muitas injustiças foram cometidas em nome da democracia.

O que se viu no transe da ditadura foi o germinar de duas tendências opostas: liberdade x autoritarismo. Os democratas, como Tancredo Neves e Ulysses Guimarães, entre outros, partiram para a luta contra a ditadura, mas sempre apontando para o horizonte de um regime aberto. Outros, como Dilma Rousseff e Franklin Martins, partiram para a clandestinidade. Passaram-se muitos anos. A guerrilha foi substituída pelos ensinamentos de Gramsci, pela força do marketing político e pela manipulação populista das massas desvalidas. Mas a alma continua a mesma: autoritária. A hipótese de estarmos caminhando para uma eventual alternância de poder, normal em qualquer democracia, vem provocando visível radicalização em certas lideranças.

Depois de o ex-presidente Lula, armado de notável irresponsabilidade, ter proclamado que o inaceitável episódio das ofensas dirigidas à presidente Dilma no jogo de abertura da Copa do Mundo fora obra da elite, seu braço direito e companheiro de longa data, o ministro Gilberto Carvalho, manifestou opinião divergente: "Lá no Itaquerão não tinha só elite branca, não! (...) Tinha muito moleque gritando palavrão dentro do metrô que não tinha a ver com elite branca". Divergência só aparente. O denominador comum revela a estratégia: "A coisa desceu! Tá? (...) Esse cacete diário de que não enfrentamos a corrupção, que aparelhamos o Estado, que somos um bando de aventureiros que veio aqui para se locupletar, essa história pegou! Na classe média, na elite da classe média e vai gotejando, vai descendo! (...) Essa eleição agora vai ser a mais difícil de todas".

Não foi uma autocrítica nem um reconhecimento claro dos equívocos. Foi a tática da vitimização e, ao mesmo tempo, a busca de um bode expiatório. A culpa é da "mídia conservadora e hegemônica". Trata-se, desesperadamente, de construir uma narrativa que sirva para desviar a atenção dos problemas concretos. Da economia que range. Da inflação que se percebe em cada nova compra. Da falta de saúde que grita nos corredores dos hospitais públicos. Da péssima educação que gera frustração enfurecida nos jovens. Da corrupção que se torna patente em cada novo capítulo da novela da Petrobrás.

Lula manifesta crescente irritação com o trabalho da imprensa independente. Seus sucessivos e reiterados ataques à mídia, balanceados com declarações formais de adesão à democracia, não conseguem mais esconder a verdadeira face dos que, mesmo legitimados pela força do processo eleitoral, querem tudo, menos democracia. Para Lula, um político que deve muito à liberdade de imprensa e de expressão, imprensa boa é a que fala bem. Jornalismo que apura e opina com isenção incomoda e deve ser extirpado.

Na verdade, cabe à mídia papel fundamental na salvaguarda da democracia. O ex-presidente da República, seu partido e sua candidata, independentemente das declarações de ocasião em favor da liberdade de expressão, resistem ao contraditório e manifestam desagrado com o exercício normal das liberdades públicas. Não tenhamos receio das renovadas tentativas de atribuir à imprensa falsos propósitos golpistas. Trata-se de síndrome persecutória, uma patologia política bem conhecida no mundo político.

A biografia de Luiz Inácio Lula da Silva foi construída graças aos seus méritos pessoais e aos amplos espaços que a democracia oferece a todos os cidadãos. Mas o poder fascina e confunde. E os bajuladores, de ontem, de hoje e de sempre, são o veneno da democracia. Preocupa, e muito, o entusiasmo de Lula, da presidente Dilma e de seu partido com modelos políticos capitaneados por caudilhos. Cuba e Venezuela, ditaduras cruéis e antediluvianas, são o modelo concreto da utopia petista.

Como já escrevi neste espaço opinativo, não é de hoje a fina sintonia do petismo com governos autoritários. O Foro de São Paulo, entidade fundada por Lula e Fidel Castro, entre outros, cujas atas podem ser acessadas na internet, mostra que não há acasos. Assiste-se, de fato, a um processo articulado de socialização do continente de matriz autoritária. E o ex-presidente é um dos líderes, talvez o mais expressivo, dessa progressiva estratégia de estrangulamento das liberdades públicas. A fórmula Lulinha e Dilminha "paz e amor" acabou. Agora, com o Estado aparelhado, o Congresso ameaçado pelo decreto de Dilma que inaugura a governança via conselhos, obviamente controlados pelo governo, e a imprensa fustigada, o lulismo mostra sua verdadeira cara: o rosto do caudilhismo.

Cabe à imprensa, num momento grave da história da democracia, denunciar a tirania que vem por aí. É preciso mostrar as estratégias gramscianas de tomada do poder. E o melhor modo de fazer o contraponto, urgente e necessário, é sair da armadilha da radicalização e fomentar a discussão das políticas públicas. Vamos romper a embalagem do marketing político e da propaganda avassaladora. Vamos contrastar o discurso oficial com a realidade concreta. Os protestos crescentes, alguns francamente impróprios e deselegantes, enviam recados muito claros: o povo flagra a mentira no emagrecimento do seu poder de compra, nas filas do SUS, na frustração de uma educação que não forma gente preparada para a vida. A sociedade está perfilando a verdadeira e correta agenda eleitoral.

Inútil paisagem - PEDRO CUNHA E MENEZES

O GLOBO - 07/07

Para preservacionistas, visitantes são um mal, destroem a natureza e devem ser desestimulados a passear nas áreas dos parques que, por lei, foram designadas para esse fim


Estamos na reta final da Copa do Mundo, aquela mesma para a qual foi prometido um legado. Na área da conservação ambiental, esse legado foi projetado para ser entregue em forma de uma melhor e mais abrangente estrutura de visitação. Não em todas as 313 unidades de conservação mantidas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pelas áreas protegidas no âmbito federal, mas só no seleto grupo denominado de “Parques da Copa”.

Os projetos não chegavam a ser exatamente ambiciosos. Eram realistas e visavam, sobretudo, a melhorias nas vias de acesso, nos centros de visitantes, nas trilhas e na sinalização. Nunca houve dinheiro do orçamento da União especificamente destinado à rubrica “Parques da Copa”, mas entidades como o Ministério do Turismo, o Sebrae e uma prefeitura de município lindeiro (vizinho) ao Parque Nacional de Aparados da Serra chegaram a se oferecer para aportar recursos com o intuito de fazer o projeto, ou algo similar a ele, avançar.

