sábado, dezembro 13, 2008
EDITORIAL
Pacote federal
Folha de S. Paulo - 13/12/2008 | |
O CONJUNTO de medidas anunciadas anteontem pelo governo federal, ao optar pelo alívio tributário, atende a um justo e decantado anseio da sociedade brasileira. Não o faz, todavia, em dose relevante. Não foi desta vez que a progressiva asfixia representada pela carga tributária no Brasil foi alvo de um ataque sistemático. A renúncia fiscal com as novas medidas, estima o governo, será de R$ 8,4 bilhões em um ano. O montante equivale a pouco mais de 1% da arrecadação federal ou 0,3% do PIB. Como o peso dos tributos deve fechar 2008 acima de 36% do PIB, a redução proposta pelo Planalto fará pouca diferença nessa conta. A arrecadação poderá cair no ano que vem, mas influenciada principalmente por um motivo -a desaceleração da economia- em nada virtuoso. O governo escolheu os contribuintes do Imposto de Renda da Pessoa Física como beneficiários da maior parte da renúncia proposta. Quase R$ 5 bilhões, na conta oficial, serão consumidos dessa forma. Além de corrigir os valores iniciais das alíquotas, o plano cria mais duas -uma, inicial, de 7,5% e outra, intermediária, de 22,5%-, elevando para quatro o total de faixas de incidência do tributo. As mudanças diminuem a renda tributada e suavizam o impacto das alíquotas, o que redunda em mais dinheiro no bolso para quem paga IR. A maioria dos trabalhadores brasileiros, contudo, ficará de fora do benefício, porque não tem renda suficiente para ser tributada -o IR incidirá apenas sobre quem ganha mais de R$ 1.434 mensais- e/ou porque está na informalidade. A média salarial está abaixo de R$ 1.300 nas seis principais áreas metropolitanas e é ainda menor nas demais regiões. Numa população economicamente ativa da ordem de 100 milhões, 24 milhões entregaram declaração de IR em 2008. Destes, cerca de 40% são isentos do imposto. Além do afago na classe média, a parcela do eleitorado mais resistente a Lula nas duas eleições presidenciais que venceu, o pacote anticrise do governo faz uma mesura às montadoras. Afetadas pela escassez repentina de crédito, as vendas de automóveis novos serão contempladas com redução do IPI, que vai a zero para carros populares. Além disso, a diminuição à metade da alíquota do IOF sobre empréstimos pessoais, para 1,88%, se soma a outras iniciativas do governo no intuito de reanimar o fluxo de crédito na economia. O outro item do pacote, a mobilização de cerca de 5% das reservas cambiais para facilitar a rolagem de dívida externa privada, não tem impacto fiscal, mas ajuda a aliviar a pressão sobre o dólar no mercado doméstico. Apesar da boa intenção, os limites da atuação "anticíclica" do governo brasileiro ficam nítidos nesse pacote. O descontrole dos gastos públicos de custeio, que sempre esteve na raiz da escalada da carga tributária, estrangula as margens para o remanejamento da despesa -o que faz toda a diferença no momento de combater os efeitos de uma crise. |
MÍRIAM LEITÃO
Era da incerteza
Panorama Econômico |
O Globo - 13/12/2008 |
A crise tirou a previsibilidade das empresas. O mais difícil de prever não é o médio ou o longo prazos, mas o futuro imediato. O primeiro trimestre de 2009 é uma incógnita para a maioria das empresas. O câmbio é um fator perturbador, não porque sobe, mas pelos saltos que dá dentro de um mesmo dia. Os fatos confirmam os pessimistas. Agora, os emergentes vão perdendo força. |
FERNANDO RODRIGUES
Bimbalham os sinos no Congresso
Folha de S. Paulo - 13/12/2008 |
A crise econômica batendo à porta tem sido um bálsamo para os políticos e suas mazelas. |
COLUNA PAINEL
Mil e uma utilidades
Folha de S. Paulo - 13/12/2008 |
O parecer obtido por Garibaldi Alves (PMDB) para dar respaldo jurídico à sua eventual "recandidatura" atende a dois propósitos distintos: o do próprio presidente do Senado, que gostaria de continuar na cadeira, e o do grupo peemedebista de Renan Calheiros, que pode eventualmente se conformar com Garibaldi (tudo, menos entregar para o PT de Tião Viana), mas cujo plano A continua a ser José Sarney. Este, nas conversas, diz "não quero", evitando o "não serei". É ele Tiroteio Do deputado GASTÃO VIEIRA (PMDB-MA), ligado à família Sarney, sobre o processo na Justiça Eleitoral contra o governador Jackson Lago (PDT), acusado de compra de votos. Reunidos em sessão plenária, os ministros do Tribunal de Contas da União trocavam elogios. Augusto Sherman era cumprimentado por ter ajudado a resolver diversas pendências recentes. Os colegas, vários deles ex-deputados, sugeriam que ele seguisse carreira na política, comparando-o às "velhas raposas de Minas Gerais" -ainda que Sherman seja do Rio Grande do Norte. |
