quarta-feira, janeiro 16, 2013

A Índia e os leitores - FRANCISCO BOSCO

O GLOBO - 16/01


"É óbvio que não vou fazer aqui um julgamento da Índia. Países são complexos, heterogêneos, e juízos assim costumam revelar tanto ou mais de si do que de seu objeto. Mas vou contar minha experiência em Délhi, sob esse aspecto da misoginia.” Era esse o segundo parágrafo da minha última coluna, em que, afetado pelo estupro de uma jovem, contei parte de minha experiência na cidade de Nova Délhi. Apesar de o parágrafo deixar claro que eu não faria um julgamento civilizatório sobre a Índia, de mostrar consciência quanto ao problema do etnocentrismo e de limitar o objeto do relato a um aspecto determinado (a misoginia) de uma cidade determinada (Nova Délhi), nada disso impediu que muitos leitores me escrevessem criticando, justamente, meus supostos etnocentrismo, generalização e redução drástica da complexidade de um país (entre outros que me escreveram fazendo excelentes comentários).

Esse tipo de cegueira seletiva, que faz com que não se registrem certas passagens, costuma acontecer aos leitores que se sentem imaginariamente implicados por um texto. A ameaça imaginária produz um açodamento, e logo uma necessidade de contra-ataque que termina numa projeção sem outro fundamento que a própria fantasia de quem a escreve. Certa vez eu escrevi que as drogas e a monogamia têm um estatuto análogo na nossa cultura — uma mistura de tabu e hipocrisia —, apenas simetricamente oposto: as drogas, quase todo mundo nega, mas muita gente usa; a monogamia, muita gente exige, mas quase todo mundo descumpre. No dia seguinte recebo um e-mail com a singela frase: “Você é um verdadeiro corno”.

Estive na Índia por 30 dias, em 2007. Antonia, com quem sou casado, ainda continuou lá por duas semanas depois que fui embora. Estive em Délhi, Mumbai, em algumas cidades do Rajastão, Agra, Varanasi, Galta, Elora e Ajanta, entre outros lugares de que já não me recordo. Eu não gostei da Índia em geral, mas foi a viagem mais transformadora da minha vida, por motivos que não cabem aqui. A Índia foi um pouco como Lacan é para mim: eu não gosto, mas eu adoro (notem que isso não é o mesmo que dizer: “Eu não gosto, eu adoro”: não se trata de intensificação, e sim de descontinuidade entre, talvez, o prazer e o gozo). Mas eu não escrevi na coluna passada que não gostei da Índia em geral, e se não o fiz foi justamente porque considero esse juízo etnocêntrico e idiossincrático. Com efeito, medida pela régua do ideal de nossa vida burguesa, a Índia é, por todos os lugares em que estive, precária: a pobreza é imensa, há muita gente vivendo nas ruas, há muita sujeira, a urbanização é caótica (um guia me disse, por exemplo, que em Délhi há cerca de 20 semáforos numa cidade de mais de 11.000.000 de habitantes) etc. Mas não foi sobre nada disso que escrevi.

Meu relato tinha um estatuto próximo àquele, por exemplo, de um repórter estrangeiro que tivesse vindo ao Rio de Janeiro fazer uma matéria sobre as nossas prisões. Seu relato seria tenebroso, mas não faria sentido acusá-lo de estar reduzindo a complexidade de uma cidade, muito menos de um país, pois seu objetivo não era dar conta dessa complexidade geral, e sim de seu aspecto delimitado. Assim, não faz sentido me chamarem à complexidade, ou dizerem coisas como “mas também há misoginia no Rio, em países da Europa etc.”, como li de vários leitores. Eu nunca disse que não há.

Já admiti aqui mesmo nessa coluna ser um mau viajante. Mas o sou porque radicalizo, no campo do outro, aquilo que já sou em meu país: estudo muito, sou tomado por um desejo intenso de entender a civilização que estou visitando. Foi assim quando estive na China, no Tibete, no Japão, e também na Índia. Li alguns dos maiores pensadores do ocidente, como Louis Dumont (“Homo hierarchicus” e “O individualismo”) e Octavio Paz (“Vislumbres da Índia”), alguma literatura indiana clássica e contemporânea (Jumpa Lahiri e Sukehtu Metha), além de arte em geral (no cinema, por exemplo, Satyajit Ray e Mira Nair). Se eu tivesse me proposto a falar da Índia, mobilizaria esse repertório; mas, repito, essa nunca foi a minha intenção. E nem seria, pois o que estudei não me torna apto a realizar, sobre a Índia, a tarefa que define a perspectiva antropológica: a ciência social do outro (atenção para o sentido do genitivo).

Uma última palavra sobre os leitores. Recebi, de um deles, um comentário que dizia ter sido essa a única coluna minha que ele fora capaz de ler até o fim, porque não continha “pedantismos, nem rebuscamentos pernósticos”. A moralização da dificuldade confirma o que eu disse mais acima sobre as ameaças imaginárias. “Pedante” é o sujeito que entende o que você não é capaz de entender.

Sarcófagos de concreto - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 16/01


RIO DE JANEIRO - Morreu Ada Louise Huxtable, 91, crítica de arquitetura do "New York Times", de 1963 a 1981, e do "Wall Street Journal". Foi a pioneira do gênero na imprensa. Não tolerava edifícios hostis às pessoas que viviam e trabalhavam neles ou aos seus vizinhos. Pena que não fosse brasileira.

Com uma Ada Louise na praça, não teríamos a intolerável Catedral Metropolitana, na avenida Chile, aqui no Rio -misto de usina nuclear com um balde emborcado, que acanalhou os Arcos da Lapa. Ou o espigão da Faculdade Cândido Mendes, na rua do Carmo, que engoliu o convento onde o príncipe d. João instalou a rainha dona Maria, em 1808. Ada Louise diria que Albert Speer, arquiteto do nazismo, os aprovaria.

Um de seus livros, de 1976, intitulava-se "Kicked a Building Lately?" (Chutou algum edifício ultimamente?). Chutar edifícios pode doer, mas é um protesto contra as empresas que plantam "sarcófagos de concreto" onde, até então, havia prédios adequados à harmonia urbana. Ou contra arquitetos cuja vaidade os faz projetar edifícios antissociais e em escala anti-humana, que desprezam o entorno.

Nesse sentido, o que ela não diria sobre Brasília, onde Lucio Costa e Oscar Niemeyer, fiéis a Le Corbusier, decretaram a morte da rua? No último domingo, a Folhaentrevistou Paul Goldberger, sucessor de Ada Louise no "NYT" e seu crítico de arquitetura por 25 anos. "[Brasília] tem alguns bons prédios, mas não tem boas ruas", ele disse. "Parece um campus universitário no subúrbio".

Rola hoje, por toda parte, uma arquitetura de brilhos, mármores e espelhos -"como uma mulher cheia de joias", alerta meu amigo Luiz Fernando Janot, conselheiro do IAB.

O pior de qualquer arquitetura extravagante é que não só nos obriga a conviver com ela pelo resto da vida como cafonizará também a vida de nossos netos.

Um segundo de distração - MARTHA MEDEIROS

ZERO HORA - 16/01


Peguei um táxi rumo ao aeroporto e antes mesmo de percorrer cem metros percebi que o motorista estava com sua atenção voltada para qualquer outro lugar, menos para o que acontecia diante do volante, já que enviou uma mensagem pelo celular em meio ao trânsito.

Resolvida sua emergência, recolocou o aparelho no bolso da camisa e, quando achei que iríamos tranquilos até o nosso destino, ele começou a procurar algo no porta-luvas, primeiro só através do tato, mirando em frente enquanto dirigia, até que resolveu dar uma espiada lá dentro. Foi quando se deu o estrondo. Nossa, que susto. Metade do carro estava em cima da calçada. Por sorte, não havia um poste e tampouco algum pedestre caminhando por ali.

Ele subiu o cordão e estourou os dois pneus do lado direito, o dianteiro e o traseiro. Mal havia começado seu turno de trabalho e o dia, para ele, já estava perdido. Saí do veículo, pedi para retirar minha mala, e ele, avexado com a situação, providenciou outro táxi para me levar ao aeroporto – mas cobrou a corrida até ali, e paguei, porque me deu pena daquele mané, mesmo ele tendo feito tanta gente correr risco sem necessidade. O que ele procurava de tão importante naquele porta-luvas que não poderia esperar um sinal fechar? Mané.

Ao dirigir, estamos constantemente sendo atraídos por coisas diversas: a bolsa que caiu do banco durante uma travada, a troca da faixa de música, o cabelo que está sobre os olhos e o retrovisor ajuda a ajeitar, o cartaz de promoção em frente ao supermercado, o isqueiro perdido no porta-luvas – ah, o porta-luvas. Tudo convida a um segundo fatal de distração.

Eu faço muito disso também. Não há quem consiga guiar vidrado, rígido, sem piscar nem virar o pescoço um segundinho. Digo mais: eu nem deveria dar carona para pessoas que vejo pouco e que exigem atualização da conversa durante o trajeto, pois isso também me tira a concentração. E não me aponte o dedo, somos muitos: outro dia fui levada a passear por uma amiga que não via há anos, tínhamos milhões de assuntos pendentes e, enquanto conversávamos, ela cometeu um bom número de barbeiragens. Ao chegarmos a sua casa, assumiu: “Sou boa pilota só quando estou sozinha”. Nem precisava explicar. Almas gêmeas.

Se você também está se reconhecendo, anote: somos todos manés. Podemos causar acidentes sérios, podemos matar e morrer só porque demos uma espiada para checar se havia luz na janela do apartamento de um amigo e não percebemos que o motorista da frente freou de repente. Bum.

Estando com o carro em movimento, nada de celular, nada de passar batom, nada de juntar o que caiu no chão, nada de espiar a vizinhança, nada de procurar bobagens no porta-luvas, nada de conferir vitrines com o olho espichado, nada de paquerar quem está caminhando na calçada. Dois pneus furados são uma chatice, mas o taxista deveria comemorar o saldo daquela sua distração, e eu também. Basta um segundo, e o “em frente” pode deixar de existir.

Ponto final - ANCELMO GOIS


O GLOBO - 16/01


Agora foi a vez de o STF negar o recurso dos herdeiros do escultor franco-polonês Paul Landowski, que participou da equipe que ergueu o Cristo Redentor, contra a H. Stern. Eles pediam ressarcimento por uso da imagem da estátua em pingentes de ouro. A causa foi ganha pelo escritório Kasznar Leonardos. Não cabe recurso.