Também houve um esforço, no próprio ICMBio, para aparelhar os parques com sistemas de trilhas sinalizadas e manejadas. Tal projeto, cujo custo é baixíssimo, poderia ser feito com recursos e pessoal próprios e deixaria algumas unidades com opções de recreação na natureza similares às de parques mundo afora. Entre outras iniciativas a custo baixo, estava projetada a abertura para passeios de bicicleta das estradas internas do Parque Nacional de Brasília, que, apesar de ter sido criado há mais de 50 anos, inexplicavelmente continua com cerca de 80% de sua área fechados à visitação.

Agora na Copa e, descartadas as exceções que confirmam a regra, nada foi feito. “Governo incompetente!!!”, clamarão logo os críticos de plantão. Não se trata de incompetência deste governo. O problema não é de hoje nem começou na atual gestão. Suas causas são muitíssimo mais graves e vêm se mantendo há muito mais tempo. Trata-se de uma questão de competência de alguns técnicos da área da conservação, que têm se perpetuado há décadas em cargos de comando no ICMBio e nas instituições que o precederam na tarefa de (supostamente) cuidar de nossas unidades de conservação.

Esse grupo, conhecido como preservacionista, não acredita em visitação aos Parques Nacionais como ela é feita no resto do mundo. Tem a convicção de que os visitantes são um mal, que destroem a natureza, e que devem ser desestimulados a passear nas áreas que, por lei, foram designadas com esse fim (segundo a legislação brasileira, Parque Nacional, “tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico”.

Assim, ao longo das últimas décadas, valeram-se de um instrumento normativo, chamado Plano de Manejo e, por meio dele, têm subvertido os objetivos explicitados na lei. Ao utilizar uma ferramenta legal conhecida por zoneamento, têm subtraído o direito à visitação de parcelas expressivas de nossos parques nacionais, criando o que se convencionou chamar de “parques-fortaleza”. Como resultado, hoje temos nos 70 Parques Nacionais brasileiros uma malha de trilhas sinalizadas e manejadas que não chega a 300 quilômetros. Enquanto isso, nosso antecessor na organização de Copas, a África do Sul, tem num único parque de apenas 20 mil hectares (Parque Nacional da Montanha da Mesa) mais de 600 quilômetros de trilhas sinalizadas, com seis abrigos de montanha em funcionamento (mais que o Brasil inteiro).

O resultado disso é que a visitação dos Parques Nacionais do Brasil é pífia para a quantidade de hectares que administramos. Enquanto o dogma dos “parques-fortaleza” continuar, não haverá recursos nem projeto capazes de transformar os parques brasileiros em destinos reais de ecoturismo. Como se diz no movimento montanhista brasileiro: “Quer fazer trilha acampando durante vários dias e noites? Mantenha seu passaporte em dia!”

Quem paga o pato? - NEWTON CEZAR VALCARENGHI TEIXEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 07/07

Ganhou recente repercussão na mídia episódio envolvendo o furto de duas galinhas, questão que foi parar no Supremo tribunal Federal (STF), e cujo autor da façanha tem como prenome Afanásio.

Antes de o STF se pronunciar definitivamente a respeito, em audiência na Comarca de São João Nepomuceno (MG), em 6 de maio, foi entabulado acordo entre Afanásio e o Ministério Público, no qual aquele se comprometia a pagar uma indenização de R$ 40 ao dono das penosas, além de dispor de um salário mínimo, parcelado em 10 vezes, a uma instituição beneficente. Digno de registro que a transação foi referendada pelo Judiciário local.

Perfeito, se assim terminasse. A um delito que não guardou maiores consequências, se deu, dentro da lei, a composição entre a acusação e o denunciado, observados os interesses da vítima, tudo sobre a chancela do juiz. É dizer, o Estado respondeu à ofensa ao bem jurídico tutelado -propriedade - de uma forma adequada e proporcional.

No entanto, a defesa de Afanásio, no curso do processo, fez chegar às barras do STF a irresignação de seu assistido com tal situação. Ao fim e ao cabo, em sessão ocorrida em 20 de maio, os ministros da nossa Corte Maior decidiram aplicar ao caso o princípio da insignificância. Nessa linha, julgou o STF que, em se tratando de uma lesão inexpressiva e que não se apresenta como socialmente perigosa, perpetrada por agente primário, o caso era realmente de trancamento da ação penal. Em bom português, o feito foi arquivado.

Como o direito penal é balizado, quase que na sua totalidade, pela atenção ao réu, esse eterno injustiçado, ouso trazer algumas considerações sobre o reverso da medalha, ou a perspectiva do dono das galinhas.

Invocando T.S. Eliot, para quem, "numa terra de fugitivos, aquele que anda na direção contrária parece estar fugindo", peço escusas a Afanásio e lembro que uma das funções da pena é a chamada prevenção geral, ou seja, incutir na sociedade a sensação de que, ao realizar conduta considerada pela lei como crime, o agente será punido por seus atos, dentro dos parâmetros mínimo e máximo previstos pelo legislador, atendidos os demais critérios de individualização da pena.

Porém, o dono das galinhas recebeu do Judiciário a mensagem de que as suas aves são insignificantes, para utilizar a expressão consagrada pela doutrina e jurisprudência, e o fato de terem sido subtraídas é um indiferente penal, ou seja, não guarda repercussão capaz de mobilizar o aparato estatal para, de alguma forma, punir ou educar o agente.

Aprende-se no primeiro ano da faculdade de direito, segundo a lição de Eduardo Couture, que "o processo é o substituto civilizado da vingança privada".

Decisões como a ora em debate, a par de bem intencionadas e politicamente corretas, podem, adiante, gerar consequências negativas. Ora, se o cidadão não pode contar com o Estado para reprimir o furto de suas galinhas, forçoso concluir que passará a considerar a possibilidade de uma via alternativa para fazer valer o seu direito de propriedade (direito este, diga-se de passagem, de estatura constitucional, na forma do art. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal).