CLÓVIS ROSSI
Todo mundo em pânico
Folha de S. Paulo - 13/12/2008 |
No dia em que o mundo inteiro anuncia mais pacotes de ajuda ao setor privado (o Brasil, o Estado de São Paulo, os EUA, a União Européia), acho que vale a pena prestar um pouco de atenção em quem vai na contramão, o ministro alemão de Finanças, Peer Steinbrück. Antes é bom saber que Steinbrück batalhou um bocado, nas vésperas da cúpula do G8 na Alemanha, em 2007, para que o clubão dos ricos e poderosos adotasse medidas (bastante moderadas, aliás) de controle dos mercados. |
ILIMAR FRANCO
No ataque
Panorama Político |
O Globo - 13/12/2008 |
O PT está pintado para a guerra. O tom foi dado ontem pelo líder do governo, Henrique Fontana (PT-RS), no encontro de prefeitos do partido. "O Serra vai falar que o Bolsa Família é bom, mas na época não queria; vai dizer agora que o PAC é bom, mas, na época deles, não fizeram; vai dizer que aumentar o salário mínimo acima da inflação é bom, mas não é o que fizeram na época deles". |
ANCELMO DE GOIS
Troca de trilho
O Globo - 13/12/2008 |
O Metrô Rio vai mudar de dono. Quem deve comprar é um consórcio comandado pela CCR (Companhia de Concessões Rodoviárias), que já administra a Linha 4 do metrô paulista. |
ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
REVISTA VEJA
À moda antiga
Fala-se que o São Paulo, entre os clubes brasileiros de futebol, é o mais bem administrado, o que mais atenção devota ao planejamento e o que oferece melhor estrutura aos jogadores. Deve ser verdade. Mas, mais que isso, as vitórias que se acumulam, nestes últimos anos, culminando com a conquista do Campeonato Brasileiro pela terceira vez consecutiva, devem-se, na opinião do colunista que vos fala, a uma única, singular e indivisível pessoa: o goleiro Rogério Ceni. Com sua competência, liderança e dedicação ao clube, ele é o retrato deste vitorioso São Paulo. Mas, sobretudo, Rogério personifica uma resistência solitária e heróica a um estado de coisas que empobrece e apequena o futebol brasileiro.
O fato de tal papel ser exercido por um goleiro já é, em si, sintomático da era sombria que vivemos nos gramados. Goleiro é um ser esquisito. Num jogo cuja especificidade é ser jogado com os pés, ele trabalha com as mãos. Num espetáculo em que o que se espera, o tempo todo, é o momento apoteótico do gol, ele está lá para impedi-lo. Não seria certo dizer que pratica o antijogo, porque a expressão está associada ao jogador especializado nas botinadas na canela do adversário. Mas dá para dizer que o que pratica é o contrajogo. Para que isso fique bem claro, usa roupa diferente. Num esporte em que a movimentação e a corrida são a alma do negócio, a ele incumbe ficar parado. Goleiro é um ser tão singular que convida a cismar sobre que estranhos imperativos do destino, ou que especiais características de alma, levariam uma pessoa a abraçar tal ofício.
Ora, direis, Rogério Ceni se distingue por também fazer gols. Com sua habilidade para cobrar faltas e pênaltis, já fez quase 100, um recorde mundial para os de sua posição. Isso é certo, e boa parte de sua mística vem da fama de goleiro-artilheiro. Nem por isso deixa de ser um goleiro. Na maior parte do tempo está parado, entre as traves, com a missão de pegar a bola com a mão. E é muito sintomático, para retomar o fio deste arrazoado, que um goleiro, ou seja, um rebento da família dos praticantes do contrajogo, seja hoje o mais festejado, e talvez o melhor, entre os jogadores em atividade no Brasil. É sintoma de que entre os jogadores de linha, os dribladores, os artistas do passe preciso e da arrancada mortífera em direção ao gol –; personagens que fizeram a glória do futebol brasileiro –; sobra pouca coisa boa, se é que sobra alguma, nos gramados nacionais. Muito cobiçados no mercado internacional, eles vão logo embora.