Segue...
A polêmica, como se sabe, é antiga. De olho em dividendos econômicos, os herdeiros de Landowski dizem que ele foi o criador da imagem. Na verdade, o monumento, que é da Arquidiocese, foi concebido por uma equipe, liderada pelo engenheiro Heitor da Silva Costa, da qual constava, além do franco-polonês, o desenhista italiano Carlos Oswald. Este último deu a ideia de fazê-lo de braços abertos.

Tubarão Azul
A Rádio Corredor diz que o empresário Eike Sempre Ele Batista negocia a venda de um pedaço do campo de Tubarão Azul, na Bacia de Campos. A conferir.

Troca em terra
A Infraero resolveu mudar seu superintendente no Rio. É quem cuida dos aeroportos Galeão -Tom Jobim e Santos Dumont, por exemplo. O escolhido foi André Luís Marques, que estava na sede da empresa, em Brasília. Que seja feliz!

A outra Rosemary
“Como vencer na vida sem fazer força”, o musical da Broadway que a dupla Charles Möeller e Claudio Botelho leva, em março, ao Oi Casa Grande, no Rio, tem uma secretária chamada... Rosemary. A secretária da peça não tem nada de corrupta. Já a secretária petista Rosemary... deixa pra lá.

Campo Grande
O filme “Campo Grande”, de Sandra Kogut, será o único brasileiro a participar do mercado de coprodução no Festival de Cinema de Berlim, em fevereiro. Dos 318 trabalhos, só 20 foram escolhidos. A produção é da Tambellini Filmes, com coprodução francesa da Gloria Filmes.

Noite feliz
Ex-judoca e medalhista olímpico, o apresentador da TV Globo Flávio Canto pediu a atriz Fiorella Mattheis em casamento, no Natal. A cerimônia deverá ser na casa da família da loura, em Petrópolis, RJ.

D. Pedro II, o filme
Depois do longa sobre o maestro Tom Jobim (1927-1994), Nelson Pereira dos Santos, mestre da telona, pretende levar para o cinema um filme sobre o imperador D. Pedro II (1825-1891). A história se passa em apenas um dia: 15 de novembro de 1889, data da Proclamação da República.

Caiu na rede
A Polícia Civil do Rio fechou parceria com o Disque-Denúncia (2253-1177). As delegacias vão receber pela internet as informações do serviço. Antes disso, acredite, tudo era enviado por malote. Agora, as denúncias serão usadas também para avaliar a produtividade dos agentes.

Xõ, mijão!
A TV Globo começa amanhã uma campanha de boas maneiras neste carnaval. Daniele Suzuki, veja na foto, será uma das estrelas. Vários artistas vão cantar na telinha a tradicional “Marchinha do xixi” e as inéditas “Marchinha do porcalhão”, que condena lixo na rua e vandalismo, e “Marchinha se beber não dirija”. As três são de autoria do mestre João Roberto Kelly. Eu apoio.

Bebum, não!
Uma companhia de seguros foi salva de pagar R$ 25 mil a um cliente que, após bater em uma moto, num acidente com vítimas, foi espancado e teve o carro queimado por populares. É que o sujeito estava... bêbado. Diante disso, a 4ª Câmara Cível do TJ do Rio decidiu que a seguradora não deve indenizá-lo.

Faz sentido
Do ator Tonico Pereira, outro dia, para uma amiga:
— Vou solicitar um bloqueador para meu telefone como o dos presídios, onde os aparelhos sempre funcionam bem.

Fila… - SONIA RACY


O ESTADÃO - 16/01


Números fresquinhos: os campeões de reclamações encaminhadas ao Procon-SP em 2012 foram eles, os mesmos: bancos.

Estrela do setor? Itaú. A telefonia móvel “subiu” merecidamente no ranking, ultrapassando os cartões de créditos – que tiraram o segundo lugar em 2011. O Grupo Vivo Telefônica foi o destaque.

…não anda
Maiores problemas? As taxas de cadastro no financiamento de veículos – cobradas por bancos. E o não-cumprimento de pacotes ofertados por empresas de telefonia móvel.

Carlos Coscarelli, do Procon, ressalta: falta aprimorar o atendimento pós-venda.

Ponta do mouse
Jorge Paulo Lemann se junta a Bill Gates e Google. Como? Entrando na Khan Academy, por meio de sua Fundação Lemann, também como financiador do projeto.

Objetivo? Levar as aulas de Salman Khan – reconhecido educador americano, de origem indiana – a 6 mil escolas públicas do Brasil ainda em 2013.

Ufa!
Dentro do plano de Haddad para a Defesa Civil, a Secretaria de Segurança Urbana, capitaneada por Roberto Porto, interditou, anteontem, 14 residências na região do Jabaquara. Todas em áreas de risco.

Ontem, três desabaram.

Tesouros
São Paulo vai bem, obrigada, na comparação com o governo federal. Fechou 2012 com crescimento de 1,5% em termos de ICMS. De janeiro a novembro, a União arrecadou apenas 0,68% a mais.

Em ambos os casos, a inflação foi descontada.

Agora vai
Sai do papel, hoje, o órgão municipal de coordenação da Copa de 2014. Sob o comando de Nádia Campeã– nomeada, aliás, presidente do comitê da candidatura de São Paulo a sede da Expo 2020.

Primeira reunião? Sexta.

Dupla dinâmica
Após Avenida Brasil, Amora Mautner se une a Guilherme Coelho para dirigir peça de Hans Christian Andersen: O Rouxinol e o Imperador da China.

Musicado por Gilberto Gil e Jorge Mautner, estreia em abril, em SP. Os testes para o casting começam essa semana.

Sempre mulher
Usando lilás, cor que simboliza a luta feminista, Eleonora Menicucci foi a convidada de honra do primeiro evento da Secretaria de Políticas para as Mulheres – anteontem, em SP.

A ministra afirmou que o desafio de Haddad e Denise Motta Dau será a implantação da Lei Maria da Penha em toda a cidade. “Hoje, temos cinco casas-abrigo.”

No plano federal, Eleonora garantiu: não “mede esforços” para que, até o fim do governo Dilma, a lei esteja em todo o País.

Mulher 2
Ana Estela Haddad recorreu ao filme libanês E Agora, Onde Vamos? para defender que “as mulheres sejam cúmplices e companheiras entre si”. No longa, que se passa em uma aldeia dividida entre cristãos e islâmicos, as mulheres, cansadas de ver a morte de seus maridos e filhos, se unem em prol de um bem comum.

Mulher 3
Já Clara Charf, viúva de Carlos Marighella e presidente da Associação Mulheres pela Paz, lembrou à coluna que é preciso “incorporar os homens na luta contra a violência doméstica”.

Mulher 4
Convidado, o ex-presidente Lula não compareceu. Mandou carta, assinada em conjunto com Marisa Letícia, parabenizando pela criação da secretaria.

Na frente
Francesca Romana Diana é anfitriã de almoço no Baretto, no Fasano. Hoje.

Tem almoço em Aspen, hoje, para apresentar empreendimento imobiliário a brasileiros que por lá esquiam. Com direito a hambúrgueres assinados por Peter Luger – sugestão de Eduardo Gaz, da SkiBrasil.

Gabriel Nehemy e Iquinho Facchini recebem convidados na festa Tropicália. Sábado, no HSBC Brasil.

A banda Wonkas faz show beneficente pró-Projeto Sol. Sexta, no Na Mata Café.

Acontece, sábado, o espetáculo Cabaré Show. Na Offset, em Pinheiros.

Motorista da linha 917M não parou em devido ponto na Av. Paulista, ontem pela manhã. Mas o que realmente revoltou os que esperavam na calçada foi a… larga risada do moço ao volante.

Guarda metropolitana
Troca de comando da guarda civil metropolitana da cidade de São Paulo. Hadad aprovou a substituiçáo de Joel Malta de Sá por Eduardo de Siqueira Dias. O novo nome atende à necessidade de transformação da guarda prtendida pelo prefeito. Que quer a unidade mais próxima da população.

Também foi exonerado o coordenador do centro de formação da guarda. O coronel será substituído por um educador.

