ZERO HORA - 04/03
Pergunte a uma mulher o que ela inveja nos homens e a resposta provavelmente será fazer xixi em pé. Nada original, mas pense: não fosse isso, seria o quê?
Nossas avós e bisavós costumavam responder essa enquete dizendo "invejo a liberdade deles". Eram de outra época, ainda que contemporâneas da escritora e psicanalista Lou Andreas-Salomé (sugiro comemorar o Dia da Mulher assistindo ao filme Lou), que nasceu há 157 anos e que, muito antes da palavra empoderamento constar dos dicionários, já era dona da sua vontade. Ela sabia que convenção é uma abstração, e não um capataz com peso, altura, medida e um chicote nas mãos. O conjunto de costumes sociais é um acordo sem contrato. Facilita as relações, mas é passível de questionamento.
As convenções foram criadas por homens, logo, seus maiores beneficiários. Eram deles a prerrogativa de não ter horário para chegar em casa, não precisar dar explicação sobre seus passos, contratar, demitir, legislar. Ninguém controlava seu vocabulário nem o jeito que sentavam, nem com quem transavam. Qualquer escorregadela em seu comportamento era recebida com uma desculpa abonadora: homem é assim mesmo. "Assim mesmo" era seu habeas corpus. Um homem fora da curva costumava ser, no máximo, um exótico, um excêntrico, já uma mulher fora da curva era a doida, a sem vergonha. Ai de nossas avós se não andassem na linha, mesmo suspeitando o descompasso desse arranjo.
Isso foi na pré-história. Que mulher hoje precisaria invejar a liberdade de um homem? Apenas as que escolheram ficar dentro da prisão, mesmo estando a porta destrancada. A liberdade é excitante como fantasia, mas nem todas querem assumir a responsabilidade de suas escolhas. Uma vez acostumadas ao quadradinho conhecido, pode colocar a chave na mão delas que não saem, não. Ficam onde estão.
Lá fora tem empregos e demissões, tem viagens e tem penúria, tem paixão e tem sofrimento, tem escolhas acertadas e vacilos históricos, tem você sozinha e muito bem casada. A vertiginosa inconstância da vida, acessível a ambos os sexos.
Fazer xixi em pé? Nem nisso vejo vantagem - com a correria dos dias, poder sentar por 30 segundos é um luxo. Portanto, hoje estamos aptas a dar a mesma reposta que eles dão a este tipo de pesquisa (como bem lembrou Mirian Goldenberg em recente artigo). Quando perguntados o que invejam nas mulheres, eles naturalmente respondem: nada.
Melhor assim, sobra mais tempo para a admiração mútua. Liberdade não significa libertinagem, irresponsabilidade ou descompromisso. Ser livre não é um defeito, e sim uma virtude. É o que permite criar uma trajetória que não seja imitação de outras, ter uma existência com assinatura própria, enfim, ser uma pessoa absolutamente honesta e autêntica. Mulher é assim mesmo. Agora é.
ZERO HORA - RS - 04/03
Lendo um livro que me emociona, do pensador canadense professor Jordan Peterson: 12 Rules for Life, An Antidote for Chaos. Parece que está por ser publicado no Brasil. Corram e leiam! Não é autoajuda, apesar do título, que talvez nos induza ao erro. É um ensaio muito agradável de se ler, misturando filosofia, mitologia, psicologia, antropologia, política: revoluciona um pouco o conceito de democracia e liberdade, quando beiram a bagunça e o caos.
Naturalmente, não o resumirei aqui, mas comento algumas de suas ideias de que compartilho inteiramente. Uma delas, o conceito ilusório de liberdade como aquela cenoura na frente do jumento para que ele ande. Liberdade como penso que deve ser, que nos faz crescer, conviver, eventualmente progredir, construir e atingir certo grau disso que chamamos "felicidade", num meio-termo entre o caos e a rigidez.
Rigidez, jamais. Nem mesmo a rígida ideia de liberdade como ausência de regras, de disciplina, de concessões, de limitações. O ser humano, como os outros animais, necessita de regras e ordem. Não para se punir ou mutilar, mas para que veja alguma luz, enxergue algum caminho, e se sinta bem progredindo enquanto ser humano.
No começo de minha carreira, traduzi um livro de uma psicóloga americana (esqueci, nesse longo tempo, nome e título) sobre crianças criadas praticamente sem limites. Um menininho tanto atormentou a mãe, que certa vez ela lhe deu uma palmada no traseiro. Para horror de certos educadores ultramodernos, o menino suspirou aliviado, abraçou a mãe e disse algo como "até que enfim você prestou atenção em mim". Sem limites, sem regras, seremos piores do que os animais selvagens, que se guiam pelo instinto.
Nós, que tanto falamos em natureza, andamos bem longe dela, nossos instintos se embotaram, e nem todos servem para conviver no mundo moderno: matar, devorar o outro que nos incomoda, não são atividades que se prezem. No fundo de cada um de nós, sobrevive um predador atávico, que precisa de algumas regras para poder criar sua personalidade, sua vida, seu mundo. Este mundo, em que se possa viver em paz. O caos conduz ao caos, provoca profunda angústia, causa destruição e morte, e eventualmente loucura. E não me refiro a um mítico caos total, mas a um nível preocupante de desordem, violência, agressividade, zero empatia.
