sábado, dezembro 20, 2008

AJUDA PARA DESABRIGADAS



A Varanda está recebendo doações para minhas desabrigadas, peço somente doação em dinheiro, afinal, elas não estão precisando de roupas.

LYA LUFT

REVISTA VEJA
Acreditar no Natal

"Acreditar em Papai Noel, em anjos, em famílias amorosas ou amigos fiéis, em governantes mais justos e líderes mais capazes – em alguma coisa a gente acaba sempre acreditando"

Acreditei em Papai Noel por muitos anos. Menina do interior com a fantasia sempre a mil, ele fazia parte das minhas histórias encantadas. Até uns 7 anos de idade, eu também acreditava na cegonha e no coelho da Páscoa. Quando o pôr-do-sol tingia o céu, diziam-me que os anjinhos começavam a assar aqueles biscoitos de Natal que se faziam em todas as casas da pequena cidade. Trovoadas de começo de verão eram São Pedro arrastando os móveis para a fábrica de brinquedos ter mais espaço.

Na antevéspera de Natal, um recanto da sala era ocultado por lençóis estendidos, e ali atrás ocorria o milagre: na noite de 24, com o coração saltando de ansiedade, a gente escutava sininhos como que de prata: era hora. Levada pela mão da mãe ou do pai, eu entrava na sala, de onde os lençóis tinham sido removidos, e lá estava ela: a árvore de Natal, toda luz de velas, toda cor de esferas, e embaixo os presentes. Muitíssimo menos dos que se dão hoje às crianças, mas havia presentes. Cantávamos canções natalinas, todo mundo se abraçava, depois abríamos os pacotes e comíamos a ceia. No dia seguinte, chegavam tios, primos, alguns amigos. Era só isso, sem alarde, mas com emoção. Guardei a sensação de que Natal é fraternidade, é reconciliação, é alegria de estar junto, é a chegada de pessoas queridas, é o tempo da família. Para quem não a tem, é o tempo dos amores especiais. Não éramos particularmente religiosos, mas uma de minhas avós, luterana convicta, na manhã seguinte me levava à igrejinha, onde eu gostava de cantar. Algo de muito bom se comemorava nesse tempo, o nascimento de Cristo e a esperança dos povos. Nem tudo seria guerra e perseguição, pobreza, crueldade, injustiça.

Ilustração Atómica Studio

As pessoas se queixam muito de que o Natal hoje é só comércio. Depende de quem o comemora. Se me endivido por todo o próximo ano comprando presentes além de minhas possibilidades, pois no fundo acho que assim compro amor, estou transformando o meu Natal num comércio, e dos ruins. Se entro nesses dias frustrado porque não pude comprar (ou trocar) carro, televisão, geladeira, estou fazendo um péssimo negócio para minha alma. E, se não consigo nem pensar em receber aquela sogra sempre crítica, aquele cunhado cínico, aquele sobrinho malcriado, abraçar o detestado chefe ou sorrir para o colega que invejo, estou transformando meu Natal num momento amargo. Então, depende de nós. Claro que há as tragédias, as fatalidades, doença, morte, desemprego, alguma maldade – essas não faltam por aí. Um avô meu morreu de doença muito dolorosa, na véspera de Natal. Foi a primeira vez que vi um adulto, minha avó, chorando. Há poucos anos, minha mãe morreu na antevéspera de Natal, depois de longuíssimo tempo de uma enfermidade maldita. Mas foram também ocasiões de conforto e consolo, abraço, amor e entendimento.

Na medida em que não se podem dar muitos e caríssimos presentes, talvez até se apreciem mais coisas delicadas como a ceia, o brinde, o carinho, os votos, a reunião da família, o contato emotivo com os amigos, mensagens pelo correio ou e-mail, música menos barulhenta e aroma de velas acesas. Mais que tudo isso, o perfume de uma esperança ainda que realista. A crise nas finanças pode incrementar a valorização dos afetos. Se não pudermos viajar, curtiremos mais nossa casa. Se não há como trocar velhos objetos, vamos cuidar mais dos que temos. Se não podemos comprar o primeiro carro, vamos olhar melhor nossos companheiros no metrô. Vamos curtir mais nossos ganhos em afeto.