A resposta da Infraero - ARTUR XEXÉO

O GLOBO - 16/01


Motivado pelo apagão que atacou o Galeão no dia 26 de dezembro, escrevi aqui sobre as condições do aeroporto numa
coluna batizada de “O pior aeroporto do mundo”. O texto recebeu uma resposta do presidente da Infraero, Antonio Gustavo Matos do Vale, que reproduzo agora:
“Desconheço a quantidade de vezes que o senhor esteve no Aeroporto Tom Jobim (não concordo com o “coitado do Tom Jobim”, já que vincular o nome do homenageado ao obeto da homenagem não me parece muito correto, mas isto é apenas a minha opinião) nos últimos meses, mas o que lá aconteceu recentemente parece não ser do seu conhecimento.
No período de 2011/12, das nove esteiras existentes no Terminal 1, as quatro destinadas ao tráfego internacional foram
substituídas e as cinco domésticas, revitalizadas; dos 35 elevadores, a totalidade foi substituída e estão todos em funcionamento, além de mais 35 que serão implantados ainda em 2013.
Existem em funcionamento 30 lojas de serviços, sendo 13 por 24 horas, e sete lanchonetes, sendo quatro delas por 24 horas, conforme atestam diversos passageiros, uma vez que cessaram as reclamações neste sentido. O sistema automatizado de transporte e triagem de bagagens foi contratado em novembro de 2012, com investimento de R$ 59 milhões e a instalação está prevista para o início de 2014.
(...) Quanto ao terminal 2, ainda neste mês de janeiro será inaugurada a parte nova do terminal (cerca de 40% da ampliação prevista), para onde será transferido o check-in de parte das companhias que operam voos internacionais no aeroporto.
A necessidade de prestar esses esclarecimentos reside na intenção de demonstrar que a sua afirmação “o que autoridades dizem não é para ser escrito” não é verdadeira. Além disso, demonstra que as expressões “caiu aos pedaços”, “faz mal à saúde” (ainda não descobrimos ninguém que contraiu alguma doença no aeroporto) e “deveria ser interditado” (tenho certeza de que o senhor não pensou nem um minuto nos 50 mil passageiros que lá transitam todos os dias e nas 30 mil pessoas que lá trabalham para sustentar suas famílias, mas isso não é mesmo sua obrigação) são situações que saíram de sua brilhante imaginação, não condizendo nem um pouco com a realidade do aeroporto.
Me permita também discordar das razões que o levaram a considerar o Aeroporto do Galeão como o pior aeroporto do
mundo (prefiro acreditar que ele seja o pior dentre os que o senhor conhece, pois imagino que o senhor não conhece todos). Escreveu o senhor que o Galeão tornou-se o pior aeroporto do mundo porque “a Infraero não se preocupou em dar uma única explicação ou um pedido de desculpas aos usuários do aeroporto.
As suas premissas não são verdadeiras, o que permite concluir que a sua conclusão também não o seja.Todas as explicações sobre o ocorrido foram dadas ainda na noite de quarta-feira, bem como durante toda a quinta-feira, explicações estas reproduzidas por todos os noticiários do país, inclusive no jornal para o qual o senhor escreve. Como talvez o senhor não tenha tomado conhecimento, permita-me esclarecê-lo.”
A carta do presidente da Infraero é longa. Na íntegra, ela ocuparia o dobro de espaço da minha coluna original. Tomo a liberdade, então, de cortar o trecho em que ele fala da eficiência com que a luz voltou ao Galeão. E continuo a reprodução:
“Com relação ao pedido de desculpas, novamente o senhor não deve ter tomado conhecimento, mas em entrevista a diversos veículos da imprensa brasileira, na manhã de quinta-feira, o superintendente do aeroporto se desculpou pelos contratempos enfrentados pelos usuários. Eu mesmo, na manhã de sexta-feira, em entrevista coletiva no próprio aeroporto, pedi desculpas aos passageiros dos 19 voos que partiram com atraso (nenhum superior a uma hora e não tivemos nenhum voo cancelado) e a todos os que estavam no aeroporto naquele momento.
Evidentemente, estamos reavaliando todo o sistema de redundância do aeroporto, para impedir que tal fato aconteça
novamente, numa eventual ocorrência de falta de energia elétrica no futuro.
Lamento que o senhor não tenha recebido nenhuma explicação da Infraero naquela oportunidade, mas a sua informação de que deixamos os passageiros agirem por conta própria, não condiz com o fato de que todos embarcaram em seus voos e partiram, com pequenos atrasos, é verdade, mas partiram e chegaram em segurança aos seus destinos.”
Agora, corto o trecho em que o presidente descreve as múltilas tarefas dos funcionários da Infaero. E vou adiante:
“Por fim, como não tenho a tribuna de O GLOBO para levar ao conhecimento de milhares de brasileiros minhas considerações a respeito do assunto, como o senhor a tem, informo que, por uma questão de lealdade para com os empregados da Infraero, os verdadeiramente atingidos por sua injusta (é só mais uma opinião) manifestação, esta correspondência será reproduzida nos canais internos da empresa.”
E não se fala mais disso.


Murundu polissêmico - ANTONIO PRATA

FOLHA DE SP - 16/01


Quero comer mangas em mangas de camisa, curtir os baratos da vida sem pensar em monstruosos insetos


Que manga seja tanto o fruto da mangueira quanto o braço da camisa é um desses indícios -pequenos, mas incontornáveis- de que a humanidade está fadada ao fracasso. Veja, as combinações entre as consoantes e as vogais são infinitas, os frutos, as partes da camisa e os demais itens deste mundo, não. Se usamos o mesmo nome para duas coisas tão distintas, é porque a bagunça é ampla, geral e irrestrita.

Eu sei que a língua não surge por decreto. Palavras brotam como árvores, esgarçam-se como camisas; às vezes, também, mudam de significado: a fruta vira compota, a blusa, pano de chão. Mas assim como os pomares têm seus agricultores e as roupas, as costureiras, o vernáculo conta com os gramáticos para trazer mais racionalidade à selva da comunicação. Se, em vez de ficarem depenando as tremas de pinguins indefesos em inúteis reformas ortográficas, eles se dedicassem a uma reforma semântica, tudo ficaria mais simples. "A partir de 1º de janeiro de 2014, a manga da camisa passa a chamar-se lafana". Ou "bada". Ou "sprrrrlsploft". (Eu, particularmente, prefiro "lafana"). "A partir de 1º de janeiro de 2014, os cabos do exército passam a chamar-se subsargentos." Ou "zartos". Ou "inhaum-inhaum-plaplum". (Eu, particularmente, prefiro "inhaum-inhaum-plaplum").

Os novos termos, contudo, pouco importam. Fundamental é deixarmos de viver nesta barafunda em que uma mercadoria que não é cara (rosto) é barata (inseto), em que os budistas são liderados por lamas, em que três pessoas e uma rachadura num copo -uma única rachadura, olhe só- são chamados de trinca.

Polissemia é o nome da lambança. Vem do grego: poli = vários + sema = significado -e muito me admira que gramáticos tenham se reunido, se debruçado sobre o problema e surgido não com uma solução, mas com esta palavra bonita e pomposa. Lembra-me aquela placa: "Atenção, buracos na pista". Não era mais fácil consertar a estrada? Minha vontade é arrancar a placa e botar sobre um buraco. É pegar "polissemia" e batizar com ela as mangas da camisa. Ou o molho tártaro. Ou o tártaro dos dentes. Ou o povo da Tartária.

Não se trata apenas de um purismo, de uma firula anal retentiva. A polissemia atrapalha a vida da pessoa. Toda vez que chamo meu amigo Caio, por exemplo, projeta-se em algum canto do meu cérebro a imagem deste que vos escreve caindo num bueiro. Quando faço um galo na cabeça, quase escuto cacarejos. Quando ouço falar em banco de dados, penso numa porcaria de um banco feito com dados. São neurônios mobilizados inutilmente. Sinapses jogadas no lixo. É um pedacinho de nossa experiência na Terra que entra pelo cano -como eu, quando penso no Caio.

Ora, gastemos nosso tempo com o que importa. Quero comer mangas em mangas de camisa, quero dar cabo deste problema, curtir os baratos que a vida oferece sem pensar em monstruosos insetos, em Kafka, que nasceu em Praga, sinônimo de peste, que nada tem a ver com Budapeste, que além de peste tem Buda no nome; "Antes buda do que Tcheca!", pensa a senhora de mente suja -mas não eu, pois jamais faria tais insinuações num jornal de família e só vim aqui por amor à língua e ao nosso povo, perdido neste murundu polissêmico.

Mudança - DIANA CORSO

ZERO HORA - 16/01


Desconfiada, fui assistir ao filme sobre um menino e um tigre náufragos. Não fossem as recomendações de pessoas próximas que me garantiram ser imperdível, não teria ousado. Isso dito por uma incorrigível fã de filmes de aventura, fantasia e ficção infantojuvenil. Com a mesma confiança dos apreciadores que me deram esse presente, recomendo ao leitor: se já não viu, não perca!

A magia da jornada marítima do garoto indiano funciona porque Ang Lee, diretor de As Aventuras de Pi, administra o improvável, as cenas malucas, com boas doses de humor sutil. O filme é mais do que uma aventura, é uma pulga atrás da orelha sobre como ver e narrar a própria vida. A organização da informação, que devemos a jornalistas e historiadores, é imprescindível, mas insuficiente para fazer-nos compreender quem somos, onde estamos e o que diabos aconteceu. Precisamos mais do que isso. Para isso, servem a ficção, a fantasia, a beleza dos diversos tipos de vozes e olhares.

São essas recriações da verdade que nos tornam capazes de elaborar um trauma qualquer. Não precisa ser uma guerra, uma catástrofe, um abuso, também ficamos marcados pela morte de um avô, pela ocasião em que esqueceram de nos buscar na escola, pela perda do primeiro amor.

Contado com arte, o vivido transforma-se em algo que pode ser visto e compreendido de vários jeitos. Por isso, longe de ser supérflua, a arte é um instrumento de crescimento e equilíbrio emocional eficaz para todas as idades. Artigo de primeira necessidade!

Passaram-se quase 12 anos desde setembro de 2001, quando recebi um telefonema da Cláudia Laitano, convidando-me a uma contribuição quinzenal neste espaço do Segundo Caderno. Tenho escrito estas colunas, misto de crônica e miniensaios, sobre fatos reais e imaginários. Esta é a última vez que sou publicada aqui. Migro para o espaço de Opinião da Zero Hora, mensalmente aos domingos, além de outras escritas esporádicas.

A duras penas, aprendi que as histórias que pedem para ser contadas pelo colunista por vezes são fatos, outras ficção. Seguirei falando sobre produtos culturais, que não passam de ilusões, exatamente como os sonhos: tramas inverídicas em que os psicanalistas garimpam as maiores verdades!

A realidade por vezes é grande demais, é como um alimento cru que necessita preparo para ser absorvido por nossos estômagos frágeis. Nos jornais e nas revistas, o artigo, o ensaio, a crônica, a coluna tentam dar forma ao que vivemos sem entender. (Nos divãs também.) Loucos, pretensiosos, esses jornalistas e escritores. Gracias, Cláudia, por ter me convidado a ser como eles!

Amarelo piscante - MARCELO COELHO

FOLHA DE SP - 16/01


Tirem os semáforos, disse ele. Melhor substituí-los por rotatórias e confiar nos motoristas


Basta uma chuva qualquer, ou às vezes nem isso, e o paulistano já sabe o que acontece. Os sinais de trânsito entram em pane e se harmonizam com os ridículos relógios digitais espalhados pela cidade, sempre errados na hora e na temperatura.

A má avaliação do ex-prefeito Gilberto Kassab, que a meu ver tem certa dose de injustiça, foi atribuída a várias causas. O fato de ele não ter construído dois hospitais prometidos certamente afetou os serviços de saúde.

Ainda assim, uma coisa é reclamar da falta de algo que nunca existiu, e outra é ver o que já existe deixando de funcionar.

Uma promessa que não se cumpre dói menos do que uma realidade que se retira de cena. Melhor perder R$ 10 numa aposta de loteria do que ter R$ 5 roubados no ponto de ônibus.

A sensação de abandono e disfuncionalidade provocada pelos semáforos quebrados devia, assim, ser levada a sério.