Então, como tantas vezes nesses anos todos escrevendo em revista ou jornal, ou falando nas palestras, que hoje raramente aceito, repito aqui, incansável e convicta: tudo começa em casa. A educação, a formação, as bases de uma vida feliz, conforme o sonho ou a possibilidade de cada um.
Viver decentemente, conquistar algumas coisas positivas, sentir-se bem na própria pele exige que se fuja do caos, que pode parecer interessante para alguns visionários ou ideólogos obstinados, mas é feio, burro, e pobre. E se não recebermos desde pequenos algum senso de ordem, regras, conceitos de vida, passaremos o resto da nossa lutando talvez de maneira inglória para não sermos selvagens detestados ou temidos.
Assim que o livro do doutor Peterson sair no Brasil (ou pela Amazon para quem lê no idioma original), procurem por ele: faz bem à alma, abre a cabeça, e de certa forma conforta saber que nós, que apreciamos alguma ordem, não estamos sozinhos.
ESTADÃO - 04/03
Estamos diante de um movimento de ruptura que não deve ser subestimado
A inflação continua surpreendendo positivamente. Projetamos agora 3,6% para o IPCA deste ano e 6,5% para a taxa Selic, do Banco Central. Isso resulta da ausência de choques de oferta no horizonte (energia, preços agrícolas e petróleo), bem como da constatação de que os mecanismos de realimentação da inflação estão muito enfraquecidos. A inércia da inflação também pode ser positiva. Corremos mesmo o risco de três anos consecutivos com inflação inferior a 4%.
Isso é algo que jamais aconteceu na história moderna do Brasil, o que não é pouco. Especialmente porque será um resultado obtido com preços livres, sem congelamentos, controles de câmbio nem outras intervenções.
O mais relevante dessa situação é a oportunidade de baixarmos muito as taxas de juro, desde que um reformista ganhe a eleição presidencial. Com a realização de reformas fiscais no início do próximo governo e com a herança da inflação baixa será possível reduzir a taxa de equilíbrio, permitindo que o crédito cresça de forma significativa.
Entretanto, temos a oportunidade de começar a ver reduções importantes nos “spreads” bancários e nas taxas de empréstimo ainda neste ano, devido a duas razões adicionais. Primeira: o Banco Central tem uma importante agenda de revisão regulatória, que passa por diminuição de compulsórios, regulação da operação de cartões de crédito e o estímulo à ampliação da concorrência no mercado.
Segunda razão: assistimos a um crescimento vertiginoso das empresas financeiras de base tecnológica, o que vai pressionar bastante o “spread” bancário no crédito de pessoas físicas, elevando a competição com os grandes bancos. Um levantamento de novembro do ano passado, feito pelo FintechLab, encontrou 332 instituições, das quais 58 se dedicavam a créditos e empréstimos, e esse número continua a crescer.
Consideremos, além disso, os seguintes pontos:
– As grandes plataformas digitais, em várias partes do mundo, começaram a realizar empréstimos a pessoas e empresas. Um exemplo é a Amazon no mercado americano. No Brasil, o site Mercado Livre começa a financiar vendedores.
– As cooperativas de crédito vêm crescendo enormemente. Se as consolidarmos como se fossem uma única instituição, já seriam o sétimo banco no País. Quando a regulamentação de empréstimos de pessoa para pessoa (“peer-to-peer”) vier a público, essas instituições poderão dar um salto enorme, dada a sua estrutura associativa. Nesse caso, as taxas de aplicação serão muito mais baixas do que as do mercado atual, sem detrimento de uma boa remuneração para o poupador.
– Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou uma resolução que facilita a transferência automática da conta salário para contas digitais de serviços financeiros que não são oferecidos por instituições bancárias, permitindo o pagamento de contas e de outras operações sem custos ou com tarifas muito baixas.
– Um exemplo recente dessa movimentação está no acordo realizado entre a BV Financeira e o GuiaBolso, uma bem-sucedida plataforma que nasceu para auxiliar as pessoas a organizar a vida financeira, mas que passou a incluir, mais recentemente, assessoramento de investimentos. A grande vantagem é que os milhões de usuários do GuiaBolso têm suas informações corretas (afinal, são da própria pessoa) e permitem algoritmos de avaliação de risco muito mais precisos.
– A permissão de pessoas e empresas para que seus dados possam ser partilhados e utilizados é uma enorme novidade, que certamente trará grande repercussão no mercado de crédito.
Alguém poderá dizer que esses movimentos ainda são muito pequenos para afetar o mercado de empréstimos bancários. Entretanto, não tenho dúvida de que estamos diante de um movimento de ruptura que não deve ser subestimado. A velocidade do avanço tem sido notável.
* É ECONOMISTA E SÓCIO DA MB ASSOCIADOS.
Folha de S. Paulo - 04/03
Salário cresce mais devagar, inflação anda abaixo da meta, folga industrial é histórica; e os juros?
