domingo, maio 02, 2010

DANUZA LEÃO

Será?
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/05/10


Alguns gostam mais do filho que dá mais trabalho, outros preferem os certinhos, vai entender a cabeça humana


O QUE É QUE faz com que se goste mais de uma pessoa do que de outra? Não estou falando do amor/paixão, apenas do gostar. Aliás, nem sei se é mesmo gostar, ou uma questão de preferir.
Tem sempre um filho sofredor, que acha que sua mãe tem outro que é o predileto, o "queridinho"; às vezes é verdade, às vezes não, até porque os prediletos dos pais mudam. Dependendo das circunstâncias do momento, uma hora é um, em outra hora é outro. Alguns gostam mais do filho que dá mais trabalho, outros preferem os mais certinhos, vai entender a cabeça humana.
Quem não sabe que os avós têm seu neto preferido, as tias têm a sobrinha -não adianta negar-, e o que me põe mais curiosa é saber se essas preferências têm a ver com o temperamento, a vivacidade, os gostos comuns, a beleza, ou o quê. Irmãos têm a obrigação de se adorar?
Caim morria de ciúmes de Abel; tanto que acabou assassinando o irmão -e nem havia o problema de dividir a herança. Existem irmãos que não se dão bem, nem lembram que o outro existe, mas têm amigos por quem fariam tudo, ou quase tudo.
Então, como fica essa história de ter o mesmo sangue? Vale ou não vale, conta ou não conta ponto? Por favor, me respondam, senhores que sabem tudo. Não sei das estatísticas, mas conheço vários casos de crianças adotadas que, quando um dia foram levadas para conhecer os pais verdadeiros, não quiseram muito saber deles. É bem verdade que essas foram muito bem tratadas pelos pais adotivos, que por acaso -apenas por acaso- tinham bastante dinheiro.
E penso: será que é a convivência que cria os gostares, ou é o sangue que fala mais alto? Por isso fico curiosa quando leio nos jornais essas histórias de troca de crianças na maternidade.
Quando alguém já se apegou àquele que acha que é seu filho e vem alguém dizendo que houve um engano e troca aquela criança por outra, será que o amor pelo primeiro acaba? E o amor pelo segundo, o verdadeiro, brota espontaneamente só porque uma enfermeira diz que se enganou na hora de botar o esparadrapo na perninha?
Claro, agora tem o exame de DNA, mas será que basta essa prova para que os sentimentos nasçam e morram? Será?
E os parentes? Esse é um outro problema. Outro dia vi uma foto -linda, aliás- do pai do presidente Kennedy com seus 24 netos. Imagino que ele não soubesse, e nem podia, o nome de todos; mas será que gostava deles da mesma maneira?
Claro que ele adorou quando teve o primeiro neto, o segundo, o terceiro, mas será que o 23º trouxe a mesma emoção? Se ele ainda fosse vivo não adiantaria perguntar, pois ele diria, sem pensar por um só segundo, que sim; mas seria verdade?
Em outros tempos as famílias eram maiores; os que mudaram de cidade, até mesmo de país, não têm noção de quantos primos têm. Se o telefone tocar e for um deles, será que vai ser uma grande alegria ou um grande incômodo?
Se pensar que gosta mais da empregada, com quem convive de segunda a sexta, do que de qualquer um deles, está aí uma boa razão para se achar um monstro e pensar: será que existe mesmo essa história de ser do mesmo sangue, pertencer à mesma família, ou isso foi inventado, tanto como inventaram que o amor é eterno?
Sei lá.

GOSTOSA

ALMINO AFFONSO

Cidadania e direito de asilo


ALMINO AFFONSO
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/05/10

O exílio não se configura como fuga, tampouco é covardia mascarada de ação política; ao contrário, é uma frente de combate