Bom, talvez nem sempre. James Scott, professor de ciência política na Universidade de Yale, leva suas convicções libertárias ao arriscado extremo de criticar os faróis de trânsito. No livro "Two Cheers for Anarchism", publicado agora nos Estados Unidos, ele conta uma desagradável experiência pessoal, ocorrida no verão de 1990.

Scott inventou de aprender alemão trabalhando numa fazenda comunitária, remanescente do regime socialista. Aos sábados, dava um passeio até uma cidadezinha ali perto.

Tinha de atravessar a pé uma estrada, que se estendia por quilômetros de planície. O sinal demorava um tempão até ficar verde, mesmo nas horas mortas da noite. As pessoas iam se juntando na calçada, esperando disciplinadamente (eram alemães, afinal de contas) a permissão para atravessar.

Scott olhou de um lado, olhou de outro, e depois de alguma hesitação acabou atravessando no sinal vermelho. Foi uma imprudência. A pequena multidão se revoltou; vaias e xingamentos puniram o seu individualismo tipicamente americano.

Ele ainda tentou reproduzir a aventura, ao lado de um amigo holandês, professor universitário e adepto da insurgência de massas. O holandês também se chocou. "Mas não tem carro nenhum na estrada", argumentou Scott.

"Sim, mas fazendo isso você dá um mau exemplo para as crianças do lugar", respondeu o holandês.

A história foi reproduzida na revista "Harper's" de dezembro passado, e serve para mostrar até que ponto está entranhado no espírito dos europeus o princípio da obediência a qualquer custo. Sabe-se, aliás, que custo isso teve durante o século 20.

Mas a Europa continua evoluindo, e Scott fala de uma iniciativa curiosa, surgida há pouco tempo na Holanda. O engenheiro de tráfego Hans Moderman teve a ideia em 2003.

Tirem os semáforos, disse ele. Melhor substituí-los por rotatórias e confiar nos motoristas. No cruzamento mais movimentado da cidade-piloto de sua experiência, o índice de acidentes caiu para quase um décimo do que era quando o farol estava em funcionamento.

A experiência se espalhou, e o movimento do "red-light removal" ganha adeptos na Europa e nos Estados Unidos.

Teria medo de ver isso adotado, por exemplo, no cruzamento da Rebouças com a Henrique Schaumann. Com os semáforos toda hora no amarelo piscante, entretanto, quem sabe não estejamos longe de tentar a experiência.

Sem dúvida, foi preciso que antes a população europeia tenha tido reverência mística ao princípio do sinal vermelho para que, mais tarde, sua prudência adquirida possibilitasse a remoção "anarquista" dos semáforos.

Por aqui, eu gostaria de ser mais radical, e propor a remoção dos próprios automóveis. Quem sabe se os proibissem na Paulista o recurso aos ônibus se tornaria mais rápido e atraente...

Falta, como sempre se diz, investir mais em metrô. Sem carros, entretanto, não seria nem mesmo necessário construir linhas subterrâneas. Andando mais a pé, a população precisaria também de menos hospitais -que teriam menos atropelados, aliás, para cuidar.

Um passo a mais no amarelo piscante, e a própria prefeitura seria removida de cena. Justiça seja feita a Kassab, ele começou o processo -não só com os faróis quebrados, mas com a lei da cidade limpa também, removendo os outdoors de nossa vista. O horizonte se desanuvia aos poucos; mas o novo prefeito, é verdade, ainda tem um longo caminho à sua frente.

Menos pode ser mais - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 16/01


Pato pode se tornar, no Corinthians, o craque que imaginávamos que ele seria no Milan


No sábado, cheguei de férias, de Montevidéu, com conexão em Guarulhos, para Belo Horizonte. Havia uma enorme fila para mostrar documentos na Polícia Federal de São Paulo. Maior ainda eram a multidão e a confusão no setor de embarque para outros Estados. Quem dependesse de uma conexão rápida perderia o voo. O que mais se ouvia era: "Imagine na Copa".

Os três jogadores e os três treinadores masculinos que concorreram ao prêmio de melhor do mundo, além de todos os atletas escolhidos para a seleção do ano pela Fifa, atuam na Espanha. Em meu time, entrariam Thiago Silva, o alemão Lahm, Busquets e Ibrahimovic, nos lugares de Sergio Ramos, Daniel Alves, Xabi Alonso e Falcao García. Os outros seriam os mesmos: Casillas, Piqué, Marcelo, Xavi, Iniesta, Cristiano Ronaldo e Messi.

Messi está cada dia mais conciso e eficiente. Menos, para ele, é mais. Movimenta-se menos e toca menos na bola. Por outro lado, dá mais passes decisivos e faz mais gols.

O veloz centroavante Mirandinha -não me lembro qual deles, já que existiram vários- dizia que não dava para correr e pensar ao mesmo tempo. Messi, em suas arrancadas, com a bola colada aos pés, muda várias vezes de pensamento e de rota para chegar ao gol. Parece ter um megacomputador no corpo, uma mistura de jogador virtual e real. Os dois trabalham juntos.

Por falar em atacante, Pato é o novo reforço do Corinthians. Ele poderá jogar no lugar de Guerrero ou ao seu lado. Gosto mais, taticamente, do Corinthians do jogo contra o Chelsea, no 4-4-2, com duas linhas de quatro e dois atacantes (Emerson atuou livre e próximo de Guerrero), do que com três meias e um centroavante isolado (4-2-3-1).

Em 16 de janeiro de 2008, exatamente cinco anos atrás, logo depois de sua estreia no Milan, escrevi: "Pato já é tratado como celebridade e grande craque, antes de jogar 30 partidas, de fazer 30 gols, de ser titular da seleção, de ser vaiado e de perder o sorriso de menino. Como toda celebridade, Pato já tem namorada famosa, já saiu na revista 'Caras' e, logo, será alvo de muitas fofocas".

Pato continua a ser uma celebridade, mas não se tornou o craque que todos esperavam. As contusões e a idolatria precoce atrapalharam sua carreira. Não mostrou também a lucidez e a antevisão dos grandes jogadores. É apenas excelente quando está em forma, o que tem sido raro. No Corinthians, onde deverá receber melhores cuidados físicos, poderá evoluir.

Suspeito, apenas por observação, com grandes chances de dizer besteira, já que não tenho nenhuma informação científica, que um dos motivos de tantas contusões musculares de Pato é sua maneira de correr, ereto, contraído, com o peito estufado, imponente.

Flores do recesso - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 16/01


A necessidade de haver uma relação mais clara entre as autoridades públicas e a população tem levado Miro Teixeira (um dos mais antigos deputados federais, exercendo o décimo mandato) a fazer campanha informal para que se tornem mais comuns os contatos de toda e qualquer autoridade com a opinião pública, através de encontros periódicos com a imprensa. Miro lembra que, sempre que não há notícia, prospera o boato, tese que pode ser resumida na famosa frase do juiz Louis Brandeis (1856-1941), da Suprema Corte americana, que dizia que "o Sol é o melhor desinfetante".

Por isso ele tem insistido com políticos que apoia para que falem sobre as acusações que lhes estão sendo feitas, de maneira a não permitir que os boatos prevaleçam sobre a realidade. Ele teve a mesma posição com relação ao ex-presidente Lula e ao provável futuro presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, mas prefere falar conceitualmente. Miro acha que a relação do poder público com a população precisava ter uma atenção maior por parte das autoridades, em qualquer nível, e lamenta que tenham trocado o contato direto pela propaganda dos marqueteiros.

Miro afirma que, em relação aos governadores, por exemplo, há uma permissividade grande, a ponto de o cidadão não saber se este ou aquele governador está no estado ou o que está fazendo em uma eventual viagem ao exterior. Ele cita exemplos positivos como o do prefeito do Rio, Eduardo Paes, ou o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que estão permanentemente dando entrevistas ou andando nas ruas.

Para ele, as autoridades públicas têm um instrumento insuperável para a reposição da verdade, que são as chamadas "entrevistas coletivas", comuns em democracias mais longevas do que a nossa. A necessidade de ministros apresentarem relatórios frequentes ao Congresso, prática especialmente utilizada no parlamentarismo, mas que já é comum no nosso sistema, seria uma maneira de as autoridades prestarem contas à população através dos seus representantes.

Essa análise que vem fazendo não é de hoje e está levando o deputado Miro Teixeira a amadurecer uma proposta de encurtar o recesso parlamentar. Ele está convencido de que os recessos longos demais são nocivos à atividade política, gerando notícias que são as famosas "flores do recesso", que só aparecem nessas ocasiões em que ela está paralisada no Congresso. Não quer dizer que sejam todas falsas, mas sua divulgação é amplificada nessa ocasião em que a atividade política está transferida para os estados, e o natural contraditório não encontra eco no Congresso.

No recesso, surgem ideias estapafúrdias, lembra Miro, como a recente cogitação, por exemplo, de votar o Orçamento da União pela Comissão Representativa, que fica de plantão durante o recesso para qualquer eventualidade, "o que seria um absurdo". Para piorar a situação, o período de recesso sempre antecede as eleições das Mesas da Câmara e do Senado.

Na visão de Miro Teixeira, seria muito mais útil haver um período de debates internos, até mesmo pela TV Câmara, entre os candidatos à presidência nas duas Casas, onde as queixas e acusações poderiam ser feitas às claras, "porque aí o boato deixa de prosperar, você tem os fatos". Miro considera "muito estranha" a manutenção de algumas falhas evidentes, como ter a eleição bienal das Mesas do Congresso sempre antecedida por um longo recesso, situação que se torna ainda pior quando se trata do primeiro ano da legislatura, que pega as renovações de mandatos. Os parlamentares de primeiro mandato chegam e recebem uma candidatura pronta. O primeiro ato é prestar juramento, e o segundo é votar.

O resultado seria muito mais representativo se todas as correntes da Câmara e do Senado estivessem em atividade política normal ao escolher quem presidirá as duas Casas. As discussões virariam necessariamente mais abertas, e os temas institucionais superariam as questões fisiológicas que hoje prevalecem nas negociações do recesso, longe da opinião pública.

A largada que ninguém viu - ROSÂNGELA BITTAR


Valor Econômico - 16/01



Nos momentos finais do ano passado o governo reiterou que as mudanças na sua organização para enfrentar os problemas que se acumularam nos dois primeiros anos de gestão, fazer um eficiente terceiro ano e preparar a campanha da reeleição começariam após a eleição da nova direção do Poder Legislativo, em fevereiro. Os fatos não seguiram as previsões e as transformações estão ocorrendo neste momento.