O consumo das famílias cresceu quase nada no trimestre final de 2017, mostrou o balanço do PIB. O resultado ruim provocou sorrisos amarelos entre otimistas e governistas e suscitou explicações engenhosas dos entendidos.
Pode ter sido apenas um desses resultados esquisitos, por vezes revisados, do PIB trimestral. Pelo desempenho geral da economia entre novembro e janeiro, não é razoável dizer que a recuperação pegou resfriado. Ao contrário. Mas há sinais de friagem que dão o que pensar.
Pode ser que essa recuperação miúda e retardada resulte em inflação mais baixa por mais tempo. Pode ser, pois, que a taxa básica de juros deva cair mais, o que não melhoraria o PIB, mas ajudaria a conter a dívida pública.
Onde faz frio?
O crescimento real anual do salário médio em dezembro e janeiro foi o menor desde janeiro de 2017. A inflação baixa do ano passado deve contaminar os reajustes, ainda mais porque o desemprego continua alto e a precarização é extensa. Talvez apenas neste trimestre o número de empregos formais volte a crescer, mas ainda se arrastando para fora de um poço de três anos de profundidade.
Apesar de erráticas, mês a mês, as vendas do comércio de varejo se recuperam. Ainda assim, cresceram apenas 2% em 2017, depois de afundarem quase 11% no biênio 2015-16. A utilização da capacidade produtiva das indústrias está nos níveis mais baixos em 20 anos ou mais.
O IPCA está abaixo do piso da meta do Banco Central desde a metade do ano passado e ora em 2,9%, no acumulado dos últimos 12 meses. O equivalente a quase um terço do aumento de preços veio apenas de combustíveis e das extravagâncias dos planos de saúde, o que merece uma investigação, a princípio pelo menos econômica. Menos relevante, mas de algum interesse, os índices de preços gerais e de atacado continuam no vermelho, em termos anuais.
As expectativas de inflação mensal de economistas do setor privado sugerem que o IPCA volta a 3,7% no fim do ano e a 4,1% em meados de 2019, na meta. No campo de ação e visão possíveis do Banco Central, é o que deveria importar. A inflação de agora, rala ou não, é leite derramado.
Mas convém lembrar que os economistas do mercado erraram estramboticamente os números da inflação de 2017, que foram superestimados. Decerto não é possível fazer política monetária com base em apostas de que os povos dos mercados vão dar vexame de novo neste ano e no seguinte. Mas
começaram 2018 errando para cima.
No mínimo, portanto, seria interessante fazer um exercício mais do que especulativo a respeito do que se pode passar com a inflação. O gasto do governo não tem crescido, certo? A onda de choque positiva causada pela desinflação de alimentos pode se propagar por muito mais tempo? Qual o efeito ou significado dessa ociosidade industrial recorde e ainda no nível do buraco depressivo do começo de 2016?
Difícil ver adiante reajuste relevante do salário mínimo, se algum, e recuperação de rendimentos no setor de serviços. Os preços da Petrobras e os da eletricidade andam fora da casinha e sem coleira, é verdade. Ainda assim, a olho nu parece difícil ver inflação. Fica a sugestão para que os cientistas liguem os microscópios.
FOLHA DE SP - 04/03
O consumo das famílias cresceu menos do que se esperava, e o investimento superou as previsões
Na quinta (1º) o IBGE divulgou o crescimento da economia no quarto trimestre de 2017 ante o terceiro trimestre. O resultado frustrou um pouco as expectativas. O mercado esperava crescimento de 0,3%, nós no Ibre, de 0,2%, e o indicador foi 0,1%.
A frustração derivou de um crescimento do consumo das famílias menor do que se esperava, de 0,1%, em vez de 0,4%. Esse fato mais do que compensou a surpresa positiva do crescimento do investimento
um pouco maior do que o projetado.
Os setores com desempenho abaixo do esperado foram o varejo e “outros serviços”, que são essencialmente serviços prestados diretamente às famílias.
A confiança do empresário tem voltado mais forte, compatível com a melhora do investimento. A confiança do consumidor, contudo, principalmente aquela que aparece no “indicador da situação atual”,
ainda opera em níveis baixos.
A recuperação da economia é sólida, mas é lenta. É possível que o esgotamento do impulso fiscal advindo da liberação do FGTS explique a surpresa negativa no consumo.
Outra surpresa neste primeiro bimestre, agora positiva, foi a inflação bem mais baixa do que se esperava. O IPCA de janeiro foi de 0,29%, a prévia da inflação de fevereiro foi de 0,35%, sinalizando fechamento do índice em 0,30%. E é possível que em março a inflação seja de 0,20%. Ou seja, com as informações disponíveis até hoje, a inflação no primeiro trimestre será ao redor de 0,8%.
No relatório de inflação de dezembro, o Banco Central esperava inflação de 1,4% para o primeiro trimestre. É possível, portanto, que o ano se inicie com surpresa desinflacionária de 0,6 ponto percentual.
A maior parcela dessa surpresa desinflacionária tem ocorrido em serviços, item mais sensível à política monetária. Adicionalmente, pelo segundo ano consecutivo os modelos econométricos têm tido dificuldade de acompanhar a queda da inflação.
Há possibilidade real, apesar de não ser o cenário básico, de fechar o ano com inflação abaixo do piso de 3% estabelecido pelo regime de metas.
