sábado, abril 30, 2016

Dias surreais - IGOR GIELOW

FOLHA DE SP - 30/04

BRASÍLIA - O presidente-em-espera Michel Temer executou um trabalho eficiente e tradicional para selecionar seu ministério: soltou balões para vê-los abatidos ou não.

Negou o modo petista de arcar com o desgaste após o fato. Para medir humores, calibrou sondagens com vazamentos visando o trabalho de triagem que a Casa Civil nunca fez direito para o Planalto sob o PT.

O "mix" econômico representado por Meirelles, o duo Jucá-Moreira e Serra é, no papel, adequado para lidar com a frente central da crise.

Contra o arranjo, há fatos conhecidos. O senador Jucá na mira da Lava Jato é o mais grave, mas não menos obstrutivo do que acomodar as pretensões de Meirelles e de Serra.

A ideia do Itamaraty mercador (não confundir com mascate) não é nova, mas com Serra no timão ganha ares de missão, apesar dos muxoxos da hierarquia que antecipa um FHC-1992, apenas esquentando cadeira.

Já Meirelles terá, se ministro, o que o PT lhe negou: controle sobre Fazenda e BC. Há muita concorrência, a começar pela rechaçada por Temer para agradar ao PSDB, mas qualquer coisa que se assemelhe a um resgate do buraco será ativo incontestável.

Ainda há muito a definir: uma política social sensata e nomes que não explicitem demais o inevitável retalho de carniça. A Saúde não pode ir para um PP, para exemplificar.

Por fim, Temer espreita a política de terra arrasada de uma Dilma em retirada. Não é tanto o terrorismo real e ridículo pregado por sem-teto e sem-terra, que tende a ser asfixiado pela rejeição popular, e sim a ideia de deixar ministérios à míngua para dificultar a vida do PMDB.

Historicamente, dá certo quando os exércitos em fuga têm recursos para a contraofensiva. O PT hoje mal consegue parar em pé e vive uma embaraçosa hora extra (Dilma apoplética, Lula atônito, "não vai ter golpe", Miss Bumbum no Turismo etc.).

Entre um fim e um começo incertos, o Brasil vive dias surreais.

Pontos positivos - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 30/04

BC resistiu à principal ameaça do PT. O Banco Central do governo Dilma vai entregar o comando a quem for indicado pelo governo Temer tendo resistido à principal ameaça feita pelo PT durante todo o tempo: o de usar as reservas cambiais para estimular a economia. O BC da Argentina enfrentou durante a administração de Cristina Kirchner duas demissões de presidente para que ela pudesse avançar sobre as reservas.

O BC brasileiro nunca teve autonomia formal, o da Argentina tinha na lei, mas ela não foi respeitada. No fim das contas, a autoridade monetária no Brasil acabou tendo um desempenho muito melhor na resistência às pressões políticas.

A inflação nunca ficou no centro da meta durante todo o período Dilma e terminou 2015 chegando aos dois dígitos. Este ano, a inflação está caindo e as expectativas estão sendo revistas para melhor nas últimas semanas. Para se ter uma ideia, no final de fevereiro a previsão feita pelo mercado através do Boletim Focus era de que a inflação deste ano seria de 7,56% e na última semana fechou em 6,98%. Ao longo deste ano pode haver, ao todo, uma queda da taxa anual de inflação de quatro pontos percentuais.

Ainda que seja o resultado da recessão, a queda da inflação é boa notícia porque elimina o temor de que o país estivesse prisioneiro de uma armadilha que nos levaria a ter recessão forte e inflação alta, situação na qual não haveria o que o BC pudesse fazer. Agora, esse temor começa a se dissipar, porque a taxa está ainda alta, mas descendo. A inflação de serviços está caindo, porque é a mais afetada pela recessão. Com isso, o provável governo Temer poderá reduzir a taxa de juros em breve. Esse é um dos poucos pontos positivos da herança que uma administração receberá da outra.

Houve também muita pressão política sobre o Banco Central para que houvesse liberação de compulsório. Hoje, há R$ 400 bilhões de recolhimento compulsório. Parecia uma boa ideia a liberação de parte desse dinheiro, mas, na verdade, não era. Em época de confiança baixa, não adianta muito reduzir o recolhimento de liquidez ao BC porque acaba virando dívida pública e tendo pouco efeito para o que se quer, que é estimular o crédito e recuperar o crescimento. Mas se um novo governo conseguir recuperar um pouco o nível de confiança dos agentes econômicos, e a inflação convergir para a meta, é possível que esse instrumento possa ser utilizado.

Bastou haver a perspectiva de um novo governo para cair muito a taxa de câmbio. Este ano, a moeda americana teve uma desvalorização de 13% sobre o real. Fundos cambiais e empresas passaram a desfazer suas posições de seguro em dólar. Com nível alto de hedge, ficaram apenas os investidores estrangeiros. O BC então tirou US$ 40 bilhões do total que tinha em swap cambial. Como os analistas fazem a conta de reservas líquidas, que são as reservas menos a posição que o BC tem de swap, houve um aumento recente das reservas líquidas em US$ 40 bi.

A conta-corrente teve, nos últimos meses, um forte ajuste. Outro ponto positivo da conjuntura que vive num mar de dados negativos. A previsão é de que este ano o déficit seja de apenas US$ 25 bilhões — muito menor do que os US$ 104 bilhões do pico em 2014. O investimento direto estrangeiro estava em US$ 77 bilhões no acumulado de 12 meses em fevereiro. Está caindo, mas deve fechar o ano em US$ 60 bilhões, o que significa que o deficit será mais do que coberto por investimentos externos.

Na área monetária, o país será entregue de uma para outra administração com vários indicadores positivos. Desta forma, se o novo governo fizer alguns movimentos corretos pode-se restaurar um pouco a confiança que está em nível muito baixo. Na área fiscal, no entanto, o mercado está prevendo que o país fechará o ano com um déficit de 2% do PIB, R$ 120 bilhões. Uma enormidade e sem chance de reversão.

A estabilidade financeira é outro fator tranquilizador. O país está passando por um encolhimento do produto de 8% em dois anos e não há bancos em dificuldade. Há quem diga, no mercado, que o nível de inadimplência tem sido camuflado pelas renegociações constantes com os devedores. Mas o fato é que os bancos têm conseguido absorver a crise das empresas, renegociando as dívidas e elevando provisões.

A couve e o carvalho - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

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ESTADÃO - 30/04

Com Temer ou com Dilma, o ajuste da economia será duro. É o sombrio prognóstico de economistas ouvidos pela imprensa, ansiosa por antecipar as diretrizes planejadas pelo dr. Michel Temer, o constitucionalista que responderá, na Presidência da República, pela reconstrução da economia após uma década de demolição.

Haverá breve período de lua de mel, especulam alguns. Para outros o inimaginável pode acontecer. Há quem sustente que o País não fechará o ano sem recessão. Houve, também, quem dissesse ser impossível resolver a crise com promessas, pois saldar a dívida depende de vultosos investimentos a longo prazo.

Embora tente fugir às responsabilidades, foi o Partido dos Trabalhadores que nos colocou nessa situação. Não agiu, porém, sozinho. Recebeu dócil ajuda de aliados durante dois mandatos de Lula e quase dois de Dilma, e contou com a neutralidade da oposição. Parte da imprensa enxergou longe, e assumiu o ônus de denunciar a política responsável pelo aumento da dívida pública, recrudescimento da inflação, elevação do custo de vida, agressivo consumismo de quem não poderia esbanjar.

Apesar da urgência, a transição para o novo governo será lenta. É inútil alimentar surtos de otimismo. Viveremos meses de expectativa. Quantos? Impossível prever. O Estado democrático de direito é moroso quando deveria ser rápido. Ao réu, em crime comum ou delito de responsabilidade, a Constituição garante o devido processo legal e amplo direito de defesa. No julgamento político, em curso no Senado, Dilma Roussef deverá ser protegida pelas prerrogativas constitucionais, para se impedir acusações de golpe.

A tramitação do processo mal começou, e os integrantes da minoritária base governista mostram as garras, prometendo vender caro a derrota. Isto significa que, a partir do afastamento da presidente Dilma, talvez no final de maio, o Poder Executivo estará bipartido. Afastada, mas não deposta, permanecerá no Palácio da Alvorada, com acesso a mordomias. Guardadas as diferenças, lembro-me da delicada posição de José Sarney, durante o período em que Tancredo Neves esteve hospitalizado. Governava como interino, à espera do imprevisível. Embora remoto, não deve ser ignorado o risco, presente na Lei Superior, de Dilma reassumir com o processo em andamento, se acaso o veredicto não for pronunciado dentro de 180 dias (art. 86, º 2º).

Sob o argumento de serem insuficientes quatro anos, no governo Fernando Henrique foi instituída a chance de reeleição. O Dr. Michel Temer terá apenas dois. Com as finanças públicas arruinadas, 11 milhões de desempregados, outros tantos miseráveis, milhares de empresas quebradas, obras estruturais paralisadas, saúde e educação abandonadas, o que mais poderia desejar o futuro presidente da República?

Enquanto nada se decide, o desemprego avança. No mês passado desapareceram 118 mil postos de trabalho. O pior março em 25 anos. Os dados de abril são desconhecidos, mas não devem ser melhores. Até o final do ano as perspectivas são pessimistas, e assim continuarão em relação ao ano que vem.

Os desempregados não dispõem de dinheiro e paciência para aguardar por alguma fórmula mágica de política econômica. Grandes esforços foram desenvolvidos, desde a redemocratização em 1985, no sentido de restabelecer a confiança das classes trabalhadoras, vítimas da perversa combinação inflação, arrocho salarial, desemprego, ao longo do regime autoritário. Recordo-me dos primeiros meses do governo Montoro, quando São Paulo conheceu saques, depredações, invasões, controladas pela polícia com enormes dificuldades, para evitar que alguém fosse morto. Pela primeira vez as greves chegaram à zona rural, levando o pânico à região açucareira de Ribeirão Preto.

Em cenário de desassossego social, PT, CUT, FUP, MST, Movimento das Mulheres Campesinas, terão bons argumentos para mobilização de descontentes. O professor Delfim Neto, talvez o único remanescente do período militar em atividade, consultado pelo Dr. Temer lhe recomendou paciência com a enigmática frase: “Dois anos é tempo suficiente para plantar carvalho em vez de couve”. A pergunta que me vem à mente é se o Dr. Temer terá à disposição dois anos para demonstrar a que veio, angariar a confiança da população, obter do Congresso as reformas recomendadas por economistas, restabelecer as atividades industriais, sanear as finanças públicas e recuperar os empregos desaparecidos.

Já não há lugar para milagres, como o acontecido nos primeiros meses do Plano Cruzado, em 1986. A retomada do desenvolvimento dependerá da reativação do mercado interno e de exportações. Isto significa aumento de salários, redução de custos e preços, restabelecimento da confiança da empresa privada na economia.

Superamos o período autoritário, quando os trabalhadores eram submetidos a arrocho salarial, os índices de inflação poderiam ser manipulados, o Presidente da República dispunha de atos institucionais, decretos-leis, da censura, de senadores biônicos e de governadores indicados.

O Dr. Michel Temer é a solução para o impasse em que vive o País. Nada de parlamentarismo, nova Assembléia Constituinte, ou antecipação de eleições gerais. Deverá ter presente, entretanto, que o sucesso da breve gestão dependerá, sobretudo, do combate aos corruptos e à corrupção. O Ministério Público e o Poder Judiciário apenas começaram a desvendar o que se oculta nos porões federais, estaduais e municipais.

A mais tênue denúncia, se não for implacavelmente investigada e eliminada, deixará o Dr. Michel Temer frágil diante dos adversários. Como ocorreu com Dilma Roussef.