Não é preciso ser original para escrever sobre o Natal. A gente só quer que ele seja tranqüilo e gostoso, e que nos faça acreditar: em Papai Noel, em anjos, em famílias amorosas ou amigos fiéis, em governantes mais justos e líderes mais capazes, em um povo mais respeitado – em alguma coisa a gente acaba sempre acreditando. Porque, afinal de contas, é a ocasião de ser menos amargo, menos crítico, menos lamurioso e mais aberto ao sinal deste momento singular, que tanto falta no mundo: a possível alegria, e o necessário amor.

REVISTA VEJA

Humor
Só faltou "Esteban"

Chefes de estado latino-americanos produziram muitas piadas
na Costa do Sauípe e nenhuma proposta de interesse dos seus
povos. Foi uma homenagem a Fidel, o "Comediante en Jefe"

Celso Junior/AE
Surdos que não enxergam
Chávez, Castro, "Doctor Evo" e Lula: concurso de piadas

Líderes de 33 países da América Latina e do Caribe reuniram-se na Costa do Sauípe, na semana passada, para sessões de banhos de mar e relaxamento em que o ponto forte foi um concurso de piadas. Como manda a boa etiqueta, o nível do humor foi ditado pelo anfitrião. O presidente Lula colocou a barra lá em cima. "Gente, por favor. Ninguém tire o sapato porque, aqui, como é muito calor, a gente vai perceber antes de alguém decidir jogá-lo, por causa do chulé", disse o presidente brasileiro, divertindo-se à custa do episódio recente em que George W. Bush, presidente dos Estados Unidos, numa visita a Bagdá, teve de se desviar de um sapato arremessado por um jornalista iraquiano. Na tentativa de manter o nível, Evo Morales, presidente da Bolívia, saiu-se com uma finíssima, ao melhor estilo Austin Powers: "Vamos dar um prazo ao novo governo dos EUA para suspender o bloqueio econômico a Cuba... Se não fizer isso... retiraremos os embaixadores", ameaçou o "Doctor Evo" do altiplano. Em gesto de estadista, diga-se a seu favor que ele nem cogitou acionar a marinha de guerra boliviana, preferindo, por enquanto, exercer apenas pressão diplomática sobre Washington. Evitou, assim, que uma piadinha pudesse dar origem a uma crise militar entre as duas potências.

Pena que não valia piada velha. "Doctor Evo" certamente teria repetido uma que sempre faz enorme sucesso. Ela envolve também os Estados Unidos, mas exige especial domínio de economia para ser entendida: "A queda do preço do petróleo foi um golpe do império contra Hugo Chávez". Falando no venezuelano Chávez, é claro que ele não poderia deixar Lula e Morales dominarem a cena em uma especialidade que, todos sabem, é dele. Não senhor! Bolivariano que se preze não perde concurso de piada. Chávez, então, disparou: "Cuba é a essência do coração e da dignidade dos povos da América Latina e do Caribe...". A piada só tem efeito cômico, claro, quando se esquece que a atual dupla de anciãos ditadores, Fidel e Raúl Castro, há meio século no poder, matou quase 100 000 cubanos – sem falar nos mortos de fome, de raiva e de tédio. Mas a platéia na Costa do Sauípe era bem selecionada, entendeu o espírito da coisa e Chávez saiu se até bem. Uma pena que só os ditadores cubanos e seus cupinchas podem sair da ilha. Se as pessoas comuns do povo cubano pudessem viajar, mais gente saberia que Fidel era chamado de "Comediante en Jefe". Mais gente saberia por que o apelido predileto dos cubanos para Fidel é "Esteban"... Nenhum cubano vai se arriscar a vir ao Brasil para ser preso pela polícia petista e repatriado, como aqueles pobres pugilistas dos Jogos Pan-Americanos, então nós contamos: "Esteban" é a abreviatura de "este bandido...!".

Mas isso é piada de povo... Voltemos aos profissionais. Com a liderança ameaçada por Evo Morales e Chávez, Lula deu sua cartada final. Referindo-se à América Latina, o presidente brasileiro disse: "Éramos um continente de surdos, que não nos enxergávamos". Não tem graça? Leia de novo. É uma variante bem mais inteligente, sutil e burilada da piada clássica do Napoleão de hospício que se dependura no lustre e se recusa a descer para não deixar o quarto às escuras. Foi nesse momento que Rafael Correa, presidente do Equador, vislumbrou uma oportunidade. Correa escolheu como tema o calote que deu no Brasil e atacou: "Foi um problema comercial e econômico lamentavelmente transformado em problema diplomático". Em outro ambiente, teria levado uma sapatada... Mas a Bahia não é Bagdá, Correa não é Bush e todo mundo estava ali mesmo é para relaxar e se divertir. Parecia que o encontro caminharia para seu fim sem um vencedor inconteste. Não contavam com a astúcia de Chávez. Sua piada vencedora era algo reciclada, mas levou a platéia ao delírio: "O socialismo não está morto. Está mais vivo do que nunca. O que está morto é o capitalismo". Alguém jura ter ouvido de um concorrente inconformado com a derrota um lamento inaudível: "Vai sifu...!".