O futebol brasileiro atual é o reino do volátil e do impermanente. Vá um menino querer montar um álbum de figurinhas. Como, se o time de hoje não será o mesmo do mês que vem? Não pode mais haver álbuns de figurinhas. E como pode haver bom futebol sem álbum de figurinhas? Para esse estado de coisas concorrem o desnível entre os mercados da Europa e do Brasil, uma certa cultura, mais forte a cada ano, de que jogador bom tem de sair do país e, claro, a boa e velha corrupção –; ela não podia faltar, num ramo de atividade movido a tantos milhões de dólares e euros.
Rogério Ceni, contra esse pano de fundo, representa os valores contrários da solidez e da permanência. Ele fez toda a carreira no Brasil. Mais ainda, fez a carreira no São Paulo, onde está há dezoito anos. Em parte tal constância se deve ao fato de ser goleiro, posição cujos expoentes, por brotar mais ou menos por igual em toda parte, não são tão bem cotados no mercado mundial quanto os jogadores de linha que, únicos, brotam no Brasil. Em outra parte se deve às características pessoais de gostar de jogar onde joga e não sofrer da doença do bicho-carpinteiro que não sossega o jogador enquanto não obtém um contrato no exterior.
Rogério forma com seu time um casamento digno dos formados no passado entre Pelé e o Santos, Zico e o Flamengo, Ademir da Guia e o Palmeiras, Nilton Santos e o Botafogo. Esse valor antigo, triunfo do sólido contra o fluido, do fiel contra o inconstante, é a grande contribuição que, ao lado do talento, ele oferece ao São Paulo. Não há empresa, repartição pública, igreja ou trupe de teatro que resista a um entra-e-sai de motel. Time de futebol não haveria de ser exceção. A presença de Rogério no São Paulo confere ao time um lastro de que outros não gozam. É daí que, em boa parte, derivam os títulos.
CLAUDIO DE MOURA CASTRO
REVISTA VEJA
Aprovar quem
não aprendeu?
"O medo da repetência leva o aluno de classe
média a estudar, para evitar os castigos. Nas famílias
mais modestas não há medo nem pressão para que
os filhos estudem"
Para chamar atenção sobre pesquisas irrelevantes, um bando de gaiatos de Harvard criou o prêmio Ignobel (um brasileiro já foi agraciado, por estudar o impacto dos tatus na arqueologia). De fato, esse é um problema clássico da academia. Como às vezes aparecem descobertas de valor na enxurrada de idéias que parecem bobas, todos se acham no direito de defender as suas. Diante disso, é reconfortante encontrar pesquisas colimando assuntos palpitantes e com resultados precisos e definitivos. Esse é o caso da tese de Luciana Luz, orientada pelo professor Rios Neto (UFMG), que examinou um problema fundamental: no fim do ano, o que fazer com um aluno que não aprendeu o suficiente? Dar bomba, para que repita o ano? Ou deixá-lo passar? O uso de dados longitudinais permitiu grande precisão na análise. A autora tratou os números com cuidado e sofisticação estatística. O cuidado aumenta a confiança nos resultados. Mas a sofisticação impossibilita que se faça aqui uma explicação acessível da análise estatística.
Contudo, a interpretação das conclusões é clara. A tese permite comparar um aluno que repetiu o ano por não saber a matéria com outro que foi aprovado em condições similares. Os números mostram com meridiana precisão: um ano depois, os repetentes aprenderam menos do que alunos aprovados sem saber o bastante. Tudo o que se diga sobre o assunto não pode ignorar o significado desses dados, que, aliás, corroboram o que foi encontrado pelo professor Naércio Menezes e por pesquisadores de outros países.
Ao que parece, para os repetentes, é a mesma chatice do ano anterior, somada à frustração e à auto-estima chamuscada. Andemos mais além da tese. Não reprovando, a nação economiza recursos, pois, com a repetência, o estado paga a conta duas vezes. E, como sabemos por meio de muitos estudos, os repetentes correm muito mais risco de uma evasão futura. Logo, ganha-se de três lados. Como a "pedagogia da reprovação" não funciona, a "promoção automática" é um mal menor.