A melhor percebida é a nova atitude da presidente Dilma Rousseff. Ela assumiu a coordenação política, administrativa e o comando da economia do seu governo. Com o vice-presidente e presidente de honra do PMDB, Michel Temer, faz a articulação com o Congresso. Convoca técnicos e autoridades da gestão para debater problemas que são verdadeiras "bombas" de neve, como o dos apagões de energia. E, com os empresários, recebidos um a um, e não mais em grupos de 30, trata do que considera crucial na economia, hoje: os investimentos privados. Tenta convencê-los que o governo, apesar do bombardeio de críticas à equipe econômica, é crível.

Desde que voltou das férias de fim de ano, Dilma vem marcando audiências para os mais importantes empresários do país. Na quinta-feira reuniu-se com Rubens Ometto, da Cosan, Murilo Ferreira, da Vale, Marcelo Odebrecht, da Odebrecht. No dia seguinte, esteve com Luiz Trabuco, do Bradesco, Rodolpho Tourinho Neto, do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon) e ex-ministro de Minas e Energia entre 1999 e 2001, e Bruno Lafont, do Grupo Lafarge, da área de cimento.

Tête-à-tête com empresários já é mudança radical

Hoje estarão na sua agenda os empresários Eike Batista e Jorge Gerdau. Amanhã, Antonio Portela Álvarez, do Isolux Corsán. Por que a presidente tem feito reuniões com cada um, em separado? Porque pediram. Não querem mais ser recebidos em manada, pretendem falar as coisas sem testemunhas, com franqueza, inclusive sem a presença de ministros.

Com eles, a presidente exerce também um papel de ministra da Economia, além do seu próprio. Há uma agenda não escrita do governo para este ano e é para ela que Dilma quer atraí-los. A concessão das rodovias em abril, o leilão de petróleo em maio, depois as iniciativas para ferrovias em junho, o leilão do trem-bala em agosto, os editais dos aeroportos em setembro. Os empresários terão que dizer se querem, como querem, com que interesse enfrentarão as ofertas. Não se chega a exigir uma definição de investimentos, mas especula-se à vontade.

A presidente sabe que sua equipe econômica está desgastada, é alvo de críticas agora até dos economistas mais próximos, um deles verdadeiro conselheiro-mor dos governos Lula e Dilma, o ex-ministro Delfim Neto. Por isso está se apresentando pessoalmente a estas conversas mesmo que eventuais trocas de ministros fiquem realmente para depois.

Em artigo publicado ontem no Valor, Delfim usou adjetivos fortes para se referir ao expediente usado pelo Tesouro Nacional para fazer um superavit forçado no fim do ano. Qualificou a "contabilidade criativa" e seus feiticeiros como "deplorável", "alquimia", "truques contábeis", "esperteza", "quebra de seriedade", "custo devastador", "gases venenosos".

Há quem afirme que suas críticas se dirigem só ao secretário do Tesouro, Arno Augustin, hoje ministro interino da Fazenda - o titular está em férias. Não importa. Embora artífice, Augustin não leva sozinho o ônus, Mantega, inclusive, assumiu a condução da manobra e a justificou plenamente.

O recado de Delfim desgastou publicamente um integrante do grupo dos cinco homens fortes de segundo escalão que atuam como braços da presidente, o secretário do Tesouro, Arno Augustin. Em alguma medida, o petardo atinge um dos economistas prediletos da presidente Dilma, também do grupo dos cinco: Nelson Barbosa, secretário-executivo do Ministério da Fazenda. Nos debates internos do governo, Barbosa é o principal defensor da redução do superávit primário e do aumento do gasto público como ferramenta para estimular o crescimento da economia, o que a manobra radical do ano passado teria em vista.

Até onde as informações já circularam neste início de ano, o núcleo duro da assessoria de Dilma está vulnerável não apenas nesse, mas em outros flancos. Deixou a Casa Civil da Presidência o superassessor Beto Vasconcelos, que fazia dobradinha com Arno nas reuniões que discutiram os editais de concessões, sendo ambos porta-vozes radicais do PT e irascíveis no trato com os empresários. Beto disse a amigos que está saindo para um projeto acadêmico, mas outros interlocutores atribuem seu afastamento à oportunidade de curar-se de um excessivo desgaste.

A coordenação da política econômica, exercida pessoalmente pela presidente, tem também a função de suprir as lacunas surgidas nessa instância de discussões em esfacelamento.

No grupo dos homens de ouro está Bernardo Figueiredo, presidente da EPL, a empresa de planejamento e logística, fortíssimo condutor da maioria dos processos de concessões. Alvejado por denúncias, na virada do ano, encolheu-se um pouco até passar a onda, e foi, do chamado grupo dos cinco, quem mais conseguiu se preservar até o momento. Pois em tempo recorde foi destruída a reputação de Luís Inácio Adams, o advogado-geral da União, mentor de todos os processos jurídicos do governo, candidato número um a uma indicação da presidente para vaga no Supremo Tribunal Federal, abatido por ligações com o número dois da AGU, José Weber Holanda, envolvido no escândalo de tráfico de influência no governo em associação com a ex-chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo Rosemary Noronha.

Além desses acontecimentos não esperados, que estão se antecipando ao dia D das mudanças, há os velhos calcanhares que, esses sim, podem ficar para quando o carnaval passar. O caso do ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, continua na agenda. Ele pode sair por razões de saúde, ou, como tem admitido, para preparar-se para disputar o governo do Maranhão - embora já tenha se recusado a sair para ser eleito presidente do Senado, mas há gosto para tudo. E as outras zonas de instabilidade de sempre que, ora diz-se que nelas a presidente vai mexer, ora que apenas vai sobrepor eficiência às tarefas atribuídas aos inoperantes históricos do governo. O estilo presidencial pode até atiçar um fogo brando, mas a fritura está na praça.

O que não se pode saber - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 16/01


Os acusados proclamam suas inocências. Ninguém diz que sabia. Mas quando a promotoria reúne os fatos e constrói a narrativa acusatória, temos um manual de crimes



“Ser humano é não poder saber. Quem nasce onça sabe que morre onça. Quem nasce homem não sabe como morre.”

(Francis Duval)

Houve um tempo em que eu convidava pessoas para palestrar nas instituições em que trabalhava e eventualmente dirigia. Fiz muitas vezes o papel de anfitrião no Museu Nacional e quando ensinei nos Estados Unidos.

A distância imposta pela língua inglesa e por uma audiência pontual e com um comportamento exemplar sempre causava nervosismo nos apresentadores latino-americanos, os quais, como norma, iam perdendo o inglês irreprochável usado no inicio da conferência e, na medida em que a palestra se desenrolava, acabavam falando com um pitoresco sotaque espanhol ou luso-brasileiro.

Observei isso muitas vezes e eu mesmo sofri dessa agonia quando tive como ouvintes antropólogos famosos que eu estudava até as pestanas queimarem e admirava extremadamente. Tais disposições psicocoloniais, promoviam um nervosismo geral que se manifestava na pronúncia, no esquecimento das palavras a serem usadas em inglês (ou francês) e, em alguns casos, em acessos de uma indesejável tremura nas mãos, a ponto de impedir a leitura da conferência ou, como se diz metonimicamente em inglês, do paper.

Lembro-me de um caso exemplar. Um dos meus convidados brasileiros para proferir uma aula em Notre Dame tremia tanto que desistiu da leitura, abandonou as notas e passou a falar de improviso, gaguejando assustadoramente. Mas, a despeito dessas agruras, as ideias que apresentou sobre o tema “A impossibilidade cultural do conceito de cultura” — tão a gosto da antropologia social, essa disciplina que adora messianismos e carisma —, a palestra despertou uma apaixonada discussão abafada tarde da noite, num bar.

Ali, num ambiente mais relaxado, ele me perguntou se tudo havia corrido bem. Disse-lhe que sim, que o encontro havia sido um sucesso, exceto pelo tremor de suas mãos. “Tremor? Que tremor?”, reagiu meu colega em voz alta, visivelmente irritado. “Não houve tremor algum!”, exclamou, encerrando o assunto e pegando com mão firme um pesado caneco de cerveja.

Assustou-me a inconsciência. Esse não saber periférico (senão não teria havido reação) que faz parte de todos os seres vivos, atacando sobremaneira os humanos. Essas vítimas perenes do fazer sem querer ou, melhor ainda, do fazer e não poder saber. Passei pela mesma coisa inúmeras vezes e talvez os homens conheçam mais claramente o vexame de ter um pedaço do corpo fora do controle do que as mulheres, mas o fato é que há coisas que não sabemos.

Ou que não podemos saber. A vida está em outro lugar tanto quanto o tremor do meu colega. Se soubesse como seria minha vida quando tinha vinte e poucos anos, não teria vivido, diz-me um velho companheiro das trincheiras magras. Viver é muito perigoso, afirmava Guimarães Rosa. É a inocência do não saber que permite viver a vida, digo eu.

A negação faz parte da vida humana. Um leão não dorme se pressente uma ameaça, mas um homem dorme feliz mesmo sabendo que cada noite bem dormida o aproxima da morte. A consciência foca em alguma coisa com intensidade e, com a mesma força, reduz tudo o mais a um resíduo a ser esquecido. O foco tem como contrapartida a alienação. Ademais, a vida contém a ignorância que vira destino ou carma justo porque ela tem um fim. O mundo continua, mas eu sei que vou partir. Quando os sinais se invertem, surge um sonho de onipotência próximo da loucura dos crentes.

A consciência do inicio e do fim atrapalha, mas sem ela não teríamos a obrigação de inventar biografias e de não poder ver certas coisas. O final fabrica a origem.

Num país moderno, as estatísticas surgem como tremores não convidados. O governo diz uma coisa, mas os números, que são prova do nosso mais concreto inconsciente comunitário, revelam uma outra. Os acusados proclamam suas inocências. Ninguém, nem mesmo aqueles com um faro mais possante do que o de um perdigueiro, sem o qual não se chega nas altas esferas do poder, diz que sabia. Mas quando a promotoria reúne os fatos e constrói a narrativa acusatória, temos um manual de crimes.