Três caras que só pensam naquilo - DEMÉTRIO MAGNOLI

FOLHA DE SP - 30/04

"(...) vivem em constante rivalidade, e na situação e atitude dos gladiadores, com as armas assestadas, cada um de olhos fixos no outro; isto é, seus fortes, guarnições e canhões guardando as fronteiras de seus reinos e constantemente com espiões no território de seus vizinhos, o que constitui uma atitude de guerra." A célebre sentença de Hobbes refere-se aos Estados, mas serviria para definir os chefes políticos tucanos. O PSDB renunciou à condição de partido, reduzindo-se a um teatro de guerra permanente entre três caras que só pensam naquilo. Na inauguração do governo Temer, o impasse tucano já não deve ser visto como um problema intestino, mas como aspecto crucial da crise nacional.

A guerra, fria ou declarada, entre Aécio, Serra e Alckmin atravessou a era do lulopetismo, corroendo o tecido do principal partido de oposição. Hoje, quando o reinado lulo-dilmista chega ao fim em meio a incêndios econômicos, políticos e éticos, o conflito trava o PSDB, sabotando uma decisão nítida sobre o engajamento no governo transitório. Sem os tucanos a bordo, a nau de Temer se inclinaria na direção do PMDB de Jucá, Renan, Cunha et caterva, associado a um "centrão" composto por partidos ultrafisiológicos. No lugar de um governo de "união nacional", surgiria um gabinete de salvação das máfias políticas que saltaram de um comboio descarrilhado.

Aécio devastou o capital político acumulado na campanha eleitoral cortejando uma bancada parlamentar irresponsável, que chegou a votar contra o fator previdenciário e estabeleceu um desmoralizante pacto tático com Cunha. Há pouco, declarou-se "desconfortável" com a participação orgânica do PSDB no novo governo. Serra, o incorrigível, preferiu negociar pessoalmente um lugar destacado na Esplanada dos Ministérios. Sonhando delinear um caminho próprio até o Planalto, se preciso pelo atalho do PMDB, ameaça virar as costas a seu partido, entregando-o à confusão. Alckmin, por sua vez, acalenta um projeto presidencial improvável acercando-se do PSB e tricotando com a camarilha político-sindical do Paulinho da Força. Nesse passo, implodiu a campanha tucana à Prefeitura de São Paulo. Hoje, a guerra particular que travam os três gladiadores tem o potencial para complicar a já difícil transição rumo a 2018.

A sorte do governo Temer será jogada no interregno entre a posse provisória e o julgamento final do impeachment no Senado. Uma coleção de notícias econômicas positivas, quase contratadas de antemão, não será suficiente para consolidá-lo. A carência de legitimidade eleitoral precisa ser compensada por iniciativas políticas coladas aos anseios da maioria que repudiou o lulo-dilmismo.

Se fosse um partido, não uma arena de gladiadores, o PSDB trocaria o engajamento integral no governo por um ousado compromisso com a Lava Jato. Exigiria do novo presidente a mobilização imediata da maioria parlamentar para cassar o mandato de Cunha. Conclamaria o governo a encampar o projeto de lei das dez medidas contra a corrupção formulado pelo Ministério Público. Em trilho paralelo, forçaria uma minirreforma política destinada a fechar o rentável negócio da criação de partidos de aluguel. Mas, imerso no seu pântano interno, o PSDB ensaiou fazer o exato oposto disso. No auge de seus exercícios ilusionistas, os tucanos prometeram a Temer um "profundo e corajoso" apoio parlamentar em troca da adesão a uma flácida agenda política. O intercâmbio equivaleria à cessão de um cheque em branco a um governo no qual não se deposita confiança.

Dias atrás, Aécio reuniu-se com Temer e sinalizou uma mudança de rota. "Tínhamos duas opções: lavar as mãos ou ajudar o país a sair da crise", constatou, antes de concluir com um enigmático "vamos dar nossa contribuição". Será, enfim, um indício de que o PSDB avalia a hipótese de fingir que é um partido?

Desqualificação apartidária - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 30/04

A falta de qualidade é suprapartidária. Até hoje, passados muitos dias da votação na Câmara da aceitação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, ecoa nos debates parlamentares a maneira como alguns deputados justificaram seus votos naquele domingo.

Especialmente aos interessados em desqualificar a decisão, “escandalizou” o fato de que houve votos a favor do impeachment evocando a família, a religião, a cidade onde nasceu, o estado onde se elegeu, e assim por diante.

Mas esses votos paroquiais, ou até mesmo esdrúxulos, antes de serem prerrogativa dos opositores da presidente Dilma, o são de políticos de maneira geral, e há muito tempo. O senador Magno Malta relembrou outro dia na comissão do Senado o voto dado pelo atual ministro petista Jaques Wagner, que se pronunciou a favor do impeachment de Collor se referindo aos filhos e à família, comparando a sessão a um jogo de futebol com a torcida confraternizando nas cores verde e amarela.

Também desta vez houve quem se referisse, na hora de votar “não” ao impeachment, aos quilombolas, ao programa Bolsa Família, a Zumbi dos Palmares, ao grande líder Lula. No contraponto do voto mais polêmico, o do deputado Jair Bolsonaro, que evocou o abjeto torturador Brilhante Ustra, um deputado do PSOL dedicou seu voto contrário ao impeachment a Carlos Marighella, guerrilheiro da Aliança Libertadora Nacional que escreveu um manual de guerrilha em que está dito, a certa altura, em defesa da execução sumária de inimigos e traidores: “A execução é uma ação secreta na qual um número pequeno de pessoas da guerrilha se encontram envolvidos. Em muitos casos, a execução pode ser realizada por um franco atirador, paciente, sozinho e desconhecido, e operando absolutamente secreto e a sangue frio”.

O detalhe é que o voto do deputado do PSOL foi dado antes do de Bolsonaro. Portanto, a falta de qualidade de nossos representantes é suprapartidária e, querendo testar uma tese, enviei a um grupo de reconhecidos estudiosos uma sondagem. Acho que já tivemos um grupo de políticos mais relevantes no país em outros tempos, e a representação vem decaindo a cada legislatura.

Como dizia Ulysses Guimarães, a próxima será pior. E por que isso acontece? Tenho a impressão de que, assim como já tivemos escolas públicas de boa qualidade, também a representação política tem a ver com a decadência de nosso ensino.

Por que isso aconteceu? Por que melhoramos na abrangência da matrícula escolar, e não melhoramos a qualidade do ensino? Isso tem mesmo a ver com a nossa representação política deformada e decadente? Até onde o sistema eleitoral, a proliferação dos partidos, as coligações proporcionais têm a ver com essa decadência?

O país avançou em vários aspectos, mas piorou, acho, na representação partidária. O que uma coisa tem a ver com a outra? Apenas o sociólogo Simon Schwartzman, do Instituto de Estudo do Trabalho e Sociedade (Iets), especialista em educação, viu “certo paralelo” entre as quedas do sistema educacional e da representação política. “No passado, tanto o sistema educacional quanto o sistema político eram muito fechados, só acessíveis a uma pequena elite. Não sabemos na realidade se a Educação no passado era muito melhor, porque não temos dados para comparar, mas a professorinha de filha de classe média que se formava pelo Instituto de Educação no Rio de Janeiro provavelmente sabia mais Português, Matemática e Ciências do que grande parte das professoras e professores que hoje se formam nas faculdades de Pedagogia”.

Com a grande expansão do acesso à Educação, avalia Schwartzman, o sistema educacional preservou e pode ter até melhorado a qualidade e um número muito pequeno de escolas, sobretudo particulares e cursos universitários muito seletivos, mas a média ficou certamente muito baixa. “Teremos que conviver por muito tempo ainda com muitas pessoas adquirindo Educação precária, porque não se melhora um sistema escolar que cresceu de forma muito rápida e atabalhoada em poucos anos”.

Os demais centraram suas análises no sistema partidário, na legislação eleitoral, que debilitam a democracia representativa, como os cientistas políticos Sérgio Abranches e Jairo Nicolau e o sociólogo Francisco Weffort; na ditadura militar, como o historiador José Murilo de Carvalho; na urbanização do país, que levou a que a atividade política seja vista como uma possibilidade de ascensão social por muitos, e no desencanto com a carreira política na juventude, vista como viciada e corrupta, como o sociólogo Bernardo Sorj. Amanhã e na segunda-feira me deterei nessas análises.

Esquerda nostálgica - CRISTOVAM BUARQUE

O GLOBO - 30/04

‘Esquerda perplexa’ tenta sair dos escombros provocados pela queda do Muro de Berlim


Durante o regime militar havia uma “esquerda de luta” e uma “esquerda festiva”. A primeira fez parte dos movimentos que levaram à conquista da democracia; a última foi decisiva na realização das revoluções estética e comportamental, que ocorreram naqueles anos. Hoje, estão atuantes uma “esquerda nostálgica”, enquanto uma “esquerda perplexa” tenta sair dos escombros provocados pela queda do Muro de Berlim, pela amplitude da globalização, a profundidade da revolução científica, o poder e a universalização dos novos instrumentos de tecnologia da informação; além de tentar se recuperar do constrangimento com a degradação ética e a incompetência dos últimos governos.

Diferente da “esquerda festiva”, que fez revoluções na estética e nos costumes, a “esquerda nostálgica” não contribui para a transformação estrutural da sociedade e da economia; louva o passado, se agarra ao presente e comemora pequenas conquistas assistenciais. Prisioneira de seus dogmas, com preguiça para pensar o novo, com medo do patrulhamento entre seus membros, viciada em recursos financeiros e empregos públicos, a “esquerda nostálgica” parece não perceber o que acontece ao redor. Independentemente das transformações no mundo, no país, nos bairros, continua orientada aos mesmos propósitos elaborados nos séculos XIX e XX, mantém a mesma fidelidade, reverência e idolatria aos líderes do passado, especialmente aqueles que têm o mérito do heroísmo da luta durante o regime militar, mesmo quando não foram capazes de perceber as mudanças no mundo, nem os novos sonhos utópicos para o futuro.

Com nostalgia do passado, reage contra o “espírito do tempo” que exige agir dentro da economia global e romper com a visão de que a estatização é sinônimo de interesse público; não reconhece que a inflação é uma forma de desapropriação do trabalhador; que o progresso material tem limites ecológicos e é construído pela capacidade nacional para criar ciência e tecnologia; que os movimentos sociais e os partidos devem ser independentes, sem financiamentos estatais; ignora que a revolução não está mais na expropriação do capital, está na garantia de escola com a mesma qualidade para o filho do trabalhador e o filho do seu patrão; que a igualdade deve ser assegurada no acesso à saúde e à educação, sem prometer igualdade plena, elusiva, injusta e antilibertária ao não diferenciar as individualidades dos talentos; não assume que a democracia e a liberdade de expressão são valores fundamentais e inegociáveis da sociedade, tanto quanto o compromisso com a verdade e a repulsa à corrupção.

Para sair da perplexidade, uma nova esquerda precisa fugir da nostalgia por siglas partidárias que tiveram a oportunidade de assumir o poder e construir seus projetos, mas traíram a população, os eleitores e a história, tanto na falta de ética, quanto na ausência das transformações sociais prometidas


A última trincheira da cidadania - PERCIVAL PUGGINA

ZERO HORA - 30/04

Quando o ministro Marco Aurélio Mello, entrevistado no programa Roda Viva, fortemente pressionado por José Nêumanne, indagou-lhe se não confiava no STF, desde minha poltrona respondi com o jornalista: ´Não, não confio!´.

E por que não? Porque muito mais vezes do que minha tolerância se dispõe a aceitar, assisti ao STF legislar contra a Constituição e invadir competência do Congresso Nacional. Sempre que isso aconteceu, a maioria que se formou despendeu boa parte de seu tempo afirmando não estar fazendo o que à vista de todos fazia. Ademais, como conceder a confiança que o ministro esperava colher depois de o STF, na ação penal referente ao mensalão, haver decidido que nele não ocorreu crime de formação de quadrilha? Vinte e cinco condenações envolvendo três núcleos interconectados não compunham uma quadrilha? Como cortejar um ponto tão fora da curva?

Como esquecer o ministro Joaquim Barbosa, com seu linguajar ríspido, reprovando o que via acontecer nas sessões finais daquele julgamento? Recordo sua advertência sobre a ´maioria de circunstância´ e ´sanha reformadora´. Pergunto: não ficam nítidos, em certas entrevistas concedidas por alguns senhores ministros, os desapreços internos? Nêumanne não está só.

