ESTADÃO - 08/10
Que tal um “Macrin”, misto de Macri e Macron? Ou um “Mercrin”, Merkel com Macri
É clara a necessidade de reformas essenciais para os avanços do Brasil. E há um clamor sobre elas de parte dos brasileiros preocupados com o futuro.
Frequentemente se diz que o governo federal não consegue se comunicar direito com a sociedade para convencê-la da importância da reforma previdenciária para reduzir o nosso assombroso e crescente déficit público. Pode ser verdade, ou pelo menos meia verdade. Mas também parece claro que os governos estaduais e municipais, além do federal, não se afinam na direção de uma reforma tributária que simplifique/reduza a carga de impostos e aumente a base pagante.
E por fim, a chamada (por alguns) de a “mãe de todas as reformas”, a política, não sai do lugar, salvo pedacinhos menores.
Mas nada avança nessas questões super relevantes por falta de comunicação do governo? É mesmo? Ou será que interesses imediatos – de alguns parlamentares e partidos – e questões ideológicas são os verdadeiros responsáveis pela surdez em relação a elas? E quais interesses seriam esses? Ora, a reeleição, evidentemente. Aquilo que representar perda de votos nas eleições de 2018 não será considerado prioridade para essa porção de “representantes” da população. Eis, infelizmente, a verdade. Claro que o governo, fragilizado por todo tipo de ataques (legítimos ou não) carece de liderança suficiente para conseguir o apoio da maioria do Congresso para fazer as reformas. E todos aqueles que só se preocupam com a reeleição se escondem nessa incapacidade do governo para não cuidar do que realmente interessa ao País. Felizmente, não é a maioria dos parlamentares, mas essa turma da Lei de Gerson é suficiente para impedir as reformas.
Como sair desse impasse? Parece mais ou menos consensual que a solução virá após as eleições de 2018. Mesmo com as notícias positivas – queda da inflação e das taxas de juros, aumento do consumo das famílias, teto de gastos públicos, redução do desemprego e a reforma trabalhista – obtidas pelo Executivo, e algumas com apoio do Legislativo, falta coragem e patriotismo para enfrentar gargalos históricos.
Pois bem, se as eleições serão o caminho para fazer as reformas, quem irá liderar isso?
Analistas entendidos em política dizem que o cenário está bastante “fragmentado”: teremos muitos candidatos à Presidência da República. E também dizem que a sociedade – esta mesma que não se sente representada adequadamente – preferiria candidatos novos, não identificados com a “velha política”. Mas quem seriam eles/elas?
Precisamos de um Macri? Ele restaurou a credibilidade nas estatísticas nacionais, eliminou controles e regras que freavam a capacidade produtiva interna, reduziu a carga tributária e as restrições à compra de dólares. Abriu mais a economia e optou por uma redução gradual do déficit fiscal e da inflação. Está mudando a cara da Argentina em busca de investidores, e cumprindo sua mensagem chave: “Cambiemos”.
Ou de um Macron, que está propondo reformas duras em um país acomodado por décadas? Prometeu tolerância zero contra o crime e o terrorismo, quer reduzir impostos sobre as empresas em busca de maior competitividade, vai diminuir as despesas públicas e já propôs uma impopular reforma trabalhista, tentando com isso flexibilizar o mercado de trabalho e diminuir o desemprego.
Ou de uma Angela Merkel, que com liderança baseada no equilíbrio vem mantendo a Alemanha à frente da economia europeia?
Certamente de nenhum dos três, até porque somos um País multicultural e com desigualdades sociais enormes oriundas de uma deficiente educação básica, entre outros fatores.
Talvez precisemos de um misto entre eles, com um tempero tupiniquim. Que tal um “Macrin”, misto de Macri e Macron? Ou ainda mais, um “Mercrin”, agregando o centrismo solidário de Merkel, que acaba de conseguir vitória apertada nas eleições alemãs?
Seja quem for, o fundamental é um projeto de país que incorpore as reformas citadas, e insira o Brasil com vigor no cenário internacional. Segurança alimentar global é uma ótima receita para essa inserção.
* EX-MINISTRO DA AGRICULTURA E COORDENADOR DO CENTRO DE AGRONEGÓCIOS DA FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
domingo, outubro 08, 2017
Soluço ou tendência? - CELSO MING
ESTADÃO - 08/10
Ainda é apressado concluir que a fase de inflação baixa esteja sendo de fato revertida
A inflação de setembro teve, digamos assim, um soluço. Mas, mesmo sendo tratada como soluço, a reação do mercado financeiro na sexta-feira pareceu exagerada – apenas porque o avanço do IPCA, de 0,16%, foi superior ao 0,8% ou 0,9%, que vinha sendo majoritariamente esperado.
Enfim, ainda estamos numa inflação surpreendentemente baixa, de 2,54% em 12 meses. Talvez o susto do mercado se devesse ao fato de que o brasileiro ainda não tenha se acostumado a conviver com o ritmo dos preços equivalente ao que prevalece nos países avançados.
De todo modo, é apressado concluir que a fase de inflação baixa esteja sendo revertida. Alguns dos itens que mais pesaram foram combustíveis e tarifas de energia elétrica. Têm a ver com aumento de custo, não de demanda – este o lado mais perigoso da inflação.
Continua sendo mais provável que a inflação acumulada em 2017 fique abaixo dos 3,0%. E que a de 2018 permaneça em torno dos 3,5%, como atestam as projeções do mercado.
Agora, o mais importante para o brasileiro é reaprender a conviver com inflação e juros nos novos níveis. Embora os reajustes salariais tendam a ser mais baixos do que nos anos anteriores, a renda real e o poder aquisitivo só têm a ganhar com isso. Uma coisa é o poder aquisitivo sob uma corrosão de 10% ao ano, como a de há alguns meses, e outra, bem diferente, quando de uma inflação de 3% ao ano. Com 10%, o salário acaba mais depressa; com 3% ao ano dá para administrar melhor o orçamento e para renegociar dívidas com os bancos.
Mas a mudança mais importante deve ocorrer na administração de aplicações financeiras. Inflação baixa e juros baixos achatam o retorno. Quem estava habituado com rendimentos em torno de 1,0% ao mês pode levar um choque ao conferir os relatórios do banco. Esse rendimento mais baixo tende a empurrar os administradores de patrimônios para mais risco. Ou seja, a tendência é o aumento da procura por renda variável: ações e debêntures. Assim, há razões técnicas para esperar alguma valorização nesses setores – sempre sujeita, é claro, à ação de imprevistos e imponderáveis.
Recomendação recorrente é a de que aplicações de renda variável são para profissionais e que pessoas comuns têm de dar prioridade à segurança e às opções conservadoras. O equívoco aí é esperar por segurança total. Quem viveu os últimos 40 anos se recorda do que fizeram aqui com aplicações em caderneta de poupança, que sempre contou com garantia do governo. E quem ainda considera conservadores os investimentos em imóveis, em ouro ou em moeda estrangeira deve conferir o mergulho de preços e cotações nos últimos três anos.
O ideal é dançar conforme a música. Tempos que permitem mais risco sugerem mais ousadia. E tempos de volatilidade recomendam procura de abrigo em portos mais seguros. Mas não é qualquer um que conhece a melhor hora de entrar e de sair de um investimento.
Recado final: não faz sentido participar de fundos de investimento que cobrem taxas excessivas de administração. A medida do excesso são os juros e a inflação. Uma coisa é pagar 1,5% ao ano quando os juros são de 14% ao ano e a inflação é de 10%, e outra, quando os juros tiverem caído para 7%. A hora é de pular fora de aplicações caras demais e escolher as de menor custo de administração.
Ainda é apressado concluir que a fase de inflação baixa esteja sendo de fato revertida
A inflação de setembro teve, digamos assim, um soluço. Mas, mesmo sendo tratada como soluço, a reação do mercado financeiro na sexta-feira pareceu exagerada – apenas porque o avanço do IPCA, de 0,16%, foi superior ao 0,8% ou 0,9%, que vinha sendo majoritariamente esperado.
Enfim, ainda estamos numa inflação surpreendentemente baixa, de 2,54% em 12 meses. Talvez o susto do mercado se devesse ao fato de que o brasileiro ainda não tenha se acostumado a conviver com o ritmo dos preços equivalente ao que prevalece nos países avançados.
De todo modo, é apressado concluir que a fase de inflação baixa esteja sendo revertida. Alguns dos itens que mais pesaram foram combustíveis e tarifas de energia elétrica. Têm a ver com aumento de custo, não de demanda – este o lado mais perigoso da inflação.
Continua sendo mais provável que a inflação acumulada em 2017 fique abaixo dos 3,0%. E que a de 2018 permaneça em torno dos 3,5%, como atestam as projeções do mercado.
Agora, o mais importante para o brasileiro é reaprender a conviver com inflação e juros nos novos níveis. Embora os reajustes salariais tendam a ser mais baixos do que nos anos anteriores, a renda real e o poder aquisitivo só têm a ganhar com isso. Uma coisa é o poder aquisitivo sob uma corrosão de 10% ao ano, como a de há alguns meses, e outra, bem diferente, quando de uma inflação de 3% ao ano. Com 10%, o salário acaba mais depressa; com 3% ao ano dá para administrar melhor o orçamento e para renegociar dívidas com os bancos.
Mas a mudança mais importante deve ocorrer na administração de aplicações financeiras. Inflação baixa e juros baixos achatam o retorno. Quem estava habituado com rendimentos em torno de 1,0% ao mês pode levar um choque ao conferir os relatórios do banco. Esse rendimento mais baixo tende a empurrar os administradores de patrimônios para mais risco. Ou seja, a tendência é o aumento da procura por renda variável: ações e debêntures. Assim, há razões técnicas para esperar alguma valorização nesses setores – sempre sujeita, é claro, à ação de imprevistos e imponderáveis.
Recomendação recorrente é a de que aplicações de renda variável são para profissionais e que pessoas comuns têm de dar prioridade à segurança e às opções conservadoras. O equívoco aí é esperar por segurança total. Quem viveu os últimos 40 anos se recorda do que fizeram aqui com aplicações em caderneta de poupança, que sempre contou com garantia do governo. E quem ainda considera conservadores os investimentos em imóveis, em ouro ou em moeda estrangeira deve conferir o mergulho de preços e cotações nos últimos três anos.
O ideal é dançar conforme a música. Tempos que permitem mais risco sugerem mais ousadia. E tempos de volatilidade recomendam procura de abrigo em portos mais seguros. Mas não é qualquer um que conhece a melhor hora de entrar e de sair de um investimento.
Recado final: não faz sentido participar de fundos de investimento que cobrem taxas excessivas de administração. A medida do excesso são os juros e a inflação. Uma coisa é pagar 1,5% ao ano quando os juros são de 14% ao ano e a inflação é de 10%, e outra, quando os juros tiverem caído para 7%. A hora é de pular fora de aplicações caras demais e escolher as de menor custo de administração.
Defasagens na política econômica - SAMUEL PESSÔA
FOLHA DE SP - 08/10
Laura Carvalho, na quinta-feira (5), sugeriu que não há evidências de que a aceleração do crescimento nos anos 2000 deveu-se à maturação das reformas liberalizantes iniciadas nos anos 90, que terminaram depois da saída do governo de Antonio Palocci, ministro da Fazenda do primeiro mandato de Lula.
Três são as dificuldades apontadas por Laura. A primeira é que levou muito tempo para que o longo ciclo de liberalização aparecesse no crescimento econômico.
A segunda é que o crescimento se acelerou ainda mais em seguida à mudança na formulação da política econômica, com a troca de guarda na Fazenda no início de 2006. E a terceira é que os efeitos negativos da alteração do regime de política econômica em 2006 sobre o desempenho da economia tiveram defasagem muito menor que as políticas liberalizantes.
Os seus questionamentos são válidos. Há limites à nossa capacidade de conhecer, principalmente em ciência social. Além disso, é difícil separar movimentos causados pelos nossos fundamentos domésticos daqueles decorrentes da dinâmica internacional.
A passagem do tempo, porém, reduz a incerteza. Parece-me ser quase consensual, por exemplo, a tese de que o milagre brasileiro é tributário das reformas liberalizantes do governo Castelo Branco.
Laura deveria acompanhar a pesquisa acadêmica sobre o impacto de várias reformas. João Manoel Pinho de Melo, Vinícius Carrasco, Juliano Assunção, Jacob Ponticelli e seus coautores publicaram diversos artigos nas mais respeitadas revistas acadêmicas internacionais mostrando o impacto das reformas no primeiro governo Lula sobre a produtividade de diversos setores.
Além disso, ao contrário do que afirma Laura, não há evidência de que o segundo mandato de Lula tenha implementado uma política de reajuste do salário mínimo mais ousada do que a de FHC ou a do primeiro governo do presidente petista.
Por fim, os trabalhos de João Manoel e Vinícius Carrasco mostram que o desempenho do Brasil no governo Lula foi inferior em diversos aspectos ao observado em países semelhantes no mesmo período. O crescimento no governo FHC, por outro lado, foi similar ao dos países da América Latina nos anos 1990.
Talvez melhor do que tentar convencer Laura seja compartilhar com o leitor a forma pela qual trato os questionamentos por ela levantados, que, como já mencionei, fazem todo o sentido.