Ocorre que, no exercício da autotutela, nem sempre os meios utilizados são os mais adequados. Não se olvide que uma das situações que qualifica o homicídio, aumentando-lhe a pena, é o chamado motivo fútil, desproporcional, como, por exemplo, aquele em que o dono de galinhas furtadas atenta contra a vida do autor da subtração.

Um reflexo disso já pode ser percebido em outros casos também recentes, como o do linchamento de uma dona de casa em Guarujá (SP), confundida com uma mulher acusada de sequestrar crianças para utilização em rituais de magia negra, como tal apontada em uma página de rede social, ou o de um adolescente de 15 anos, supostamente autor de atos infracionais, que foi despido, agredido e amarrado a um poste no Rio de Janeiro, sem contar a figura das milícias que assumem o lugar do Estado, onde este é omisso.

No frigir dos ovos, ou o Judiciário olha com mais atenção para a "granja", ou o ladrão de galinhas de hoje pode pagar o pato amanhã, o que, malgrado o trocadilho, seria uma pena.

O PT, os partidos e a ladeira - JOSÉ ROBERTO DE TOLEDO

O ESTADÃO - 07/07

O Datafolha da semana passada foi bom para Dilma Rousseff. A maioria das análises enxergou crescimento da petista (na verdade, ela mantém cerca de 38% das intenções de voto desde abril). O sucesso da Copa melhorou o humor dos brasileiros. E o noticiário positivo resultante ajuda o governo. Mas no meio das tabelas do Datafolha há um número que deveria preocupar o PT. E há outro que deveria preocupar todos os partidos.

Apenas 15% dos eleitores declararam-se petistas ou simpatizantes. É a menor taxa de apoio ao partido dos últimos 15 anos. Não se trata de um ponto fora da curva. É uma tendência: as pesquisas de junho e abril do Datafolha já detectavam 17% de preferência pelo PT, a menor desde 2006. Agora, com a pesquisa de julho, a taxa regrediu a 1999.

Os petistas poderiam argumentar que os 15% do seu partido ainda são três vezes mais do que a preferência pelo rival PSDB. Mas isso só os impediria de enxergar o problema. Pouco mais de um ano atrás, o petismo era nove vezes maior do que o tucanismo: 36% a 4%, segundo pesquisa Ibope de abril de 2013. A distância só fez encolher desde então. Não porque o PSDB tenha crescido no coração do eleitorado. O PT foi que diminuiu.

Desde o processo eleitoral de 2002 que o levou ao poder federal, o PT sempre oscilou entre um quarto e um terço de simpatia do eleitorado. Mesmo nos momentos de crise, como nos escândalos do mensalão e no dos aloprados, em 2005/2006, nunca o PT caiu abaixo de 20% da preferência partidária. A derrocada atual começou com os protestos de junho de 2013. O petismo minguou a um quinto do eleitorado. Caiu agora a um sexto.

O petista remanescente envelheceu como o resto do eleitorado. Tem, em média, 41 anos. Também melhorou sua escolaridade: a maior parte cursou o ensino médio, mas só 13% fez faculdade. Na maioria, é assalariado registrado, aposentado ou vive de bicos, e sua família ganha, junta, menos de R$ 3.620 por mês. Tem mais chance de viver nas capitais e nas grandes cidades. Nos anos recentes, concentrou-se no Nordeste - porque o partido perdeu simpatizantes, principalmente no Sul.

Regressão. Essa regressão da penetração petista a patamares anteriores aos da era Lula é um problema menos grave para Dilma do que para os outros candidatos do PT. A campanha eleitoral da presidente terá recursos financeiros e logísticos que nenhum outro petista sonha ter. Por isso, Dilma depende menos da militância do partido - além de ter Lula como cabo eleitoral.

Já os candidatos do PT a governador, senador e, especialmente, a deputado terão um desafio muito maior do que nas eleições anteriores. O voto na legenda - quando o eleitor digitava, no caso, 13 nas eleições proporcionais - sempre ajudou a eleger muitos candidatos petistas. Até os partidos coligados, como PC do B, pegavam carona no seu voto de legenda. Ele continuará forte ou encolherá junto como a simpatia pelo partido?

Pode-se arriscar que onde o PT não tiver nome forte para o governo estadual, a perda do voto de legenda será maior. Por dois motivos: 1) candidatos majoritários favoritos arrecadam mais e distribuem dinheiro às campanhas dos correligionários; 2) o erro na sequência de votação - não é desprezível a quantidade de eleitores que vota para deputado estadual e federal achando que votou para presidente e governador.

O PT arrisca-se em outubro a interromper um crescimento contínuo de 30 anos. O risco só não é maior porque nenhuma outra legenda conseguiu catalisar os descontentes. Na série do Datafolha, não há, desde 1989, taxa tão alta de eleitores que não têm preferência por nenhum partido: 68%. A falta de interesse partidário chega a 74% entre mulheres e a 77% no Sul - um feito dos políticos de todos os partidos, sem exceção.

Parabéns aos envolvidos.

Neymar, o craque! - VALDO CRUZ

FOLHA DE SP - 07/07

BRASÍLIA - Chegamos na reta final da Copa sem a magia de Neymar, mas aprendendo com nossos erros. Se perdemos em emoção e talento, ganhamos em razão e organização. Dá para ganhar da Alemanha e sermos campeões no domingo.

Sem nosso craque será um sofrimento, mas Felipão melhorou o meio de campo, reforçou as laterais e fez a seleção voltar a marcar sob pressão. Pena que nem todos saibamos evitar os erros de sempre, deixando a emoção sufocar a razão.

A reação de alguns locutores e comentaristas sobre a joelhada que roubou o sonho de nosso craque foi um péssimo exemplo. Trataram o autor da falta como um criminoso, um inimigo da nação brasileira.

Sei que não tiveram tal intenção, mas, guiados pelo coração, usaram um tom agressivo, exagerado, quase uma senha para despertar nos outros um desejo de justiçamento.

Linchamentos, infelizmente, começam assim. Com a mente nublada pela emoção, alguém com grande poder de influência assume uma bandeira e gera uma onda sobre a qual perde totalmente o controle.

