CORREIO BRAZILIENSE - 07/07
Ganhou recente repercussão na mídia episódio envolvendo o furto de duas galinhas, questão que foi parar no Supremo tribunal Federal (STF), e cujo autor da façanha tem como prenome Afanásio.
Antes de o STF se pronunciar definitivamente a respeito, em audiência na Comarca de São João Nepomuceno (MG), em 6 de maio, foi entabulado acordo entre Afanásio e o Ministério Público, no qual aquele se comprometia a pagar uma indenização de R$ 40 ao dono das penosas, além de dispor de um salário mínimo, parcelado em 10 vezes, a uma instituição beneficente. Digno de registro que a transação foi referendada pelo Judiciário local.
Perfeito, se assim terminasse. A um delito que não guardou maiores consequências, se deu, dentro da lei, a composição entre a acusação e o denunciado, observados os interesses da vítima, tudo sobre a chancela do juiz. É dizer, o Estado respondeu à ofensa ao bem jurídico tutelado -propriedade - de uma forma adequada e proporcional.
No entanto, a defesa de Afanásio, no curso do processo, fez chegar às barras do STF a irresignação de seu assistido com tal situação. Ao fim e ao cabo, em sessão ocorrida em 20 de maio, os ministros da nossa Corte Maior decidiram aplicar ao caso o princípio da insignificância. Nessa linha, julgou o STF que, em se tratando de uma lesão inexpressiva e que não se apresenta como socialmente perigosa, perpetrada por agente primário, o caso era realmente de trancamento da ação penal. Em bom português, o feito foi arquivado.
Como o direito penal é balizado, quase que na sua totalidade, pela atenção ao réu, esse eterno injustiçado, ouso trazer algumas considerações sobre o reverso da medalha, ou a perspectiva do dono das galinhas.
Invocando T.S. Eliot, para quem, "numa terra de fugitivos, aquele que anda na direção contrária parece estar fugindo", peço escusas a Afanásio e lembro que uma das funções da pena é a chamada prevenção geral, ou seja, incutir na sociedade a sensação de que, ao realizar conduta considerada pela lei como crime, o agente será punido por seus atos, dentro dos parâmetros mínimo e máximo previstos pelo legislador, atendidos os demais critérios de individualização da pena.
Porém, o dono das galinhas recebeu do Judiciário a mensagem de que as suas aves são insignificantes, para utilizar a expressão consagrada pela doutrina e jurisprudência, e o fato de terem sido subtraídas é um indiferente penal, ou seja, não guarda repercussão capaz de mobilizar o aparato estatal para, de alguma forma, punir ou educar o agente.
Aprende-se no primeiro ano da faculdade de direito, segundo a lição de Eduardo Couture, que "o processo é o substituto civilizado da vingança privada".
Decisões como a ora em debate, a par de bem intencionadas e politicamente corretas, podem, adiante, gerar consequências negativas. Ora, se o cidadão não pode contar com o Estado para reprimir o furto de suas galinhas, forçoso concluir que passará a considerar a possibilidade de uma via alternativa para fazer valer o seu direito de propriedade (direito este, diga-se de passagem, de estatura constitucional, na forma do art. 5º, inciso XXII, da Constituição Federal).
Ocorre que, no exercício da autotutela, nem sempre os meios utilizados são os mais adequados. Não se olvide que uma das situações que qualifica o homicídio, aumentando-lhe a pena, é o chamado motivo fútil, desproporcional, como, por exemplo, aquele em que o dono de galinhas furtadas atenta contra a vida do autor da subtração.
Um reflexo disso já pode ser percebido em outros casos também recentes, como o do linchamento de uma dona de casa em Guarujá (SP), confundida com uma mulher acusada de sequestrar crianças para utilização em rituais de magia negra, como tal apontada em uma página de rede social, ou o de um adolescente de 15 anos, supostamente autor de atos infracionais, que foi despido, agredido e amarrado a um poste no Rio de Janeiro, sem contar a figura das milícias que assumem o lugar do Estado, onde este é omisso.
No frigir dos ovos, ou o Judiciário olha com mais atenção para a "granja", ou o ladrão de galinhas de hoje pode pagar o pato amanhã, o que, malgrado o trocadilho, seria uma pena.
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