A evolução da economia é mais bem analisada com base nas taxas médias reais anualizadas de crescimento em quadriênios. O pico de 4,7% ocorreu no quadriênio terminado em 2007. Posteriormente, inicia-se lenta desaceleração até 2,3% ao ano no quadriênio terminado em 2014. Ou seja, a desaceleração iniciou-se pouco mais de dois anos após a troca de guarda na Fazenda.
Reformas microeconômicas usualmente não geram impactos sobre o desempenho enquanto persistir desequilíbrio macroeconômico. Foi assim com as políticas liberalizantes do governo ditatorial de Pinochet no Chile e com Menem na Argentina. Em ambos os casos, o regime cambial —e, na Argentina, também o problema fiscal— impediu a decolagem da economia.
Com relação à assimetria —leva mais tempo para aparecerem os efeitos de boas políticas— é uma lei da vida. Vale para a díade construção e demolição, seja para uma
obra de construção civil, seja para reputação, seja, ainda, para a política econômica e os seus impactos sobre o crescimento e a geração de emprego. Construir é mais difícil do que destruir.
Laura Carvalho, na quinta-feira (5), sugeriu que não há evidências de que a aceleração do crescimento nos anos 2000 deveu-se à maturação das reformas liberalizantes iniciadas nos anos 90, que terminaram depois da saída do governo de Antonio Palocci, ministro da Fazenda do primeiro mandato de Lula.
Três são as dificuldades apontadas por Laura. A primeira é que levou muito tempo para que o longo ciclo de liberalização aparecesse no crescimento econômico.
A segunda é que o crescimento se acelerou ainda mais em seguida à mudança na formulação da política econômica, com a troca de guarda na Fazenda no início de 2006. E a terceira é que os efeitos negativos da alteração do regime de política econômica em 2006 sobre o desempenho da economia tiveram defasagem muito menor que as políticas liberalizantes.
Os seus questionamentos são válidos. Há limites à nossa capacidade de conhecer, principalmente em ciência social. Além disso, é difícil separar movimentos causados pelos nossos fundamentos domésticos daqueles decorrentes da dinâmica internacional.
A passagem do tempo, porém, reduz a incerteza. Parece-me ser quase consensual, por exemplo, a tese de que o milagre brasileiro é tributário das reformas liberalizantes do governo Castelo Branco.
Laura deveria acompanhar a pesquisa acadêmica sobre o impacto de várias reformas. João Manoel Pinho de Melo, Vinícius Carrasco, Juliano Assunção, Jacob Ponticelli e seus coautores publicaram diversos artigos nas mais respeitadas revistas acadêmicas internacionais mostrando o impacto das reformas no primeiro governo Lula sobre a produtividade de diversos setores.
Além disso, ao contrário do que afirma Laura, não há evidência de que o segundo mandato de Lula tenha implementado uma política de reajuste do salário mínimo mais ousada do que a de FHC ou a do primeiro governo do presidente petista.
Por fim, os trabalhos de João Manoel e Vinícius Carrasco mostram que o desempenho do Brasil no governo Lula foi inferior em diversos aspectos ao observado em países semelhantes no mesmo período. O crescimento no governo FHC, por outro lado, foi similar ao dos países da América Latina nos anos 1990.
Talvez melhor do que tentar convencer Laura seja compartilhar com o leitor a forma pela qual trato os questionamentos por ela levantados, que, como já mencionei, fazem todo o sentido.
A evolução da economia é mais bem analisada com base nas taxas médias reais anualizadas de crescimento em quadriênios. O pico de 4,7% ocorreu no quadriênio terminado em 2007. Posteriormente, inicia-se lenta desaceleração até 2,3% ao ano no quadriênio terminado em 2014. Ou seja, a desaceleração iniciou-se pouco mais de dois anos após a troca de guarda na Fazenda.
Reformas microeconômicas usualmente não geram impactos sobre o desempenho enquanto persistir desequilíbrio macroeconômico. Foi assim com as políticas liberalizantes do governo ditatorial de Pinochet no Chile e com Menem na Argentina. Em ambos os casos, o regime cambial —e, na Argentina, também o problema fiscal— impediu a decolagem da economia.
Com relação à assimetria —leva mais tempo para aparecerem os efeitos de boas políticas— é uma lei da vida. Vale para a díade construção e demolição, seja para uma
obra de construção civil, seja para reputação, seja, ainda, para a política econômica e os seus impactos sobre o crescimento e a geração de emprego. Construir é mais difícil do que destruir.
Para a história - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
REVISTA VEJA
Nenhuma futura história da Operação Lava-Jato será completa se não incluir a festa do sexagésimo aniversário do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Nenhuma futura história do Partido dos Trabalhadores será honesta se não reservar lugar de honra à carta de desfiliação do ex-ministro Antonio Palocci. Não é sempre que isso ocorre: em poucos dias, dois eventos para a história.
•••
Antônio Carlos de Almeida Castro, além de competente, é um advogado pop. Obrigatório é, em seguida a seu nome, pespegar uma vírgula e esclarecer: o Kakay. A barba e os longos e despenteados cabelos acusam um espírito de Rock in Rio. Para comemorar o aniversário, ele reuniu 220 convidados num programa em Lisboa cujos pontos altos foram um jantar, no dia 22, no Palácio de Xabregas, edificação com quase dez vezes a idade do aniversariante, e um almoço no dia seguinte nas vinícolas de Torres Vedras. Os convidados já estavam reunidos antes na capital portuguesa. Na véspera do início das comemorações, Kakay deixou-os por 24 horas para, no STJ, em Brasília, defender seu mais novo cliente, Joesley Batista. Voltou como foi, num jatinho, numa demonstração de poder, riqueza, consciência profissional e saúde para emendar travessia oceânica, trabalho, outra travessia oceânica e prolongada festa. O jantar no Palácio de Xabregas teve show de Carminho, a mais requisitada cantora portuguesa do momento.
Não é intenção do colunista meter sua mal-humorada colher no chantili da festa para a qual não foi convidado. Cada um festeja como quer e pode. A festa entra nestas linhas — e na história — porque desvenda um efeito pouco enfatizado da Lava-Jato, o da bonança que trouxe para a elite da advocacia criminalista no país. A Lava-Jato vem proporcionando ao Brasil uma coleção de recordes. Por múltiplos critérios — extensão, duração, número de participantes, valores envolvidos —, é o maior caso de corrupção desvendado no mundo. Os 51 milhões de reais no apartamento administrado pelo ex-ministro Geddel configuram possivelmente outro recorde. A festa de Kakay, à qual se fizeram presentes vários colegas com atuação na Lava-Jato, celebrava em paralelo o caso criminal que detém, se não a maior, uma das maiores concentrações de réus milionários do mundo, com a consequente transferência de bocados dessas fortunas aos advogados. Se esse dinheiro tem origem em fontes ilícitas, é outra história. Kakay, além de simpático, é interessante a ponto de incluir no discurso aos convidados a frase: “Bem-vindos ao meu delírio”.
•••
Entre os muitos trechos capitais da carta de Palocci, fiquemos com dois. O primeiro é a seguinte frase: “Um dia Dilma e Gabrielli dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada, onde Lula encomendou as sondas e as propinas, no mesmo tom sem-cerimônia, na cena mais chocante que presenciei do desmonte moral da mais expressiva liderança popular que o país construiu em toda a nossa história”. As palavras arrasadoras — perplexidade, fatídica, chocante, desmonte moral — reconstroem uma cena de filme. Era a biblioteca do Alvorada, mas podia ser o interior esfumaçado de um bar clandestino, garrafas espalhadas pela mesa, nos Estados Unidos da Lei Seca. O chefão reúne os lugares-tenentes e determina: mandem comprar os navios, e desde logo avisem qual vai ser a nossa parte. Ao deixarem o bar, os lugares-tenentes entreolham-se, assustados: — Vocês viram a frieza com que ele fala essas coisas? Como chegamos a esse ponto?
O outro trecho é uma pergunta: “Somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?”. A questão nos leva a uma entrevista do historiador italiano Loris Zanatta a Sylvia Colombo, do jornal Folha de S.Paulo. Especializado em América Latina, Zanatta identifica um conteúdo religioso em movimentos como o peronismo, o castrismo e o chavismo, que chama de populistas. “No liberalismo e na tradição ilustrada o povo soberano é o povo da Constituição. Este povo é dotado de direitos e se concebe um pacto racional e plural entre os atores”, afirma. Nos movimentos populistas “se pensa o povo como algo acima do pacto político racional”; vigora a ideia de que “existe um povo mítico acima da Constituição”, “um povo bíblico a caminho da redenção”. Zanatta não fala no PT, mas a identificação dos petistas com os movimentos citados indica que a resposta correta à pergunta de Palocci é: “O PT é uma seita”.
Nenhuma futura história da Operação Lava-Jato será completa se não incluir a festa do sexagésimo aniversário do advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. Nenhuma futura história do Partido dos Trabalhadores será honesta se não reservar lugar de honra à carta de desfiliação do ex-ministro Antonio Palocci. Não é sempre que isso ocorre: em poucos dias, dois eventos para a história.
•••
Antônio Carlos de Almeida Castro, além de competente, é um advogado pop. Obrigatório é, em seguida a seu nome, pespegar uma vírgula e esclarecer: o Kakay. A barba e os longos e despenteados cabelos acusam um espírito de Rock in Rio. Para comemorar o aniversário, ele reuniu 220 convidados num programa em Lisboa cujos pontos altos foram um jantar, no dia 22, no Palácio de Xabregas, edificação com quase dez vezes a idade do aniversariante, e um almoço no dia seguinte nas vinícolas de Torres Vedras. Os convidados já estavam reunidos antes na capital portuguesa. Na véspera do início das comemorações, Kakay deixou-os por 24 horas para, no STJ, em Brasília, defender seu mais novo cliente, Joesley Batista. Voltou como foi, num jatinho, numa demonstração de poder, riqueza, consciência profissional e saúde para emendar travessia oceânica, trabalho, outra travessia oceânica e prolongada festa. O jantar no Palácio de Xabregas teve show de Carminho, a mais requisitada cantora portuguesa do momento.
Não é intenção do colunista meter sua mal-humorada colher no chantili da festa para a qual não foi convidado. Cada um festeja como quer e pode. A festa entra nestas linhas — e na história — porque desvenda um efeito pouco enfatizado da Lava-Jato, o da bonança que trouxe para a elite da advocacia criminalista no país. A Lava-Jato vem proporcionando ao Brasil uma coleção de recordes. Por múltiplos critérios — extensão, duração, número de participantes, valores envolvidos —, é o maior caso de corrupção desvendado no mundo. Os 51 milhões de reais no apartamento administrado pelo ex-ministro Geddel configuram possivelmente outro recorde. A festa de Kakay, à qual se fizeram presentes vários colegas com atuação na Lava-Jato, celebrava em paralelo o caso criminal que detém, se não a maior, uma das maiores concentrações de réus milionários do mundo, com a consequente transferência de bocados dessas fortunas aos advogados. Se esse dinheiro tem origem em fontes ilícitas, é outra história. Kakay, além de simpático, é interessante a ponto de incluir no discurso aos convidados a frase: “Bem-vindos ao meu delírio”.
•••
Entre os muitos trechos capitais da carta de Palocci, fiquemos com dois. O primeiro é a seguinte frase: “Um dia Dilma e Gabrielli dirão a perplexidade que tomou conta de nós após a fatídica reunião na biblioteca do Alvorada, onde Lula encomendou as sondas e as propinas, no mesmo tom sem-cerimônia, na cena mais chocante que presenciei do desmonte moral da mais expressiva liderança popular que o país construiu em toda a nossa história”. As palavras arrasadoras — perplexidade, fatídica, chocante, desmonte moral — reconstroem uma cena de filme. Era a biblioteca do Alvorada, mas podia ser o interior esfumaçado de um bar clandestino, garrafas espalhadas pela mesa, nos Estados Unidos da Lei Seca. O chefão reúne os lugares-tenentes e determina: mandem comprar os navios, e desde logo avisem qual vai ser a nossa parte. Ao deixarem o bar, os lugares-tenentes entreolham-se, assustados: — Vocês viram a frieza com que ele fala essas coisas? Como chegamos a esse ponto?
O outro trecho é uma pergunta: “Somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?”. A questão nos leva a uma entrevista do historiador italiano Loris Zanatta a Sylvia Colombo, do jornal Folha de S.Paulo. Especializado em América Latina, Zanatta identifica um conteúdo religioso em movimentos como o peronismo, o castrismo e o chavismo, que chama de populistas. “No liberalismo e na tradição ilustrada o povo soberano é o povo da Constituição. Este povo é dotado de direitos e se concebe um pacto racional e plural entre os atores”, afirma. Nos movimentos populistas “se pensa o povo como algo acima do pacto político racional”; vigora a ideia de que “existe um povo mítico acima da Constituição”, “um povo bíblico a caminho da redenção”. Zanatta não fala no PT, mas a identificação dos petistas com os movimentos citados indica que a resposta correta à pergunta de Palocci é: “O PT é uma seita”.
É hora de insistir na privatização - MAÍLSON DA NÓBRREGA
REVISTA VEJA
A sociedade precisa entender que privatizar faz bem ao Brasil
As empresas de capital misto surgiram no século XVII na Inglaterra, na Holanda e na França para explorar o comércio com as colônias e servir de braço do Estado em ações de guerra ou de dominação.