Aparentemente, a dinâmica da inflação brasileira mudou. É possível que a ociosidade da economia seja maior do que se imagina, provocando, portanto, maior força desinflacionária.
Adicionalmente, ocorreu uma alteração do regime de política econômica desde 2015, com o ajuste do ministro Joaquim Levy. Em um primeiro momento, em razão do ajuste do câmbio —necessário, pois o déficit externo em 2014 foi de 4,5% do PIB— e do descongelamento do preço da gasolina e de outras tarifas públicas, a inflação aumentou.
Demorou para cair em razão da elevada inércia e da baixa credibilidade do Banco Central à época. Passados esses fatores, estamos diante de um novo regime de política econômica.
Política fiscal e, principalmente, parafiscal (crédito dos bancos públicos), contracionista e maior credibilidade do Banco Central. É possível que, no novo regime de política econômica, o juro neutro
seja substancialmente menor.
Juntando todos esses elementos, aparentemente mudou o processo de formação da inflação brasileira. Parece que navegamos mares desconhecidos. É, por um lado, uma boa notícia, pois ao longo da nossa história sofremos muito com inflações elevadas, e a novidade é que ela está surpreendentemente baixa. Por outro lado, esse novo regime demandará muito esforço de entendimento e abertura mental por parte da autoridade monetária.
Evidentemente, nada disso se manterá se não fizermos a reforma da Previdência.
ESTADÃO - 04/03
É pena que ideias erradas continuem sendo debatidas como se fossem verdades
Apesar das dificuldades na aprovação das reformas fiscais impopulares, como a da Previdência, o País entrou em uma recuperação cíclica que, na minha interpretação, é a consequência da execução competente da política monetária e do sucesso na aprovação de algumas reformas, como o teto de gastos e a trabalhista.
Entretanto, discordo da interpretação de que o segredo da continuidade da recuperação está nos elevados superávits comerciais, que em 2017 atingiram US$ 67 bilhões. Em parte, apenas, isto se deve a um crescimento das exportações, induzido pela aceleração do crescimento mundial e pelo bom comportamento dos preços de commodities. O grosso daquela elevação se deve ao desabamento das importações, que caíram perto de 40% entre o pico, no biênio 2013/14, e o vale, no biênio 2016/17.
Por que as importações desabaram? Há muito que venho chamando a atenção para a extrema dependência, no Brasil, dos investimentos em capital fixo com relação às importações totais, e não apenas às importações de máquinas e equipamentos. Quem tiver dúvidas é convidado a comparar as séries de importações e da formação bruta de capital fixo publicadas nas contas nacionais, e descobrirá que ambas caminham muito próximas. Com o auxílio de técnicas econométricas simples descobrirá, também, que os movimentos da formação bruta de capital fixo precedem no tempo os movimentos das importações.
A primeira conclusão é que, a menos que os efeitos ocorressem antes das causas, o desabamento das importações é uma consequência da forte queda da formação bruta de capital fixo. A segunda é que os elevados superávits comerciais são uma manifestação da doença que nos levou a uma profunda recessão, seguida de uma recuperação que é firme, mas ainda é lenta.
Quando o ciclo de reformas tiver levado à queda de riscos e à sustentação da taxa real de juros em níveis baixos, assistiremos a uma recuperação da formação bruta de capital fixo e a um aumento de importações, com menores superávits ou mesmo déficits na balança comercial, e o aumento dos déficits nas contas correntes. Porém, tal comportamento não é reflexo de uma doença, e sim uma manifestação da saúde da economia, que voltou a crescer. Ao contrário de países nos quais as poupanças domésticas excedem os investimentos, gerando superávits nas contas correntes (como na China), tornando-se exportadores de capitais, o crescimento brasileiro ocorre ao lado de déficits que o obrigam a ser um importador de capitais.
Neste ponto vale a pena uma incursão no campo do balanço de pagamentos. Contrariando um comportamento que se manteve desde o início do regime de metas de inflação até o início de 2012, nestes últimos anos o Banco Central saiu totalmente do mercado à vista de câmbio, restringindo suas intervenções apenas ao mercado futuro. Tal procedimento também interfere com a taxa cambial, mas ao sair do mercado à vista gera uma situação na qual o balanço de pagamentos tem, forçosamente, que oscilar em torno do equilíbrio.
Quem duvidar desta proposição é convidado a tomar os dados publicados pelo Banco Central e comparar duas séries: os saldos nas contas correntes e os saldos nas contas financeira e de capitais (que incluem os investimentos diretos e os investimentos em carteira). Ficará evidente que as saídas líquidas (os déficits nas contas correntes) são quase que integralmente compensados pelas entradas líquidas (os superávits nas contas financeira e de capital), com o balanço de pagamentos gravitando em torno do equilíbrio.
Se no futuro uma escalada nos investimentos em capital fixo levar a um forte aumento no déficit nas contas correntes, ocorrendo ao lado de uma baixa entrada de capitais, o real tenderá a se depreciar, ocorrendo o inverso se os ingressos de capitais superarem o déficit nas contas correntes. O argumento que nunca foi entendido pelos proponentes dos controles de capitais é que são estes ingressos que permitem financiar déficits elevados nas contas correntes, sem os quais a taxa de investimentos não poderia se elevar, acelerando o crescimento.