J.R. GUZZO


REVISTA VEJA
O vento leva

"O chefe do governo dá a impressão de ser 
o primeiro a não ter respeito por suas próprias 
palavras, ou de não estar interessado em saber
se elas são respeitadas ou não"

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai chegando ao fim do seu sexto ano de governo com mais uma arrancada de declarações prodigiosas. "Tenho certeza de que vou fazer a minha sucessão", afirmou, numa das últimas ocasiões em que subiu ao palanque. Como a sucessão vai ser feita de qualquer jeito, o que Lula quis dizer, segundo se imagina, é que vai fazer o seu sucessor – ou seja, o homem já sabe, desde hoje, que o vencedor da eleição presidencial de 2010 será o candidato escolhido por ele. É o tipo de coisa que não deveria estar dizendo, tão antes da hora e tão pouco tempo depois de ter jurado que Marta Suplicy, a candidata na qual jogava todas as fichas nas últimas eleições municipais, seria eleita para a prefeitura de São Paulo. "Podem escrever: a Marta vai ganhar esta eleição", garantiu Lula alguns dias antes de sua preferida levar uma das maiores surras que os eleitores da cidade já aplicaram em alguém nos últimos anos. Com que cara ficaria quem tivesse escrito isso? Problema de quem acreditou; garantias dadas três meses atrás já são, para o presidente, material enterrado no fundo do arquivo morto. Lá vai ele de novo pela mesma trilha, sem mudar de idéia e sem mudar de assunto.

Adiantaria alguma coisa as pessoas acreditarem ou não naquilo que diz o presidente da República? Talvez não faça grande diferença, pois os fatos continuam sendo os fatos, não importa o que Lula diga sobre eles. Mas vai ficando claro que em geral faz papel de bobo, ou perde o seu tempo, quem leva a sério o que o presidente diz. Lula, com certeza, desrespeita o público quando insiste em dizer qualquer disparate que lhe passe pela cabeça. E o público, por sua vez, também não precisa mais respeitar o presidente, quanto se torna inútil prestar atenção nos seus discursos. Por que haveria de respeitar, se não é respeitado? Na verdade, o chefe do governo dá a impressão, freqüentemente, de ser o primeiro a não ter respeito por suas próprias palavras, ou de não estar interessado em saber se elas são respeitadas ou não.

O que se pode pensar de diferente, por exemplo, diante da última tirada de Lula sobre as semelhanças entre a Presidência da República e a medicina? O presidente, neste seu embalo de fim de ano, ensinou que um bom médico deve dizer a verdade ao seu paciente, mas ao mesmo tempo precisa animá-lo com a perspectiva de novos remédios e avanços científicos; não pode, diante de uma doença séria, simplesmente lhe dizer "sifu". Está certo, não pode mesmo, mas por que falar desse jeito? A desculpa dada pelo mundo oficial é que Lula, no caso, estava falando na "linguagem do trabalhador". Conversa. O trabalhador de verdade, quase sempre, faz justamente o contrário: fora da sua intimidade, toma muito cuidado com as palavras que emprega, e presta muita atenção para não parecer mal-educado diante de quem as ouve. Lula não disse "sifu" porque queria entrar em comunhão com o povo, mas porque não pensou no que estava falando – só isso e nada mais. Palavras, para o presidente, são coisas baratas, que vêm com o vento e vão embora com ele. Podem até ser apagadas das transcrições oficiais, como aconteceu com a expressão usada nesse episódio, sob a extraordinária justificativa de que ela ficou "inaudível"; um caso de alucinação em que todo mundo ouve exatamente a mesma coisa, salvo o funcionário encarregado de colocar por escrito a fala do chefe.