As estatais modernas apareceram no século XIX, em especial na França e na Bélgica, onde o setor privado falhava em atuar em áreas como bancos e ferrovias. Elas eram parte de esforços de industrialização. O mesmo ocorreu no Japão após a Restauração Meiji (1868).
Por motivos ideológicos, o governo trabalhista britânico de Clement Attlee (1945-1951) estatizou o Banco da Inglaterra (desde 1694 uma instituição privada), ferrovias e empresas de aviação, carvão mineral, telecomunicações, eletricidade, gás e siderurgia. As estatais chegaram a dominar 20% da economia.
As estatais europeias foram privatizadas quando perderam a justificativa ou passaram a representar um peso para a economia. Quase todas as japonesas foram vendidas antes da I Guerra.
No Brasil, sob políticas de industrialização, as estatais começaram a se expandir a partir dos anos 1940 em siderurgia, energia, petróleo e crédito. Elas se multiplicaram no período militar. Havia motivações difíceis de encontrar na Europa e no Japão, isto é, descrença no setor privado e defesa da soberania nacional.
Atividades de governo viraram estatais para ter flexibilidade nas áreas operacional e de pessoal (caso da Embrapa). Empresas privadas falidas foram adquiridas e, assim, estatizadas pelo BNDES.
Nos anos 1980, ineficiências ou desnecessidade de certas estatais, ao lado dos ecos da bem-sucedida desestatização britânica do governo conservador de Margaret Thatcher (1979-1990), formaram ambiente favorável à privatização. Criado em 1981, o programa de desestatização começou com as empresas controladas pelo BNDES. Avançou pelas grandes estatais na década de 90.
Como disse o jornalista Eduardo Oinegue em artigo na revista Exame, em 2011, em que analisou a privatização aqui e no mundo, “o Estado empresário cumpriu seu ciclo”. De fato, não se justifica manter 440 estatais federais, estaduais e municipais (dados do Observatório das Estatais FGV).
Há capitais privados capazes de operar gigantes estatais. Os benefícios da privatização são expressivos. Vejam-se os casos da Embraer, da Telebras e da Vale. Hoje, o Brasil exporta jatos. O telefone tornou-se acessível a todas as classes sociais. A Vale é uma das cinco maiores mineradoras do mundo.
Se privatizados, o Banco do Brasil e a Petrobras seriam mais eficientes e úteis ao país. A Eletrobras, a ser desestatizada, deixará de ser instrumento de interesses fisiológicos. Se a Petrobras fosse privada, não teria ocorrido o maior escândalo de corrupção da história.
Infelizmente, é difícil ousar. As barreiras são enormes: resistências ideológicas, raciocínios equivocados sobre o conceito de estratégico, visões infantis sobre soberania nacional e cultura estatizante.
Mesmo assim, é preciso insistir na privatização. Para o bem do Brasil.
Maravilhas da cultura política brasileira - BOLÍVAR LAMOUNIER
REVISTA ISTO É
Se me pedissem para apontar a ideia mais idiota de nossa (in) cultura política, eu diria sem pestanejar: o horror ao liberalismo. No Brasil, mesmo entre as elites cultas, uma quantidade de gente tem urticária só de ouvir a palavra. “Neoliberalismo” então, Deus me livre.
Esforcemo-nos por entender o conceito.
Em todas as suas variantes, o básico da doutrina liberal é a valorização do indivíduo, de sua autonomia física e moral, e de seu direito de escolher. No aspecto econômico, o liberalismo valoriza o lucro, legitima o enriquecimento, estimula o empreendedorismo e aprova o capitalismo, ressalvando certos papéis que o Estado deve desempenhar. Do ponto de vista político, o liberalismo tem como correlato a democracia política, que por sua vez implica uma pluralidade de partidos, o direito de votar e ser votado em eleições periódicas, limpas e livres, e o pleno acesso à informação, sem o qual o direito de votar perde o sentido.
Suponhamos que você, leitor, é um antiliberal empedernido. Considerando certas alternativas — por exemplo, quem quer como amigos, fazer ou não fazer uma viagem — você prefere tomar logo suas decisões sem dar satisfação a ninguém, ou acha que o Estado deve manter uma agência especializada em aconselhar os indivíduos?
Você ganha cem milhões na Mega Sena. Sei que você não joga, mas suponhamos, só para argumentar. De uma hora para a outra, você ficou rico, mas reprova o enriquecimento. Como vai se livrar dessa grana toda? A duras penas, depois de meditar muito, você resolve montar uma empresa? Mas, e o lucro? Você o aceita com naturalidade ou aceita só o suficiente para pagar os salários e cobrir os demais custos?
Na política, você aceita a democracia — ditadura, afinal, já é demais. A extinta URSS e os países do Leste também reconheciam o direito de voto, mas, com o sistema de partido único, o resultado era sempre 99,9% a favor do Partido Comunista. O acesso à informação era também assegurado com notável rigor. No dia 26 de abril de 1985, o acidente na usina de Chernobyll, na Ucrania liberou na atmosfera uma radioatividade cem vezes maior que a de Hiroshima e Nagasaki somadas. Mas o povo soviético ficou sabendo de tudo. Quatro dias depois a informação apareceu em todos os jornais.
No aspecto econômico, o liberalismo valoriza o lucro,
legitima o enriquecimento, estimula o empreendedorismo e aprova o
capitalismo, ressalvando certos papéis que o Estado deve desempenhar.
O homem nu e a política pelada - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 08/10
A querela do homem nu e das artes pornográficas dá o que pensar sobre o sucesso de mídia de ideias conservadoras. Provoca também perguntas sobre o motivo do fracasso de debates públicos mais cruciais. Por exemplo, sobre quem paga a conta da falência do Estado, conflito que está para explodir.
O frenesi dos embates recentes pode ser transitório, mas o assunto está na pauta pelo menos desde o Junho de 2013. A guerra cultural é no mínimo sintoma. Do quê? De conversões maciças ao conservadorismo? Dos desertos que se formaram na política?
Há ojeriza a partidos, escasseiam organizações político-sociais para vocalizar interesses, a direita sem voto reforma a economia e a esquerda no poder acabou em catástrofe. O corpo político parece uma geleia, sem ossos.
Mas a guerra cultural não é só a política por outros meios.
Pouco antes do fechamento da exposição Queermuseu, o Datafolha publicava nova rodada da pesquisa que tenta medir a adesão a ideias de direita e esquerda. A esquerda cresceu desde 2014, voltando a empatar com a direita, parte da qual lidera a guerra ao homem nu. Embora irônico, o resultado não diz muito.
Outra vez, nota-se na pesquisa que as pessoas podem se definir com ideias daqui ou dali, de resto mais tolerantes do que as tigradas de redes sociais.
Três de cada quatro brasileiros acham que a sociedade deve aceitar a homossexualidade. A maioria é contra pena de morte, armas e aborto. Para 80%, crer em Deus melhora as pessoas e drogas devem ser proibidas. Mais da metade acha que sindicatos são meros politiqueiros. Imigrantes pobres são bem-vindos para 70%.
Dos que votariam em Lula e Alckmin para presidente, 31% caem na categoria de esquerda comportamental, assim como 19% dos eleitores de Bolsonaro e 39% dos adeptos de Marina Silva. Quando se juntam as respostas a questões econômicas, a esquerda perfaz 44% do eleitorado de Lula, 37% de Alckmin, 50% de Marina e 29% de Bolsonaro (no total do país, 41%).
Parece difícil dizer que andem por aí massas de indivíduos conservadores ou com identidades unívocas de qualquer tipo.
Isto posto, há, sim, apelos a massas com certas (mas nem todas) ideias conservadoras. Organizações de direita, uma novidade, procuram mobilizar esse público em seu ataque decisivo à ruína do PT e a grupos identificados à esquerda ("intelectuais", "artistas", sindicatos). O conservadorismo se tornou um mercado político grande também porque a esquerda oficial cometeu um atentado suicida contra o país.
A desarticulação dos partidos com a sociedade e a penúria de organizações sociais intermediárias leva pré-candidatos a presidente a buscar bases em grupos fora da política, organizados e sensíveis a certas ideias conservadoras, como os neopentecostais, 21% do eleitorado.
Falta algum tipo de organização para repropor confrontos em outros termos. Há interesse em esvaziar o debate da crise econômica: quem paga o talho maciço do Estado ou mais impostos?
Por 20 anos, mal e mal, PT e PSDB deram alguma ossatura ao confronto. Antes de se tornarem pelegos do PT, movimentos sociais davam costelas à política. Organizações empresariais fraquejam. A guerra cultural ocupa o corpo da política desossada.
A querela do homem nu e das artes pornográficas dá o que pensar sobre o sucesso de mídia de ideias conservadoras. Provoca também perguntas sobre o motivo do fracasso de debates públicos mais cruciais. Por exemplo, sobre quem paga a conta da falência do Estado, conflito que está para explodir.
O frenesi dos embates recentes pode ser transitório, mas o assunto está na pauta pelo menos desde o Junho de 2013. A guerra cultural é no mínimo sintoma. Do quê? De conversões maciças ao conservadorismo? Dos desertos que se formaram na política?
Há ojeriza a partidos, escasseiam organizações político-sociais para vocalizar interesses, a direita sem voto reforma a economia e a esquerda no poder acabou em catástrofe. O corpo político parece uma geleia, sem ossos.
Mas a guerra cultural não é só a política por outros meios.
Pouco antes do fechamento da exposição Queermuseu, o Datafolha publicava nova rodada da pesquisa que tenta medir a adesão a ideias de direita e esquerda. A esquerda cresceu desde 2014, voltando a empatar com a direita, parte da qual lidera a guerra ao homem nu. Embora irônico, o resultado não diz muito.
Outra vez, nota-se na pesquisa que as pessoas podem se definir com ideias daqui ou dali, de resto mais tolerantes do que as tigradas de redes sociais.
Três de cada quatro brasileiros acham que a sociedade deve aceitar a homossexualidade. A maioria é contra pena de morte, armas e aborto. Para 80%, crer em Deus melhora as pessoas e drogas devem ser proibidas. Mais da metade acha que sindicatos são meros politiqueiros. Imigrantes pobres são bem-vindos para 70%.
Dos que votariam em Lula e Alckmin para presidente, 31% caem na categoria de esquerda comportamental, assim como 19% dos eleitores de Bolsonaro e 39% dos adeptos de Marina Silva. Quando se juntam as respostas a questões econômicas, a esquerda perfaz 44% do eleitorado de Lula, 37% de Alckmin, 50% de Marina e 29% de Bolsonaro (no total do país, 41%).
Parece difícil dizer que andem por aí massas de indivíduos conservadores ou com identidades unívocas de qualquer tipo.
Isto posto, há, sim, apelos a massas com certas (mas nem todas) ideias conservadoras. Organizações de direita, uma novidade, procuram mobilizar esse público em seu ataque decisivo à ruína do PT e a grupos identificados à esquerda ("intelectuais", "artistas", sindicatos). O conservadorismo se tornou um mercado político grande também porque a esquerda oficial cometeu um atentado suicida contra o país.
A desarticulação dos partidos com a sociedade e a penúria de organizações sociais intermediárias leva pré-candidatos a presidente a buscar bases em grupos fora da política, organizados e sensíveis a certas ideias conservadoras, como os neopentecostais, 21% do eleitorado.
Falta algum tipo de organização para repropor confrontos em outros termos. Há interesse em esvaziar o debate da crise econômica: quem paga o talho maciço do Estado ou mais impostos?
Por 20 anos, mal e mal, PT e PSDB deram alguma ossatura ao confronto. Antes de se tornarem pelegos do PT, movimentos sociais davam costelas à política. Organizações empresariais fraquejam. A guerra cultural ocupa o corpo da política desossada.
Democracia e responsabilidade - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 08/10
Está na hora de cada brasileiro participar, no limite de suas capacidades, do processo político que é a coroação da cidadania
Ganha cada vez mais aceitação no País a ideia de que os políticos são tão corruptos e desinteressados dos anseios nacionais que só resta afastá-los todos – prendê-los seria melhor, para evitar que reincidam – e entregar o Executivo e o Legislativo ao controle do Judiciário ou, talvez, das Forças Armadas. Essa solução radical, segundo os que a defendem, atenderia finalmente aos reclamos dos brasileiros fartos da mendacidade dos políticos, os quais seriam incapazes de representar o povo que os elegeu. O poder, então, seria exercido por pessoas consideradas acima de qualquer suspeita, não apenas incapazes de qualquer malfeito, mas principalmente conscientes das reais necessidades do País, ao contrário dos políticos.
É assim, enamorados de saídas fáceis para questões complexas, que muitos cidadãos brasileiros – não apenas entre os apedeutas, costumeira massa a serviço do radicalismo redentor, mas também entre os que dispõem de meios de se informar – começam a admitir que a democracia seja destruída. Seria a única resposta possível para a degradação moral que atinge o País.