É pena que ideias erradas continuem sendo debatidas como se fossem verdades.
É EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS. ESCREVE NO PRIMEIRO DOMINGO DO MÊS
FOLHA DE SP - 04/03
Pior da crise econômica ficou para trás, mas renda do país ainda é inferior à do início da década
Com o tímido crescimento econômico de 1% em 2017, o país começou a superar a trágica recessão dos três anos anteriores. Apesar de ainda lenta, a presente retomada mostra alguma consistência.
O retorno dos investimentos privados, com três altas trimestrais consecutivas, interrompe o colapso que atingiu a produção de máquinas e a construção civil. Com inflação e juros mais baixos, além disso, melhoram as perspectivas para o crédito e o consumo.
Nesse cenário, o desemprego, ainda em 12,2%, tende a cair de modo gradual. Em janeiro foram criadas 77,8 mil vagas com carteira assinada, a melhor marca para o mês desde 2012.
Tudo considerado, parece plausível que a expansão do Produto Interno Bruto supere 3% neste ano.
Mesmo nos cenários mais otimistas, contudo, o país está longe de recuperar o patamar econômico anterior à recessão —e o atraso na trajetória de desenvolvimento é quase irreparável.
Trata-se, até aqui, de uma nova década perdida. A atual renda por habitante do país, de R$ 31,6 mil, é inferior à de 2011, em valores corrigidos. A expansão acumulada do PIB em sete anos é de irrisórios 3,2%, enquanto a produção global elevou-se em 27,9%.
O desastre reflete, decerto, fragilidades estruturais do país, mas também oportunidades desperdiçadas e erros tão primários quanto recorrentes de política econômica.
De mais evidente, há uma estrutura governamental inchada e perdulária, que a despeito de consumir um terço do PIB em tributos continua a se endividar a cada dia, absorvendo recursos que poderiam financiar investimentos.
A tarefa de conter e tornar mais eficiente o gasto público foi negligenciada. Em vez disso, apostou-se na carcomida fórmula do intervencionismo estatal para estimular empresas e setores selecionados.
Mais do que uma mera correção de rumos, há que buscar algum consenso em torno de uma agenda que permita ao país superar a pobreza e rumar a um padrão de renda elevado em 20 ou 30 anos.
É um desafio inadiável, tendo em vista a realidade demográfica que levará ao envelhecimento acelerado da população no período.
O Brasil precisa crescer de 3% a 3,5% ao ano de forma sustentada por ao menos duas décadas. Nesse cenário, a renda per capita se aproximaria da observada em países como Portugal e Espanha, configurando um salto civilizatório.
Para tanto, faz-se necessário um avanço mais vigoroso da produtividade de trabalhadores e empresas, que evolui a passos lentos e descontínuos desde os anos 1980.
O caminho é a melhora do ambiente de negócios, da infraestrutura e, sobretudo, da qualidade da mão de obra, por meio de treinamento e educação.
Ao menos três elementos devem lastrear essa estratégia. O primeiro é mais abertura econômica: há uma desproporção entre as dimensões do país e sua pífia participação no comércio internacional.
Sem estarem expostas à competição nos mercados globais, as empresas brasileiras não conseguirão ganhar escala produtiva e acesso às tecnologias mais avançadas —e o país terá severas dificuldades para cruzar a fronteira que separa os ricos dos remediados.
Também imperativa é uma ampla reforma do sistema de impostos, ainda que os objetivos sejam perseguidos de forma incremental.
Sem elevar a carga tributária, cumpre alterar sua distribuição, de modo a desonerar a atividade produtiva e simplificar o emaranhado de regras que trazem enorme contencioso jurídico.
A missão é mais difícil do que possa parecer, dados os interesses de setores hoje favorecidos por regimes especiais e de entes federativos que desejam preservar seu poder de arrecadação. Há uma negociação difícil pela frente, que terá de ser liderada por Brasília.
Por fim, há a óbvia necessidade de redesenhar as prioridades e o alcance do Estado. Os programas sociais, imprescindíveis, precisam se ajustar às possibilidades orçamentárias. Do contrário, alimenta-se uma dívida pública cujo custo acaba por solapar o desejado combate à pobreza.
Desmontar privilégios da alta burocracia, reformar a Previdência e privilegiar o provimento de educação, saúde, segurança e infraestrutura —todas essas ações, além de justas, teriam impacto altamente positivo na produtividade.
O pior da crise ficou para trás, mas nem de longe estão asseguradas as condições para um crescimento duradouro. Um debate franco sobre como buscá-las é o mínimo que se espera da eleição presidencial.
ESTADÃO - 04/03
Em 2030, o Brasil terá mais idosos do que crianças, o que coloca o País ao lado de nações desenvolvidas no desafio de equilibrar as finanças dos sistemas de saúde
Para os problemas do presente é necessário pensar em soluções para o futuro. Em 2030, o Brasil terá mais idosos do que crianças (de zero a 14 anos), projetam as estatísticas do IBGE. É um cenário que coloca o País ao lado de países desenvolvidos, como Reino Unido, França e Alemanha, diante de enorme desafio: o de garantir equilíbrio financeiro aos sistemas de saúde.