Ilustração Atômica Studio |
A história não acaba aqui. A angústia de decidir se devemos aprovar quem não sabe torna-se assunto secundário, diante da constatação de que o aluno não aprendeu. Esse é o drama mais brutal do ensino brasileiro. Por isso, a discussão está fora de foco. Precisamos fazer com que os alunos aprendam. De resto, não faltam idéias nos países onde a educação dá certo. Por exemplo, na Finlândia – e mesmo no Uruguai – há professores cuja tarefa é dar uma atenção especial aos mais fracos. Por que se digladiam todos contra a "promoção automática", quando a verdadeira chaga é o fraco aprendizado? De fato, há uma razão. Grosso modo, três quartos da população brasileira é definida como de "classe baixa". Dada essa enorme participação, o que é verdade para seus membros é verdade para o Brasil como um todo. Mas há os 20% de classe média e alta. Para esses pimpolhos, a situação é diferente. Famílias de classe baixa são fatalistas, assistem passivamente à reprovação dos seus filhos. Se não aprenderam a lição, é porque "sua cabeça não dá". Já na classe média a regra é outra. Levou bomba? Antes zunia a vara de marmelo, depois veio o confisco da bola, da bicicleta ou do i-Phone. Santo remédio!
Reina a "pedagogia do medo da repetência". Essa é a arma dos pais para que o filho se mantenha por longo tempo colado à cadeira e com os olhos no livro. Cá entre nós, eu estudava por medo da bomba. É também a ameaça da bomba que permite aos professores forçar os alunos a estudar. Sem ela, sentem-se impotentes. Portanto, estamos diante de um dilema. O medo da repetência leva a minoria de classe média a estudar, para evitar os castigos. Pode não ser a pedagogia ideal, mas ruim não é. Já nas famílias mais modestas não há medo nem pressão para que os filhos estudem. O que há são as bombas caindo do céu e criando repetência abundante e disfuncional. Pouquíssimos países no mundo têm níveis tão altos de repetência como o nosso. Ao contrário de outros dilemas, esse tem solução clara, ainda que difícil. Basta melhorar a qualidade da educação para todos.
ANDRÉ PETRY
REVISTA VEJA
A besta está solta
"Há um ano, Carlos Rodrigues Junior, 15 anos, foi
morto sob tortura, dentro de casa, por seis policiais.
Todos estão soltos e ainda fazem parte da polícia"
A besta humana precisa ser contida em qualquer lugar. Em Nova York, em São Paulo, em Mumbai. Ela está à espreita em qualquer cidade, qualquer tempo, qualquer povo. Existe em médicos, pedreiros, padres, jornalistas, policiais. E precisa ser contida. A besta humana pôs a cabeça para fora no dia 15 de outubro numa estação de metrô em Nova York. Um policial capturou um rapaz de 24 anos que fumava maconha e sodomizou-o com seu cassetete retrátil. Foi um escândalo. O prefeito Michael Bloomberg teve de vir a público dar explicações sobre a aparente lentidão com que a polícia apurou o caso. (A investigação durou um mês e meio!) Disse que, no início, o caso não parecia tão óbvio como ficou depois. O governador foi instado a se explicar para que a besta não volte a atacar.
Nesta semana, faz um ano da morte de Carlos Rodrigues Junior, 15 anos. Ele foi assassinado de madrugada por seis policiais dentro de sua própria casa, em Bauru. A repercussão foi grande na época. Os policiais foram presos em flagrante. O governador José Serra veio a público condenar a "brutalidade inaceitável" e, num gesto exemplar, mandou indenizar a família da vítima, mesmo antes da decisão judicial. Queria mostrar que a besta humana tinha de voltar para a jaula.
Passado um ano, o que se tem? Os policiais, todos os seis, estão soltos. Os cinco praças foram libertados em abril. O oficial, um tenente, foi solto um pouco depois, no fim de junho. Estão afastados do serviço de rua, mas – um ano depois! – todos ainda integram a Polícia Militar. Não foram expulsos. O governador que mandou indenizar a família da vítima parece que estava mais interessado nos aplausos ao gesto exemplar do que na brutalidade da besta. Tanto que, no assassinato do mecânico Jorge Lourenço Junior, 22 anos, também cometido por policiais, também em Bauru e também no ano passado, a família não recebeu um centavo. O caso é tão descarado que a polícia, apesar de seu tradicional corporativismo, já expulsou os três matadores. É pena que o governador, pelo que se vê, não o tenha achado tão descarado assim. O certo é que o assassinato do mecânico, por alguma razão, repercutiu muito menos.