No caso do Judiciário, há tempos encontram respaldo popular decisões que contrariam a Constituição, mesmo no Supremo Tribunal Federal, cuja função, entre outras, é justamente guardar o texto constitucional. As ordens do Supremo para afastar políticos eleitos pelo voto direto, passando por cima da autoridade do Congresso, são apenas o mais recente capítulo de uma perigosa trajetória em que a principal Corte do País vem se comportando algumas vezes como um Poder acima dos demais, usurpando funções exclusivas de governantes e de legisladores expressamente definidas na Constituição. A lógica que preside tal atuação é perturbadora: já que os políticos não fazem o que deles se espera, então que os magistrados o façam, para o “bem do Brasil”.
Algo semelhante apregoam os que desejam o retorno dos militares ao poder. As Forças Armadas, não obstante o regime de exceção que administraram entre 1964 e 1985, continuam a ser uma das instituições que mais desfrutam de confiança e prestígio entre os brasileiros. A imagem de incorruptíveis torna os comandantes militares especialmente talhados para ocupar, no imaginário dos radicais, o papel de salvadores do Brasil contra os corruptos, que, nessa narrativa, cumprem a função de “inimigos da pátria”.
Não se chega a esse estado de coisas à toa. A corrupção sempre existiu no Brasil, mas desde a eclosão do escândalo do mensalão o País se deu conta de que o Estado estava sendo assaltado por quadrilhas travestidas de partidos políticos. Quando se acreditava que o mensalão havia sido o ápice dessa desfaçatez, sobrevieram as impressionantes descobertas da Operação Lava Jato, e então se consolidou a sensação de que não havia desvão da administração pública a salvo da sanha dos políticos, e que o Congresso e o governo estavam tomados por meliantes, exagero que os cruzados da luta contra a corrupção trataram de disseminar.
Não se pode, diante de tudo isso, recriminar os que se sentem desiludidos com a política e desencantados com a democracia. No entanto, é preciso ponderar, antes de mais nada, que os políticos não surgem por abiogênese. Eles são escolhidos pelo voto direto, em eleições limpas e segundo regras transparentes e previamente estabelecidas. Logo, é preciso que a sociedade assuma a responsabilidade sobre suas escolhas. E essa responsabilidade, é necessário lembrar, é intransferível.
A solução autoritária oferecida pelos que pretendem destruir a democracia a pretexto de salvá-la é justamente a negação desse comprometimento. Regimes cuja autoridade é exercida por quem não teve votos, legitimando-se graças a sua suposta improbidade, são atraentes porque dispensam seus súditos de responsabilidade.
Democracias, por sua vez, exigem dos cidadãos participação ativa nas decisões políticas que os afetam, muito além do mero ato de votar. Várias vezes, ao longo de nossa história, os brasileiros aceitaram passivamente a tutela de salvadores porque lhes pareceu confortável, atrasando o amadurecimento institucional. Está na hora de mostrar que o País, finalmente, ganhou juízo. Está na hora de cada brasileiro participar, no limite de suas capacidades, do processo político que é a coroação da cidadania. Está na hora de cada brasileiro demonstrar que é capitão de seu destino.
Está na hora de cada brasileiro participar, no limite de suas capacidades, do processo político que é a coroação da cidadania
Ganha cada vez mais aceitação no País a ideia de que os políticos são tão corruptos e desinteressados dos anseios nacionais que só resta afastá-los todos – prendê-los seria melhor, para evitar que reincidam – e entregar o Executivo e o Legislativo ao controle do Judiciário ou, talvez, das Forças Armadas. Essa solução radical, segundo os que a defendem, atenderia finalmente aos reclamos dos brasileiros fartos da mendacidade dos políticos, os quais seriam incapazes de representar o povo que os elegeu. O poder, então, seria exercido por pessoas consideradas acima de qualquer suspeita, não apenas incapazes de qualquer malfeito, mas principalmente conscientes das reais necessidades do País, ao contrário dos políticos.
É assim, enamorados de saídas fáceis para questões complexas, que muitos cidadãos brasileiros – não apenas entre os apedeutas, costumeira massa a serviço do radicalismo redentor, mas também entre os que dispõem de meios de se informar – começam a admitir que a democracia seja destruída. Seria a única resposta possível para a degradação moral que atinge o País.
No caso do Judiciário, há tempos encontram respaldo popular decisões que contrariam a Constituição, mesmo no Supremo Tribunal Federal, cuja função, entre outras, é justamente guardar o texto constitucional. As ordens do Supremo para afastar políticos eleitos pelo voto direto, passando por cima da autoridade do Congresso, são apenas o mais recente capítulo de uma perigosa trajetória em que a principal Corte do País vem se comportando algumas vezes como um Poder acima dos demais, usurpando funções exclusivas de governantes e de legisladores expressamente definidas na Constituição. A lógica que preside tal atuação é perturbadora: já que os políticos não fazem o que deles se espera, então que os magistrados o façam, para o “bem do Brasil”.
Algo semelhante apregoam os que desejam o retorno dos militares ao poder. As Forças Armadas, não obstante o regime de exceção que administraram entre 1964 e 1985, continuam a ser uma das instituições que mais desfrutam de confiança e prestígio entre os brasileiros. A imagem de incorruptíveis torna os comandantes militares especialmente talhados para ocupar, no imaginário dos radicais, o papel de salvadores do Brasil contra os corruptos, que, nessa narrativa, cumprem a função de “inimigos da pátria”.
Não se chega a esse estado de coisas à toa. A corrupção sempre existiu no Brasil, mas desde a eclosão do escândalo do mensalão o País se deu conta de que o Estado estava sendo assaltado por quadrilhas travestidas de partidos políticos. Quando se acreditava que o mensalão havia sido o ápice dessa desfaçatez, sobrevieram as impressionantes descobertas da Operação Lava Jato, e então se consolidou a sensação de que não havia desvão da administração pública a salvo da sanha dos políticos, e que o Congresso e o governo estavam tomados por meliantes, exagero que os cruzados da luta contra a corrupção trataram de disseminar.
Não se pode, diante de tudo isso, recriminar os que se sentem desiludidos com a política e desencantados com a democracia. No entanto, é preciso ponderar, antes de mais nada, que os políticos não surgem por abiogênese. Eles são escolhidos pelo voto direto, em eleições limpas e segundo regras transparentes e previamente estabelecidas. Logo, é preciso que a sociedade assuma a responsabilidade sobre suas escolhas. E essa responsabilidade, é necessário lembrar, é intransferível.
A solução autoritária oferecida pelos que pretendem destruir a democracia a pretexto de salvá-la é justamente a negação desse comprometimento. Regimes cuja autoridade é exercida por quem não teve votos, legitimando-se graças a sua suposta improbidade, são atraentes porque dispensam seus súditos de responsabilidade.
Democracias, por sua vez, exigem dos cidadãos participação ativa nas decisões políticas que os afetam, muito além do mero ato de votar. Várias vezes, ao longo de nossa história, os brasileiros aceitaram passivamente a tutela de salvadores porque lhes pareceu confortável, atrasando o amadurecimento institucional. Está na hora de mostrar que o País, finalmente, ganhou juízo. Está na hora de cada brasileiro participar, no limite de suas capacidades, do processo político que é a coroação da cidadania. Está na hora de cada brasileiro demonstrar que é capitão de seu destino.
COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO
PT, PSDB E PMDB JÁ NOS TOMARAM R$158 MILHÕES
O Fundo Partidário, que só faz aumentar de valor todos os anos, pagou mais de R$ 158,3 milhões, entre janeiro e 30 de setembro deste ano, apenas aos três maiores partidos do país: PT, PSDB e PMDB. O PT do ex-presidente Lula e protagonista do maior escândalo de corrupção da História, é o maior beneficiado pelo fundo: R$ 60,2 milhões em nove meses, pouco mais de 10%. O PSDB é segundo, com R$ 49,7 milhões.
A CONTA É NOSSA
De 2007 a 2017, os partidos políticos levaram um total de mais de R$ 4 bilhões bancados pelo contribuinte brasileiro.
PMDB É 3º
O PMDB de Michel Temer e Renan Calheiros é o terceiro partido que mais recebeu verbas do Fundo Partidário: R$ 48,4 milhões.
MÃE DO FUNDÃO
Em 2015, a então presidente Dilma sancionou aumento do fundo partidário, que saltou de R$300 milhões para R$811 milhões.
OUTRAS CAUSAS
O Partido da Causa Operária recebe pouco mais de R$ 68 mil por mês do fundo. O Partido Comunista Brasileiro leva mais de R$ 91 mil/mês.
BOA NOTÍCIA: A CAMPANHA TV VAI DURAR SÓ 35 DIAS
Tem várias novidades positivas no arremedo de reforma política, aprovada no Congresso no apagar das luzes e publicada no Diário Oficial da União no último momento do prazo legal. Mas a principal delas é que a ladainha do “vote em mim”, no horário gratuito de rádio e TV, vai durar apenas 35 dias. A propaganda eleitoral ainda será longa, ninguém merece, mas já foi pior: até 2016, a campanha durava 90 dias.
JÁ É UM FILTRO...
Participarão de debates no rádio e na TV somente os candidatos de partidos que tenham um mínimo cinco deputados federais.
MÊS E MEIO
A duração total da campanha nas ruas não pode exceder os 45 dias. A essa boa notícia acrescente-se a redução de custos.
MENOS PARTIDOS
Outro aspecto positivo é a cláusula de barreira. Não é ainda o que se esperava, mas a partir da eleição de 2018 cairá o número de partidos.
PT ADOROU O FUNDÃO
Nenhum deputado federal do PT votou contra a criação do fundão eleitoral de R$1,7 bilhão, apesar dos discursos e das provocações aos adversários. Apenas Andrés Sanches (PT-SP) se absteve.
NÃO É BOA IDEIA
Caso fugisse para a Bolívia, como fez o terrorista Cesare Battisti, o ex-presidente Lula enfrentaria uma situação menos amigável que a do italiano. Já condenado, Lula seria considerado foragido da Justiça.
BOBAGEM
A Lei Eleitoral dificulta o trabalho dos marqueteiros, proibindo “efeitos especiais, computação gráfica, edições e desenhos animados” na TV. Como se recursos meramente técnicos definissem vitórias e derrotas.
RITMO DE CÂMARA
O projeto mais acessado no portal da Câmara ganhou o nº 3372 e foi apresentado em 1997, no primeiro mandato da deputada Marinha Raupp (PMDB-RO). Ela está no sexto mandato e, até agora, nada.
DESTRUIÇÃO EM MASSA
As armas nucleares são as únicas de destruição em massa ainda não proibidas. A diplomacia brasileira alegou isso, ao “costurar” o Tratado de Proibição de Armas Nucleares. O Brasil foi o primeiro a assiná-lo.
MP DO BC PLUS
Está pronta para votação na Câmara a MP 784, ampliando poderes da Comissão de Valores Mobiliários e do Banco Central, além de abrir a possibilidade de o BC fechar acordos de indecência... ops, de leniência.
SEM PREVISÃO
Está sobre a Mesa da Câmara, mas sem previsão para ser votado, um requerimento de urgência para o projeto que dá competência ao Tribunal do Júri para julgar militares em crimes dolosos contra civis.
HÁ 50 ANOS
Em 8 de outubro de 1967 era morto na Bolívia Ernesto “Che” Guevara um dos líderes da revolução cubana e autor da máxima que encantou gerações: “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”.
PERGUNTAR NÃO PRENDE
Por que José Dirceu ainda está solto, frequentando shows e shoppings, apesar da condenação confirmada em segunda instância?
O Fundo Partidário, que só faz aumentar de valor todos os anos, pagou mais de R$ 158,3 milhões, entre janeiro e 30 de setembro deste ano, apenas aos três maiores partidos do país: PT, PSDB e PMDB. O PT do ex-presidente Lula e protagonista do maior escândalo de corrupção da História, é o maior beneficiado pelo fundo: R$ 60,2 milhões em nove meses, pouco mais de 10%. O PSDB é segundo, com R$ 49,7 milhões.
A CONTA É NOSSA
De 2007 a 2017, os partidos políticos levaram um total de mais de R$ 4 bilhões bancados pelo contribuinte brasileiro.
PMDB É 3º
O PMDB de Michel Temer e Renan Calheiros é o terceiro partido que mais recebeu verbas do Fundo Partidário: R$ 48,4 milhões.
MÃE DO FUNDÃO
Em 2015, a então presidente Dilma sancionou aumento do fundo partidário, que saltou de R$300 milhões para R$811 milhões.
OUTRAS CAUSAS
O Partido da Causa Operária recebe pouco mais de R$ 68 mil por mês do fundo. O Partido Comunista Brasileiro leva mais de R$ 91 mil/mês.
BOA NOTÍCIA: A CAMPANHA TV VAI DURAR SÓ 35 DIAS
Tem várias novidades positivas no arremedo de reforma política, aprovada no Congresso no apagar das luzes e publicada no Diário Oficial da União no último momento do prazo legal. Mas a principal delas é que a ladainha do “vote em mim”, no horário gratuito de rádio e TV, vai durar apenas 35 dias. A propaganda eleitoral ainda será longa, ninguém merece, mas já foi pior: até 2016, a campanha durava 90 dias.
JÁ É UM FILTRO...
Participarão de debates no rádio e na TV somente os candidatos de partidos que tenham um mínimo cinco deputados federais.
MÊS E MEIO
A duração total da campanha nas ruas não pode exceder os 45 dias. A essa boa notícia acrescente-se a redução de custos.