O lateral colombiano Zuñiga foi imprudente, estabanado e violento, mas não vi na jogada desejo deliberado de quebrar Neymar. Se fosse mais enérgico tanto com colombianos como brasileiros, o juiz da partida poderia ter evitado o pior.

Agora, ameaçar e xingar a filha de Zuñiga nas redes sociais revela o pior de todos nós. Pior este que deu as caras, nesta Copa, logo no início do torneio, quando a presidente Dilma foi alvo de xingamentos. Manifestou-se de novo quando a torcida brasileira vaiou o hino chileno.

Ainda bem que tais episódios são apenas incidentes de percurso, que não mancham a imagem do torneio, um espetáculo de alegria e magia.

Enfim, prefiro ficar com a atitude de Neymar. Triste por ter seu sonho interrompido, amigos dizem que ele não guarda rancor do colombiano. Exemplo de que é especial, um craque dentro e fora do campo.

Deixem só a Copa passar... - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 07/07

"Vou fazer do meu jeito. Gostou, gostou.
Não gostou, vai pro inferno."
Felipão, técnico da seleção brasileira de futebol

Aconselha-se aos eleitores mais exigentes, aqueles que cobram dos políticos coerência, fidelidade partidária e respeito a princípios elevados, que abdiquem temporariamente dos seus desejos para não cair na tentação de anular o voto. Nada a ver com a eleição de outubro próximo. Mas sabe como é... Curto e grosso: avança a degradação do exercício da política entre nós. E a vontade que dá...
Esqueçam!

ATÉ OUTRO DIA, Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, queria José Serra de vice de Aécio Neves, candidato do PSDB a presidente da República, e Gilberto Kassab (PSD), ex-prefeito de São Paulo, como candidato ao Senado em sua chapa. Aécio preferia Serra como candidato ao Senado - afinal, dividir o poder com ele, caso se eleja, jamais -; e Kassab como candidato a vice de Alckmin. Era o que Kassab também queria.

CANDIDATA À REELEIÇÃO, Dilma não queria que Kassab apoiasse Alckmin. Se não pudesse apoiar Alexandre Padilha, candidato do PT ao governo de São Paulo, que apoiasse então Paulo Skaf, também candidato ao governo de São Paulo, pelo PMDB. Logo quem... Skaf, ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, que se nega a apoiar Dilma abertamente, mas que à sombra... Pois é.

ESTE ANO, Padilha é o poste preferencial de Lula, que vem de recentes sucessos ao eleger dois outros postes: Dilma em 2010 para sucedê-lo, e Haddad em 2012 para prefeito de São Paulo. Dilma depende de Lula para ganhar um segundo mandato. Sozinha, não ganharia. Haddad vai mal. Sua aprovação é baixa. Quanto a Padilha, está quase só. Foi abandonado por Maluf. Poucos acreditam que Lula possa iluminá-lo.

SIM, FALTOU DIZER o que aconteceu com Kassab. Depois de ouvir Serra lhe garantir que não disputaria o Senado, anunciou sua candidatura a senador - mas não na chapa de Alckmin como queria Alckmin. Na verdade, na chapa de Skaf. Por último, Serra arrependeu- se do que dissera a Kassab e se lançou candidato ao Senado. Constrangido, Kassab enfrentará Serra, de quem já foi vice como prefeito de São Paulo.

ESPERA AÍ: sobrou a vaga de vice de Alckmin? Sobrou não. Foi preenchida por um deputado do PSB, partido de Eduardo Campos, candidato a presidente da República. Embora apoie Aécio, Alckmin dará uma força a Campos em troca da força que o PSB lhe dá. Talvez arranje empresários que ajudem Campos a pagar despesas de campanha. E poderá recepcionálo em seu palanque. Para desgosto de Aécio, é claro.

PARA DESGOSTO DE DILMA, que sem um candidato forte ao governo de São Paulo se enfraquece no maior colégio eleitoral do país, o PT do Rio fechou um acordo com Campos. O ex-jogador e deputado federal Romário, do PSB, é candidato ao Senado na chapa de Lindinho. Quero dizer: do senador Lindbergh Farias, candidato do PT ao governo. Lindbergh apoia Dilma. Mas Campos estará no palanque dele.

TEM NADA NÃO. Há uma inflação de palanques para Dilma no Rio. Fora o de Lindbergh, ela dividirá com Aécio o palanque de Pezão, atual governador do estado pelo PMDB, adepto da política "muito dinâmica".

Tanto que no último fim de semana ele substituiu seu vice do PDT por um vice do PP. Pezão compreende que Dilma frequente mais dois palanques de adversários seus: Marcelo Crivella (PRB) e Anthony Garotinho (PR).

A SEIS DIAS DO FINAL da Copa das copas só nos resta torcer pelo hexa. Fica o convite para, em seguida, acertarmos as contas com os que degeneram a política. Porque fora dela, de fato, não há salvação.

GOSTOSAS


Agenda de 2015 - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 07/07
O mercado não acredita que o BC seja imune a ingerências políticas em suas decisões

Em uma hipótese otimista, a inflação este ano ficará um pouco abaixo do teto da meta estabelecida pelo governo (6,5%). Assim, qualquer que seja o vencedor das eleições gerais de outubro, em 2015 terá de enfrentar um quadro de inflação elevada, com pressões latentes muito fortes, em face da necessidade de ajuste de vários preços administrados, que foram contidos pelas atuais autoridades com objetivos meramente políticos.

O combate à inflação exigirá um esforço fiscal significativo, mas a experiência recente mostra que, quando se trata das finanças públicas, se entra no terreno do imponderável. Promessas são frequentemente descumpridas ou então a política fiscal é executada mais de olho nas estatísticas de fechamento de fim do ano do que no seu impacto de médio e longo prazos na economia, como deveria ser. Para assegurar a estabilidade monetária, o Brasil precisa de alicerces institucionais, que protejam a economia dos interesses políticos momentâneos dos governantes. A Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, foi um passo estratégico para que o real não tivesse o mesmo destino das moedas que o antecederam. Ainda que a trajetória da inflação não tenha sido a desejável nos últimos anos, os brasileiros mantêm a sua confiança no real, e esse é um patrimônio social que precisa ser protegido.