Isso tudo quer dizer que ninguém tem o direito de ficar surpreso se a polícia de Bauru se sentir autorizada a soltar a besta humana de novo. A de Nova York, não. O policial agressor logo irá a julgamento. Pode pegar 25 anos de cadeia. Se um policial nova-iorquino voltar a agredir alguém sexualmente, as conseqüências serão rápidas e severas. Houve um caso parecido há dez anos. Um imigrante haitiano foi detido e sodomizado dentro do prédio da polícia com um cabo de vassoura. O crime teve ampla repercussão e o policial pegou trinta anos de cadeia. Talvez por isso a besta tenha levado dez anos para reaparecer agora, no metrô de Nova York.
Seria um consolo pensar que a polícia passará dez anos sem matar ninguém em Bauru.
DIOGO MAINARDI
REVISTA VEJA
E Machado virou circo...
"A série Capitu tem um aspecto circense. É Machado de Assis encenado por Orlando Orfei. É Bentinho imitando Arrelia no picadeiro de Fausto Silva: ‘Como vai, como vai, vai, vai? Eu vou bem, muito bem, bem, bem’"
Machado de Assis é Bentinho. Nós somos Capitu. A analogia é simples: nós abastardamos a obra de Machado de Assis. No centenário da morte do escritor, Dom Casmurro e seus outros romances perderam qualquer sinal de paternidade machadiana. Eles parecem gerados por Escobar, o amante de Capitu.
Luiz Fernando Carvalho, diretor da série televisiva Capitu, é o mais perfeito Escobar que surgiu até agora. Seu "Dom Casmurro" tem o nariz de Luiz Fernando Carvalho, tem o sorriso de Luiz Fernando Carvalho, tem a mentalidade de Luiz Fernando Carvalho. Nada nele recorda o "Dom Casmurro" de Machado de Assis, apesar de reproduzir diálogos do romance. Na série, Bentinho aparece estranhamente caracterizado como Dick Vigarista, do desenho animado Corrida Maluca: nas roupas, no bigode, na magreza, no temperamento e, acima de tudo, na canastrice do ator que desempenha seu papel. Qual é o melhor candidato a Muttley? O agregado José Dias.
A série Capitu tem um aspecto circense. É Machado de Assis encenado por Orlando Orfei. É Bentinho imitando Arrelia no picadeiro de Fausto Silva: "Como vai, como vai, vai, vai? Eu vou bem, muito bem, bem, bem". Luiz Fernando Carvalho usa uma linguagem grotesca, afetada, espalhafatosa, cheia de contorcionismos e de malabarismos. Machado de Assis é o oposto. No livro Dom Casmurro, o relato de Bentinho é espantosamente seco e desencantado. Ele narra sua história apenas para combater o tédio: sem drama, sem sentimentalismo, sem teatralidade. Quando Bentinho descobre que o filho bastardo de Capitu com Escobar morreu de febre tifóide, ele comenta simplesmente: "Apesar de tudo, jantei bem e fui ao teatro".
Luiz Fernando Carvalho só foi autenticamente machadiano na metalinguagem. A atriz que interpreta Capitu está grávida de se-te meses. Quando um repórter lhe perguntou se o pai do menino era Luiz Fernando Carvalho – o Escobar de Jacarepaguá –, ela se recusou a responder, limitando-se a declarar, como uma Capitu do funcionalismo público: "Não vou dizer a identidade e o CPF dele".
A literatura brasileira tem um escritor. Um só. O que fizemos com ele, nos últimos cinqüenta anos, foi traí-lo com todos os Escobar que apareceram. Desde que Helen Caldwell, em 1960, negou o adultério de Capitu, moldando Dom Casmurro às suas teorias feministas, Machado de Assis foi raptado pela crítica esquerdista. Em particular, por John Gledson e Roberto Schwarz, que o transformaram ridiculamente num agente da luta de classes, empenhado em denunciar os abusos da classe dominante. Na realidade, Machado de Assis é mais complicado do que isso. Ele é um satirista conformista e resignado, que zomba da mesquinhez de nossa sociedade e acredita que, quando ela muda, muda sempre para pior. A série Capitu festeja o abastardamento da obra machadiana. Machado de Assis sabe bem: de agora em diante, isso só pode piorar.
SÁBADO NOS JORNAIS
- Globo: AI-5 entre o falado e o escrito
- Folha: Governo decide garantir a operação de banco pequeno
- Estadão: Arrecadação cai e Receita faz blitz em grandes empresas
- JB: AI-5 40 anos
- Correio: Aprovado aumento do IPTU e do IPVA
- Valor: Renúncia de R$ 8,4 bilhões busca estimular consumo
- Gazeta Mercantil: Renúncia fiscal vai liberar R$ 8,4 bilhões à economia
- Estado de Minas: IPVA cai até 16%