MENOS PARTIDOS
Outro aspecto positivo é a cláusula de barreira. Não é ainda o que se esperava, mas a partir da eleição de 2018 cairá o número de partidos.
PT ADOROU O FUNDÃO
Nenhum deputado federal do PT votou contra a criação do fundão eleitoral de R$1,7 bilhão, apesar dos discursos e das provocações aos adversários. Apenas Andrés Sanches (PT-SP) se absteve.
NÃO É BOA IDEIA
Caso fugisse para a Bolívia, como fez o terrorista Cesare Battisti, o ex-presidente Lula enfrentaria uma situação menos amigável que a do italiano. Já condenado, Lula seria considerado foragido da Justiça.
BOBAGEM
A Lei Eleitoral dificulta o trabalho dos marqueteiros, proibindo “efeitos especiais, computação gráfica, edições e desenhos animados” na TV. Como se recursos meramente técnicos definissem vitórias e derrotas.
RITMO DE CÂMARA
O projeto mais acessado no portal da Câmara ganhou o nº 3372 e foi apresentado em 1997, no primeiro mandato da deputada Marinha Raupp (PMDB-RO). Ela está no sexto mandato e, até agora, nada.
DESTRUIÇÃO EM MASSA
As armas nucleares são as únicas de destruição em massa ainda não proibidas. A diplomacia brasileira alegou isso, ao “costurar” o Tratado de Proibição de Armas Nucleares. O Brasil foi o primeiro a assiná-lo.
MP DO BC PLUS
Está pronta para votação na Câmara a MP 784, ampliando poderes da Comissão de Valores Mobiliários e do Banco Central, além de abrir a possibilidade de o BC fechar acordos de indecência... ops, de leniência.
SEM PREVISÃO
Está sobre a Mesa da Câmara, mas sem previsão para ser votado, um requerimento de urgência para o projeto que dá competência ao Tribunal do Júri para julgar militares em crimes dolosos contra civis.
HÁ 50 ANOS
Em 8 de outubro de 1967 era morto na Bolívia Ernesto “Che” Guevara um dos líderes da revolução cubana e autor da máxima que encantou gerações: “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás”.
PERGUNTAR NÃO PRENDE
Por que José Dirceu ainda está solto, frequentando shows e shoppings, apesar da condenação confirmada em segunda instância?
STF moderador, ou imperial? - ROBERTO ROMANO
ESTADÃO - 08/10
Se ele for considerado acima dos outros Poderes, teremos 11 mandarins onipotentes
Nas guerrilhas praticadas pelos Poderes nacionais, analistas indicam o Supremo Tribunal Federal (STF) como força moderadora a ser usada em proveito do Estado. Em debate na televisão e em artigo aqui publicado, o dr. Carlos Velloso invocou aquele alvo do Supremo (Uma decisão surpreendente, 29/9). Aceito as razões do prudente especialista, mas noto algo que não pode ser demoradamente discutido, pois a mídia é focada no hic et nunc. Trata-se do caráter atribuído à forma moderadora da Suprema Corte, iniciativa cuja origem vem de Benjamin Constant. Aquele liberal assistiu ao abuso do Poder Legislativo durante a Revolução Francesa – o que levou à ditadura jacobina – e seguiu o arbítrio do Poder Executivo, sob Napoleão. Para evitar hegemonias desastrosas no Estado, o teórico francês imaginou um sistema de freios que designou como Poder Moderador.
O referido poder deveria agir em defesa das instituições estatais, cuja garantia se encontra na guarda da Constituição. Os estudiosos conhecem as vertentes opostas no século 20 sobre o tema, Hans Kelsen e a tese de uma Corte constitucional como zeladora da Carta Magna e Carl Schmitt, que atribui tal múnus ao presidente do Reich. Existe algo em comum nas proposições: a moderação marcaria um Poder neutro, não superior ou inferior aos demais. A fonte comum da doutrina também se localiza em Benjamin Constant. O rei seria capaz de moderar os Poderes por representar uma potência neutra. No Curso de Política Constitucional (1818-1820) o monarca garante o equilíbrio e a independência dos setores, em caso de choques. “Os poderes políticos”, diz ele, “tal como os conhecemos até hoje, o Executivo, o Legislativo e Judiciário, são três molas que devem cooperar, cada uma em sua parte, para o movimento geral; mas quando aquelas molas desajustadas se cruzam, se entrechocam e se entravam, é preciso uma força que as coloque em seu lugar. Tal força não pode residir numa das molas, pois serviria para destruir as outras; é preciso que ela seja externa, neutra, de algum modo, para que sua operação seja preservadora e reparadora, sem ser hostil. O rei está no meio dos três Poderes, autoridade neutra e intermediária, sem nenhum interesse em desmontar o equilíbrio e tendo, ao contrário, todo o interesse em mantê-lo.” Notemos o sabor mecânico do trecho, inspirado no relógio posto por Hobbes, no Leviatã, para o controle geral do Estado.
O Império brasileiro traiu a proposta do teórico francês. Na gênese do nosso Estado o conflito dos Poderes foi “resolvido” e, ao mesmo tempo, afastadas as ameaças da soberania popular, afirmada nas Revoluções Inglesa, Norte-americana, Francesa: o Poder Moderador cumpriu esse papel. Segundo o nada liberal Guizot, “toda atribuição de soberania de direito a uma força humana qualquer é radicalmente falsa e perigosa. Donde a necessidade da limitação de todos os Poderes, quaisquer que sejam seus nomes e formas; daí a radical ilegitimidade de todo poder absoluto, qualquer que seja a sua origem, conquista, herança ou eleição”. Segue Guizot: “Abri o livro em que o sr. Benjamin Constant tão engenhosamente representou a realeza como Poder neutro, moderador, elevado acima dos acidentes, das lutas sociais, e que só age nas grandes crises. Esta não seria, por assim dizer, a atitude do soberano de direito no governo? É preciso que haja na ideia algo próprio a mover os espíritos, pois ela passou com uma rapidez singular dos livros para os fatos. Um soberano dela fez, na Constituição do Brasil, a base de seu trono; a realeza é representada como Poder Moderador elevado acima dos Poderes ativos, com espectador e juiz”.
Foi lançada por Guizot a palavra perigosa, “acima”, vocábulo inexistente no argumento liberal. Vejamos a Constituição de 1824. Dom Pedro, “por graça de Deos”, exerce o Poder Moderador, “chave de toda organização política” e delegado privativamente ao príncipe, cuja pessoa é inviolável e sagrada, não sujeita a responsabilidade alguma. Nada é dito sobre a neutralidade daquele Poder. Os pontos seguintes definem seu âmbito de ação sobre todo o mecanismo estatal. De modo dissimulado renasce o absolutismo da monarquia, incluindo aí a irresponsabilidade, negação da accountability democrática instaurada nas Revoluções Inglesa, Norte-americana, Francesa. Bem ao contrário do ideado pelo jurista francês, o lado moderador é posto acima dos demais Poderes, não sendo definido como neutro.
Muito se idealizou o tal mando ao longo da história política nacional. Mesmo figuras venerandas, como o cardeal Arns, um democrata sem jaça, em instantes de perigo evocou o papel do Exército como Poder Moderador. Em entrevista coletiva, na posse do bispo de Barretos, presente o general Gustavo Moraes Rego Reis, disse o prelado: “Os militares devem ter uma saída honrosa. O Exército deve ser a salvaguarda da Constituição. Deve ser o Poder Moderador do Brasil. Nós todos temos um respeito enorme por aqueles que oferecem sua vida por nós. Mas também achamos que é hora da democracia, a hora da volta ao Estado de Direito”. O ideário evocado pelo grande antístite em 1974 regulava muitas mentes, da militar à universitária, como na exposição do brasilianista Alfred Stepan.
Ao atribuir ao Supremo a função de Poder Moderador, muito deve ser posto na balança, tendo em vista a gênese de nosso Estado. Existem coisas que, por não terem sido conhecidas, ressurgem hoje ou amanhã. Se o STF for considerado “moderador” acima dos outros Poderes, temos o retorno, sob outro nome, da desastrosa prática imperial. Em vez de um monarca, teremos 11 mandarins onipotentes. Se as Forças Armadas assumem o papel de “moderar” o País, elas sofrem divisões que novamente as enfraquecerão, interna e extra corporis. Mas para pensar é preciso lento estudo, cautelosa reflexão, elementos que faltam hoje na mídia, nas universidades, nos partidos e nas igrejas. Da pressa vem o fechamento das portas políticas, as fáceis soluções da força física ou demagógica, da ditadura em lugar da política.
*PROFESSOR DA UNICAMP, É AUTOR DE ‘RAZÃO DE ESTADO E OUTROS ESTADOS DA RAZÃO’
Se ele for considerado acima dos outros Poderes, teremos 11 mandarins onipotentes
Nas guerrilhas praticadas pelos Poderes nacionais, analistas indicam o Supremo Tribunal Federal (STF) como força moderadora a ser usada em proveito do Estado. Em debate na televisão e em artigo aqui publicado, o dr. Carlos Velloso invocou aquele alvo do Supremo (Uma decisão surpreendente, 29/9). Aceito as razões do prudente especialista, mas noto algo que não pode ser demoradamente discutido, pois a mídia é focada no hic et nunc. Trata-se do caráter atribuído à forma moderadora da Suprema Corte, iniciativa cuja origem vem de Benjamin Constant. Aquele liberal assistiu ao abuso do Poder Legislativo durante a Revolução Francesa – o que levou à ditadura jacobina – e seguiu o arbítrio do Poder Executivo, sob Napoleão. Para evitar hegemonias desastrosas no Estado, o teórico francês imaginou um sistema de freios que designou como Poder Moderador.
O referido poder deveria agir em defesa das instituições estatais, cuja garantia se encontra na guarda da Constituição. Os estudiosos conhecem as vertentes opostas no século 20 sobre o tema, Hans Kelsen e a tese de uma Corte constitucional como zeladora da Carta Magna e Carl Schmitt, que atribui tal múnus ao presidente do Reich. Existe algo em comum nas proposições: a moderação marcaria um Poder neutro, não superior ou inferior aos demais. A fonte comum da doutrina também se localiza em Benjamin Constant. O rei seria capaz de moderar os Poderes por representar uma potência neutra. No Curso de Política Constitucional (1818-1820) o monarca garante o equilíbrio e a independência dos setores, em caso de choques. “Os poderes políticos”, diz ele, “tal como os conhecemos até hoje, o Executivo, o Legislativo e Judiciário, são três molas que devem cooperar, cada uma em sua parte, para o movimento geral; mas quando aquelas molas desajustadas se cruzam, se entrechocam e se entravam, é preciso uma força que as coloque em seu lugar. Tal força não pode residir numa das molas, pois serviria para destruir as outras; é preciso que ela seja externa, neutra, de algum modo, para que sua operação seja preservadora e reparadora, sem ser hostil. O rei está no meio dos três Poderes, autoridade neutra e intermediária, sem nenhum interesse em desmontar o equilíbrio e tendo, ao contrário, todo o interesse em mantê-lo.” Notemos o sabor mecânico do trecho, inspirado no relógio posto por Hobbes, no Leviatã, para o controle geral do Estado.
O Império brasileiro traiu a proposta do teórico francês. Na gênese do nosso Estado o conflito dos Poderes foi “resolvido” e, ao mesmo tempo, afastadas as ameaças da soberania popular, afirmada nas Revoluções Inglesa, Norte-americana, Francesa: o Poder Moderador cumpriu esse papel. Segundo o nada liberal Guizot, “toda atribuição de soberania de direito a uma força humana qualquer é radicalmente falsa e perigosa. Donde a necessidade da limitação de todos os Poderes, quaisquer que sejam seus nomes e formas; daí a radical ilegitimidade de todo poder absoluto, qualquer que seja a sua origem, conquista, herança ou eleição”. Segue Guizot: “Abri o livro em que o sr. Benjamin Constant tão engenhosamente representou a realeza como Poder neutro, moderador, elevado acima dos acidentes, das lutas sociais, e que só age nas grandes crises. Esta não seria, por assim dizer, a atitude do soberano de direito no governo? É preciso que haja na ideia algo próprio a mover os espíritos, pois ela passou com uma rapidez singular dos livros para os fatos. Um soberano dela fez, na Constituição do Brasil, a base de seu trono; a realeza é representada como Poder Moderador elevado acima dos Poderes ativos, com espectador e juiz”.
Foi lançada por Guizot a palavra perigosa, “acima”, vocábulo inexistente no argumento liberal. Vejamos a Constituição de 1824. Dom Pedro, “por graça de Deos”, exerce o Poder Moderador, “chave de toda organização política” e delegado privativamente ao príncipe, cuja pessoa é inviolável e sagrada, não sujeita a responsabilidade alguma. Nada é dito sobre a neutralidade daquele Poder. Os pontos seguintes definem seu âmbito de ação sobre todo o mecanismo estatal. De modo dissimulado renasce o absolutismo da monarquia, incluindo aí a irresponsabilidade, negação da accountability democrática instaurada nas Revoluções Inglesa, Norte-americana, Francesa. Bem ao contrário do ideado pelo jurista francês, o lado moderador é posto acima dos demais Poderes, não sendo definido como neutro.