Ao estabelecer que o provimento das cadeiras da Suprema Corte se dê por nomeação da Presidência da República após aprovação da escolha pelo Senado, nossos constituintes confiaram em que o natural rodízio das tendências nas eleições presidenciais permitiria um equilíbrio das orientações jurídicas e sensibilidades políticas dentro do STF. Tal presunção foi rompida com a sequência de quatro governos petistas, que indicaram oito dos 11 ministros. Numa democracia, seria muito saudável que o Supremo, em sua composição, exprimisse equilibradamente o espectro dessas sensibilidades presentes e atuantes na vida social. Não parece razoável que, na prática, a posição conservadora ou liberal ali só se manifeste no microfone de onde, suplicantes, falam advogados e amigos da Corte. Nunca no plenário. Nunca com direito a voto.

Não bastasse isso, nos últimos meses, relevantes figuras da República têm manifestado dispor de uma intimidade, que vai além de todo limite, com membros do poder situado no outro lado da praça. O governo contabiliza votos na Corte como se fossem seus. Ministros opinam sobre assuntos em deliberação no Congresso Nacional. Divergem publicamente sobre questões cruciais do momento político. Onde buscar razões para a ambicionada confiança?

Há mais. A nação tem imensa dificuldade de entender como podem tantos processos dormir, tirar férias, entrar em remanso e envelhecer nas prateleiras do STF. Num país com tão angustiante necessidade de combater a corrupção não é aceitável que políticos corruptos sejam agraciados com o sigilo sobre seus crimes, a dormição de seus processos e, não raro, a prescrição dos crimes praticados. De que vale a lei da ficha limpa quando a ficha suja encontra abrigo numa gaveta do Tribunal e criminosos seguem influenciando a vida do país?

Por fim, uma questão institucional. O ministro Marco Aurélio ora tem afirmado que o STF se encaminha para ser o Poder Moderador da República, ora que já é esse poder. Trata-se de uma nova criatura extraconstitucional que ganha corpo à margem do Congresso. Nossa Constituição não a menciona. Como pode, então, existir e agir? Já tivemos Poder Moderador, na pessoa do monarca, durante o Império, mas essa função de última instância desapareceu com a República. Quando o STF age como se tal função fosse sua ou manifestamente aspira assumi-la, viola-se a separação dos poderes, ao arrepio da Constituição. O que está acontecendo com o Supremo é reflexo do nosso desarranjo institucional, em cujos poderes, então, pouco ou nada confiamos. E isso inclui a tal ´última trincheira da cidadania´, definição dada pelo ministro Marco Aurélio à Corte que integra. Não dá para arrumar o STF sem reordenar toda a organização sistêmica das nossas instituições. Parece-lhe bem, leitor, que uma só pessoa comande o Estado, o governo, a administração, legisle e compre maioria parlamentar, e possa, até mesmo, controlar ideologicamente o Supremo?


Molecagem - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 30/04

Na iminência de ser desalojada do Palácio do Planalto, a petista Dilma Rousseff parece disposta a reafirmar, até o último minuto de sua estada no gabinete presidencial, a sesquipedal irresponsabilidade que marcou toda a sua triste trajetória como chefe de governo.

Até aqui, a inconsequência de Dilma podia ser atribuída, com boa vontade, apenas a sua visão apalermada de mundo, que atribui ao Estado o poder infinito de gerar e distribuir riqueza, bastando para isso a vontade “popular”, naturalmente representada pelo lulopetismo. Agora, no entanto, ciente de que não escapará da destituição constitucional, justamente porque violou a Lei de Responsabilidade Fiscal, Dilma resolveu transformar essa irresponsabilidade em arma, com a qual pretende lutar contra o Brasil enquanto ainda dispuser da caneta presidencial.

A presidente prepara um pacote de “bondades”, quase todas eivadas do mesmo espírito populista que tanto mal tem feito ao País. A ideia da petista é obrigar o novo governo, presidido por Michel Temer, a assumir o pesado ônus político de tentar anular algumas dessas decisões, que claramente atentam contra as possibilidades do Orçamento.

Um exemplo é a concessão de um reajuste do Bolsa Família. Articulada pelo chefão petista Luiz Inácio Lula da Silva, a medida deverá ser divulgada por Dilma para celebrar o Dia do Trabalho, amanhã. Não é uma mera “bondade”. Trata-se de uma armadilha para Temer.

O próprio Tesouro avalia que não há nenhuma possibilidade de conceder reajuste para os beneficiários do Bolsa Família sem, com isso, causar ainda mais estragos nas contas públicas. O secretário do Tesouro, Otávio Ladeira de Medeiros, disse que não há “espaço fiscal” – isto é, recursos no Orçamento – para o aumento.

Segundo Medeiros, o Orçamento tem uma margem de R$ 1 bilhão para reajustar o Bolsa Família, mas a extrema penúria das contas da União não permite que se mexa nesse valor enquanto o Congresso não aprovar a nova meta fiscal – o governo quer aval para produzir um déficit de até R$ 96,95 bilhões no ano. Sem essa autorização, e diante da perspectiva de nova queda da receita, a Fazenda reconhece que será necessário fazer um contingenciamento orçamentário ainda maior, o que inviabiliza o reajuste do Bolsa Família.

Essa impossibilidade, aliás, foi prevista pela própria Dilma. Ao sancionar a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2016, nos últimos dias do ano passado, a petista vetou os reajustes de todos os benefícios do Bolsa Família. A previsão era de um aumento de ao menos 16,6%, correspondente ao IPCA acumulado de maio de 2014 – data do último reajuste do Bolsa Família – a novembro de 2015. Ao justificar o veto, Dilma escreveu que “o reajuste proposto, por não ser compatível com o espaço orçamentário, implicaria necessariamente o desligamento de beneficiários do Bolsa Família”.

Agora, no entanto, Dilma mandou às favas o que havia restado daquela prudência, com o único objetivo de sabotar Michel Temer. Sem ter autorização para mais gastos, o governo terá de fazer novos cortes até o final de maio – quando se espera que o País já esteja sendo governado pelo peemedebista –, e então qualquer liberação de dinheiro adicional para pagar um Bolsa Família reajustado poderia representar o mesmo crime de responsabilidade pelo qual Dilma está sendo acusada.

Atitudes como essa fazem parte de um conjunto de decisões indecentes que Dilma resolveu tomar para travar sua guerra particular contra o País. Sempre sob orientação de Lula, o inventor de postes, Dilma escancarou seu gabinete para os líderes das milícias fantasiadas de “movimentos sociais”, fazendo-lhes todas as vontades e concedendo-lhes benefícios com os quais Temer terá de lidar. Enquanto isso, mandou seus ministros se recusarem a colaborar com os assessores de Temer e reforçou sua campanha internacional para enxovalhar a imagem do Brasil no exterior, caracterizando o País como uma república bananeira. E esse espetáculo grotesco não deve parar por aí.

Eis o tamanho da desfaçatez de Dilma e de Lula. Inimigos da democracia, eles consideram legítimo aprofundar a crise no Brasil se isso contribuir para a aniquilação de seus adversários. Isso não é política. É coisa de moleques.


Sabotando o Brasil - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 30/04

Ao pedir “transição zero”, negando informações a seus eventuais sucessores, o PT deixa evidente que o partido só se preocupa genuinamente com o poder, e não com as pessoas



Faltam poucas semanas para a votação, no Senado, que pode decretar o afastamento temporário de Dilma Rousseff – afastamento que, a julgar pelos placares divulgados pela imprensa, é praticamente certo e será conseguido com folga. O vice-presidente, Michel Temer, sabedor da possibilidade, já conversa com potenciais integrantes de seu ministério. Mas, se depender dos petistas – também conscientes de que a saída de Dilma é inevitável –, é apenas isso que Temer poderá fazer. Na quarta-feira, dia 27, quase todos os deputados federais do partido se reuniram com o ministro Ricardo Berzoini, da secretaria de Governo, e ouviram a ordem do Planalto: transição zero.

Isso significa que um eventual governo Temer começaria às escuras. Ministros e outros ocupantes de cargos essenciais iniciariam seu trabalho sem receber de seus antecessores nenhuma informação sobre a situação de suas pastas, projetos em andamento e planos futuros, orçamentos, previsões de gastos e o que mais disser respeito ao dia a dia da administração pública. Tudo para que a nova equipe perca tempo descobrindo tudo sozinha e, no processo, cometa erros que os petistas denunciarão enfaticamente, escondendo da opinião pública o fato de também serem parte do problema.

O argumento dos líderes petistas para tal é o de que fornecer as informações e promover uma transição civilizada significaria um reconhecimento da legitimidade de um governo Temer, o que o PT não aceita – ainda que o impeachment esteja ocorrendo estritamente dentro do que preveem a Constituição, a Lei 1.059 e o trâmite estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal, que até foi camarada com Dilma ao submeter a abertura de processo no Senado a uma votação, pois, se fosse seguida a letra da Carta Magna, Dilma já estaria afastada. Mais uma prova de que os critérios do PT são unicamente o benefício ou o prejuízo ao partido. É por isso que ladrões que articulam um esquema para fraudar a democracia viram “guerreiros do povo brasileiro”: porque ajudaram o PT. É por isso que um processo que corre dentro da lei vira ilegítimo: porque prejudica o PT. É por isso que bloqueios de estradas feitos por caminhoneiros contra o governo são “crime”, mas bloqueios de estradas feitos por “movimentos sociais” são elogiados.

Mas salta aos olhos um aspecto interessante dessa “resistência” que os petistas prometem fazer ao negar informações à equipe que virá em seu lugar: se a ordem é não repassar nenhum dado sobre absolutamente nada, também os programas sociais direcionados aos mais pobres, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, sairão prejudicados. O mesmo ocorrerá com projetos de apoio a minorias que constituem uma forte base de apoio do petismo. Ou com planos de reforma agrária. E de nada adiantará Dilma ceder à pressão dos “movimentos sociais” que praticamente exigem da presidente que lhes entregue os cargos atualmente vagos, nem acelerar os programas em andamento: uma vez que Temer assuma, acabarão paralisados até que a nova administração se inteire da situação.

O petismo, nesses seus dias finais no Planalto, se mostra disposto a sabotar o Brasil. Mas, ao agir dessa forma, faz um último favor aos brasileiros: deixa evidente que o partido só se preocupa genuinamente com o poder, e não com os cidadãos. Os mais pobres, as minorias, são apenas massa de manobra para um projeto de poder, e podem ser desprezados quando se trata de realizar uma pequena vingança contra outro grupo político. Que os membros desses grupos, e os que têm uma preocupação autêntica com eles, possam perceber isso o quanto antes e abandonem de vez uma legenda que vê as pessoas apenas como instrumentos.


O verdadeiro golpe é o das ‘diretas já’ - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 30/04

A manobra, de origem petista, esbarra em obstáculos intransponíveis, como a necessidade de Temer renunciar e sua própria inconstitucionalidade


A ideia, sibilina, teria surgido em hostes petistas, quando a aprovação da admissibilidade do pedido de impeachment de Dilma pela Câmara passou a ser inevitável. E toma corpo agora com as previsões do afastamento de fato da presidente pelo Senado.

Marcar para logo eleições de presidente e vice — quem sabe, até gerais — ofuscaria a amarga derrota do partido no impedimento de Dilma, daria chance de uma volta por cima para o PT, caso o próprio Lula se candidatasse — a depender da Lava-Jato e do Supremo —, e ainda arrebanharia o apoio dos muitos que se assustam com Michel Temer e com os que o cercam.

A, na aparência, sedutora bandeira do “nem Dilma nem Temer” logo ganhou o apoio desabrido de Marina Silva, da Rede, não por coincidência quem tem aparecido em boa colocação nas pesquisas eleitorais feitas no turbilhão da crise. Nada contra o senso de oportunidade. É legítimo político almejar o poder e se mobilizar diante de uma possibilidade, pelo menos teórica, de chegar lá.