Diante do desafio que o próximo governo terá pela frente, para quebrar as expectativas negativas que se formaram em relação ao comportamento futuro da inflação, seria extremamente importante que o país desse mais um passo no seu arcabouço institucional em prol da estabilidade monetária. E esse passo seria a formalização da independência do Banco Central. Ela é essencial para que o regime de metas de inflação adotado pelo Brasil volte a ter credibilidade.

Tal autonomia é muitas vezes posta em dúvida pelo mercado, anulando parte do efeito da política monetária, porque os agentes econômicos tendem a acreditar que o BC sofre ingerência do governo em suas decisões. Essa imagem se agravou com a tendência à centralização da presidente Dilma Rousseff.

E o próprio governo acaba ratificando essa impressão ao resistir à ideia de conviver com um guardião da moeda que tenha independência institucional. Ora, se os governantes reconhecem a necessidade de o Banco Central ter autonomia nas decisões de política monetária, como em países desenvolvidos, por qual razão temem a independência institucional do BC? Não há dúvida que os ocupantes do Palácio do Planalto querem é manter a possibilidade de ter a última palavra sobre o tema.

Mas a trajetória da inflação e os riscos que ela embute já não permitem que se prossiga com esse arcabouço precário. Se os governantes quiserem contar com o fator psicológico a seu favor no combate à inflação, deveriam propor ao Congresso a independência formal do Banco Central. E 2015 será um bom ano para isso, pois o Congresso, em parte renovado, estará mais propenso a aceitar mudanças modernizadoras. Além disso, presidente recém-eleito sempre conta com alto cacife político em início de mandato.


O drama da violência - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 07/07


A mais recente versão do Mapa da Violência no Brasil, que consolida dados de 1980 a 2012 e ao mesmo tempo refaz os cálculos referentes aos jovens, traça um quadro dramático do problema, principalmente quanto a essa parcela da população. Esse trabalho, que já se tornou uma referência para os estudiosos da questão, oferece importantes subsídios para as autoridades da área de segurança pública, tanto dos Estados como da União, em seu esforço para reduzir os índices das várias formas de violência, que continuam muito elevados.

O índice de mortalidade da população em geral caiu de 631 por 100 mil habitantes, em 1980, para 608, em 2012, de acordo com o trabalho coordenado pelo sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz. Mas esse pequeno avanço não deve ser motivo para comemoração. Primeiro, porque os números absolutos são desanimadores. Naquele período 1.202.245 pessoas foram vítimas de homicídio; 1.041.335, de acidentes de trânsito; e 216.211 se suicidaram, o que dá um total de 2.459.791. A segunda razão, não menos importante, é que a taxa de mortalidade juvenil cresceu, passando de 146 por 100 mil jovens para 149.

Todos os cálculos da série histórica referentes aos jovens foram refeitos para o Mapa da Violência 2014. A definição de faixa etária de juventude foi mudada. A adotada anteriormente era a das Nações Unidas, que considera como juventude a fase da vida humana que vai dos 15 anos aos 24 anos. Ela foi substituída pela que estabelece a Lei 12.852, do Estatuto da Juventude, aprovada em agosto de 2013 - de 15 a 29 anos. E, além das três causas de morte - homicídios, suicídios e acidentes de trânsito -, foi introduzido um novo item, no estudo sobre os jovens, referente a questões de raça e de cor.

No que diz respeito aos homicídios, a diferença entre a juventude e o restante da população é muito grande. A taxa da primeira passa de 19,6, em 1980, para 57,6 por 100 mil jovens, em 2012, um aumento de 194%. A taxa do restante da população foi de 8,5 para 18,8 por 100 mil habitantes, com crescimento de 120%. Em 2012, a taxa de homicídios de jovens é mais do que três vezes a do resto da população.

Dois outros dados completam o quadro que mostra que o problema dos jovens é especialmente grave na situação geral da violência no País. O número de vítimas de homicídio é relativamente pequeno até os 12 anos - 85 em 2013. O número cresce rapidamente a partir dos 13 anos. O pico é atingido aos 20 anos, com 2.473 vítimas, e a partir daí cai lentamente.

Outro aspecto do problema que chama a atenção é o das causas de mortes de jovens. Observa Waiselfisz que estudos feitos em São Paulo e no Rio de Janeiro apontam que, seis décadas atrás, as principais causas de mortes entre eles eram epidemias e doenças infecciosas, agora substituídas por homicídios e acidentes de trânsito.

Com relação a estes últimos, a situação se agrava mais no começo do século. A taxa da morte de jovens cresce 27,4% entre 2000 e 2007, bem acima do índice do resto da população, de 11,1%. Isso se deve, em grande parte, à difusão do uso da motocicleta, principalmente entre os jovens, e o grande número de acidentes com esse veículo, com destaque para as grandes cidades.

A tudo isso se deve acrescentar outro problema bem conhecido, de que não trata o Mapa - a cooptação de jovens carentes pelo tráfico de drogas.

Outra contribuição do Mapa da Violência 2014 é fornecer dados sobre a já conhecida interiorização da violência, sua evolução e situação atual. Entre 1980 e 1996, o aumento dos homicídios no interior (69,1%) ficou bem abaixo do das capitais (121%), situação que muda rapidamente entre 1996 e 2003. A taxa nas capitais praticamente se estabiliza, com 0,9%, e cresce 30,4% no interior. Entre 2003 e 2012, há uma redução de 16,4% nas capitais e um aumento de 35,7% no interior.

Não faltam, como se vê, informações confiáveis sobre a grave situação da violência no País, tanto em suas diversas manifestações como na indicação dos grupos mais afetados por ela. O que falta é um empenho maior dos Estados e da União para mudá-la.

A ameaça da inflação - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 07/07
Os assalariados de todo o país ganharam na semana passada mais um motivo para se preocupar com a perda do poder de compra do dinheiro que recebem por seu trabalho. Aparentemente contida abaixo do teto de 6,5% fixado para este ano pelo governo (longe, portanto, do centro da meta, de 4,5%), a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE, passou a correr sério risco de escapar desse limite, com a liberação de alguns preços controlados.
Pode parecer picuinha de especialista, mas não é. Muitos economistas de boa escola e sem compromissos com a bancada governamental não param de alertar para o mal que representam os preços controlados pelo governo. Muitos são básicos na planilha de custos de quase tudo que se produz e se vende no país, além das tarifas de serviços públicos (prestados ou não pela iniciativa privada) que fazem parte da vida cotidiana das pessoas. É o caso dos combustíveis (incluindo o gás), da energia elétrica, do transporte coletivo, dos planos de saúde, das tarifas de água e esgoto e até do salário mínimo, entre outros.