Muito se idealizou o tal mando ao longo da história política nacional. Mesmo figuras venerandas, como o cardeal Arns, um democrata sem jaça, em instantes de perigo evocou o papel do Exército como Poder Moderador. Em entrevista coletiva, na posse do bispo de Barretos, presente o general Gustavo Moraes Rego Reis, disse o prelado: “Os militares devem ter uma saída honrosa. O Exército deve ser a salvaguarda da Constituição. Deve ser o Poder Moderador do Brasil. Nós todos temos um respeito enorme por aqueles que oferecem sua vida por nós. Mas também achamos que é hora da democracia, a hora da volta ao Estado de Direito”. O ideário evocado pelo grande antístite em 1974 regulava muitas mentes, da militar à universitária, como na exposição do brasilianista Alfred Stepan.
Ao atribuir ao Supremo a função de Poder Moderador, muito deve ser posto na balança, tendo em vista a gênese de nosso Estado. Existem coisas que, por não terem sido conhecidas, ressurgem hoje ou amanhã. Se o STF for considerado “moderador” acima dos outros Poderes, temos o retorno, sob outro nome, da desastrosa prática imperial. Em vez de um monarca, teremos 11 mandarins onipotentes. Se as Forças Armadas assumem o papel de “moderar” o País, elas sofrem divisões que novamente as enfraquecerão, interna e extra corporis. Mas para pensar é preciso lento estudo, cautelosa reflexão, elementos que faltam hoje na mídia, nas universidades, nos partidos e nas igrejas. Da pressa vem o fechamento das portas políticas, as fáceis soluções da força física ou demagógica, da ditadura em lugar da política.
*PROFESSOR DA UNICAMP, É AUTOR DE ‘RAZÃO DE ESTADO E OUTROS ESTADOS DA RAZÃO’
Feliz Ano Novo - MARCOS LISBOA
FOLHA DE SSP - 08/10
O Rio de Janeiro da minha infância mesclava o seu generoso espaço público, que habitávamos como se fosse a nossa sala de visitas, com a crescente violência e a desorganização da política pública entremeada pela corrupção.
A impressionante paisagem, com os morros cercando o entorno da Lagoa, dos parques e das praias, atraía-nos para fora de casa. O amplo mobiliário urbano, herdado dos tempos de capital, com as calçadas largas invadidas pelas mesas e cadeiras dos botequins e lanchonetes, e os muitos dias de sol e de calor convidavam-nos ao convívio social na cidade onde ainda era raro o ar-condicionado.
A violência era igualmente parte do cotidiano. Levávamos o dinheiro do assalto ao ir de ônibus para a escola ou para a praia. Evitávamos atravessar o Jardim de Alá, sabedores dos roubos frequentes.
Esse Rio era repleto de contradições. Encantava-nos o samba e o choro e achávamo-nos livres de preconceito. No entanto, descuidávamos da infraestrutura nas muitas favelas e da educação para a maioria.
O descaso cobrou seu preço. Para agravar, a simpatia carioca tratou a política pública com paternalismo. Os governos dos anos 1980 interpretaram o cuidado com a segurança como herança da ditadura, e liberaram o comércio ilegal ao mesmo tempo em que não enfrentaram de forma eficaz o acesso à escola e ao saneamento.
A política incompetente, em um país que vivia uma grave crise econômica, resultou na deterioração do espaço urbano e na piora da violência.
Como ocorreu com o Brasil, o Rio de Janeiro iniciou um resgate com a normalidade a partir de meados dos anos 1990. Os homicídios caíram de 69 por 100 mil habitantes, em 1995, para 24, em 2012.
Esse resgate terminou e a culpa foi exclusivamente nossa.
Nos tempos de euforia, contratamos muitos servidores e concedemos expressivos aumentos salariais, apesar dos alertas de que o gasto com a folha de pagamentos, incluindo a Previdência dos servidores, levaria ao colapso das contas públicas.
Quando a profecia se realizou, no começo desta década, optamos por medidas paliativas, como a venda dos royalties do petróleo ou o uso de depósitos compulsórios para pagar as despesas. Vendemos as joias para pagar os salários. As joias se foram, a despesa continua.
A fragilidade fiscal resultou no retrocesso da política pública, da segurança à educação. O resultado é a dramática degradação do Rio.
O Brasil distribuiu imensas benesses para a segunda cidade mais rica de um país com tanta pobreza. Desperdiçamos.
O risco é resgatar "Feliz Ano Novo", talvez o melhor livro de Rubem Fonseca, em que a celebração termina com violência desenfreada, sem ordem e sem razão.
O Rio de Janeiro da minha infância mesclava o seu generoso espaço público, que habitávamos como se fosse a nossa sala de visitas, com a crescente violência e a desorganização da política pública entremeada pela corrupção.
A impressionante paisagem, com os morros cercando o entorno da Lagoa, dos parques e das praias, atraía-nos para fora de casa. O amplo mobiliário urbano, herdado dos tempos de capital, com as calçadas largas invadidas pelas mesas e cadeiras dos botequins e lanchonetes, e os muitos dias de sol e de calor convidavam-nos ao convívio social na cidade onde ainda era raro o ar-condicionado.
A violência era igualmente parte do cotidiano. Levávamos o dinheiro do assalto ao ir de ônibus para a escola ou para a praia. Evitávamos atravessar o Jardim de Alá, sabedores dos roubos frequentes.
Esse Rio era repleto de contradições. Encantava-nos o samba e o choro e achávamo-nos livres de preconceito. No entanto, descuidávamos da infraestrutura nas muitas favelas e da educação para a maioria.
O descaso cobrou seu preço. Para agravar, a simpatia carioca tratou a política pública com paternalismo. Os governos dos anos 1980 interpretaram o cuidado com a segurança como herança da ditadura, e liberaram o comércio ilegal ao mesmo tempo em que não enfrentaram de forma eficaz o acesso à escola e ao saneamento.
A política incompetente, em um país que vivia uma grave crise econômica, resultou na deterioração do espaço urbano e na piora da violência.
Como ocorreu com o Brasil, o Rio de Janeiro iniciou um resgate com a normalidade a partir de meados dos anos 1990. Os homicídios caíram de 69 por 100 mil habitantes, em 1995, para 24, em 2012.
Esse resgate terminou e a culpa foi exclusivamente nossa.
Nos tempos de euforia, contratamos muitos servidores e concedemos expressivos aumentos salariais, apesar dos alertas de que o gasto com a folha de pagamentos, incluindo a Previdência dos servidores, levaria ao colapso das contas públicas.
Quando a profecia se realizou, no começo desta década, optamos por medidas paliativas, como a venda dos royalties do petróleo ou o uso de depósitos compulsórios para pagar as despesas. Vendemos as joias para pagar os salários. As joias se foram, a despesa continua.
A fragilidade fiscal resultou no retrocesso da política pública, da segurança à educação. O resultado é a dramática degradação do Rio.
O Brasil distribuiu imensas benesses para a segunda cidade mais rica de um país com tanta pobreza. Desperdiçamos.
O risco é resgatar "Feliz Ano Novo", talvez o melhor livro de Rubem Fonseca, em que a celebração termina com violência desenfreada, sem ordem e sem razão.
Armados até os dentes - ELIANE CANTANHÊDE
ESTADÃO - 08/10
Decisão do STF na quarta é sobre impunidade e equilíbrio entre Poderes
O julgamento do Supremo na próxima quarta-feira, dia 11, vai muito além de definir se pode isso ou aquilo contra o senador tucano Aécio Neves porque estabelecerá limites para punições impostas pela alta corte a políticos com mandato e limites para a reação do Congresso. O que está em jogo é, de um lado, a impunidade dos políticos; de outro, o equilíbrio entre Poderes diante da corrupção.
Em três anos e meio, a Lava Jato jogou atrás das grades empreiteiros, executivos da Petrobrás, doleiros, políticos sem mandato e, agora, os maiores produtores de carnes do mundo. Quem falta? Deputados e senadores alvos de inquérito, inclusive os campeões Renan Calheiros, Romero Jucá e o próprio Aécio Neves. Critica-se a PGR e a Lava Jato, bloqueiam-se valores e bens de Joesley e Wesley Batista, toma-se partido na crise entre STF e Senado, mas decidir sobre esses processos, nada...
As exceções foram Eduardo Cunha e Delcídio do Amaral. O Supremo retirou a presidência e o mandato de Cunha por atrapalhar as investigações, e a Câmara ratificou a decisão. Delcídio, primeiro senador preso desde a redemocratização, foi gravado acertando R$ 50 mil e rotas de fuga para evitar uma delação e caiu com base na Constituição, que só prevê prisão para senadores por flagrante delito inafiançável.
Ficou nisso. E é assim que a decisão de quarta tem um peso enorme e divide corações, mentes e leituras dos onze ministros do STF, ao definir regras e ritmo para as punições a deputados e senadores. Em pauta, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a possibilidade de o Congresso rever, em até 24 horas, qualquer medida liminar contra congressistas que não seja prisão.
Pela Constituição, os plenários da Câmara e Senado precisam autorizar a prisão de um de seus membros decretada pela Justiça. E as medidas que não sejam prisão, como o afastamento do mandato e o “recolhimento noturno”, que foram aplicados a Aécio pela Primeira Turma do STF, estão previstas no Código do Processo Penal?
O Senado está armado até os dentes, mas adiou o confronto com o Supremo para depois da decisão, enquanto os presidentes Eunício Oliveira e Cármen Lúcia atuam diplomaticamente para evitar a guerra. Prever julgamentos no Supremo é temerário, porque, por trás das lentes que interpretam a letra fria da lei, há homens e mulheres de carne e osso, com suas ideologias, crenças, escolas de Direito, mas vale projetar resultados.
Os três da Primeira Turma que impuseram o afastamento e a prisão domiciliar noturna de Aécio – Luis Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux – votarão, pelo óbvio, contra a Adin e o poder dos plenários da Câmara e do Senado de derrubarem medidas cautelares diversas da prisão. Eles devem ter o reforço de Edson Fachin.
No lado oposto estão Marco Aurélio e Gilmar Mendes, que já deram declarações públicas, e Alexandre de Moraes, que votou contra as penas de Aécio na Primeira Turma. Pelo alinhamento no STF, a eles podem se somar Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.
Dá quatro a cinco e a expectativa é de que a decisão caia no colo do decano Celso de Mello, um “garantista” que não demonstra preferências ideológicas e tem votos muito técnicos, e de Cármen Lúcia, que agrega ao papel de juíza uma enorme responsabilidade institucional.
Se o STF decidir que pode usar o Código do Processo Penal para afastar e decretar prisão domiciliar de senadores e deputados, o Congresso vai reagir à bala. Se decidir que não, que está mantido princípio de prisão só por crime inafiançável e flagrante delito, o Congresso recolhe as armas, mas a opinião pública vai à luta: até quando os campeões Renan, Jucá e Aécio continuarão impunes? A guerra, portanto, continua.
Decisão do STF na quarta é sobre impunidade e equilíbrio entre Poderes
O julgamento do Supremo na próxima quarta-feira, dia 11, vai muito além de definir se pode isso ou aquilo contra o senador tucano Aécio Neves porque estabelecerá limites para punições impostas pela alta corte a políticos com mandato e limites para a reação do Congresso. O que está em jogo é, de um lado, a impunidade dos políticos; de outro, o equilíbrio entre Poderes diante da corrupção.
Em três anos e meio, a Lava Jato jogou atrás das grades empreiteiros, executivos da Petrobrás, doleiros, políticos sem mandato e, agora, os maiores produtores de carnes do mundo. Quem falta? Deputados e senadores alvos de inquérito, inclusive os campeões Renan Calheiros, Romero Jucá e o próprio Aécio Neves. Critica-se a PGR e a Lava Jato, bloqueiam-se valores e bens de Joesley e Wesley Batista, toma-se partido na crise entre STF e Senado, mas decidir sobre esses processos, nada...
As exceções foram Eduardo Cunha e Delcídio do Amaral. O Supremo retirou a presidência e o mandato de Cunha por atrapalhar as investigações, e a Câmara ratificou a decisão. Delcídio, primeiro senador preso desde a redemocratização, foi gravado acertando R$ 50 mil e rotas de fuga para evitar uma delação e caiu com base na Constituição, que só prevê prisão para senadores por flagrante delito inafiançável.
Ficou nisso. E é assim que a decisão de quarta tem um peso enorme e divide corações, mentes e leituras dos onze ministros do STF, ao definir regras e ritmo para as punições a deputados e senadores. Em pauta, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre a possibilidade de o Congresso rever, em até 24 horas, qualquer medida liminar contra congressistas que não seja prisão.
Pela Constituição, os plenários da Câmara e Senado precisam autorizar a prisão de um de seus membros decretada pela Justiça. E as medidas que não sejam prisão, como o afastamento do mandato e o “recolhimento noturno”, que foram aplicados a Aécio pela Primeira Turma do STF, estão previstas no Código do Processo Penal?
O Senado está armado até os dentes, mas adiou o confronto com o Supremo para depois da decisão, enquanto os presidentes Eunício Oliveira e Cármen Lúcia atuam diplomaticamente para evitar a guerra. Prever julgamentos no Supremo é temerário, porque, por trás das lentes que interpretam a letra fria da lei, há homens e mulheres de carne e osso, com suas ideologias, crenças, escolas de Direito, mas vale projetar resultados.