Em 2030, no Brasil, as despesas do Sistema Único de Saúde (SUS) com assistências ambulatorial e hospitalar podem atingir a magnitude de R$ 115 bilhões ao ano. Hoje, oscilam em torno de R$ 45 bilhões. E são justamente as doenças crônicas, tipicamente diagnosticadas nos idosos, que exercem maior pressão sobre os custos.
Na falta de política pública bem estruturada destinada a lidar com o rápido processo de envelhecimento no Brasil, Alexandre Kalache, gerontólogo e presidente do Centro Internacional da Longevidade no Brasil, não é otimista quando avalia a capacidade do País de pagar essa conta e garantir o atendimento que vier a ser necessário. Mas sugere iniciativas que, uma vez adotadas, podem quebrar esta sina.
A primeira é atualizar currículos dos cursos da área de saúde. “Quem se forma hoje não adquire conhecimento sobre como cuidar desse paciente.” O quadro é especialmente crítico: o SUS conta com apenas um geriatra para 12 mil pacientes, bem aquém do patamar de um para cada mil recomendado pela Organização Mundial da Saúde.
Outro caminho, diz Kalache, é a adoção de políticas públicas de saúde voltadas à atenção primária, com acompanhamento médico contínuo e não só em casos emergenciais. “É preciso recuperar a cultura do cuidado, com unidades de saúde que façam o acompanhamento médico do paciente ao longo da vida”, explica.
Não menos importantes são as ações destinadas a acabar com o isolamento imposto aos idosos, a fim de promover a saúde mental.
Essa não é só tarefa do setor público. Conforme demonstrou pesquisa do Instituto de Estudos do Sistema Suplementar (IESS), em 2030, as despesas dos planos privados de saúde devem ultrapassar os R$ 396,4 bilhões anuais, 250% acima dos níveis de hoje.
O segmento dos pacientes acima dos 60 anos enfrenta ainda os problemas apontados por esta Coluna no dia 2 de fevereiro (A saúde mais cara dos mais velhos): a oferta de planos individuais é baixa, as mensalidades são altas demais e algumas operadoras fazem exigências descabidas por ocasião da contratação do plano.
Para a FenaSaúde, a entidade que defende os interesses das operadoras de planos de saúde, uma forma de encarar o aumento das despesas dos beneficiários mais velhos é tentar reequilibrar o jogo por meio da admissão de associados mais jovens. Explicando melhor: como o sistema de saúde suplementar adota o conceito de mutualismo, os mais jovens ajudam a custear o tratamento dos mais velhos. Mas é solução precária, com prazo curto de validade. Hoje, o sistema já tem apenas dois jovens para cada idoso e essa relação tende a se estreitar.
Solução de longo prazo seria, na opinião da presidente da FenaSaúde, Solange Beatriz Palheiro Mendes, a regulamentação de uma espécie de plano de previdência exclusivamente voltado a custear as mensalidades do plano, quando o associado se aposentar.
A ser chamado de VGBL Saúde, esse modelo já foi aprovado na Câmara dos Deputados e está, desde 2015, sob análise do Senado. As empresas fariam contribuições ao VGBL Saúde em nome do funcionário sem que fossem consideradas parte do salário – portanto, sobre elas não incidiria FGTS e INSS. Caberia ao trabalhador escolher o tipo de cobertura. Também seria criado produto similar a ser oferecido a quem não estiver no regime formal de trabalho.
Independentemente dos benefícios esperados desse projeto, o sistema suplementar vai colhendo resultados positivos a partir de certas mudanças de estratégia. Operadoras de planos de saúde especializadas no público da terceira idade têm visto as margens de lucro crescerem no investimento em redes próprias de hospitais e laboratórios, de maneira a reduzir custos. Além disso, a Agência Nacional de Saúde (ANS) criou modelo de atenção especial aos pacientes acima de 60 anos a ser seguido pelos planos de saúde.
Falta saber como sair do campo vago das ideias e partir à prática, mesmo à custa de erros iniciais. Caso contrário, seguiremos idemistas – como classificou Balzac –, seguiremos a repetir o que já foi dito: idem, idem, idem.
FOLHA DE SP - 04/03
Na economia e na segurança, Rio de Janeiro e Espírito Santo são opostos
Em fevereiro do ano passado, o Espírito Santo passou por uma crise na segurança pública. Os policiais permaneceram nos quartéis e delegacias, alegadamente retidos pelas manifestações de seus familiares por aumentos salariais. A campanha de Paulo Hartung (MDB) ao governo enfatizara a necessidade de ajuste das contas públicas e ele, coerentemente, não concedera reajustes para os servidores nos dois primeiros anos.
O resultado da greve ilegal foi uma população exposta à barbárie em decorrência de um movimento iniciado quando o governador foi internado para realizar uma delicada cirurgia. A taxa de homicídios dobrou durante o mês da crise, interrompendo a trajetória de queda observada desde o início da adoção, em 2009, de várias medidas de gestão da segurança.