Dez senadores do PMDB, PSB, Rede, PDT, PSD e, é claro, PT e PCdoB, acabam de encaminhar carta a Dilma pedindo que ela envie proposta de emenda constitucional para convocar eleições presidenciais, fazendo-as coincidir com o pleito municipal de outubro. E renuncie à Presidência, por óbvio.

A manobra se relaciona com o discurso de Dilma de que conta com o respaldo de 54 milhões de votos, maneira de dizer que apenas a eleição direta dá legitimidade. Ora, mas o vice da chapa também foi eleito pelo povo. Um grande complicador da esperta operação é convencer Michel Temer a também renunciar. E mais do que isso: deve-se perguntar se o truque é viável à luz da lei maior, a Constituição.

E não é. A proposta de uma emenda constitucional com este fim é no mínimo cavilosa. Porque para uma PEC ser aprovada exige-se quórum de três quintos de cada Casa, ou 60% (na Câmara, 308 votos), enquanto o impeachment, o afastamento do cargo, requer dois terços de apoio, 66% (342 votos). Como esta PEC objetivaria o mesmo que um processo de impedimento, a inventividade política, no mau sentido, teria construído um atalho para se aprovar impeachments com menos votos que o estabelecido na Lei.


Isso, além do fato de que não é possível o Congresso reduzir mandatos. Assim, o presidente e o vice teriam de renunciar, mas, para este caso, também há regras na Carta: eleição direta até o meio do mandato; indiretas, depois disso.

O ponto central da questão é que o Brasil tem de deixar de buscar fórmulas casuísticas, supostamente milagrosas, para enfrentar crises políticas. Desde o mensalão, e agora com o petrolão, passando pelo impeachment de Collor, o arcabouço jurídico e as instituições brasileiras já se mostraram capazes e fortes o bastante para resgatar o país de turbulências. É preciso parar-se de moldar fórmulas de conveniência.

Em entrevistas, Marina Silva diz que reconhece haver base legal no impeachment de Dilma e na consequente posse do vice — “mas não resolve o problema”. O perigo mora nesta frase. Foi por pensar o mesmo da permanência de Jango no Planalto que o general Olímpio Mourão, em março de 64, desceu com tropas de Juiz de Fora para o Rio, e as trevas se abateram sobre o Brasil durante 21 anos.

Passo contra a impunidade - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 30/04

A Controladoria-Geral da União (CGU) declarou pela primeira vez uma empresa inidônea para contratar com o poder público com base nas investigações da Operação Lava Jato. A punição foi aplicada à construtora Mendes Júnior e proíbe a realização de novos contratos da empresa com a administração federal por dois anos.

A declaração de inidoneidade da construtora baseia-se em duas acusações. A primeira refere-se à prática de atos lesivos em licitações, caracterizada pelo conluio com outras empresas que também prestavam serviços à Petrobrás, reduzindo assim a competitividade dessas disputas e, consequentemente, prejudicando a estatal. A segunda irregularidade constatada pela CGU foi o pagamento de propina para agentes públicos, com a utilização de empresas de fachada.

A Mendes Júnior contestou as acusações. Segundo a empresa, as provas apresentadas no processo não são suficientes para justificar a condenação. O ministro da CGU Luiz Navarro defendeu a aplicação da pena. “Essa é uma importante decisão adotada pela CGU, pois cumpre o papel de punir severamente as empresas que lesaram o Estado”, afirmou o ministro.

A declaração de inidoneidade é um passo importante contra a impunidade. É essencial para a sociedade que as irregularidades cometidas não fiquem num limbo, sem receberem a devida punição, como se desse na mesma atuar dentro ou fora da lei. Num Estado Democrático de Direito vige o princípio da legalidade e da responsabilidade – a prática de ilícitos não pode ser irrelevante aos olhos dos órgãos do Estado que têm o dever de investigar e punir.

Ao longo dos últimos meses, a presidente Dilma Rousseff – que por onde passa alardeia sua honestidade – não teve o menor pudor em defender a impunidade sob o falacioso argumento de que punições às empresas agravariam a crise econômica. Em sua estranha lógica, punir o ilícito cometido pelas empresas geraria desemprego. Não é exagero dizer que a presidente da República e seu séquito – como não lembrar, por exemplo, das frequentes intervenções nesse sentido do anterior advogado-geral da União Luis Inácio Adams? – promoveram verdadeiro terrorismo argumentativo a favor da não punição das pessoas jurídicas, como se o combate à impunidade significasse indiferença às vicissitudes da economia nacional.

O que poderia, para alguns, parecer ingenuidade pueril na verdade ocultava grande interesse em defender os poderosos amigos do ex-presidente Lula. E, com isso, a presidente Dilma Rousseff insistia na ideia de que bastava a punição de pessoas físicas. Exemplo dessa esquisita complacência com o ilícito foi o discurso proferido pela presidente Dilma, no ato de assinatura da Medida Provisória 703/15 – aquela que maliciosamente modificou importantes regras da Lei Anticorrupção. “Nossa tarefa é garantir reparação integral dos danos causados à administração pública e à sociedade sem destruir empresas ou fragilizar a economia. (...) Como eu disse já, em outras ocasiões, devemos penalizar os CPFs, os responsáveis pelos atos ilícitos. Não necessariamente penalização de CPFs significa a destruição dos CNPJs. Aliás, acreditamos que não exige. Precisamos voltar a crescer e gerar emprego e renda para nossa população”, afirmou uma presidente da República ineditamente preocupada com a economia que levava à ruína e acintosamente devotada aos interesses das empresas.

Como bem sabe a população brasileira, a presidente Dilma Rousseff não tem lá grandes preocupações com a economia nacional.

Teimosamente insistiu por longos e dolorosos anos em políticas públicas que arrasaram o País, com indecentes taxas de inflação e de desemprego. O que parece preocupá-la de verdade é a possibilidade de que empresas amigas sejam punidas. Merece, portanto, elogio a decisão da CGU de não deixar impunes irregularidades de empresas. Sinal de que a lei ainda prevalece sobre caprichos presidenciais.

Instabilidade e desemprego - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 30/04

Desde o primeiro mandato, a presidente Dilma investiu alto na manutenção dos postos de trabalho no país. Renúncia fiscal, desoneração da folha de pagamento e incentivos à indústria - um dos mais importantes setores da economia. As providências foram frustradas. A arrecadação encolheu e, na sequência, o rombo fiscal se tornou mais profundo. Hoje, no ápice da crise política, quando o impeachment bate à porta da presidente, o país convive com duas situações, que deprimem a economia e exigirão medidas amargas para realinhar o país na rota do desenvolvimento. O deficit nas contas públicas chegou a R$ 7,9 bilhões, o mais alto em 19 anos, o que estreita a margem de manobra do Estado para reerguer o país.

O desemprego fechou o primeiro trimestre em 10,9%, ou seja, atinge mais de 11 milhões de profissionais, segundo os dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Trata-se da mais alta taxa da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) Contínua - sondagem mais abrangente, iniciada em 2012, que substituiu a Pesquisa Mensal de Emprego, que, por 36 anos, levantou o índice em seis regiões metropolitanas.

Na comparação com o último trimestre de 2015, o número de desocupados cresceu 22%, e, em relação a igual período do ano passado, o aumento foi bem maior: de 39,8%. A população ocupada, que totalizou 90,6 milhões, diminuiu 1,7% sobre trimestre encerrado em dezembro, e 1,5%, de janeiro a março deste ano. Ante O cenário tão cruel, os brasileiros decidiram trabalhar por conta própria. A alta foi de 1,2% frente o período de outubro a dezembro, e de 6,5% em relação ao primeiro trimestre de 2015.

Quaisquer medidas adotadas pelo provável governo Michel Temer para reaquecer a economia não terão resultado imediato. Vários fatores vão influenciar o processo, a começar pelo comportamento do Congresso Nacional frente ao que for anunciado pela futura equipe econômica. Haverá respaldo político para o receituário anticrise? Ou prevalecerá o toma lá dá cá que emperra a aprovação de providências indispensáveis para debelar a crise? O mercado estará atento a cada passo. Postegar ações necessárias para garantir credibilidade aos que chegarem ao comando da nação implica manter o desânimo dos investidores, hoje retraídos frente à crise instalada no país.

De nada adianta lamentar o leite derramado. A tragédia está pronta. Resta recolher os escombros, resultado dos desacertos e conflitos, e reconstruir os caminhos para que o país possa trilhar rota que o leve à recuperação dos empregos, dos investimentos e alcance a alavanca do desenvolvimento. Mantidos os atuais impasses, decorrentes de conflitos de interesses, além do desemprego, a nação amargará a perda de conquistas importantes, que guindaram social e economicamente milhões de brasileiros, e verá inflar as estatísticas da fome e da miséria. O momento não contempla espaço para debates estéreis, mas impõe responsabilidade de todos aqueles que têm poder de decisão para tirar o país da estagnação.

sexta-feira, abril 29, 2016

Bandoleiros primitivos - REINALDO AZEVEDO

FOLHA DE SP - 29/04

O PT merece ser banido da política não só em razão dos seus crimes, mas também de sua determinação de não reconhecer a ordem que o instituiu. Há algum tempo, escrevi nesta coluna que é a democracia que legitima o PT; não é o PT que legitima a democracia, como parecem crer os companheiros. Seus protagonistas são uns farsantes; seus intelectuais, uns trapaceiros da teoria. E é fácil demonstrar.

Observem como os petistas e seus ditos pensadores fazem questão de ignorar os crimes cometidos pelo partido –inclusive o de responsabilidade, que traz as digitais de Dilma Rousseff– para tratar, em vez disso, de uma suposta luta que estaria sendo travada entre "conservadores e progressistas", "entre direitistas e esquerdistas"; "entre coxinhas e mortadelas".

De súbito, as forças, então, que perderam quatro eleições seguidas para o PT –fartamente financiado, por dentro e por fora, pela melhor e pela pior elite econômica– teriam adquirido uma inteligência superior, que oscila do maquiavélico ao macabro, e passa todas as horas do dia a conspirar para desfechar o tal "golpe".

Com que propósito? Bem, segundo, inclusive, alguns colunistas desta Folha, o objetivo seria marginalizar os pobres, os oprimidos, os deserdados. Por alguma razão que ainda não conseguiram explicar –e estou doido para debater com um deles na TV Folha–, os marginalizados seriam representados pelo partido que protagonizou o mensalão, o "aloprados 1 e 2" e o petrolão.

Queria revisitar com eles as correntes do marxismo para saber em que momento o crime comum, a safadeza e a roubalheira são capítulos da luta de classes, a defunta senhora. Stalin era um assassino em massa; ladrão não era. Quem chegou mais perto de teorizar a respeito foi Eric Hobsbawm em "Rebeldes Primitivos" –que, por óbvio, não eram financiados por empreiteiras nem se acoitavam nas dobras do Estado– esses são os bandoleiros primitivos de agora.

Leio o que escrevem um tanto constrangido. Como é que não se envergonham? Faça você mesmo, leitor: digite na área de busca do Google, sem aspas e sem vírgulas, as palavras "artistas, intelectuais, divulgam, manifesto, pró-Dilma". Os motivos para defender o voto na petista em 2014 são rigorosamente os mesmos esgrimidos agora contra o impeachment. É sempre Chapeuzinho Vermelho contra o Lobo Mau. O PT já havia recorrido a esse expediente em 2010 e 2006.

Tanto nos confrontos eleitorais como na batalha do impeachment, a vitória do adversário significaria não um contratempo, mas um retrocesso, uma derrota das forças do progresso e do desenvolvimento social, uma marcha involutiva da história. Os que hoje deslegitimam a posse constitucional de Michel Temer não hesitaram em deslegitimar as próprias urnas. Não é que tenham aceitado o resultado; eles aceitaram a vitória.

João Pedro Stédile e Guilherme Boulos, só para encerrar o texto com caricaturas emblemáticas, prometiam não deixar Aécio Neves em paz caso o tucano vencesse a eleição de 2014. Agora, prometem infernizar a vida de Temer.