Nem é preciso calcular a importância eleitoral desses itens para imaginar a tentação dos governantes de mantê-los sob controle severo ou, na melhor das hipóteses, adiar ao máximo os reajustes. São chamados de "administrados", um rótulo simpático para algo que pode significar perigosas distorções na economia. Basta que o desejo de adiá-los seja maior do que a necessidade de cobrir aumentos de custos. Como não existe almoço grátis, mais dia, menos dia, a conta tem de ser paga.

Na sexta-feira, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) autorizou reajustes de 9,65% nos planos de saúde individuais e familiares. O aumento é o maior já concedido nos últimos nove anos e vai afetar o orçamento de 8,8 milhões de pessoas, parcela da população que está sendo punida com um aumento que atropela os 6,28% acumulados pelo IPCA em 12 meses.

No mesmo dia, outra agência "reguladora" autorizou aumento de tarifa ainda mais bombástico para o futuro da inflação. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou um reajuste médio de 18,06% nas contas de luz emitidas pela Eletropaulo. Esse aumento vem na sequência de pesados reajustes concedidos a outras concessionárias, como a Cemig (14,76%) e a Celpe (17,75%).

É mais um capítulo da novela de problemas do setor elétrico criados pela redução forçada das tarifas anunciada pela presidente Dilma em setembro de 2012, que provocou distorções nas contas das concessionárias (inclusive estatais). A isso se somou a necessidade de comprar energia mais cara gerada por termelétricas, ligadas para cobrir a falta de novas hidrelétricas e a escassez de água nos reservatórios das já existentes.

Os aumentos ora concedidos cobrem apenas uma parte do rombo provocado. O resto foi "administrado" sob forma de empréstimos e de futuros reajustes. Mas, desde já, o aumento muito maior do que a inflação vai causar estragos. Para ficar apenas no caso da Eletropaulo, que atende a 6,7 milhões de consumidores da Região Metropolitana de São Paulo, essa concessionária tem peso de 27,9% no item energia elétrica do IPCA nacional. Pior: o reajuste para as indústrias atendidas por ela será ainda maior: 19,93%, com evidente repercussão numa miríade de produtos consumidos em todo o país. É mais uma lição de que o controle da inflação deve ser prioridade política, mas realizado por profissionais.

O Brasil se vê na Copa - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 07/07

Aprovação estrangeira nos atropela num momento em que parecemos divorciados de nossa imagem cordata e simpática


No dia 29 de junho, o programa Fantástico, da Rede Globo, apresentou enquete com as impressões dos estrangeiros sobre o país. O bordão “o melhor do Brasil são os brasileiros” por pouco não saltou da tela, com assobios e larás-larás. Impôs-se. Sim, os visitantes apreciam a delicadeza, a atenção e a alegria com que estão sendo tratados – e nos aplaudem por isso. Outro resultado previsível veio na sequência: o “país bonito por natureza” não escapou à percepção dos estrangeiros, que destacaram nossas paisagens. Tem sido assim desde o século 16.

Em negativo, o trânsito e os preços abusivos, o que pode servir de inibidor para um dos tais ganhos posteriores à Copa. Presume-se que quem veio para os jogos volte para fazer turismo ou indique o país a amigos e parentes. A mobilidade sofrível nas cidades e os custos altos – competindo com Inglaterra e Itália, caríssimos – tendem a jogar contra a nossa imagem. Esse descontrole emocional na hora de tabelar não causa espanto: há uma tendência cultural ao imediatismo e a pensar na própria “horta”. Uma pena.

No mais, a enquete é motivo de festa – seus resultados tendem a se repetir em novas aferições. Podem nos ajudar a entender a paisagem natural como patrimônio e a paisagem humana como nosso tesouro, sobre o qual ninguém pode atentar. Vale lembrar que as muitas pesquisas de opinião feitas no período pré-Copa eram casmurras, uma negação do pouco orgulho que nos sobrava.

Dois levantamentos do Departamento de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Editora Abril, em 2011 e em 2014, com mais de 4 mil entrevistas, apontaram o tamanho do estrago. Basta dizer que entre a primeira e a segunda pesquisa saltou de 79% para 89% a impressão de que o Brasil deixaria uma imagem negativa para o mundo. Mais ou menos na mesma medida, os entrevistados afirmaram maciçamente que a Copa do Mundo não deixaria nada de bom para a população. As demais questões replicam o baixo astral – um pessimismo que também se manifestou nas redes sociais, nos quais o campeonato mundial gozou dos piores impropérios.

Talvez seja cedo para julgar opiniões tão bipolares, dadas no calor da hora. Mas duas afirmações já podem ser feitas. A Copa do Mundo botou de canelas para o ar a maneira como nos vemos e traz, por extensão, o olhar do exterior sobre nós. Não sairemos impunes dessa experiência – pois ela seria rica para qualquer nação do mundo.

À primeira. Quanto mais avançam as participações nas redes sociais, mais fica abalada a nossa imagem de povo feliz, bacana ou que nome se queira dar ao nosso layout. As redes nos revelam muito parecidos com o Gervásio, o intolerante e folclórico personagem do colunista José Simão, inventado com o intuito de desmontar o mito do brasileiro bonzinho. Não à toa, um dos assuntos da temporada é o desmanche da expressão “brasileiro cordial” – explica-se aqui e ali, com ciência, que nada tem a ver com cordato, mas com emocional, impetuoso, para bem e para mal. Dá medo.

Essa filologia da palavra explica a epidemia de linchamentos virtuais, rompantes reacionários, incitação ao ódio – entre outros defeitos de fabricação que parecem ter tomado de assalto a simpática população brasileira, desfigurando-a. Difícil não acompanhar os comentários sempre raivosos na rede sobre os problemas nacionais e não se perguntar o que aconteceu. Ou nunca fomos tão amigáveis e abertos quanto julgávamos, ou estamos em processo de mutação galopante. Mas eis que os estrangeiros dizem ter gostado de nós, justamente por uma série de atitudes que julgávamos aposentadas.