Surgem então o “pibinho” de dona Dilma, a gerentona; o mensalão da casta petista e o caso de Rosemary Noronha. Em cada um desses episódios algo de fora despe algo de dentro. Há um hiato desagradável e, nos caso em pauta, surpreendente, a se julgar pelo quadro de valores de um partido que ia mudar o Brasil e liquidar a corrupção.

Nas democracias a imprensa faz esse papel. Como os tremores e as meias furadas, ela coloca em foco aquilo que os projetos de poder e o populismo seboso escondem. O “fato” é a pista. É o objeto fora do lugar que leva ao criminoso porque o bandido tomou todas as precauções, mas, mesmo nas consciências mais abrangentes, sempre falta algo. O criminoso usa luvas, mas não olha onde pisa. O conferencista controlava tudo menos as mãos que tremiam orgulhosamente como uma bandeira nacional acariciada pelo vento.

Ueba! Pato versus Ganso: QUAK! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 16/01


E esse Valdivia é um lesado! E o futebol brasileiro tá cheio de macho. Macho...cados! Rarará!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Novidades da Chavezuela! Agora tão dizendo que o Chávez está em Cuba na região de Embal. Embalsamado! Rarará!

E Cuba é sensacional em saúde, educação, funilaria e gambiarra. Cubano é bom de gambiarra: eles pegam uma batedeira dos anos 1930 e transformam num Chevrolet anos 1960! Acho que fizeram uma gambiarra no Chávez! E sabe como se chama blusa tomara que caia em Cuba? "Abaja e Chupa"! Rarará!

E eu já disse que a oposição venezuelana mora em Miami e só quer pegar dinheiro na Venezuela. Pensa que a Venezuela é caixa eletrônico! Rarará! E mineiro tá chamando Miami de Nova Guarapari! É verdade! Um amigo mineiro tinha casa em Guarapari, comprou apartamento em Miami e vai passar o Carnaval em Nova Guarapari! Rarará!

E você sabe a diferença entre bunda, glúteos e nádegas? Quem tem bunda é funkeira, na academia é glúteos e na farmácia é nádegas! E no golfe é buraco 19! Rarará!

E esta piada pronta, manchete do "Correio da Bahia": "Presa quadrilha que leva terror a prédios. Polegar foi o dedo-duro". Rarará!

E esta da Alemanha: "Atrasos em aeroporto de Berlim colocam em xeque selo de qualidade alemão". Imagina na Copa! Rarará! E a manchete do Sensacionalista: "O Maracanã vai ser inaugurado durante o jogo de inauguração". Se a arquibancada não ficar pronta, ao redor do estádio haverá muitos bares com televisão e transmissão ao vivo! O Maratelão!

E o Palmeiras acaba de lançar um novo filme: "De Pernas Pro Ar 3". E sabe o que o Pato falou pro Ganso? QUAK! História em quadrinhos! Pato, Ganso, Pardalzinho, bambi, gambá, porco. Isso é futebol ou filme da Disney em que os bichos falam?

E esse Valdivia é um lesado! E o futebol brasileiro tá cheio de macho. Macho...cados! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!

O Brasil é Lúdico! Corre na internet o anúncio dum macumbeiro moderno! Pai de Santo Tuiteiro: "Trago a pessoa amada em 3 twittadas. Realizo trabalho com farofa pronta, pipoca de microondas e frango da padaria. Baixo santo por download, atendo por Skype, Facebook e videoconferência". E você paga com spams? Rarará!

E essa placa num petshop: "Vendo filhotes de inhoquecharles". Eu quero! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

Inflação torna Brasil menos competitivo - CRISTIANO ROMERO


Valor Econômico - 16/01


O Brasil chegou, em 2012, ao quinto ano consecutivo com a inflação acima da média mundial. Mesmo em ano de recessão, como foi 2009, e de baixíssimo crescimento, como 2012, a inflação brasileira, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), superou com folga a média internacional (ver tabela).

Uma das consequências de se ter inflação mais alta que a de outras economias é que isso contribui para diminuir a competitividade do país. Se é verdade que a apreciação da taxa de câmbio pode tornar uma nação menos competitiva, é igualmente verdadeiro que ter um custo de vida mais elevado que o de parceiros comerciais reduz a capacidade de competir com esses mesmos parceiros.

Depois de convergir em meados da primeira década deste século para a inflação média dos 15 principais parceiros comerciais do país, o custo de vida brasileiro descolou (para cima) a partir de 2008. Cálculo do banco Credit Suisse mostra que, entre 2008 e 2012, o diferencial acumulado entre o IPCA e a inflação ao consumidor desses 15 países somou 12 pontos percentuais. Trata-se de uma diferença significativa.

Inflação brasileira supera mundial há cinco anos

Há várias explicações para a aceleração da inflação a partir de 2008. Pouco se fala, entretanto, da mais importante delas - a definição, pelo governo, da meta de 2009, ocorrida em meados de 2007. Naquele momento, a diretoria do Banco Central defendeu a redução da meta de 4,5% para 4,25% ou 4%, com o argumento de que, tendo o IPCA do ano anterior (3,14%) ficado abaixo da meta e estando a inflação em 12 meses em torno da meta, não haveria custo monetário adicional para reduzir esse índice de preços nos anos seguintes.

Pesou, todavia, a opinião dos economistas de corte desenvolvimentista, naquela ocasião, assim como agora, em maioria no governo: Brasília optou por manter a meta de 2009 em 4,5%, estendendo-a, nas decisões seguintes, para todos os anos subsequentes. Pode-se afirmar que nasceu ali, naquela deliberação, a moderna política econômica brasileira. Esta ampara-se na ideia de que, mais importante do que continuar a desinflacionar a economia, o país precisa acelerar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), mesmo que para isso seja necessário tolerar um "pouco mais" de inflação.

O Plano Real, lançado em julho de 1994, foi bem-sucedido em debelar a hiperinflação ou inflação crônica que assolou o Brasil por mais de duas décadas. A tarefa, contudo, não foi fácil. Os primeiros anos do plano foram de inflação elevada, em grande medida, por causa do carregamento estatístico dos anos anteriores - o IPCA recuou de 2.477,15% em 1993 para 22,41% em 1995. O índice mais baixo do período foi registrado em 1998, quando o IPCA caiu a 1,65%, em decorrência da forte apreciação da taxa de câmbio.

Em janeiro de 1999, testado por três crises sucessivas (a asiática, a russa e a do próprio país), o regime de câmbio quase-fixo, âncora daquela política, desmoronou. O Brasil adotou, então, o regime de câmbio flutuante, o sistema de metas para inflação e a política de geração de superávits fiscais primários. O novo tripé gerou resultados positivos imediatos, mas a crise energética de 2001 e a da transição política de 2002 levaram a inflação, novamente, a dois dígitos.

Tendo assumido o poder em meio a um enorme descrédito, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva surpreendeu ao redobrar a aposta na estabilização. O que se viu, a partir de 2003, foi o período desinflacionário mais bem-sucedido da história recente do país. A inflação, que em 12 meses chegou a superar 17% em maio de 2003, caiu para 7,6% em 2004, 5,69% em 2005 e 3,14% em 2006. Em 2007, ficou na meta (4,46%), mas nos anos seguintes acelerou.

A mudança de patamar foi provocada pela visão da economia que prevalece até os dias de hoje. Os números mostram isso com clareza. Com exceção de 2009, ano da crise mundial e de crescimento negativo no Brasil (-0,3%), desde então o IPCA não caiu mais abaixo de 5,8%. É verdade que, no período, ocorreram choques de preços, principalmente de commodities, mas isso não explica toda a história.

O governo desistiu de retomar o processo de desinflação e isso foi percebido pelos agentes econômicos, afetando negativamente as expectativas, e por essa razão o Brasil vem registrando sucessivamente índices de preços superiores aos de seus parceiros comerciais. A permanência do IPCA acima da meta, desde 2009, torna ainda mais difícil a sua convergência, nos próximos anos, para padrões internacionais. Embora esteja neste momento em linha com a média registrada pelos países emergentes e em desenvolvimento, a inflação brasileira é quase o dobro do custo de vida médio (3%) das nações de mesmo porte que adotam o regime de metas.

Desnecessário lembrar que a inflação, além de diminuir a competitividade da economia, penaliza as camadas mais pobres da população, especialmente as que vivem de programas transferência de renda, como o Bolsa Família, e de benefícios sociais não atrelados à correção do salário mínimo. Registre-se, ainda, que a inflação está mais alta justamente para a população de renda mais baixa.

Em 2012, o INPC, que mede o custo de vida para quem ganha até cinco salários mínimos por mês, chegou a 6,2%, diante dos 5,84% do IPCA, que mede a inflação de quem ganha até 40 salários mínimos. A equipe do Credit Suisse calculou que o IPCA em 12 meses até outubro passado ficou mais salgado para quem ganha até R$ 830 por mês (7,2%). Para quem ganha mais de R$ 10.375, o índice foi de 5,8%.

Pelo fim da força aérea - VERA GUIMARÃES MARTINS

FOLHA DE SP - 16/01


SÃO PAULO - O STF (sempre ele) vai patrocinar em março um debate interessantíssimo. Resumindo: os moradores do bairro paulistano Alto de Pinheiros entraram na Justiça há 12 anos para exigir que a Eletropaulo reduza a voltagem da rede aérea de alta-tensão sob a qual vive parte do bairro. A concessionária de energia perdeu em duas instâncias e apresentou recurso ao Supremo.

Não há estudos científicos que comprovem nem desmintam os efeitos danosos de viver sob radiação contínua, mas o temor dos moradores faz sentido. A força do campo eletromagnético a que estão submetidos é o dobro do nível máximo recomendado pela Organização Mundial da Saúde. E não estão sozinhos.

Só na Grande São Paulo, cerca de 66 mil pessoas, em locais nobres ou pobres, moram sob linhas de transmissão de energia, segundo estudo da Faculdade de Medicina da USP. A maioria certamente sem informação ou condição de questionar a situação.

O caso do Alto de Pinheiros, bairro de classe média alta da zona oeste, só chegou tão longe porque seus moradores conseguiram se mobilizar e levar a cabo uma longa luta judicial, pagando até especialistas estrangeiros para defender seu ponto de vista no STF. Se a ação ajudar a mudar padrões, milhares podem ser beneficiados. Se não, só a audiência pública para discutir o tema, em março, já merece ser comemorada.

