A última romântica
FERNANDO DE BARROS E SILVA
FOLHA DE SP - 27/07/11
SÃO PAULO - Cigarros, isqueiros, copos com drinques coloridos, garrafas vazias -de vodca, do licor de coco Malibu... Às flores, velas, retratos e mensagens de praxe os fãs acrescentaram em frente à casa de Amy Winehouse esses objetos que dão prazer, podem viciar e fazem mal à saúde. Para além da homenagem, era uma forma de participar do universo de excessos da cantora.
É curioso o apelo de Amy num mundo conservador, cada vez mais antitabagista e alerta para os riscos das drogas -um mundo onde vamos sendo ensinados a comprar produtos sem gordura trans e onde até as garotas de esquerda consomem horas dentro da academia.
Numa época em que as pessoas são estimuladas a abdicar de certos prazeres na expectativa de durar bastante, simplesmente para durar, Winehouse fez o roteiro oposto -intenso, autodestrutivo, suicida.
Sob o aspecto clínico, era uma viciada grave, necessitando desesperadamente da ajuda que insistia em recusar. Uma de suas canções mais famosas trata exatamente disso.
Amy foi presa fácil do jornalismo de celebridades, voltado à escandalização da intimidade dos famosos (quanto pior, melhor). Foi também, num tempo improvável, a herdeira de Janis Joplin, morta aos 27 em 1970, e de Billie Holiday, morta aos 44, em 1959, ambas por overdose.
Como suas antecessoras, Amy leva ao extremo o éthos romântico -do artista que vive em conflito permanente e se rebela contra o curso prosaico e besta do mundo. Na sua figura atormentada e em constante desajuste, o autoflagelo quase sempre se confunde com o ódio às coisas que funcionam.
Numa cultura inteiramente colonizada pelo dinheiro e que convida à idolatria, fazer sucesso parecia uma espécie de vexame e de vileza, o supremo fiasco existencial, contra o qual era preciso se resguardar.
Nisso Amy evoca os gênios do romantismo tardio -Lautréamont, Rimbaud e outros poetas do inferno humano, que tinham plena consciência da vergonha de dar certo.