Os petistas não aceitam mesmo é a democracia e o Estado de Direito, que, por sua vez, continuarão a abrigar o PT porque é de sua natureza –até o limite, claro!, em que o partido não busque solapá-los. E se isso acontecer? Ora, recorreremos aos instrumentos que o regime oferece para combater a subversão da ordem democrática.

O PT vai ter de aprender a respeitar a lei, que também tem marra.

‘Gran finale’ - ELIANE CANTANHÊDE

O ESTADÃO - 29/04

Virtualmente perdida a guerra do impeachment, Dilma Rousseff, Lula e o PT lutam com unhas e dentes para vencer a batalha pela narrativa política e para “infernizar” de véspera o virtual governo Michel Temer. Contam para isso com a mídia internacional, tanto quanto dependem de CUT, MST, UNE e MTST para agitar ruas e estradas.

Há um temor, na oposição, de que Dilma articule um “gran finale” para o processo de impeachment e para seus anos de governo. Algo como se acorrentar à mesa presidencial e forçar uma retirada à força do palácio. Algo teatral e dramático para ilustrar sua indignação, gerar imagens fortes e corroborar a narrativa do “golpe”.

São três os pontos centrais a serem martelados dia e noite, dentro e fora do País: o impeachment é um “golpe” dado “pela direita”, “pelos corruptos”, “pela mídia golpista”, tudo isso personificado no deputado Eduardo Cunha; com Temer e o PMDB, será o fim dos programas sociais, a começar do Bolsa Família; o novo governo vai intervir na Polícia Federal e enterrar a Lava Jato.

A narrativa é a mesma, mas por motivações diferentes. Dilma esperneia e se submete a terríveis constrangimentos – como as fotos reveladoras da “miss Bumbum” no Ministério do Turismo – tentando desesperadamente sair do governo e entrar para a história como “vítima da direita corrupta”, não como a presidente despreparada que, além das “pedaladas fiscais”, destruiu a economia, manchou a imagem do Brasil no exterior, conviveu com o esfarelamento da Petrobrás e explodiu a “maior base aliada do planeta”.

Lula, porque foi o presidente mais popular da história e, mal passados cinco anos, anda às voltas com Lava Jato, Zelotes, empreiteiras e filhos que, como a Coluna do Estadão publicou, saem por aí comprando cadeiras de R$ 15 mil. Não pega nada bem para quem mobiliza milhões de incautos com o discurso da defesa dos “pobres” e de uma “esquerda” que se limita hoje a uma expressão ao vento, um pretexto para defender o indefensável.

O PT, porque o partido é muito maior do que Dilma Rousseff – aliás, nem queria a candidatura dela – e precisa garantir a sua sobrevivência para além de Lula e Dilma ou, ao menos, a sobrevivência política de muitos petistas que não macularam suas biografias nem encheram as burras com mensalões, petrolões e relações perigosas com empresas sujas. Eles precisam de uma narrativa que vitimize Dilma e carimbe os líderes do impeachment como “golpistas”.

A estratégia tem legitimidade, mas Dilma, Lula, PT e movimentos não lucram nada, mas pioram ainda mais a imensa crise brasileira se decidem incendiar o País. Vetar a transição para o novo governo é o de menos, até porque os ministros de Dilma estão aos montes pró-impeachment, mas, ao tramar um aumento populista do salário mínimo no próximo domingo, ao programar uma atualização irreal da tabela do Imposto de Renda, eles não estão “infernizando” apenas a vida de Temer, mas a dos brasileiros, sobretudo dos que já estão no inferno do desemprego.

Ontem mesmo, mais uma leva de péssimas notícias: déficit fiscal de R$ 18 bilhões, o maior em 19 anos, e juros de 300% ao ano no cartão de crédito, um recorde mundial. Dilma, Lula e o PT querem aprofundar esse desastre para tentar colar os seus próprios cacos? Não parece justo.

Luta política, sim. Disputar a narrativa história, sim. Mas irresponsabilidade com a Nação, não. Enxovalhar a imagem do Brasil no exterior, incendiar pneus, fechar estradas e detonar de vez as contas públicas não vai melhorar a narrativa de ninguém. Ao contrário, só piora tudo para todo mundo, inclusive Dilma, Lula e PT.

Desvio de função. A professora Janaína Paschoal falou mais dela própria do que do pedido de impeachment na comissão do Senado. Adora a palavra “eu” e o verbo na primeira pessoa.

O trio liberal de Temer - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 29/04

Um trio liberal improvável pode comandar o governo da economia, segundo os rumores mais recentes da República do Jaburu, o governo virtual de transição de Michel Temer.

Um tanto mais improvável porque José Serra, senador tucano, pode vir a ser ministro de uma pasta costurada sob medida para ele. Trata-se de um Itamaraty vitaminado com funções de diplomacia comercial, tarefas que, em tese, estão hoje no Ministério do Desenvolvimento.

Desnecessário dizer que Serra não é liberal. Mas faz quase 20 anos diz às claras e mesmo em campanhas eleitorais que o presente acordo do Mercosul é um empecilho grande a uma política agressiva de acordos de livre-comércio entre o Brasil e outros países e blocos, do que teríamos necessidade urgente.

Henrique Meirelles é liberal, ponto; deixou de ser rumor forte, pois começa a montar o time da Fazenda.

Romero Jucá, dado como superministro do Planejamento, é voz de parte grossa do empresariado no Congresso e defende o catecismo básico de contas públicas em ordem, privatização e desregulamentação. Mas é senador do PMDB, partido que se vestiu de ultraliberal entre agosto e outubro de 2015, roupa para a festa de deposição de Dilma Rousseff.

Quase todo o restante do Ministério de Desenvolvimento ficaria sob Jucá em um também vitaminado Ministério do Planejamento, como antecipou nesta quinta (28) esta Folha. Note-se o tamanho do latifúndio ministerial de Jucá, caso não se repasse alguma parcela para outro ministro: Orçamento, planos de concessões e privatizações e, não é nada, não é nada, um BNDES.

Voltando ao caso de Serra, o senador não é, como se sabe, defensor de uma abertura comercial sem mais. Costuma pregar a criação de um sistema forte de defesa comercial.

Mas, seja em programas de governo, entrevistas ou artigos, o plano explícito de Serra seria transformar o Mercosul em apenas área de livre-comércio (o que nem chegou a ser, vide as gambiarras dos acordos automotivos). Ou seja, seria abandonada a união aduaneira (as tarifas de importação são comuns ou para isso devem convergir; mudanças dependem de consultas no bloco).

TRAQUE

À beira da defenestração, Dilma estuda implodir uma bombinha no caixa esburacado e rapado do governo federal. Conta, de resto, com apoio do grande deficit de espírito público do Judiciário, conduzido além do mais por lideranças sindicais do Supremo Tribunal Federal.

A classe judiciária, liderada por ministros do STF, faz lobby despudorado por aumento de salário, quando boa parte do país tem salários e rendimentos achatados, perde o emprego ou vai diretamente à miséria.

Nesses dias em que se sabe de rombo histórico das contas públicas, Dilma Rousseff pretende ainda reduzir a cobrança do Imposto de Renda para pessoas físicas e reajustar o Bolsa Família.

Francamente, dados a vida terrível que levam os pobres que dependem do Bolsa Família e o impacto menor no rombo desastroso, que viesse o reajuste. Por que não fez antes? Picuinha. A situação fiscal apenas piorou desde que Dilma 2 estreou. O deficit primário chegou a 2,3% do PIB, no acumulado dos últimos 12 meses, cerca de R$ 137,5 bilhões.


O fato consumado - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 29/04

A presidente Dilma anda trocando os pés pelas mãos nesses seus últimos dias de Palácio do Planalto, e já dá mostras de que não tem senso de História, ou o tem tão distorcido que acha que qualquer ação é válida para manter-se no poder, mesmo quando essa possibilidade se torna quase impossível. Nunca a velha regra política de que só dois fatos são importantes, o fato novo e o fato consumado, foi tão verdadeira.

A saída de Dilma da Presidência, pelo menos temporariamente até que seu julgamento seja concluído pelo Senado, é um fato consumado que apenas um fato novo poderia alterar. Mas não há fato novo à vista, e, a cada movimento desses que a presidente vem fazendo ultimamente, reduz-se seu campo de manobra.

A campanha política que a presidente e seus aliados vêm desenvolvendo sobre um suposto golpe que estaria sendo arquitetado contra ela, se já era inadequada para um chefe de Estado que preze seu país, agora que a Câmara aprovou o impeachment por mais de 70% dos seus representantes torna-se um crime de responsabilidade, pois é a própria presidente que estaria tentando interferir no trabalho de outros Poderes da República, o Legislativo e o Judiciário.

Também o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, quando for defender Dilma hoje na comissão do Senado, será advertido de que não pode alegar que está em curso um golpe. A AGU tem por missão institucional defender não apenas a presidente da República, mas os demais Poderes.

Portanto, Cardozo não pode atacar a Câmara para defender a presidente. Já não deveria fazê-lo anteriormente, mas até que houvesse uma decisão formal da Câmara esse comportamento anômalo foi relevado. Agora, na comissão do impeachment do Senado, Cardozo terá que se limitar a uma defesa tradicional, sem adjetivos condenatórios a outro Poder da República.

O discurso de ontem do Prêmio Nobel Esquivel, referindo-se ao suposto golpe no Senado, foi repudiado por senadores, e sua fala, retirada dos anais da Casa. Outro ditado popular diz que quem fala muito dá bom dia a cavalo.

Dilma tanto falou que o vice Temer não tem votos para assumir a Presidência, como se os 54 milhões de votos que a chapa recebeu não tivessem nenhuma parcela do PMDB, o maior partido do país, que está dando argumentos aos que querem separar as contas do vice e as dela, ajudando Temer no processo do TSE.

Um amigo da coluna manda o seguinte raciocínio: Dilma diz que é golpe porque ela foi eleita, e que só dessa maneira que alguém deve sentar na cadeira da Presidência. Dilma está dizendo que quem foi eleita foi ela, não Temer. Se a eleição foi dela e não de Temer, a campanha da eleição também foi dela, não de Temer.

Em consequência, o dinheiro para a campanha foi para ela, e não para Temer. Muito mais ainda o dinheiro por fora, proveniente das propinas do petrolão. Logo, o TSE tem que julgar, e eventualmente condená-la, e não a Temer. Esse raciocínio levaria a que o PSDB pudesse retirar a denúncia contra a chapa Dilma/Temer no TSE, uma vez que, pelas próprias palavras de Dilma, a campanha foi dela, porque só ela foi eleita.

Uma ideia estapafúrdia para se opor à da própria presidente, que quer assumir sozinha, sem o vice, a vitória eleitoral. E quer deixar uma série de pautasbomba para seu sucessor, equiparando-se ao melhor estilo Eduardo Cunha.

Mudança de foco
Em breve teremos uma nova fase da Lava-Jato, com a ampliação dos trabalhos no Rio. Foram distribuídos pelo ministro do Supremo Teori Zavascki, para a 7ª Vara Federal Criminal do Rio, do juiz Marcelo Bretas, alguns termos da colaboração do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró que tratam de contratos internacionais da Petrobras, como compra de empresas, uma de gás uruguaia e outra argentina. O que há de relevante é que, diferentemente do que vinha ocorrendo, nem tudo de Petrobras ficará em Curitiba. Há uma mudança na orientação. Zavascki, relator da Lava-Jato no STF, também teria declinado da competência para a relatoria no STF de questões ligadas a Belo Monte, que virão para o Rio de Janeiro, junto do Eletrolão, ou para outro lugar, mas não para Curitiba.

Transição sem trauma - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 29/04

A anunciada pretensão de coroadas cabeças do Palácio do Planalto e do PT de impedir uma transição sem traumas de governo, caso o Senado Federal decida pelo afastamento por 180 dias da presidente Dilma Rousseff em 11 de maio - isso caso o pedido de impeachment seja aceito -, tem de ser combatida com vigor por todos os brasileiros que acreditam e trabalham pelo bem da nação. Se tal impropério for cometido pelos atuais ocupantes do poder, o alvo a ser atingido de forma fulminante será o povo, que é a grande vítima da maior e mais grave crise política e econômica enfrentada pelo Brasil.