Ela abre espaço para a população conhecer e debater os critérios que levam as concessionárias de serviços públicos a espalhar florestas de postes e cipoais de fios, que emporcalham a paisagem urbana. São os "gatos" oficiais. Há calçadas paulistanas onde se amontoam três ou quatro estruturas, de concreto ou metal, em menos de dois metros. E tome fio.

Em 2006, decreto do então prefeito Gilberto Kassab criou o Programa de Enterramento da Rede Aérea, que obrigava essas empresas a enterrar 250 km lineares de cabos aéreos por ano. Ganha um choque de 220 volts quem acreditar que saiu do papel.

Ah, se fosse verdade... - ANDRÉ M. NASSAR E MARCELO M. R. MOURA


O Estado de S.Paulo - 16/01


A presidenta Dilma Rousseff parece relutar em aumentar a mistura de etanol anidro na gasolina para 25% (hoje está em 20%). E reluta ainda mais em aumentar o preço da gasolina para reduzir as perdas da Petrobrás com as crescentes importações do combustível. Se depender das estatísticas recém-lançadas do IBGE de produção de cana-de-açúcar, matéria-prima para a produção de etanol anidro e hidratado, a mistura nunca deveria ter sido reduzida a 20% e, ainda por cima, o Brasil exportaria gasolina em 2013! É uma pena que quem errou tenha sido o IBGE. Quem dera estivesse correto...

O IBGE divulga anualmente a pesquisa Produção Agrícola Municipal (PAM), que traz os dados de produção, área plantada e colhida e produtividade das lavouras permanentes e temporárias. Para os que querem explicar as mudanças espaciais da produção agrícola no Brasil, a PAM é muito importante, porque é a única pesquisa oficial que traz dados desagregados por municípios. A PAM de 2011 foi lançada no final do ano passado. De acordo com a pesquisa, a produtividade média da cana-de-açúcar no País foi de 76,4 toneladas por hectare.

A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), igualmente um órgão do governo federal, também faz um acompanhamento próprio do andamento da produção. É natural que os dados das duas entidades sejam comparados. O levantamento da Conab informa-nos que a produtividade média do País nesse mesmo ano foi de 67 t/ha. Entre IBGE e Conab existe uma diferença de 9,4 t/ha.

A moagem de cana-de-açúcar utilizada para produção de açúcar e etanol (anidro e hidratado) na safra 2011-2012 (ou seja, feita com a cana produzida em 2011) foi de 558,7 milhões de toneladas. Se a produtividade da cana-de-açúcar tivesse, de fato, sido a informada pelo IBGE, a moagem teria atingido 638,7 milhões de toneladas, 80 milhões a mais. O IBGE ainda não divulgou a PAM de 2012, mas, admitindo que a mesma imprecisão terá ocorrido nesse ano, a moagem IBGE na safra 2012-13 será de 666,8 milhões de toneladas, e não os 582,6 milhões de toneladas esperados pelo mercado. Lembrando que a safra 2012-13 ainda está em curso e termina agora em abril.

Mas o que isso tem que ver com o mercado de combustível? Numa interpretação radical, o IBGE praticamente teria salvado a Petrobrás e liberado a presidenta Dilma de ter de tomar mais uma decisão entre as tantas que abarrotam sua mesa de trabalho.

Dos 558,7 milhões de toneladas moídas de cana na safra 2011-12 foram produzidos 35,9 milhões de toneladas de açúcar, 8,6 bilhões e 14,1 bilhões de litros de anidro e hidratado. Do total produzido de etanol, 7,9 bilhões e 11,5 bilhões de litros de anidro e hidratado, respectivamente, foram consumidos no Brasil. A estimativa para 2012-13 aponta 36,9 milhões de toneladas (açúcar), 9,2 bilhões e 14 bilhões de litros (anidro e hidratado) de produção e consumo de etanol de 8 bilhões e 12 bilhões de litros. Lembrando que o consumo de hidratado já chegou a 16,7 bilhões de litros.

Em 2011 o Brasil consumiu 36,8 bilhões de litros de gasolina C (22% de mistura com anidro) e teve de importar 2,2 bilhões de litros de gasolina A (sem etanol). Em 2012 o consumo foi de 40,5 bilhões de litros (com 20% de mistura de anidro), com importação de 3,6 bilhões de litros.

Se tivéssemos moído 1,3 bilhão de toneladas de cana (soma de 2011 e 2012), em vez de 1,14 milhão, estaríamos em situação completamente diferente da vivida atualmente. Os 164 milhões de toneladas de diferença, se convertidos integralmente para etanol, teriam produzido 13,1 bilhões de litros a mais acumulados nos dois anos, 33% mais que a produção real! Vale lembrar que teria sido perfeitamente possível moer esse volume adicional de cana porque o setor tem capacidade instalada para isso.

Admitindo que toda a cana a mais fosse para a produção de etanol, esses 13,1 bilhões de litros teriam ido integralmente para o mercado de combustível. E admitindo que o consumo total de veículos leves em 2011 e 2012 fosse o mesmo do observado, a maior oferta de etanol só mudaria a participação deste e da gasolina no consumo total.

Nesse sentido, o consumo de gasolina C (misturada com anidro), fruto da maior oferta de etanol, teria sido de 32,7 bilhões e 37,4 bilhões de litros (2011 e 2012), ou seja, 7,2 bilhões de litros menor. A redução do consumo de gasolina é menor que o crescimento do consumo de etanol porque o veículo rodando com este consome mais combustível por quilômetro rodado. Essa redução já leva em conta também 25% de mistura de anidro na gasolina em 2011 e 2012.

Um consumo de gasolina C 7,2 bilhões de litros menor significa 5,7 bilhões de litros a menos de gasolina A (sem anidro). Pasmem: as importações acumuladas de gasolina A em 2011 e 2012 foram de 5,8 bilhões de litros. Isso significa que, dada a retomada na produção de etanol esperada para a safra 2013-14, é bem provável que o Brasil voltasse a ser exportador da gasolina A, como foi até 2009.

Este artigo, obviamente, não se trata de uma ironia ao IBGE. O instituto deve revisar seus dados em algum momento no futuro. Além disso, o debate sobre as estatísticas de produção agrícola é antigo e tanto o IBGE quanto a Conab são questionados a todo momento sobre isso.

O importante é entender que o mercado de combustível não seria motivo de preocupação da presidenta Dilma se a produção de cana tivesse seguido o ritmo de crescimento esperado. Bastava a produtividade da cana em 2011 ter sido igual à de 2010 e grande parte dos problemas não existiriam.

As importações de gasolina em 2011 e 2012 custaram ao Brasil US$ 4,5 bilhões, o que representa ao redor de 20% da renda bruta da cana-de-açúcar. Por muito menos que isso o governo poderia ter ajudado a garantir a cana necessária para zerar as importações de gasolina. Sem dúvida, uma alocação bem ineficiente de recursos.

Uma reforma restrita - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 16/01


No Planalto, é dado como certo que o PMDB ganhará novo ministério. O deputado Gabriel Chalita (SP) deve ser nomeado, até março, provavelmente, para o Ministério de Ciência e Tecnologia. O PSD também vai entrar para o governo. A cúpula do partido aposta na nomeação do vice-governador paulista, Afif Domingos, para a pasta de Micro e Pequenas Empresas. Afif já esteve com Dilma.

Surfando na mesma onda
A conversa entre a presidente Dilma e o governador Eduardo Campos (PSB-PE) foi pautada pela crise econômica e pela importância do Nordeste como alavanca da economia este ano. A contragosto, no ano passado, o Ministério da Fazenda aceitou ampliar o limite de endividamento dos governadores, dinheiro que, agora, garantirá obras de infraestrutura e o reaquecimento da economia, o que, para Dilma, é fundamental. O PSB tem quatro governadores no Nordeste (PE, CE, PI e PB) e quer ser sócio do crescimento econômico. Ou seja, Campos é importantíssimo para Dilma neste momento, e a ele não interessa conflito com o PT.

“Bom para a oposição será ter a presidente Dilma candidata à reeleição, enfraquecida..., (pois) inviabilizar Dilma significa enfrentar Lula”
Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar

Aviso aos petistas 
Os petistas que conspiravam para derrubar as ministras Gleisi Hoffmann (Casa Civil) e Ideli Salvatti (Relações Institucionais) se acalmaram. Receberam recado do Planalto de que seu esforço seria inútil. A presidente Dilma quer mantê-las.

A largada
O primeiro compromisso do senador Aécio Neves (PSDB-MG) na volta das férias é com o governador Geraldo Alckmin (SP). Ele vai a São Paulo e quer o aval de Alckmin para concorrer ao Planalto. Os tucanos garantem que Alckmin não está na briga pela sucessão de Dilma, mas a ele interessa atrasar o calendário eleitoral porque é candidato à reeleição.

Pendurando as chuteiras 
O governador Jaques Wagner (BA) decidiu não disputar as eleições de 2014. Sua intenção é concluir o mandato. Se ele tiver forças, fará do ex-presidente da Petrobras Sérgio Gabrielli o candidato do PT ao Palácio de Ondina.

A UNE, o passado e a verdade 
A UNE criará sexta-feira sua própria comissão da verdade. Ela será coordenada por Paulo Vannuchi, ex-ministro dos Direitos Humanos, no governo Lula, e funcionará até abril de 2014. Estudantes que integrarão a comissão vão se debruçar nos arquivos e entrevistar os familiares de 46 dirigentes da UNE e da Ubes desaparecidos durante os anos da ditadura militar. 

O caminho das pedras 
Vários ministros estão sendo instruídos pela ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) a preparar palestras sobre seus programas de ação para os novos prefeitos, que participarão de encontro organizado pelo governo no fim do mês.

Dois milhões de queixas 
Dados do Ministério da Justiça mostram que em 2012 houve aumento de 19,7% nas reclamações a órgãos públicos de defesa do consumidor. Os maiores vilões (21,7% do total): telefonia celular e fixa, TV por assinatura e internet.

POP. O cantor Carlinhos Brown vai estrelar uma campanha do governo da Bahia contra o tráfico de pessoas, durante o carnaval.