Houve críticas à decisão do governador de não conceder reajustes e enfrentar a insubordinação dos policiais, ainda mais depois que, no começo da greve, o governo do Rio de Janeiro concedeu aumentos salariais para os seus policiais de modo a evitar uma manifestação similar.
Três semanas depois, a greve no Espírito Santo foi encerrada, vários policiais foram processados, alguns presos e houve uma reformulação da carreira policial, instituindo por exemplo prioridade para promoção por mérito, e não por antiguidade, e o maior treinamento dos recrutas. Não foi concedido aumento salarial.
O desenrolar da história não surpreende. Como os demais estados, o Espírito Santo enfrenta uma restrição fiscal, mas as suas contas, inclusive salários, continuam a ser pagas em dia. Várias políticas públicas foram expandidas, como em educação e saneamento, e a polícia foi aparelhada com novos veículos e armas.
O estado, como o Brasil, tem alta taxa de homicídios por 100 mil habitantes, mas, ao menos, ela voltou ao nível dos anos anteriores à greve, bem mais baixa do que há uma década e menor do que a do Rio, que piorou nos últimos anos.
O Rio de Janeiro, que concedeu aumento salarial, por outro lado, progressivamente interrompeu diversas políticas de segurança por falta de recursos, como o regime adicional de serviço, que garantia maior contingente de policiais nas ruas. Foram severamente reduzidos os pagamentos para manutenção dos equipamentos, como veículos, e para as ações de inteligência policial. Enquanto isso, policiais militares são promovidos por antiguidade e se aposentam em média aos 50 anos.
A causa principal da crise fiscal do Rio são os gastos com folha de pagamentos, que levam à redução dos gastos com investimento e custeio das políticas públicas. A liberalidade fluminense resultou na degradação de serviços essenciais, como segurança, na contramão da austeridade capixaba.
GAZETA DO POVO - PR - 04/03
Projeto de lei que regulamenta os aplicativos não é exatamente a consagração da livre iniciativa, mas poderia ter sido bem pior
As empresas responsáveis por aplicativos de transporte individual de passageiros, como Uber, Cabify e 99, comemoraram a votação ocorrida quarta-feira na Câmara dos Deputados e que definiu as regras para os motoristas desses aplicativos. Compreende-se a reação: ainda que o resultado final não seja exatamente uma consagração da livre iniciativa, ele foi muito melhor que o texto que havia saído da mesma Câmara rumo ao Senado no ano passado.
O projeto de lei elaborado pelo petista Carlos Zarattini, com o número 5.587/2016, era o beijo da morte nos aplicativos: em sua redação original, ele dava às prefeituras o poder de autorizar ou proibir a atividade; nas cidades onde esses serviços estivessem disponíveis, os carros precisariam circular com placas vermelhas e teriam de pertencer aos respectivos motoristas – impedindo, por exemplo, o compartilhamento entre amigos e familiares, ou o uso de veículos alugados. Esse disparate foi aprovado pelos deputados em abril de 2017 e remetido ao Senado, onde passou a tramitar com o número 28/2017.
As prefeituras ainda têm a possibilidade de colocar entraves a um funcionamento mais livre do serviço
Felizmente, os senadores tiveram mais bom senso que os deputados e, depois de aprovar o texto-base que tinha vindo da Câmara, passaram a retirar dele aqueles trechos que ameaçavam inviabilizar a atividade dos aplicativos. Os municípios perderam o poder de permitir ou proibir a oferta do serviço, e também não poderiam limitar o número de veículos de aplicativos, o que seria uma restrição injustificável à oferta. Também não poderiam regulamentar a atividade, mas apenas fiscalizá-la, para que não houvesse margem alguma para restrições aprovadas em âmbito municipal. Também caíram a exigência de placa vermelha e de o veículo só poder ser conduzido por seu proprietário – uma exigência que não se aplica nem mesmo aos taxistas.
Como o projeto havia sido modificado pelos senadores, era preciso que ele retornasse à Câmara, e aqui residia a grande preocupação das empresas que operam os aplicativos, dos motoristas e dos usuários, pois os deputados poderiam simplesmente derrubar todas as alterações feitas no Senado e restaurar o texto original, eivado de intervencionismo estatal. No entanto, desta vez a Câmara se mostrou bem mais sensata do que havia sido em abril de 2017. Em uma concessão aos municípios, os deputados restabeleceram o poder de regulamentação das prefeituras; de resto, mantiveram a redação vinda do Senado. O texto vai agora à sanção presidencial.
O resultado final poderia privilegiar ainda mais a liberdade? Sem dúvida que sim; na hora de regulamentar as atividades dos aplicativos, as prefeituras ainda têm a possibilidade de colocar entraves a um funcionamento mais livre do serviço – em Curitiba, por exemplo, o decreto assinado pelo prefeito Rafael Greca determinava que pode haver apenas dois motoristas por veículo, que precisa ter placa da cidade, o que impede o uso de veículos alugados emplacados em outros municípios (esta última exigência, no entanto, está suspensa até setembro deste ano). Em uma demonstração de que ainda há brechas para ataques à livre iniciativa, um vereador curitibano chegou a propor que o número de carros de cada aplicativo não pudesse superar metade da frota de táxis da cidade – felizmente, o texto acabou arquivado.