Se a ideia realmente for colocada em prática, ninguém mais poderá duvidar da pequenez dos que se agarram ao poder com todas as suas forças. O Brasil é muito maior do que a disputa travada pelos grupos políticos em torno do comando do governo. O Palácio do Planalto e o Partido dos Trabalhares têm de refletir muito antes de retaliar os possíveis substitutos com a negação de informações sobre a máquina administrativa governamental, caso haja o afastamento da presidente da República. Se já está difícil superar a crise, o caos poderá se instalar se um novo governo assumir sem as informações fundamentais e extremamente necessárias para dar início à sua administração.

Dentro dessa estratégia do Planalto, decidiu-se, nas entranhas do palácio, organizar um périplo pelo mundo para Dilma Rousseff denunciar hipotético golpe contra o seu mandato. Ideia pueril, já que cinco ministros do Supremo Tribunal Federal - o decano Celso de Mello, Gilmar Mendes, Dias Toffolli, Luiz Carlos Barroso e Carmem Lúcia - deixaram claro, em suas declarações, que o processo de impeachment obedece a todas as normas constitucionais. Portanto, a Constituição está sendo respeitada. Não está sendo rasgada como insistentemente vêm alardeando os apoiadores da presidente da República.

O momento atual é de união de todos os brasileiros, do mais humilde aos que ocupam os mais elevados cargos na máquina governamental, para que o Brasil possa enfrentar com tranquilidade momento tão difícil como o atual. Promover uma transição traumática, como a que está sendo urdida pelo partido governante e pelo próprio Palácio do Planalto, é fazer aposta contra o povo brasileiro, em todas as instâncias da vida nacional. Ao contrário dos que apregoam fictício golpe de Estado, a palavra de ordem deveria ser união, para que o país possa reencontrar o caminho da paz e do desenvolvimento socioeconômico.


Reformar a Previdência seria bom começo de Temer - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 29/04

Como terá pouco tempo para agir, o possível governo Temer precisará atacar logo pontos centrais do desequilíbrio fiscal, como é o déficit do INSS


Por mais discreto que seja Michel Temer, notabilizado por fazer política sem alaridos, não há como o vice-presidente deixar de trabalhar na montagem de equipe e em plano de governo, com o processo de impeachment de Dilma em andamento, e a previsão de que, em meados de maio, poderá ser decidido no Senado o afastamento da presidente por 180 dias.

Não importa que continue a ser tachado de “conspirador” e “traidor” pelo Planalto e o lulopetismo; o inimaginável é Temer assumir em pouco menos de um mês, sem nomes de peso em postos-chave e sem anunciar medidas que ataquem causas centrais da enorme crise em que Lula e Dilma atolaram o Brasil.

Na edição de ontem, O GLOBO adiantou que Michel Temer planeja, ainda em maio, encaminhar duas reformas estratégicas, da Previdência e trabalhista. Esta, para que acordos firmados entre patrões e empregados, com a participação dos respectivos sindicatos, se sobreponham à CLT, tem uma lógica granítica, mas a resistência ideológica sindical e partidária sempre a combateu. Mesmo que o próprio governo Dilma adote este princípio no programa que permite a redução de salários e de jornada de trabalho, para preservar empregos.

Um possível governo Temer defenderá o estabelecimento da idade mínima de 65 anos, sem distinção entre homens e mulheres, como condição para a aposentadoria. A regra é usual no mundo, mas o Brasil mantém o sistema que permite a aposentadoria proporcional ao tempo de contribuição.

O resultado é que, com a ampliação da expectativa de vida do brasileiro, o fato de se aposentar muito cedo no Brasil (55 anos, em média) ajuda a criar um sério e crescente desequilíbrio das contas públicas: o déficit no INSS, que foi de mais de R$ 80 bilhões no ano passado, deverá ultrapassar os R$ 120 bilhões neste.

A situação é tal que o déficit da previdência do INSS e da pública ultrapassa os 10% do PIB, muito mais que no Japão, por exemplo, com população bem mais idosa que a brasileira.

Noticia-se que o novo governo tratará também de quebrar a correia de transmissão de aumentos do salário mínimo, acima da inflação, para benefícios previdenciários e assistenciais. Aí está uma das causas importantes dos enormes déficits públicos, pois, enquanto grande parcela dos gastos públicos cresce, as receitas caem, devido à recessão.

Se assim for, será bom começo. Embora falte tratar da quebra da vinculação de 90% do Orçamento a gastos específicos. E mesmo a fórmula de reajuste do salário mínimo precisa ser revista, para que não continue a haver reajustes elevados na recessão, em que não existem avanços na produtividade geral da economia.

Pelas circunstâncias (terá pouco mais de meio mandato e sob cerrada oposição de PT e aliados), Temer contará com pouco tempo para dar certo. Não pode esperar, e tem mesmo de aproveitar logo o apoio que terá na Câmara e no Senado.

Essas mudanças cruciais são algumas que tratam de questões que estão no centro do desarranjo fiscal aprofundado pelo lulopetismo, e que naufraga o país nesta longa recessão e, na melhor das hipóteses, num extenso período posterior de também longeva estagnação.

O provável governo Temer terá de consertar o carro em movimento.

Prevalece o bom senso - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 29/04

O PSDB parece finalmente ter compreendido qual é seu papel nesta dramática quadra da história do País. O partido, que se apresenta como líder da oposição ao governo do PT, começa a abandonar a atitude acanhada, meramente eleitoreira, que vinha mantendo em relação ao provável governo de Michel Temer – e seus principais dirigentes já manifestam disposição de participar da futura administração.

Não é uma decisão qualquer: ao se assumirem como sócios de Temer e do PMDB – e não como meros observadores, atitude que lhes permitiria emprestar apoio apenas quando lhes fosse conveniente, deixando para o governo o ônus de graves e impopulares decisões –, os tucanos aceitam o risco óbvio de serem reconhecidos no futuro como corresponsáveis por uma administração de apertos e sacrifícios.

É claro que nenhum partido político pode deixar de fazer cálculos eleitorais antes de tomar suas decisões, ainda mais quando o quadro se apresenta tão complexo como o atual. Mas o momento exige, acima de tudo, espírito público. O julgamento da história costuma ser implacável com os que hesitam entre o certo e o errado.

Pode-se presumir que o distanciamento que os tucanos inicialmente pretendiam manter do governo Temer, a fim de angariar a simpatia dos eventuais descontentes, não lhes acrescentaria nenhum voto – ao contrário, conferiria ao PSDB a pecha de partido oportunista, incapaz de enxergar além do seu palanque. Nada disso seria coerente com o discurso de uma agremiação que sempre reivindicou a posição de vanguarda da civilidade na política e sempre defendeu o compromisso, em primeiro lugar, com o País.

Se mantivesse a atitude paroquial que orientou suas primeiras reações à articulação do que poderá ser o governo Temer, recusando-lhe solidariedade institucional, o PSDB ficaria muito perto de se igualar ao PT, partido que jamais pensou senão em seus interesses e que, por essa razão, carregará para sempre a responsabilidade de ter colaborado de forma decisiva para condenar o Brasil àquela que provavelmente será reconhecida como a mais grave crise política, econômica e moral de sua história.

Felizmente, o bom senso parece ter prevalecido entre os tucanos, que entenderam que somente uma forte percepção de unidade em torno do novo governo será capaz de legitimá-lo na luta para convencer a opinião pública de que será necessário fazer sacrifícios para recolocar o País nos trilhos.

O primeiro tucano a dar o passo na direção correta foi Fernando Henrique Cardoso. O ex-presidente, em entrevista à Folha de S.Paulo, se disse “propenso” a aceitar que o PSDB entre no governo, “indicando nomes” para Ministérios, e a razão disso é óbvia: “Porque a situação do Brasil é mais grave do que parece”. FHC salientou que essa adesão depende de certas condições – entre os vários itens da pauta tucana estão uma reforma política, o compromisso de não interferir na Lava Jato e um acordo para as eleições deste ano. Mesmo assim, tratou-se de uma clara mudança de atitude – dias antes, o ex-presidente havia questionado: “Se o governo (Temer) for mal, a culpa será do PSDB, e se for bem, o mérito será do PMDB?”.

A nova disposição manifestada por FHC foi rapidamente absorvida pelo presidente do PSDB, Aécio Neves. Desde a bem-sucedida votação do processo de impeachment na Câmara, o senador mineiro vinha dizendo que seu partido daria apoio a Temer, mas não forneceria oficialmente quadros para o futuro Ministério – e se algum tucano resolvesse aceitar um convite, disse Aécio, seria por iniciativa pessoal. Agora, tudo parece ter mudado. “Tínhamos duas opções: lavar as mãos ou ajudar o País a sair da crise”, declarou Aécio. “Vamos dar a nossa contribuição. E seremos julgados pelo que fizermos e pelo que deixarmos de fazer.”

É esse, precisamente, o ponto mais importante: a saída da crise exige dos partidos que demonstrem a grandeza que a presidente Dilma Rousseff e a tigrada lulopetista jamais tiveram, dispondo-se, como manda a boa política, a conciliar seus interesses pelo bem do País.

quarta-feira, abril 27, 2016

Temer na porteira da Fazenda - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 27/04

Nomear um ministro da Fazenda capaz de fazer um remendão básico nas contas públicas é tão inevitável que o assunto se torna quase conversa secundária na formação do governo virtual de Michel Temer.

Sim, é essencial, mas óbvio. Sem isso, Temer não dura um trio de meses. Sem isso, rebrota o caos financeiro, a recessão revida e reforçam-se as conversas sobre eleições antecipadas, outro impeachment ou processo no TSE, o que convier à gente da rapina do poder.

Na economia, mais interessante é saber quais serão planos e equipes que vão recolocar já em funcionamento o governo e regiões de um país arrasado por furacões de inépcia.

Na política, interessa saber: 1) A coalizão temerista vai dar votos para o arrocho? Essa gente que até o mês passado estourava as contas públicas? 2) Quanto vai custar comprar o Congresso, em termos de qualidade da administração? Nacos do governo serão entregues ao "centrinhão", bloco de mais de 200 deputados de partidos expertos em mensalagem e petrolagem.

As centrais sindicais foram a Temer se opor à reforma da Previdência e pedir mais rombo fiscal (redução do IR), para não mencionar disparates maiores.

Além de criar tensão social e econômica extras, Estados falidos podem tumultuar o Congresso. Aliviar essa ruína sem a contrapartida dura de colocar as contas estaduais nos trilhos, nos moldes dos acordos dos anos 1990, é apenas mudar o endereço do desastre (para a União).

Na economia, há incêndios sem controle em áreas essenciais:

1) A trapaça jurídica da redução da dívida estadual com a União;

2) A necessidade de relançar já concessões;

3) A ruína no setor de energia, da Petrobras ao setor elétrico;

4) A falta de crédito imobiliário e a limpeza do balanço da Caixa (Cunha e o PP disputam o banco!);

5) A inadimplência que está para explodir nas empresas;

6) A reconstrução das agências reguladoras e similares: de mineração a teles, quase nada anda devido ao desmonte regulatório e outras tolices.

Essas são apenas algumas emergências.

Quem vai dar jeito nas concessões, meio de relançar o investimento? Dadas a taxa de juros e as inseguranças jurídica, regulatória e política, as empresas vão cobrar os olhos da cara e as calças a fim de investir. Essa encrenca exige especialistas de peso (em leilões, finanças, planejamento). Isso é quase um ministério extraordinário.

A Petrobras, como está, prejudica o crédito e o investimento. Há risco até de a produção vir a cair. Quem será o papa da Petrobras? Para a Infraestrutura, aliás, não pode ser nomeado um desses tipos que se ocupa de "fechar a porteira" do ministério e ali espalhar suas vacas, mas alguém que faça uma limpa grande e rápida.

Quase nada vai andar no crédito se não for possível baixar juros em breve. Mas, isto posto, quem vai, por exemplo, lidar com a míngua do crédito imobiliário, por exemplo?

Quede essas equipes e planos?