Os três da Primeira Turma que impuseram o afastamento e a prisão domiciliar noturna de Aécio – Luis Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux – votarão, pelo óbvio, contra a Adin e o poder dos plenários da Câmara e do Senado de derrubarem medidas cautelares diversas da prisão. Eles devem ter o reforço de Edson Fachin.
No lado oposto estão Marco Aurélio e Gilmar Mendes, que já deram declarações públicas, e Alexandre de Moraes, que votou contra as penas de Aécio na Primeira Turma. Pelo alinhamento no STF, a eles podem se somar Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli.
Dá quatro a cinco e a expectativa é de que a decisão caia no colo do decano Celso de Mello, um “garantista” que não demonstra preferências ideológicas e tem votos muito técnicos, e de Cármen Lúcia, que agrega ao papel de juíza uma enorme responsabilidade institucional.
Se o STF decidir que pode usar o Código do Processo Penal para afastar e decretar prisão domiciliar de senadores e deputados, o Congresso vai reagir à bala. Se decidir que não, que está mantido princípio de prisão só por crime inafiançável e flagrante delito, o Congresso recolhe as armas, mas a opinião pública vai à luta: até quando os campeões Renan, Jucá e Aécio continuarão impunes? A guerra, portanto, continua.
Quais os rumos do País? - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
ESTADÃO/O GLOBO - 08/10
Se não organizarmos já um polo democrático, podemos ver no poder quem não sabe usá-lo
Quando ainda estava na Presidência, eu dizia que o Brasil precisava ter rumos e tratava de apontá-los. Nesta quadra tormentosa do mundo, cheia de dificuldades internas, sente-se a falta que faz ver os rumos que tomaremos.
Com o fim da guerra fria, simbolizado pela queda do Muro de Berlim, em 1989, tornou-se visível o predomínio dos Estados Unidos. Desde antes do final da guerra fria, por paradoxal que pareça, em pleno governo Nixon – do qual Henry Kissinger era o grande estrategista – começou uma aproximação do mundo ocidental com a China. Com a morte de Mao Tsé-tung e a ascensão de Deng Xiaoping, os chineses puseram-se a introduzir reformas econômicas. Iniciaram assim, ao final dos anos 1970, um período de extraordinário crescimento. A partir da virada do século passado, o peso cada vez maior da China na economia global tornou-se evidente. No plano geopolítico, porém, os chineses buscaram deliberadamente uma ascensão pacífica, escapando à “armadilha de Tucídides” (a de que haverá guerra sempre que uma nova potência tentar deslocar a dominante).
Enquanto a China não mostrava todo o seu potencial econômico e político, tinha-se a impressão de que o mundo havia encontrado um equilíbrio duradouro, sob a Pax Americana. A Europa se integrava, os Estados Unidos e boa parte da América Latina se beneficiavam do comércio com a China e a África aos poucos passava a consolidar a formação de seus Estados nacionais. As antigas superpotências, Alemanha e Japão, desde o fim da 2.ª Guerra Mundial haviam adotado a “visão democrático-ocidental”. No início do século 21 apenas a antiga União Soviética, transmutada em República Russa, ainda era objeto de receios militares por parte das alianças entre os países que formaram a Otan. Como ponto de inquietação restava o mundo árabe-muçulmano.
Na atualidade, o quadro internacional é bem diferente. Com a “diplomacia” adotada por Trump, a Coreia do Norte desenvolvendo armas atômicas, as novas ambições da Rússia, as tensões nos mares da China e o terrorismo, há temores quanto ao que virá pela frente. Os japoneses veem mísseis atômicos coreanos passar sobre sua cabeça, os chineses fazem-se de adormecidos, o Reino Unido sai da União Europeia, os russos abocanham a Crimeia e os americanos vão esquecendo o Acordo Transpacífico (TPP, ou Trans Pacific Partnership Agreement), abrindo espaço à expansão da influência dos chineses na Ásia e deixando perplexos os sul-americanos que faziam apostas no TPP. Também perplexos estão os mexicanos, ameaçados pela dissolução do Nafta, outro dos alvos de Trump. A inquietação americana pode aumentar pelas consequências da política chinesa de construir uma nova rota da seda, ligando a China à Europa através da Ásia e do Oriente Médio, bem como pela aproximação entre Pequim e Moscou.
É neste quadro oscilante que o Brasil precisa definir seus rumos. Toda vez que existem fraturas entre os grandes do mundo se abrem brechas para as “potências emergentes”. Há oportunidades para exercermos um papel político e há caminhos econômicos que se abrem. Não estamos atados a alianças automáticas e, a despeito de nossas crises políticas, nossos erros e dificuldades, estamos num patamar econômico mais elevado que no tempo da guerra fria: criamos uma agricultura moderna, somos o país mais industrializado da América Latina e avançamos nos setores modernos de serviços, especialmente nos de comunicação e financeiros. Podemos pesar no mundo sem arrogância, reforçando as relações políticas e econômicas com nossos vizinhos e demais parceiros latino-americanos.
Entretanto, nossas desigualdades gritantes são como pés de chumbo para a formação de uma sociedade decente, condição para o exercício de qualquer liderança. As carências na oferta de emprego, saúde, educação, moradia e segurança pública ainda são obstáculos a superar.
Pelo que já fizemos, pelo muito que falta fazer e pelas oportunidades que existem, há certa angústia nas pessoas. A confusão política, o descrédito de lideranças e partidos, se expressa na falta de rumos. A opinião pública apoia os esforços de moralização simbolizados pela Lava Jato, mas quer mais. Quer soluções para as questões sociais básicas, e também para os desafios da política, que precisam ser superados, caso contrário o crescimento da economia continuará baixo e a situação social se tornará insustentável. O Congresso, por fim, aprovou uma “lei de barreira” e o fim das coligações nas eleições proporcionais. Foram passos tímidos, na forma como aprovados, mas importantes para o futuro, pois levarão à redução do número de partidos, com o que se poderá obter maior governabilidade e talvez menos corrupção.
Entretanto, quem são os líderes com a lanterna na proa, e não na popa? A crer nas pesquisas de opinião, os políticos mais cotados para vencer as eleições em 2018 mais parecem um repeteco do que inovação, embora haja entre alguns que estão na rabeira das pesquisas quem possa ter posições mais condizentes com o momento. E boas novidades podem emergir. Alguns dos que estão à frente ainda insistem em suas glórias passadas para que nos esqueçamos de seus tormentos recentes, e pouco dizem sobre como farão para alcançar no futuro os objetivos que eventualmente venham a propor.
Se não organizarmos rapidamente um polo democrático (contra a direita política, que mostra suas garras), que não insista em “utopias regressivas” (como faz boa parte das esquerdas), que entenda que o mundo contemporâneo tem base técnico-científica em crescimento exponencial e exige, portanto, educação de qualidade, que seja popular, e não populista, que fale de forma simples e direta dos assuntos da vida cotidiana das pessoas, corremos o risco de ver no poder quem dele não sabe fazer uso ou o faz para proveito próprio. E nos arriscamos a perder as oportunidades que a História nos está abrindo para ter rumo definido.
*SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA.
Se não organizarmos já um polo democrático, podemos ver no poder quem não sabe usá-lo
Quando ainda estava na Presidência, eu dizia que o Brasil precisava ter rumos e tratava de apontá-los. Nesta quadra tormentosa do mundo, cheia de dificuldades internas, sente-se a falta que faz ver os rumos que tomaremos.
Com o fim da guerra fria, simbolizado pela queda do Muro de Berlim, em 1989, tornou-se visível o predomínio dos Estados Unidos. Desde antes do final da guerra fria, por paradoxal que pareça, em pleno governo Nixon – do qual Henry Kissinger era o grande estrategista – começou uma aproximação do mundo ocidental com a China. Com a morte de Mao Tsé-tung e a ascensão de Deng Xiaoping, os chineses puseram-se a introduzir reformas econômicas. Iniciaram assim, ao final dos anos 1970, um período de extraordinário crescimento. A partir da virada do século passado, o peso cada vez maior da China na economia global tornou-se evidente. No plano geopolítico, porém, os chineses buscaram deliberadamente uma ascensão pacífica, escapando à “armadilha de Tucídides” (a de que haverá guerra sempre que uma nova potência tentar deslocar a dominante).
Enquanto a China não mostrava todo o seu potencial econômico e político, tinha-se a impressão de que o mundo havia encontrado um equilíbrio duradouro, sob a Pax Americana. A Europa se integrava, os Estados Unidos e boa parte da América Latina se beneficiavam do comércio com a China e a África aos poucos passava a consolidar a formação de seus Estados nacionais. As antigas superpotências, Alemanha e Japão, desde o fim da 2.ª Guerra Mundial haviam adotado a “visão democrático-ocidental”. No início do século 21 apenas a antiga União Soviética, transmutada em República Russa, ainda era objeto de receios militares por parte das alianças entre os países que formaram a Otan. Como ponto de inquietação restava o mundo árabe-muçulmano.
Na atualidade, o quadro internacional é bem diferente. Com a “diplomacia” adotada por Trump, a Coreia do Norte desenvolvendo armas atômicas, as novas ambições da Rússia, as tensões nos mares da China e o terrorismo, há temores quanto ao que virá pela frente. Os japoneses veem mísseis atômicos coreanos passar sobre sua cabeça, os chineses fazem-se de adormecidos, o Reino Unido sai da União Europeia, os russos abocanham a Crimeia e os americanos vão esquecendo o Acordo Transpacífico (TPP, ou Trans Pacific Partnership Agreement), abrindo espaço à expansão da influência dos chineses na Ásia e deixando perplexos os sul-americanos que faziam apostas no TPP. Também perplexos estão os mexicanos, ameaçados pela dissolução do Nafta, outro dos alvos de Trump. A inquietação americana pode aumentar pelas consequências da política chinesa de construir uma nova rota da seda, ligando a China à Europa através da Ásia e do Oriente Médio, bem como pela aproximação entre Pequim e Moscou.
É neste quadro oscilante que o Brasil precisa definir seus rumos. Toda vez que existem fraturas entre os grandes do mundo se abrem brechas para as “potências emergentes”. Há oportunidades para exercermos um papel político e há caminhos econômicos que se abrem. Não estamos atados a alianças automáticas e, a despeito de nossas crises políticas, nossos erros e dificuldades, estamos num patamar econômico mais elevado que no tempo da guerra fria: criamos uma agricultura moderna, somos o país mais industrializado da América Latina e avançamos nos setores modernos de serviços, especialmente nos de comunicação e financeiros. Podemos pesar no mundo sem arrogância, reforçando as relações políticas e econômicas com nossos vizinhos e demais parceiros latino-americanos.
Entretanto, nossas desigualdades gritantes são como pés de chumbo para a formação de uma sociedade decente, condição para o exercício de qualquer liderança. As carências na oferta de emprego, saúde, educação, moradia e segurança pública ainda são obstáculos a superar.
Pelo que já fizemos, pelo muito que falta fazer e pelas oportunidades que existem, há certa angústia nas pessoas. A confusão política, o descrédito de lideranças e partidos, se expressa na falta de rumos. A opinião pública apoia os esforços de moralização simbolizados pela Lava Jato, mas quer mais. Quer soluções para as questões sociais básicas, e também para os desafios da política, que precisam ser superados, caso contrário o crescimento da economia continuará baixo e a situação social se tornará insustentável. O Congresso, por fim, aprovou uma “lei de barreira” e o fim das coligações nas eleições proporcionais. Foram passos tímidos, na forma como aprovados, mas importantes para o futuro, pois levarão à redução do número de partidos, com o que se poderá obter maior governabilidade e talvez menos corrupção.
Entretanto, quem são os líderes com a lanterna na proa, e não na popa? A crer nas pesquisas de opinião, os políticos mais cotados para vencer as eleições em 2018 mais parecem um repeteco do que inovação, embora haja entre alguns que estão na rabeira das pesquisas quem possa ter posições mais condizentes com o momento. E boas novidades podem emergir. Alguns dos que estão à frente ainda insistem em suas glórias passadas para que nos esqueçamos de seus tormentos recentes, e pouco dizem sobre como farão para alcançar no futuro os objetivos que eventualmente venham a propor.
Se não organizarmos rapidamente um polo democrático (contra a direita política, que mostra suas garras), que não insista em “utopias regressivas” (como faz boa parte das esquerdas), que entenda que o mundo contemporâneo tem base técnico-científica em crescimento exponencial e exige, portanto, educação de qualidade, que seja popular, e não populista, que fale de forma simples e direta dos assuntos da vida cotidiana das pessoas, corremos o risco de ver no poder quem dele não sabe fazer uso ou o faz para proveito próprio. E nos arriscamos a perder as oportunidades que a História nos está abrindo para ter rumo definido.
*SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA.
Negligência com Educação explica desníveis sociais - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 08/10
A principal alavanca propulsora da melhoria da qualidade de vida da população, no sentido mais amplo, a Educação, ainda não recebeu o impulso de que necessita
Sinônimo de desigualdade social, o Brasil, a partir da redemocratização, em 1985, na prática elegeu por voto direto governos para resolver este problema. Os nós a desatar que aguardam qualquer novo mandatário no Planalto são amplos. Há problemas na economia, na infraestrutura e muitos outros. Mas, não existe dúvida de que, os desníveis de renda e de padrão de vida numa população gigantesca como a brasileira são o desafio central para governantes e toda a sociedade.