A propósito, seria bem interessante saber mais sobre o que veem os outros – quem sabe uma nova pesquisa dê contas de responder. Como declarou Caetano Veloso, há mais de uma década, em célebre artigo sobre Carmen Miranda, “o Brasil é surreal”, daí ser tão bem representado por aquela portuguesa baixinha, cheia de gestos, tatibitates e com uma cesta de frutas na cabeça. Nossos absurdos devem ter saltado aos olhos dos estrangeiros no último mês. E nosso charme, nossa tormenta, nossa cesta de frutas. O brasileiro que chora feito menino desembestado é o mesmo que parece ignorar todo o resto – um mendigo dormindo no asfalto, não é com ele. As paisagens de paraíso convivem com um urbanismo sofrível – a começar pelos fios de luz expostos, o lixo nas ruas, sem falar nos já conhecidos contrastes sociais, sempre beirando a imoralidade. E a escola ruim? Bem podíamos chorá-la.

De qualquer modo, só resta repetir um dos mais festejados lugares comuns sobre o Brasil: “Não é país para principiantes”. A Copa pode estar nos devolvendo um pouco dessa complexidade. Menos mal.

O atraso de Belo Monte - EDITORIAL O ESTADÃO

O ESTADO DE S.PAULO - 07/07


Os atrasos nas grandes obras em construção no País deixaram há muito de ser exceção para se tornar regra. Assim, não chega a ser surpresa que o consórcio Norte Energia S.A. (Enesa), encarregado da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará - a maior obra de infraestrutura em execução no País -, tenha proposto recentemente à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) uma mudança no cronograma previsto, ocasionando um atraso de um ano, pelo menos, de todo o empreendimento.

Pela proposta, a primeira turbina da casa de força da barragem menor, denominada Sítio Pimental (233 MW), deve começar a operar em abril de 2016, em vez de fevereiro de 2015, como era previsto. Já na casa de força principal de Belo Monte do Pontal, a barragem maior (11 mil MW), a geração da primeira turbina, em um total de 20, seria transferida de março de 2016 para março de 2017. Isso se o novo cronograma for cumprido à risca, o que é duvidoso.

Um dos grandes problemas é a abertura de um enorme canal de 20 km de extensão e de 25 metros de profundidade, que vai ligar o Rio Xingu ao reservatório intermediário da casa de força principal. Até agora, somente 1 quilômetro foi construído. A expectativa é de que o canal seja concluído até o fim deste ano, o que dificilmente deverá ocorrer. Como relata reportagem do Estado, a construção desse verdadeiro rio artificial, que parece um trabalho sem-fim, exigirá a escavação de 110,8 milhões de metros cúbicos de rocha e solo, o equivalente ao volume extraído para a construção do Canal do Panamá. Prevê-se também a construção de 27 diques.

O consórcio atribui os atrasos a "fatos resultantes de atos do poder público, casos fortuitos e de força maior, excludentes de responsabilidade por parte da Norte Energia". Em que medida essa postergação interferirá no fornecimento de energia nos próximos anos é uma questão em aberto. O Ministério de Minas e Energia conta com a geração de Belo Monte para garantir energia firme nos próximos anos a 17 Estados, hoje habitados por 60 milhões de pessoas.

O pedido feito pelo consórcio à Aneel levanta questões fundamentais de planejamento e de gestão. Argumenta-se que o desenvolvimento do País requer o uso da energia de Belo Monte e de outras hidrelétricas projetadas ou em construção na Amazônia. Aceita essa premissa, o que se constata é que não há entrosamento de órgãos do governo em nível federal, particularmente entre as pastas de Minas e Energia e do Meio Ambiente, sem falar nas exigências de órgãos ambientais de governos estaduais. É imprescindível que haja sintonia na ação desses órgãos, o que deveria constituir uma das etapas prévias de qualquer grande projeto com impacto ambiental, sem deixar de levar em conta a comunicação adequada com as populações afetadas.

Sem isso, a judicialização do processo é inevitável, como tem acontecido com Belo Monte. Segundo dados da Advocacia-Geral da União, tramitam hoje na Justiça 27 ações contra Belo Monte, embora nenhuma determine a paralisação das obras ou do licenciamento.

Como informa o consórcio, o processo de licenciamento ambiental, ações do Ministério Público, movimentos de grupos de indígenas, greves de operários e a atuação de ONGs custaram 441 dias de atraso no Sítio Pimental e 124 no de Belo Monte do Pontal. Os dias parados tiveram importância crucial, afetando o volume de investimentos para a conclusão da obra, inicialmente previstos em R$ 19 bilhões, revistos para R$ 25 bilhões e agora estimados em R$ 30 bilhões, alegadamente por causa da inflação.

O consórcio poderia solicitar compensação pela energia que Belo Monte deixará de gerar por um ano, se não houver novo adiamento. Ele menciona "irreparáveis prejuízos para o empreendedor e para a sociedade", mas considera qualquer estimativa de compensação "prematura", estando o assunto em análise pela Aneel.

Não é difícil de imaginar que esta venha ser mais uma conta a ser paga pelo contribuinte brasileiro.

O ritmo dos EUA - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SO - 07/07

A grande surpresa do primeiro semestre na economia mundial foi a letargia nos países desenvolvidos. Contrariando as previsões otimistas, os EUA e a zona do euro quase não cresceram no período.

Permanece, contudo, a expectativa de aceleração na segunda metade do ano. Os dados de emprego nos EUA em junho superaram as expectativas e reforçaram a confiança de que finalmente o crescimento anual poderá superar 3%.

Foram criadas 288 mil vagas no mês passado, o que levou a média dos últimos três meses ao maior nível desde 2006. A taxa de desemprego continuou a cair depressa e chegou a 6,1%, nível próximo ao que o Fed (o banco central americano) estimara para o final do ano.

A persistir esse ritmo, o desemprego pode chegar à meta de longo prazo já no início de 2015. Isso, normalmente, levaria o Fed a subir os juros. Não é isso que o banco vem indicando, contudo.