O palavreado ao acaso de Lula fica menos engraçado quando deixa sua função de animar auditório e passa a ser utilizado, como vive acontecendo, para envenenar o debate público e ocultar deliberadamente a verdade. Há um método aí. Mais uma vez, dias atrás, o presidente repetiu que "tem gente torcendo" para o Brasil quebrar. "Tem gente que vai deitar rezando: ‘Tomara que a crise pegue o Brasil, para esse Lula se lascar’ ", afirmou. Nunca diz quem é essa "gente"; deveria dizer, é claro, para o público se defender das pessoas que pretendem quebrar o país. Mas o que Lula quer é outra coisa – é passar a idéia de que quem se opõe a ele e ao seu governo é inimigo do Brasil. Da mesma forma, partiu para cima dos "empresários que na primeira diarréia" correm atrás do governo pedindo dinheiro. Quem são eles? Lula não deu o nome de nenhum. O grande nome que se sabe, nessa história de receber favores do governo, é o de uma empresa chamada Telemar, com a qual está acontecendo exatamente o que Lula faz de conta que condena – na verdade, briga como um leão por ela, mesmo se para ajudá-la for preciso mudar a lei. Fato, por enquanto, é só esse.

DIOGO MAINARDI


REVISTA VEJA
Deus mudou de idéia

"O pré-sal é igual ao poço Caraminguá nº 1, do Sítio do
Picapau Amarelo,
 que Monteiro Lobato definiu como ‘o 
primeiro poço de petróleo de mentira aberto no Brasil’"

Em 1º de julho de 1961, alguns engenheiros da Petrobras encaminharam à diretoria da empresa um documento sigiloso que dizia:

"Tomando conhecimento de uma chocante observação feita pelo Sr. Robert M. Sanford, em data de hoje, vimos pela presente lamentar profundamente o acontecido, uma vez que, pelo que entendemos, o acima citado cidadão estrangeiro atingiu gravemente e gratuitamente a Nação Brasileira, quando sugeriu, a um subalterno desprevenido, a eleição de um macaco para próximo Presidente da República".

Robert M. Sanford era supervisor de Sub-Superfície da Petrobras. Ele fazia parte da equipe de geólogos de Walter Link, o americano contratado para descobrir petróleo no Brasil. Depois de anos de buscas frustradas, Walter Link concluíra que era inútil continuar procurando petróleo nas bacias terrestres brasileiras, e que era melhor procurá-lo no mar. A politicalha jingoísta, entoando "O Petróleo é Nosso", acusou-o de ser um agente estrangeiro e afastou-o da Petrobras.

Fast Forward. Data: 2 de setembro de 2008. Contrariando o apelo de Robert M. Sanford, desprezamos a possibilidade de eleger um macaco. Em vez disso, o presidente da República é Lula. Ele está numa plataforma da Petrobras, no campo de Jubarte, no litoral do Espírito Santo. A tese de Walter Link e de seu supervisor de Sub-Superfície acabou se confirmando: nosso petróleo está localizado no mar. No caso, no pré-sal. O jingoísmo petrolífero, seis décadas depois de ser empunhado pelo caudilhismo getulista, ainda rende votos. Lula esfrega óleo no macacão – mais um macaco nessa história – e, em meio à promessa de usar o dinheiro do pré-sal no combate à pobreza, declara orgulhoso: "Eu tenho tanta sorte que acho que Deus passou por aqui e resolveu ficar. Porque a sorte aumenta a cada dia".

Deus, cinco dias mais tarde, mudou repentinamente de idéia. Fannie Mae e Freddie Mac, as duas paraestatais imobiliárias dos Estados Unidos, foram para o beleléu, dando a largada ao processo de derretimento da economia mundial. O pré-sal, de uma hora para a outra, transformou-se no engodo do ano. Em maio, José Gabrielli, presidente da Petrobras, garantira que, nos cinco anos seguintes, o barril do petróleo custaria entre 80 e 120 dólares, acrescentando: "É uma realidade definitiva". O barril de petróleo já está em 45 dólares, e continuando a cair. No mesmo período, Lula declarou que o Brasil ingressaria na Opep, e que o presidente poderia usar "aquele pano na cabeça, como se fosse um xeique". A Opep acaba de cortar 8% de sua produção, porque há petróleo em demasia no mundo. Em setembro, Dilma Rousseff comparou o Brasil ao Sítio do Picapau Amarelo, onde jorrou petróleo atrás do galinheiro. Ela está certa. O pré-sal é igual ao poço Caraminguá nº 1, que Monteiro Lobato definiu como "o primeiro poço de petróleo de mentira aberto no Brasil".