Enfim, com essa conversa de não aumentar imposto, Temer vai se arrepender muito quando vir o caixa vazio e hordas atacando o arrocho fiscal no Congresso. Se não aproveitar o embalo agora, em 2017 será tarde.


Problemas de Meirelles - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 27/04

Henrique Meirelles, caso assuma o Ministério da Fazenda, terá que se preocupar com o risco de nomeações políticas para a Caixa Econômica e o Banco do Brasil. Se nomear o presidente do Banco Central, estará tirando do BC aquilo que exigiu quando esteve no cargo: autonomia. O BC passará a ser então subordinado à Fazenda. Meirelles, quando foi convidado por Lula em 2002, exigiu carta branca no Banco Central.

As conversas com interlocutores do vice- presidente, Michel Temer, confirmam aquilo que ele disse para o colunista Jorge Bastos Moreno em entrevista ontem: ele quer Meirelles na Fazenda e o senador José Serra num ministério da área social. Mas não tem feito convites. Apenas sondagens. Conversa mais livremente apenas com o grupo de políticos dos quais se cerca: Moreira Franco, Eliseu Padilha, Romero Jucá, Geddel Vieira Lima.

Quem esteve no fim de semana no Palácio Jaburu por longo tempo foi ninguém menos do que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, mostrando estar bem à vontade. O senador Romero Jucá deve ser nomeado ministro do Planejamento.

O vice- presidente está imaginando que, com a nomeação de Meirelles, ele consegue dar um choque de credibilidade ao seu governo. Ontem o mercado reagiu bem à informação de que seria o ex- presidente do BC. O problema é a segunda parte do Plano Temer: ocupar com nomeações dos políticos as outras áreas e inclusive pedaços da área econômica.

Quem quer que assuma a Fazenda terá que ter poderes para nomear os presidentes dos dois bancos públicos que foram muito partidarizados. Temer tinha decidido entregar a Caixa para o PP. Se fizer isso, o novo ministro já entrará enfraquecido, e a área econômica ficará sujeita a escândalos. A Caixa está em situação financeira frágil, com as várias empreitadas nas quais foi jogada pelos governos petistas. Precisa de uma gestão técnica e eficiente.

O que Temer disse a Moreno foi que delegaria a Meirelles, caso ele assuma a Fazenda, a nomeação do presidente do Banco Central. Se nomear a direção do BC, Meirelles estará em contradição com sua própria história. Já do BNDES, ele deveria manter distância. Afinal, é atualmente o presidente do conselho do grupo JBS, que é o maior tomador de crédito do banco.

O eventual governo Temer terá que enfrentar, assim que chegar, necessidade urgente de corte de gastos porque as receitas estão caindo drasticamente, além das duas bombas fiscais que estão armadas. Uma será a necessidade de mudança até o dia 22 da meta fiscal. Se a meta não for aprovada no Congresso, o governo teria que suspender pagamentos e até fechar repartições. Seria um terrível início de governo. A outra bomba será a votação hoje do caso da dívida de Santa Catarina no Supremo que, se o governo perder, terá um impacto forte no aumento da dívida.

O advogado- geral da União, José Eduardo Cardozo, negou que a AGU esteja se descuidando desta grave questão da dívida dos estados. Ele disse que há uma divisão natural de trabalho no órgão que comanda.

— Há muitas frentes aqui. A secretária- geral de Contencioso, Grace Mendonça, está trabalhando nisso intensamente em conversas com ministros do Supremo, aos quais levou o memorial preparado pela AGU em defesa da União. Se eu fosse falar com ministros, a esta altura, poderia ser interpretado como sendo sobre o processo de impeachment. — explicou Cardozo.

Neste estranho momento do Brasil, enquanto no grupo de Temer prepara- se o novo governo num quebra- cabeças cheio de contradições e dúvidas, no governo propriamente dito, o grupo de Dilma prepara- se para a batalha do Senado. Ontem mesmo o PT apresentou requerimento para que falem na Comissão do Impeachment a ministra Kátia Abreu, o ministro Nelson Barbosa e o vice- presidente do Banco do Brasil Osmar Dias.

— No Senado, terá que haver formação de prova, e por isso será preciso que os senadores analisem cada um dos decretos que fazem parte da denúncia. E precisa ser analisado também o Plano Safra. Por isso a ida destas três pessoas que arrolamos é essencial — disse Cardozo.

O Brasil é um país com dois governos em que aquele que ainda não é se comporta como se já fosse, e o que legalmente governa luta para sobreviver.

De fato e ficção - ALEXANDRE SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 27/04

Mais do que uma guerra de slogans, há em curso um conflito de "narrativas", para usar o termo da moda. A mais comum é o conto do "golpe", que, como notado, entre outros, por Demétrio Magnoli, não é uma tentativa de convencer a opinião pública, mas, na verdade, uma forma de manter a militância aguerrida para as eleições presidenciais de 2018.

Entre as demais, chamou-me a atenção a mais recente justificativa para o fracasso estrondoso do governo Dilma: seria resultado da "agenda do caos" promovida pela oposição, que teria recusado as propostas de reforma econômica, preferindo apostar no "quanto pior, melhor". Em que pese a atuação abaixo da crítica do PSDB no que tange à eliminação do fator previdenciário, trata-se de mais uma história que não para em pé.

A começar porque as raízes do fracasso vêm de muito antes e têm pouco a ver com a atuação do Congresso. A recessão propriamente dita, é bom lembrar, começou ainda em meados de 2014, seguindo-se a um período de crescimento muito abaixo do observado em anos anteriores.

Há, entre economistas que mantêm o saudável hábito de não se esquecer de olhar os dados, um virtual consenso acerca das causas dessa forte desaceleração que culminou na atual crise: por um lado, uma expansão fiscal sem precedentes, da qual fez parte um aumento extraordinário do crédito por meio de bancos oficiais; por outro, um grau de intervenção na economia que só tem paralelo ao registrado durante os governos militares nos anos 1970.

A primeira nos levou a um processo de aumento acelerado da dívida pública, solapando a confiança quanto à sua sustentabilidade. Não por acaso, o risco-país saltou de 1% ao ano para quase 5% anuais, antes de a perspectiva de mudança de governo levar a um recuo para 3,5% ao ano.

Já a intervenção excessiva provocou forte queda do ritmo de expansão da produtividade, de 1,6% anual para -0,5% ao ano, segundo estimativas de Samuel Pessôa.

Ambas resultaram de ações do Executivo, sob comando de Guido Mantega, mas, na prática, como se sabe, da própria presidente. Não se ouviu falar do Congresso; ainda menos das oposições.

Mais revelador ainda, não se pode deixar de lado o comportamento do PT, que, chamado a apoiar o programa de reformas elaborado pelo então ministro da Fazenda Joaquim Levy, fugiu da responsabilidade de forma acintosa. Pesquisa de 0,45 segundo no Google mostra a reação contrária do PT à proposta de reforma da Previdência, por exemplo, e exercícios similares revelam a mesma resposta no que diz respeito a temas como mudanças na política de salário mínimo ou vinculações orçamentárias.

De forma simples: quem se opôs às reformas foram principalmente o PT e seus líderes, que, a propósito, derrubaram Levy.

Não é por outro motivo que o mercado "comemora" (de maneira otimista demais, mas fica para outro dia) cada passo mais próximo do impedimento da presidente como um passo a mais no sentido de a- dotar as medidas que permitam ao país recuperar sua saúde financeira e restaurar o crescimento da produtividade.

Neil Gaiman escreveu memoravelmente que uma história não precisa ter acontecido para ser verdadeira. O que vale, porém, no reino da ficção lá deve permanecer; no mundo real essa ficção nada mais é do que outra mentira, a coroar as várias sob as quais vivemos nos últimos anos.

Protagonistas do subsolo - MONICA DE BOLLE

ESTADÃO - 27/04

No dia da votação do impeachment, 58% da população acompanhou o processo pela TV, um espanto. Brasileiros foram confrontados com aquilo que sabiam em tese, mas que talvez ainda não tivessem tido a oportunidade de ver: nossos representantes no Congresso são, em grande maioria, gente que maltrata o próprio idioma, discorre sobre a família, Deus, os corretores de seguros, a cidade natal, sem menção ao eleitor, ou mesmo ao que os havia levado aos salões de Brasília numa tarde de domingo. O choque não foi menor para os correspondentes internacionais aboletados na capital para cobrir a votação. Mas, por certo, foi diferente.

“Pessoas são como a propriedade adjacente dos outros: conhecemo-as apenas a partir de nossas fronteiras em comum”, disse Edith Wharton. Brasileiros talvez tenham visto nos deputados e deputadas características que não admiram em si. Estrangeiros, por sua vez, presenciaram algo que não foram capazes de assimilar. Não por acaso, a Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais soltou nota advertindo sobre a “ilegalidade” do impeachment.

A dificuldade de assimilar bizarra votação deu a tônica das publicações de grandes jornais mundo afora na semana pós-aprovação da Câmara. Parte do Brasil ficou consternada ao ver o País tratado como republiqueta esfacelada nas mãos de legisladores-réus e parlamentares que não aparentavam saber a gravidade daquilo que estava em votação. Congressistas que, ao invocarem todos, menos os eleitores, pareciam tratar com displicência o pedido de afastamento da Presidente da República. Nada contra a família, Deus ou os corretores de seguros, mas muitos estrangeiros espantaram-se com o que lhes pareceu descaso.

“Mas também foi assim em 1992”. De lá para cá foram-se quase duas décadas e meia. Duas décadas e meia em que o Brasil não apenas fez questão de enfatizar seu isolacionismo com política externa voltada para tudo, menos para o mundo todo – a não ser para o fortalecimento de relações com punhado de países que enfrentam gravíssimos problemas na região. Duas décadas e meia em que o distanciamento brasileiro do resto do mundo, sobretudo dos EUA e da Europa, cimentou narrativas equivocadas sobre a economia do País e o desconhecimento generalizado, o desinteresse por aquilo que de fato se passava. O isolacionismo acentuou-se ainda mais nos últimos treze anos ante ideologias ultrapassadas e visões torpes sobre as virtudes do mercado local.

Muito tem sido dito sobre os problemas internos da economia brasileira, sobre a necessidade de profunda reforma fiscal, a urgência de tratar do saneamento das contas públicas e da sustentabilidade da dívida para que se possa retomar o crescimento e a criação de empregos. Pouco tem se debatido, nesses dias de tamanha turbulência, o papel do Brasil no mundo. O Brasil não escapará do quadro de crescimento baixo – quando esse retornar – sem engajar-se com o resto do mundo, sem que tenha estratégia para facilitar o comércio com outros países, sem remover as travas que impedem a vinda do investimento estrangeiro para áreas tão necessitadas como a infraestrutura. O Brasil não sairá de situação modorrenta sem repensar a internacionalização de sua economia, à exemplo do que fizeram tantos países na região como México, Chile, Peru, Colômbia, à exemplo do que faz, hoje, a Argentina. “Argentina is back”, frase repetida à exaustão por autoridades do país durante as reuniões de primavera do FMI e do Banco Mundial para destacar suas prioridades. Enquanto isso, pouca atenção é dada ao País no centro das discussões globais, salvo a curiosidade natural de entender o que se passa na política, e de tentar compreender como pôde o Brasil ter ido do céu ao inferno em tão pouco tempo.

São essas as perguntas que mais ouço aqui em Washington, posto de observação privilegiado, longe do subsolo. Foram-se, inclusive, os dias em que o destaque brasileiro no G-20 se dava pelos brados de Guerra Cambial do ex-ministro Guido Mantega.

Fomos reduzidos a protagonistas do subsolo por falta prolongada de atenção ao mundo. Urge abandonar o subterrâneo.

Carta fora do baralho - DORA KRAMER

O Estado de S. Paulo - 27/04

Além de anunciar medidas que possam dar um “choque de animação” na economia, se vier a assumir cargo de presidente para completar o mandato de Dilma Rousseff, Michel Temer deve comunicar ao público em geral e aos políticos em particular que encerra por aí sua carreira de candidato a quaisquer cargos eletivos.