Sua presidente, Janet Yellen, tem destacado que a taxa de desemprego deve ser olhada com cautela, pois não reflete a real ociosidade do mercado de trabalho.

Outras medidas, como desocupação de longo prazo, parcela de empregos temporários no total das vagas e taxa de participação da população no mercado continuariam a indicar que ainda há muito a melhorar. Os aumentos salariais, ademais, estão baixos, em torno de 2% ao ano, indicando que não há falta de mão de obra.

Em suma, o Fed não tem pressa para subir os juros. O dinheiro na praça, por essa razão, permanece abundante, e as Bolsas de Valores dos países desenvolvidos alcançam seguidos recordes históricos.

Mas até quando? O Banco de Compensações Internacionais, que agrupa os principais bancos centrais do mundo, alertou para o risco de uma bolha financeira, que pode estourar quando os juros subirem nos EUA e causar nova recessão.

Yellen dá sinais de que não reduzirá a oferta de dinheiro para conter tais excessos; ao contrário, manterá os juros baixos na tentativa de recuperar o emprego em seu país, pelo menos enquanto a inflação não se mostrar uma ameaça.

Mesmo essa linha de conduta, porém, pode encontrar complicações. Com a inflação já perto da meta (2% ao ano) e o desemprego se aproximando do objetivo de longo prazo, ficará cada vez mais difícil segurar os juros perto de zero.

Quando e quão rápido eles vão subir é um assunto que voltará a ser o foco de atenção em breve.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

APÓS PSD, KASSAB AGORA RECRIA O PARTIDO LIBERAL

Após o bem-sucedido projeto de criação do PSD, que desfalcou siglas da oposição como DEM, PSDB e PPS, o ex-prefeito Gilberto Kassab agora concentra forças na criação do Partido Liberal, que pode ser uma brecha a opositores após as eleições presidenciais. Dirigentes do PSD arregaçam as mangas nos Estados para ajudar a nova legenda, que já contaria com 400 mil assinaturas, das 492 mil exigidas pela legislação.


JANELA ABERTA

A ideia de Kassab é a mesma da recriação do PSD: garantir legenda, sem risco de perder mandato, a políticos loucos para aderir ao governo.


CONVENIÊNCIA

Pela lei, deputados não perdem mandato filiando-se em partido recém criado. Kassab quer negociar governabilidade a quem vencer a eleição.


SONHO MEU

Kassab sonha em assumir o lugar ocupado pelo PMDB nos governos Lula e Dilma. Ele aposta no desgaste das relações PT-PMDB.


SEM DISTINÇÕES

Em dívida com Dilma, que o ajudou a recriar o PSD, Kassab apoia o PT nacionalmente, mas negociou sua adesão do PSDB, em São Paulo.


STF É A TERCEIRA RENÚNCIA DE JOAQUIM BARBOSA

Joaquim Barbosa renunciou ao cargo de procurador da República, em 2003, para virar ministro do Supremo Tribunal Federal. Em novembro de 2009, o ministro Joaquim Barbosa renunciou à vice-presidência do Tribunal Superior Eleitoral. Ele seria presidente a partir de abril de 2010 e comandaria as eleições presidenciais daquele ano. Agora, ele renuncia pela terceira vez, para abandonar o STF e sua presidência.


TRABALHO

Joaquim renunciou também a obrigações como relatar a cassação de Jackson Lago, que daria o governo do Maranhão a Roseana Sarney.


PODER DA REDE

O número é impressionante e reflete a inclusão digital dos moradores de Brasília: 56% da população da Capital frequenta o Facebook.


LEVIANDADE

A prefeitura de BH ainda não explicou, de forma convincente, por que liberou o trânsito sob o viaduto antes de testar e inaugurar a obra.


RETALIAÇÃO NO INSS


O servidor Francisco Cardoso tomou um PAD (Processo Administrativo Disciplinar), no Ministério da Previdência Social, por “possíveis ofensas ao INSS”. Tem toda pinta de retaliação: é dono do blog perito.med, que faz denúncias contra o poderoso secretário-executivo Carlos Gabas.


PURA EMBROMAÇÃO

Para dificultar o trabalho de jornalistas, o Itamaraty agora se esconde por trás Lei de Acesso à Informação. Mas desrespeita o prazo fixado na lei, com desculpas esfarrapadas que inclui até jogos da Copa.


SURPRESA NO DF

O Instituto Dados entrevistou 3 mil eleitores do DF de 21 a 28 de junho, e descobriu que no Plano Piloto, região central de Brasília, Aldemario Araújo Castro (PSOL), pouco conhecido, já soma 4,3% para o Senado. Gim Argello (PTB), que disputa a reeleição, tem 3%. (TSE 189/2014).


JOGO DO ADVERSÁRIO

O PMDB de Íris Rezende suspeita que o desafeto Júnior Friboi fez um acordo por debaixo dos panos, após desistir da candidatura, para ajudar a reeleição do governador Marconi Perillo (PSDB), em Goiás.


DIÁRIAS MILIONÁRIAS

Ultrapassou os R$ 354 milhões em maio o total de diárias pagas pelo governo Dilma em 2014. Até abril o total era de R$ 223 milhões. O Instituto de Pesquisas Espaciais ainda é campeão neste quesito.


MINHA ELEIÇÃO, MINHA VIDA

Candidato ao Senado, o deputado Romário (PSB-RJ) deu um tempo no futebol beneficente disputado com outros deputados, nos Estados. Todos os esforços nos próximos meses são para campanha.


GUERRA À VISTA

A bancada do PR na Câmara promete não deixar barata a manutenção do apoio à reeleição da presidenta Dilma, negociada pelo senador Antônio Carlos Rodrigues (SP) sem qualquer consulta aos deputados.


BRIGA POR HOLOFOTES

O deputado Silvio Costa (PSC-PE) reclama que, mesmo tecnicamente empatado com Eduardo Campos (PSB), o Pastor Everaldo não recebe mesmo tratamento de emissoras de rádio e TV: “Cadê a democracia?”.


DALTÔNICOS

Os sábios da Petrobras têm outra bela desculpa para a megaroubada de Pasadena: confundiram estrela amarela com o vermelho da Texaco.