Em vez de uma fúria regulatória, seria muito melhor que o poder público se limitasse ao essencial, como regras que garantam a segurança dos usuários, e deixasse o restante para que a própria dinâmica da livre iniciativa premiasse ou punisse aplicativos e motoristas. Essa regra também deveria valer para os táxis – em vez de pressionarem para que os condutores ligados a aplicativos sejam submetidos às mesmas amarras que hoje afligem os taxistas, estes deveriam buscar o fim das restrições que, por exemplo, forçam um taxista a dirigir por horas apenas para pagar o dono da placa, a central de rádio-táxi ou a Urbs. Quem diz se preocupar com a competitividade dos táxis deveria brigar por mais liberdade para eles, e não pela inviabilização dos aplicativos.
ESTADÃO - 04/03
A derrocada do lulopetismo abriu uma enorme janela de oportunidade para o País se recompor dos desatinos de governos populistas
A derrocada do lulopetismo, marcada pelo impeachment de Dilma Rousseff e pela recente confirmação da condenação de Lula da Silva por corrupção e lavagem de dinheiro, o que torna o ex-presidente inelegível à luz da Lei da Ficha Limpa, abriu uma enorme janela de oportunidade para o País se recompor dos desatinos de governos populistas e voltar ao caminho do desenvolvimento econômico, social e político, guiado por lideranças éticas e responsáveis.
Para ajudar na compreensão dos desafios da Nação e fomentar o debate acerca da agenda para a reconstrução do País, o Estado publicou uma série de reportagens entre setembro de 2016 e janeiro de 2017 com as políticas públicas que deverão pautar os debates eleitorais deste ano. Não só isso. Nos próximos meses, a série Fórum Estadão: A Reconstrução do Brasil irá abordar os principais temas visando à modernização do País.
Durante a abertura do primeiro evento da série, terça-feira passada, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que para iluminar esses caminhos que levarão à reconstrução “não faltam ideias, o que falta são líderes” que sejam capazes de engajar a maioria da sociedade em torno de uma agenda em prol do interesse nacional.
Em meados de novembro do ano passado, FHC proferiu uma conferência sobre a conjuntura política brasileira na Columbia University, nos EUA. Naquela ocasião, ao tratar da necessidade de unificar a sociedade em torno de uma agenda de interesses comuns, afirmou que “não temos um De Gaulle”, referindo-se ao general Charles de Gaulle, o ex-presidente da França que reergueu seu país dos escombros da 2.ª Guerra.
Por mais graves que tenham sido os males infligidos ao País nos últimos anos, para repará-los, nos próximos quatro anos, não precisamos de um estadista do porte do general De Gaulle – embora isso seja desejável. Um líder decente, pautado por valores morais e disposto a encampar uma agenda que atenda aos anseios por ética no exercício da atividade política, estabilidade econômica, racionalidade administrativa e responsabilidade fiscal, já será capaz de fazer o País dar o salto em direção a um futuro mais promissor.
O problema é que não têm surgido nomes que aglutinem ideias e vontades. As ações que devem ser tomadas para dar prumo ao Brasil já estão expostas – como mostra a série de reportagens do Estado que deu origem ao Fórum –, mas a insuficiência de debate público, partidário ou parlamentar em torno de propostas é o exemplo de que a escassez de lideranças reconhecidas pela sociedade aflige o País.
Se é verdade que todas as eleições são importantes para a definição dos rumos do País, também é verdadeiro afirmar que o pleito de 2018 terá uma importância ainda maior para indicar se nos próximos anos haveremos de tomar a direção do desenvolvimento ou voltaremos aos trilhos do retrocesso. Não faltam vozes a se aproveitarem da justa indignação da sociedade diante dos desmandos da chamada “classe política”, da sensação de insegurança que parece não ter fim, da divisão dicotômica entre nós e eles que foi engendrada pelo PT e hoje dificulta qualquer debate profícuo em torno de temas de interesse geral, além da precariedade na prestação dos serviços públicos, o que torna a vida de milhões de brasileiros, todos os dias, um enorme desafio.
É dessa angústia que advém a busca pelo “novo”, sem que esteja claro o que seria isso e, principalmente, quem poderia desempenhar este papel. Na verdade, o que se busca é uma liderança genuinamente imbuída de espírito público e comprometida com os valores liberais e democráticos, não necessariamente neófitos na política.
A Constituição consagra a democracia representativa e define a filiação a um partido político como uma condição de elegibilidade. “Na hora da campanha, o ‘novo’ sem estrutura partidária é só uma ideia”, disse Fernando Henrique. “Não vejo o ‘novo’ nesta eleição. Temos de jogar com as cartas que estão aí”, concluiu.
De um elenco de candidatos heterogêneos e sem muito brilho, os eleitores terão de separar aqueles que, de fato, estão dispostos a fazer o que precisa ser feito e, assim, reconduzir o Brasil na direção de um futuro próspero e sustentável, daqueles que não passam de promessas vazias, cujo único resultado que são capazes de entregar é um mergulho em um profundo abismo de incertezas.