Ele recebeu o conselho de abrir mão de pretensões futuras de Nelson Jobim. O ex-ministro da Justiça, da Defesa e do Supremo Tribunal Federal apresentou a Temer uma série de pré-requisitos para obter êxito no possível comando da transição entre o impeachment e uma nova eleição. Esse foi um deles e que tem sido examinado com seriedade, pois, segundo seus aliados, seria fundamental dar um sinal de desprendimento pessoal a fim de pacificar os ânimos na política e na sociedade.

Nessa percepção, tal desistência facilitaria as articulações tanto para a composição da equipe de governo quanto para a articulação de uma base parlamentar ampla, forte e fiel. Além de firmar diante do País uma boa impressão: a de que não pretenderia fazer uso eleitoral da Presidência.

Outros pontos do receituário de Jobim que foram aceitos com entusiasmo e, por isso, incorporados pelo vice e seu grupo, foram os seguintes: montar um ministério irretocável, não perseguir politicamente ninguém (leia-se PT) – retirando do dicionário a palavra “vingança” – e não tentar influenciar as eleições municipais e escolhas da candidatura presidencial em São Paulo, seu Estado de origem. Neste ponto, o ex-ministro Eliseu Padilha – cotado para a chefia da Casa Civil – vai mais longe adiantando que Temer não pode nem vai interferir em lugar algum, seja município ou Estado, para tentar favorecer o PMDB.

Não por altruísmo, mas por cálculo político. Levando em conta que vai precisar do apoio do maior número possível de partidos (fala-se numa base de 17 ou 18 legendas) Michel Temer não pode criar atrito com ninguém. Inclusive porque nem precisa. No PMDB tem gente de sobra para organizar as disputas eleitorais de forma favorável ao partido. Ainda no tema candidaturas, os pemedebistas mantém a ideia (na verdade, mais forte do que nunca) de concorrer à Presidência em 2018, coisa que não fazem há cerca de 20 anos.

Quanto ao programa de governo propriamente dito, a prioridade obviamente é a economia. A retomada da produção e, com isso geração de empregos. No grupo de Temer a isso dá-se o nome de “animação econômica”. Todos os integrantes da turma sabem que viradas em prazo curto são impossíveis, mas acreditam conseguir pôr em prática ações para estancar a queda da atividade econômica, a fim de colocá-la em “viés de alta”, e reunir apoio do Congresso para aprovar medidas necessárias ao ajuste fiscal.

Reformas estruturais (política e trabalhista), à exceção de alguma coisa na Previdência, ficam para um segundo momento ou para o próximo governo. Já uma reformulação na distribuição de receitas hoje concentradas na União, entre Estados e municípios está entre os assuntos considerados urgentes. Em resumo, serão três os eixos a serem enfrentados: economia, políticas sociais e infraestrutura.

No tocante aos nomes de prováveis integrantes do primeiro escalão pode até haver definições, mas são mantidas em sigilo. De realidade, o que existe é que hoje Romero Jucá seria o ministro do Planejamento; Henrique Meirelles da Fazenda; Temer preferindo José Serra na área social e decidido a consultar os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica antes de escolher o ministro da Defesa. Na Justiça, alguém que tenha especial sensibilidade para o tema dos Direitos Humanos. Carlos Ayres Britto, ex-ministro do STF, se encaixa no perfil e, embora não seja o único cogitado, é o preferido de gente influente junto a Michel Temer.

Bate o desespero - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 27/04

A eleição ontem do presidente e do relator da comissão do impeachment no Senado serviu para confirmar que a oposição tem maioria esmagadora — o senador Antonio Anastasia, do PSD B, foi eleito por 15 a5— eque os governistas, à falta do que fazer para evitar o afastamento da presidente Dilma dentro de 15 dias, tentam retardar decisões com expedientes simplesmente ridículos.

O senador petista Lindbergh Farias está de volta aos tempos de líder estudantil, com manobras regimentais as mais rasteiras, com o objetivo de provocar reações da oposição. O sentido desse comportamento dos senadores da situação não é outro senão ganhar tempo para que o julgamento da aceitação do processo do impeachment demore o mais possível.

Não que isso vá mudar o rumo dos acontecimentos, pois dificilmente essa maioria que já existe será desfeita, mas qualquer dia amai salém dos 15 que lhe restam na presidência da República permite à presidente Dilma a chan cede continuar dando vazão à sua obsessão, queé denunciar um suposto golpe de que estaria sendo vítima.

Ela e o PT estão montando uma narrativa que dará suporte, mais adiante, à campanha que a presidente tentará organizara partirdes eu exílio no Palácio Alvorada, onde permanecerá durantes eu afastamento do cargo, cuja decisão final pode se dar em até 180 dias após o impeachment ser admitido no Senado.

O projeto petista, por enquanto, é manter viva a chama da revolta contra o impeachment, mas, até mesmo antes da decisão do Senado, a presidente pode ser questionada no próprio Supremo por suas atitudes. Já existem parlamentares dispostos a pedir que ela seja proibida de acusara Câmara dos Deputados de golpista, depois que a decisão oficial foi tomada pela ampla maioria de seus membros.

Continuando nessa toada, ela estará infringindo a Constituição e cometendo novosc rimes derespon sabilidade por tentar impedira atuação dos poderes Legislativo e Judiciário.

Teremos então a tentativa petista de montar um governo paralelo a partir do Alvorada, apoiado pelos movimentos sociais. A presidente Dilma pretende inclusive ter acessoa aviões da FAB para deslocamentos pelo país, eé previsível que tenhamos uma disputa judicial em torno dos direitos e deveres de uma presidente afastada.

Provavelmente o Supremo Tribunal Federal será chamado a decidir, por exemplo, se Dilma poderá se manifestar publicamente sobre o governo do presidente em exercício Michel Temer. E se poderá criticálo livremente, usando imóveis do governo e utilizando- se de aviões oficiais para suas viagens políticas.

Outra questão que certamente o STF terá que enfrentar será a regulamentação das facilidades que serão colocadas à disposição da presidente afastada. Não há legislação a esse respeito, e caberá ao Supremo definir os limites de atuação da presidente nesse período de 180 dias, findos os quais ela poderia voltar ao cargo se o julgamento não estiver terminado.

Dificilmente, porém, o PT e seus cada vez menos associados partidários conseguirão retardar o processo aponto de não estar concluído em seis meses.

Se o parâmetro for o processo de Collor, como tem sido nos ritos do Congresso, assessores próximos do então presidente quando este foi impichado relembram que lhe foi negado um imóvel oficial — pensou- se inicialmente na cessão da Granja do Riacho Fundo —e o apoio de assessores.

Collor permaneceu na Casa da Dinda, e despachava de um escritório improvisado na garagem. O processo durou em torno de quatro meses. Um futuro governo de Michel Temer terá pela frente, portanto, uma oposição minoritária no Congresso, e movimentos sociais tentando conturbar o país.

Resta saber se a disposição desses movimentos se manterá sem as verbas oficiais que os alimentam, e mais ainda se o interesse político do PT será mesmo apoiar uma presidente afastada e em julgamento. Certamente o PT e os movimentos sociais que orbitam em torno dele terão que arcar com as consequências de suas ações, pois o país está ladeira abaixo.

Caberá ao novo governo manter o apoio da maioria do Congresso para não apenas aprovar as medidas necessárias à retomada do crescimento econômico, como também mostrar- se robusto politicamente para resistir às investidas da minoria barulhenta que tentará, por todas as maneiras, colocar- lhe obstáculos.

Para resistira esses previsíveis passos, o governo terá também que conquistar uma popularidade que hoje o vice Michel Temer não tem. Eque as medidas a serem adotadas não facilitarão.

Um ritual político - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 27/04


No Brasil, é uma ofensa chamar alguém de “político”, pois “ser político” é ser falso, maquinador, hipócrita e, no limite, desonesto. Quem vive fazendo “política” penderia para o lado mais vantajoso, mas – como compensação – seria o paradoxal e imprescindível negociador, cuja malandragem permite inibir o conflito, empolgar o poder e, eventualmente, fazer justiça entre bandidos.

Como o mundo é mais marcado pelos retornos do que pelos avanços, não seria exagero sugerir que a equação entre política e falsidade; ou entre política e hipocrisia, encaixa-se em sistemas de viés aristocrático. Neles, a mobilidade é lida mais como fruto de compadrio maquiavélico do que como mérito. Daí, o papel da malandragem e da mentira com suas vergonhosas consequências como estamos sofrendo nesta chamada “crise”, que é tão brasileira quanto o carnaval, o você sabe com quem está falando e a feijoada.

O ato político que divide resulta de sistemas nos quais o discordar é tão central quanto o bom senso – essa difícil arte de respeitar a opinião contrária, honrando a liberdade individual sem perder, entretanto, a capacidade de dizer não a si mesmo.

No domingo, 17 do corrente, aconteceu um rito político fora do comum. Testemunhamos em tempo real a votação do prosseguimento ou não do impeachment da presidente Dilma Rousseff. O inusitado foi o voto numa situação em que existiam duas possibilidades. Em outros termos, todos – o baixo e o alto clero, os de direita ou de esquerda, os radicais e os liberais – eram obrigados a tomar um partido, Ora, se o “político” se define também pela indefinição, pelo adiamento ou pelo ocultamento, vimos um ato contrário a toda a nossa índole pública. Nele, cada um dos 500 e tantos deputados tinha não só um tempo limitado, mas – muito pior que isso – era obrigado a dizer de que lado estava. Era, coisa rara e típica nos impedimentos, como uma confissão ou um juramento.

Vários amigos e pelo menos um querido e consagrado cronista, Ancelmo Gois, perguntaram-me por que grande parte desse meio milhar de políticos “dedicou” seu voto invocando tanto a família, quanto Deus – sem esquecer suas cidades, Estados, a Constituição e a democracia. Uma tabela publicada no The Economist (edição do dia 23) mostra a distribuição claramente, endossando um cenário muito menos carnavalesco do que pensa a nossa reação mais emocionada. Sem, é óbvio, deixar de mencionar os infelizes e intoleráveis elogios à violência e à tortura.

A invocação de Deus é mais do que rotineira no Brasil. Juramos por Deus em muitas situações e neste contexto inusitado do sim ou não, nada mais brasileiro do que usá-lo como garantia e escudo. Além disso, não se pode esquecer que o ritual para decidir sobre um processo de apuração da verdade era presidido por um indiciado e, pior ainda, contra um governo dito de esquerda e popular. Um governo que conseguiu promover, pelo erro político e pela roubalheira, um desastre econômico sem precedentes.

Ao lado da invocação divina, vem a afirmação hegemônica de que todos os deputados são gente boa e de família. Filhos dispostos a brigar pelo nome sagrado de nossas mães e esposas. A invocação da casa revela como ainda lemos a nós mesmos como um coletivo constituído muito mais por sangue e carne, do que como uma comunidade feita de leis, projetos e escolhas. Pode-se denegar um partido, mas não a filiação e a paternidade.

Neste drama do sim ou não, vi a aflição e o surto do malandro obrigado a recolher sua lábia para, forçosamente, declarar o seu lado. E do radical a revelar-se emparelhado com a morte, a violência e a tortura. Foi uma minoria que julgou não a pessoa, mas o papel e o seu lado institucional, e que exprimiu seu constrangimento diante dos paradoxos políticos ali concretizados com elegância.

Mas a verdade inescapável foi voltar a enxergar como o ritual funcionou como um espelho de nossa vida social. Em tempos de Collor, não havia bancada evangélica e quem estava no poder era a chamada “direita corrupta”. Hoje, um Deus impessoal é muito mais popular e a corrupção, infelizmente, trocou de lado.

Em geral, consternei-me com a penúria das invocações. Mas, sejamos justos, o que sairia se juntássemos meio milhar de jornalistas, professores, militares, clérigos ou doutores?

Para mim, com tudo o que deixou a desejar, esse ritual foi muito melhor do que o poço de demagogia e de incompetência que o motivou.

Uma crise tão brasileira quanto o carnaval, a feijoada e o você sabe com quem está falando?