Na verdade, um plano responsável, sério de combate à pobreza e, por decorrência, a todas as suas mazelas, é necessariamente multidisciplinar. Envolve investimentos amplos em infraestrutura, como saneamento básico; também no transporte urbano, fator importante na formação do poder aquisitivo das famílias mais pobres; bem como política econômica, para que a inflação seja mantida sob controle e a fim de que haja recursos para programas assistenciais de fonte não inflacionária e fiscalmente saudável. Enfim, o combate à pobreza requer um programa de governo, com o envolvimento de muitas áreas.
Nestes 32 anos depois do fim da ditadura, desenvolveram-se vários mecanismos para mitigar a pobreza. Antes de mais nada, a inflação foi debelada, a partir de 1994, pelo Plano real, lançado ainda no governo de Itamar Franco e conduzido pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, presidente nos dois mandatos seguintes. O Bolsa Família de Lula se originou em programas de FH, e que foram aprofundados.
Avançou-se muito, mas está claro que a principal alavanca propulsora da melhoria da qualidade de vida da população, no sentido mais amplo, a Educação, ainda não recebeu o impulso de que necessita.
Reportagem do GLOBO cita estudo do ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), Sergei Soares, que revela que o ensino público é ainda mais eficaz para melhorar a renda do que se imaginava.
O estudo observa que, em 1995, quem havia cursado a primeira fase do fundamental recebia salários 53% maiores que os analfabetos. Já em 2015, com a escolarização tendo avançado, a distância em relação a quem tinha baixa escolaridade caíra para 19%.
O mesmo ocorreu com o ensino médio: o crescimento das matrículas neste nível foi reduzindo as disparidades. O ensino médio, porém, tem sido estreito gargalo para a ampliação da escolarização do brasileiro, dificuldade que também ocorre no ensino superior.
No Brasil, segundo um relatório da ONG Oxfam do Brasil, de Rafael Georges, 34,6% dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos estão matriculados numa faculdade e apenas 18% deles se formam. Nos países desenvolvidos a taxa dos que se formam é de 36%. E ainda há a decrepitude do chamado ensino profissional. A esperança é que a reforma do ensino médio seja bem implementada.
Esses números explicam a diferença de níveis de desenvolvimento. Daí, insiste-se, a melhoria da educação pública básica ser estratégica. O Bolsa Família é importante, mas avanço estrutural, só com uma população bem instruída.
Sinônimo de desigualdade social, o Brasil, a partir da redemocratização, em 1985, na prática elegeu por voto direto governos para resolver este problema. Os nós a desatar que aguardam qualquer novo mandatário no Planalto são amplos. Há problemas na economia, na infraestrutura e muitos outros. Mas, não existe dúvida de que, os desníveis de renda e de padrão de vida numa população gigantesca como a brasileira são o desafio central para governantes e toda a sociedade.
Na verdade, um plano responsável, sério de combate à pobreza e, por decorrência, a todas as suas mazelas, é necessariamente multidisciplinar. Envolve investimentos amplos em infraestrutura, como saneamento básico; também no transporte urbano, fator importante na formação do poder aquisitivo das famílias mais pobres; bem como política econômica, para que a inflação seja mantida sob controle e a fim de que haja recursos para programas assistenciais de fonte não inflacionária e fiscalmente saudável. Enfim, o combate à pobreza requer um programa de governo, com o envolvimento de muitas áreas.
Nestes 32 anos depois do fim da ditadura, desenvolveram-se vários mecanismos para mitigar a pobreza. Antes de mais nada, a inflação foi debelada, a partir de 1994, pelo Plano real, lançado ainda no governo de Itamar Franco e conduzido pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, presidente nos dois mandatos seguintes. O Bolsa Família de Lula se originou em programas de FH, e que foram aprofundados.
Avançou-se muito, mas está claro que a principal alavanca propulsora da melhoria da qualidade de vida da população, no sentido mais amplo, a Educação, ainda não recebeu o impulso de que necessita.
Reportagem do GLOBO cita estudo do ex-presidente do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), Sergei Soares, que revela que o ensino público é ainda mais eficaz para melhorar a renda do que se imaginava.
O estudo observa que, em 1995, quem havia cursado a primeira fase do fundamental recebia salários 53% maiores que os analfabetos. Já em 2015, com a escolarização tendo avançado, a distância em relação a quem tinha baixa escolaridade caíra para 19%.
O mesmo ocorreu com o ensino médio: o crescimento das matrículas neste nível foi reduzindo as disparidades. O ensino médio, porém, tem sido estreito gargalo para a ampliação da escolarização do brasileiro, dificuldade que também ocorre no ensino superior.
No Brasil, segundo um relatório da ONG Oxfam do Brasil, de Rafael Georges, 34,6% dos jovens brasileiros de 18 a 24 anos estão matriculados numa faculdade e apenas 18% deles se formam. Nos países desenvolvidos a taxa dos que se formam é de 36%. E ainda há a decrepitude do chamado ensino profissional. A esperança é que a reforma do ensino médio seja bem implementada.
Esses números explicam a diferença de níveis de desenvolvimento. Daí, insiste-se, a melhoria da educação pública básica ser estratégica. O Bolsa Família é importante, mas avanço estrutural, só com uma população bem instruída.
Inflação baixa facilita ajuste - EDITORIAL O ESTADÃO
ESTADÃO - 08/10
O governo tem condições muito favoráveis para avançar na arrumação de suas contas, se nenhum grande entrave for criado pelo jogo político
Com inflação baixa, contas externas em ordem, cenário internacional ainda benigno e economia em lenta, mas firme recuperação, o governo tem condições muito favoráveis para avançar na arrumação de suas contas, se nenhum grande entrave for criado pelo jogo político. É difícil ser otimista quanto a esse último item, quando nem a chamada base governista se abstém de pilhar o Tesouro e de atrapalhar os esforços de ajuste. Mas a equipe econômica tem a seu favor pelo menos um cenário com indicadores propícios. As pressões inflacionárias têm sido moderadas, assim poderão continuar no próximo ano, e esse é um detalhe especialmente importante. Subiu apenas 0,16% em setembro o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A alta acumulada no ano, de 1,78%, foi a menor, para esses nove meses, desde 1998, quando ficou em 1,42%. O resultado em 12 meses passou de 2,46% em agosto para 2,54% no mês passado, mas, apesar dessa ligeira alta, há vários motivos para comemorar esses números.
Inflação mais baixa, e em níveis desconhecidos por muitos anos, significa, em primeiro lugar, menor desgaste do poder de compra das famílias e maior potencial de consumo. Esse efeito já ocorre, contribuindo para a movimentação da indústria, para a arrecadação de impostos e até para o aumento das importações. Em segundo lugar, a inflação em queda permitiu sucessivos cortes da taxa básica de juros – até agora de 14,25% para 8,25% ao ano. Novos cortes, mais moderados que os últimos, poderão ocorrer. Projeções do mercado apontam juros de 7% no fim deste ano e ao longo do próximo e de 8% no fim de 2019, quando a inflação deverá ter voltado a 4,25%, coincidindo com a meta.
A redução dos juros básicos tem produzido efeitos nas operações de mercado, barateando os financiamentos concedidos a consumidores e a empresas. O custo desses empréstimos, como é tradicional no Brasil, continua bem mais alto que a taxa básica, mas, ainda assim, a mudança das condições tem gerado efeitos positivos no consumo, na produção e também na saúde financeira das empresas. A redução das solicitações de recuperação judicial é parcialmente explicável pela melhora do crédito, segundo especialistas.
Menos destacado na maior parte do noticiário, o alívio no orçamento das famílias de menor renda é um dado especialmente positivo. Além do IPCA, válido para famílias com ganho mensal de 1 a 40 salários mínimos, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calcula também o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), baseado nos orçamentos de famílias com renda de 1 a 5 mínimos.
O INPC diminuiu 0,02% em setembro, depois de ter caído 0,03% no mês anterior. A alta acumulada em 12 meses ficou em 1,63%, bem abaixo, portanto, da variação do IPCA. A trajetória favorável dos dois indicadores tem sido puxada principalmente pelo comportamento muito benigno do custo da alimentação. Mas os preços dos demais itens de consumo também têm evoluído de modo mais confortável para os consumidores.
Também a Fundação Getúlio Vargas apontou a melhora das condições para as famílias de baixa renda, ao divulgar nesta semana seu Índice de Preços ao Consumidor (IPC) – Classe 1. Esse indicador, calculado para famílias com ganho mensal entre 1 e 2,5 salários mínimos, diminuiu 0,25% em setembro e subiu 1,89% em 12 meses. Nesse período, o índice mais amplo (IPC-BR) avançou 3,17%.
Inflação contida, juros internos mais favoráveis, economia global em recuperação e finanças internacionais ainda confortáveis podem facilitar um ajuste orçamentário menos penoso no País, se Brasília souber aproveitar a oportunidade. Se o governo Temer conseguir avançar, deixará à próxima administração um quadro fiscal bem mais manejável – se o sucessor na Presidência entender a importância da tarefa. Mas será importante cuidar logo da reforma da Previdência, para ficar no mínimo indispensável. O maior desafio será mobilizar a base parlamentar para cuidar dos interesses do País.
O governo tem condições muito favoráveis para avançar na arrumação de suas contas, se nenhum grande entrave for criado pelo jogo político
Com inflação baixa, contas externas em ordem, cenário internacional ainda benigno e economia em lenta, mas firme recuperação, o governo tem condições muito favoráveis para avançar na arrumação de suas contas, se nenhum grande entrave for criado pelo jogo político. É difícil ser otimista quanto a esse último item, quando nem a chamada base governista se abstém de pilhar o Tesouro e de atrapalhar os esforços de ajuste. Mas a equipe econômica tem a seu favor pelo menos um cenário com indicadores propícios. As pressões inflacionárias têm sido moderadas, assim poderão continuar no próximo ano, e esse é um detalhe especialmente importante. Subiu apenas 0,16% em setembro o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A alta acumulada no ano, de 1,78%, foi a menor, para esses nove meses, desde 1998, quando ficou em 1,42%. O resultado em 12 meses passou de 2,46% em agosto para 2,54% no mês passado, mas, apesar dessa ligeira alta, há vários motivos para comemorar esses números.
Inflação mais baixa, e em níveis desconhecidos por muitos anos, significa, em primeiro lugar, menor desgaste do poder de compra das famílias e maior potencial de consumo. Esse efeito já ocorre, contribuindo para a movimentação da indústria, para a arrecadação de impostos e até para o aumento das importações. Em segundo lugar, a inflação em queda permitiu sucessivos cortes da taxa básica de juros – até agora de 14,25% para 8,25% ao ano. Novos cortes, mais moderados que os últimos, poderão ocorrer. Projeções do mercado apontam juros de 7% no fim deste ano e ao longo do próximo e de 8% no fim de 2019, quando a inflação deverá ter voltado a 4,25%, coincidindo com a meta.
A redução dos juros básicos tem produzido efeitos nas operações de mercado, barateando os financiamentos concedidos a consumidores e a empresas. O custo desses empréstimos, como é tradicional no Brasil, continua bem mais alto que a taxa básica, mas, ainda assim, a mudança das condições tem gerado efeitos positivos no consumo, na produção e também na saúde financeira das empresas. A redução das solicitações de recuperação judicial é parcialmente explicável pela melhora do crédito, segundo especialistas.
Menos destacado na maior parte do noticiário, o alívio no orçamento das famílias de menor renda é um dado especialmente positivo. Além do IPCA, válido para famílias com ganho mensal de 1 a 40 salários mínimos, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calcula também o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), baseado nos orçamentos de famílias com renda de 1 a 5 mínimos.
O INPC diminuiu 0,02% em setembro, depois de ter caído 0,03% no mês anterior. A alta acumulada em 12 meses ficou em 1,63%, bem abaixo, portanto, da variação do IPCA. A trajetória favorável dos dois indicadores tem sido puxada principalmente pelo comportamento muito benigno do custo da alimentação. Mas os preços dos demais itens de consumo também têm evoluído de modo mais confortável para os consumidores.
Também a Fundação Getúlio Vargas apontou a melhora das condições para as famílias de baixa renda, ao divulgar nesta semana seu Índice de Preços ao Consumidor (IPC) – Classe 1. Esse indicador, calculado para famílias com ganho mensal entre 1 e 2,5 salários mínimos, diminuiu 0,25% em setembro e subiu 1,89% em 12 meses. Nesse período, o índice mais amplo (IPC-BR) avançou 3,17%.
Inflação contida, juros internos mais favoráveis, economia global em recuperação e finanças internacionais ainda confortáveis podem facilitar um ajuste orçamentário menos penoso no País, se Brasília souber aproveitar a oportunidade. Se o governo Temer conseguir avançar, deixará à próxima administração um quadro fiscal bem mais manejável – se o sucessor na Presidência entender a importância da tarefa. Mas será importante cuidar logo da reforma da Previdência, para ficar no mínimo indispensável. O maior desafio será mobilizar a base parlamentar para cuidar dos interesses do País.
Assinar:
Postagens (Atom)