Caderninho - FÁBIO ZAMBELI - PAINEL


FOLHA DE SP - 16/01


Com a popularidade abalada pela crise na segurança, Geraldo Alckmin passou a monitorar diariamente os índices de criminalidade de São Paulo -tema que o PT vê como mais sensível ao tucano para a eleição de 2014. Desde o início do ano, o governador anota em sua agenda pessoal o número de homicídios, latrocínios e confrontos com policiais. Em privado, mostra entusiasmo com as estatísticas de 2013: a média de assassinatos do ano passado só foi alcançada em três ocasiões.

Muita calma Apesar dos indicativos preliminares, Alckmin tem dito a aliados que prefere aguardar o balanço mensal de crimes, a ser divulgado pelo secretário Fernando Grella (Segurança Pública), para comemorar eventual redução substantiva.

Sintonia fina Grella, que substituiu Antonio Ferreira Pinto na pasta no auge da crise, afirma que teve na semana passada sua primeira reunião com o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça). Avaliaram as operações em curso na área de inteligência da polícia e nas divisas do Estado.

Pechincha A exemplo do que fez com as prefeituras de São Paulo e Rio nas tarifas de ônibus, o ministro Guido Mantega (Fazenda) pediu ao governo paulista que retenha reajustes das passagens de metrô e trem para impedir alta da inflação no início do ano. Não obteve resposta.

Parabéns... Dilma Rousseff será protagonista da programação do aniversário de 459 anos de São Paulo, no dia 25. A presidente participará da entrega de 300 moradias do Minha Casa Minha Vida.

... a você O evento marcará a abertura da temporada de parcerias federais com a capital após a posse de Fernando Haddad, que completa 50 anos na mesma data.

Protocolo Ao contrário de Dilma, que omite as reuniões com Lula em sua agenda oficial, Haddad registrou encontro com o ex-presidente, às 11h de hoje, em seu roteiro divulgado para a imprensa.

Apetite Favorito à Presidência da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) se reúne amanhã com Alckmin no Bandeirantes. O encontro foi agendado por Michel Temer. Em seguida, irá a jantar com a bancada paulista.

Corrida... Ao assumir o STF, anteontem, Ricardo Lewandowski recebeu pedido do senador Magno Malta (PR-ES) para que seja suspensa a análise dos 3.000 vetos presidenciais, pautada por José Sarney (PMDB-AP) no final do ano passado.

... de obstáculos A manobra foi adotada após o ministro Luiz Fux determinar a interrupção da sessão na qual seria apreciada decisão de Dilma rejeitando parcialmente o projeto que reformula a partilha dos royalties.

Onde pega À ocasião, ministros estranharam o fundamento central da deliberação de Fux. Para ele, os vetos devem ser apreciados em ordem cronológica. Lewandowski, de plantão no Supremo, deve decidir sobre a questão ainda esta semana.

Assino embaixo Nomeado anteontem por Dilma para o STJ, Sérgio Kukina teve aval do presidente da corte, Félix Fischer. O novo ministro é próximo do governador Beto Richa (PSDB-PR).

Rebote Preterido por ora, Sammy Lopes ainda pleiteia a vaga de César Asfor Rocha. Ele tem apoio dos irmãos Tião e Jorge Viana (PT-AC) e do líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM).

Bíblico De Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), sobre a recém-lançada candidatura à presidência do Senado contra Renan Calheiros (PMDB-AL). "Tal qual Davi, enfrentarei com fé republicana o gigante do coronelismo."

com ANDRÉIA SADI e DANIELA LIMA

tiroteio
Vejo no Congresso Nacional, pela primeira vez, um caso em que o titular sustenta o próprio suplente com verba de gabinete.

DO DEPUTADO MIRO TEIXEIRA (PDT-RJ), sobre Renan Calheiros (PMDB-AL) repassar R$ 117 mil ao suplente como pagamento de aluguel em Maceió.

contraponto


Chegou a minha vez?


Em seu primeiro discurso durante evento público após empossado prefeito, Fernando Haddad falava aos empresários dos setores têxtil e calçadista na abertura da Couromoda, anteontem, em São Paulo. O petista relembrou sua ligação afetiva com o comércio:

-Visitar a Couromoda me fez lembrar do tempo em que fui lojista na 25 de Março, nas décadas de 80, 90...

Na plateia, um dos participantes do evento brincou:

-Se soubessem que o prefeito era "de casa", não o colocariam para ser o 11º a discursar logo na sua estreia. Foi um verdadeiro teste de paciência!


O mandato acaba quando termina - JOSÉ NÊUMANNE


O Estado de S.Paulo - 16/01


Não falta boa vontade aos amigos e prosélitos de Hugo Chávez fora da Venezuela para justificarem as estripulias feitas pelo comandante para decretar como democrático o regime "bolivariano" que impôs ao país, dividido entre seus adoradores e os que o demonizam. As reformas que ele instituiu na Constituição para se perpetuar no poder são avalizadas como manifestações de apreço do líder a seu povo, que ele tirou da miséria. A imposição de um Judiciário fiel a seus caprichos é descrita como uma necessidade para barrar as pretensões de uma burguesia cúpida que deve ser afastada do poder republicano para o bem do povão aquinhoado com as graças produzidas pela renda auferida com o petróleo farto.

No Brasil, a condescendência da esquerda com o golpista malogrado que se tornou um emérito ganhador de eleições, feito em que pode ser equiparado aos de Adolf Hitler na República de Weimar e Benito Mussolini na Itália, alcança os píncaros da incoerência e da amnésia. Até hoje, Fernando Henrique é execrado pelos esquerdistas patrícios por ter patrocinado a emenda que incorporou a reeleição à norma constitucional. Embora não haja uma só evidência de que tenha ocorrido fraude na votação da emenda à Constituição e, mais, embora Lula tenha usufruído seu efeito e Dilma se prepare para fazer o mesmo, sempre que alguém lembrar o mensalão como evidência de delinquência no PT no exercício do poder republicano aparecerá uma voz lembrando a "compra dos votos para a reeleição". Mas, comparada com a frequência com que Chávez emendou a Constituição venezuelana para mais uma renovação de mandato, a reeleição brasileira é pinto. E, ainda assim, não há registro de uma crítica, um comentário desairoso, uma piada que seja, sobre a resistência do presidente venezuelano a deixar o posto.

E sempre que o Judiciário do país vizinho se curva de maneira evidente aos interesses do grupo no poder, isso é noticiado como se esse Supremo de fantoches a serviço do governo fosse tão autônomo como o de uma democracia que se preze.

Nada, porém, até agora se equivaleu à justificativa despropositada que tem sido atribuída ao autogolpe dos chavistas (do qual dificilmente Chávez teria participado, de vez que ainda não deu o ar de sua graça por imagem nem por voz) para permanecerem no poder, mesmo não tendo seu chefe tomado posse, como é praxe nas democracias. Ora, dirá (e disse) o Judiciário da Venezuela, "posse é mera formalidade". Nunca ninguém terá ousado tanto, nem mesmo o paraguaio Alfredo Stroessner, que se orgulhava dos 90% dos sufrágios obtidos em eleições cujos resultados eram dados como indiscutíveis por tribunais escolhidos em práticas similares à ocorrida no sui generis regime "bolivariano".

O artigo 233 da Constituição da lavra de Chávez estabelece que a ausência absoluta do presidente é caracterizada por morte, renúncia, destituição decretada pela Suprema Corte, incapacidade física ou mental permanente certificada por equipe médica designada pela Suprema Corte e aprovada pela Assembleia Nacional, abandono do cargo (declarado como tal pela Assembleia) e revogação popular do mandato. Em caso de ausência absoluta do presidente eleito antes da posse, deve ser realizada nova eleição nos 30 dias consecutivos seguintes. No período da eleição até a posse do novo presidente eleito, o presidente da Assembleia Nacional assume interinamente o poder. E o artigo 234 determina que, no caso de ausência temporária do presidente, o vice-presidente exerce o poder por um período de 90 dias, que pode ser prorrogado por mais três meses por decisão da Assembleia Nacional. Se a ausência temporária superar seis meses, a Assembleia definirá por maioria se ela deve ser caracterizada como ausência absoluta.

Chávez está em Havana, onde foi operado. O mundo inteiro sabe que ele está à morte, mas apenas seus médicos cubanos e asseclas venezuelanos podem garantir se está vivo.

O comandante está no poder há 14 anos e ganhou um mandato que terminaria em 2019, quando completaria 20 anos de mando. Esse mero registro dá conta do desprezo que o prócer bolivariano tem por um dos cânones do Estado Democrático de Direito: o rodízio no poder. Ninguém está querendo dizer que o comandante não seja amado pelo povo nem que, mesmo morto em Cuba, não seria reeleito se novas eleições fossem convocadas hoje. Mas a matemática mostra que seu mandato de 14 anos representa quase o dobro dos 8 a que Fernando Henrique e Lula tiveram direito e que Dilma pode almejar, se nossa Constituição não for alterada.

É acintosa a interpretação anunciada por Luísa Estella Morales, presidente do Tribunal Supremo de Justiça (STJ), ao aceitar o pleito do governo que a nomeou de que não há a exigência constitucional da posse. Mas nem o Judiciário aparelhado pelo chavismo rasgar a Constituição que Chávez impôs se compara à cusparada dada por brasileiros que fingem ser democratas ao equipararem a falta de Chávez na posse em Caracas à posse sem Tancredo em Brasília. Em 1985, o Brasil enterrou a ditadura e inaugurou um governo civil de transição para convocar a Constituinte e a eleição direta para a Presidência. À morte no hospital, Tancredo Neves, eleito pelo Colégio Eleitoral, não pôde assumir. Tomou posse o sucessor legal, vice-presidente também eleito, José Sarney. Chávez encerrou seu terceiro mandato e ganhou o quarto consecutivo. Na Venezuela, o vice é nomeado pelo presidente, como se fosse um ministro. O presidente não assumiu e Nicolás Maduro não está na linha de sucessão, mas o Judiciário avalizou o autogolpe prorrogando o mandato de Chávez, extinto em 10 de janeiro.

Nas democracias de verdade, a duração do mandato importa mais do que quem o ocupe. E, como diria Abelardo Barbosa, o Chacrinha, "o mandato acaba quando termina". O anterior de Chávez acabou e o seguinte se iniciaria há cinco dias. Sem posse, não começou. Logo, deu-se o autogolpe. O resto é lorota.