FAZ PARTE das tradições políticas e jurídicas do Brasil a concessão de asilo político.
A Constituição Federal de 1988 o inscreve entre os princípios que regem nossas relações internacionais, como se lê no artigo 4º, inciso X. Como o Brasil é signatário da Convenção de Caracas de 1954, é nela que se encontram as regras que disciplinam a concessão do asilo político, dando apoio a quantos se sintam desamparados do respeito aos direitos inerentes à cidadania.
Ouso dizer que o asilo político é complementar ao exercício da cidadania. O professor José Afonso da Silva, em sua obra "Comentário Contextual à Constituição", chega a considerá-lo como "um direito fundamental consoante disposto no artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, segundo o qual: todo homem, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países".
Da simples leitura dos textos legais pode-se sentir a importância do direito de asilo na América Latina, sempre tão conturbada, sem que dela se exclua o Brasil desde o alvorecer do Império. Como ignorar tal realidade a partir do golpe de Estado de 1964? Assim, causa espanto que tentem levar o direito de asilo político à chacota, desmerecendo-lhe a significação histórica, porque estão desfigurando o próprio Estado de Direito democrático.
Pois, a rigor, o cidadão que recorre à prerrogativa do asilo político está defendendo as liberdades públicas, o exercício do direito de voto, o próprio mandato popular, subtraídos pelo obscurantismo do Estado autoritário, além de sua integridade física.
Pouco me importam aqueles que se valham da palavra aviltada para agredir os exilados. Porque a palavra tem a grandeza de seu valor próprio. Ou seja: o exílio não é fuga, não é covardia mascarada de ação política, não é forma implícita de deixar intocável a ordem ditatorial.
O exílio, ao contrário, é uma frente de combate, como soubemos fazê-lo em Santiago do Chile, denunciando perante U Thant -o então secretário-geral das Nações Unidas- e o tribunal Bertrand Russell a prática odiosa da tortura, que levou à morte tantos militantes da resistência democrática. 
Não tenho dúvidas de que esse trabalho anônimo, expondo em escala internacional a verdadeira face do regime militar, terá contido de algum modo a sanha dos assassinos fantasiados de salvadores da pátria. Talvez isso baste e sobre para que os exilados mereçam o respeito de todos...
Mas, se quiserem evocar o significado histórico do exílio, detenham-se na biografia de Vitor Hugo, durante 18 anos asilado na Inglaterra, combatendo pela palavra escrita a ditadura de Napoleão 3º.
Ou tragam à memória de hoje o exílio de Rui Barbosa (na Argentina, em Portugal e na Inglaterra), em confronto aberto com o arbítrio do general Floriano Peixoto, que assumira a Presidência da República em um autêntico golpe de Estado.
Recordemos as personalidades da América Latina que se viram na contingência de recorrer ao asilo político, a exemplo de Juan José Torres, presidente da Bolívia, e do general Carlos Prates (comandante das Forças Armadas do Chile, no governo do presidente Allende), ambos exilados na Argentina.
Ou, ainda, tenham presente a figura de Mário Soares -primeiro-ministro de Portugal, por anos a fio exilado na França, retornando à sua terra com as tropas da Revolução dos Cravos.
Mas, sobretudo, saibam respeitar os exilados brasileiros proscritos durante tanto tempo. Eram centenas que, além de nossas fronteiras, deram combate sem trégua ao regime militar. Voltaram e continuaram a luta pela restauração democrática.
Dessa trajetória ficaram as cicatrizes do exílio. Alguns morreram heroicamente. Mas muitos estão de pé. Em campos diversos, talvez: mas de pé! Não cabe dividir o que é por natureza indivisível. Salvo para quem não tenha compromisso com a grandeza da pátria.

ALMINO AFFONSO, 81, é advogado. Foi deputado federal pelo PSB-SP, ministro do Trabalho e da Previdência Social (governo João Goulart) e vice-governador do Estado de São Paulo (governo Quércia).

JOSÉ SIMÃO


Ueba! Tomou Viagra e caiu duro!
JOSÉ SIMÃO
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/05/10

Ministro da Saúde recomenda sexo para combater hipertensão



BUEMBA! BUEMBA! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Direto do País da Piada Pronta!
"Carro usado em ataque a senador paraguaio é brasileiro." E por acaso no Paraguai tem algum carro que não seja brasileiro?! E essa, direto de Portugal: "Procura-se cadela com chip". E outra: "Procura-se pinscher, cor marrom escura, que atende pelo nome de Fifi, PORÉM É SURDA!".
E essa: Lula chama Dilma e quer melhorar o seu desempenho na TV. Então é aquele filme "Como Treinar o seu Dragão". Em 3D!
E o grande babado da semana fica com o ministro Temporão: "Ministro da Saúde recomenda sexo para combater hipertensão". Então não é hipertensão, é HIPERTESÃO! Rarará. E o ministro arruma mulher? Porque, de repente, o cara é hipertenso, mas não consegue mulher. Temporão, descola uma gata! Queremos o Bolsa Perereca!
E um plano de saúde especial para a hipertensão; o UNIMETE! E o Temporão alerta: "Mas o SUS não cobre transar com a mulher dos outros". Então não quero. Prefiro ficar hipertenso! E em Imperatriz do Maranhão o bordel da dona Nega mudou de nome pra Clínica de Combate a Hipertensão!
E adorei a charge do Marco Aurélio. "Ministério da Saúde adverte: para combater a hipertensão, pratique sexo cinco vezes. Caso os sintomas persistam, procure A OUTRA!" Rarará! Combata a hipertensão e tenha um filho TEMPORÃO! E um amigo meu mandou avisar o ministro que "faz um TEMPORÃO que eu não faço sexo!". Queremos Bolsa Perereca, Bolsa Motel e Bolsa Viagra!
E mais uma placa pra minha campanha "O Brasileiro É Cordial": "Propriedade Particular! PIT BULL COM AIDS!". Socuerro! E tem gente que ainda tem medo da Coreia do Norte. E do presidente do Irã. Isso que é ameaça nuclear: pit bull com Aids! Aliás, eu vou lançar um índice de cordialidade do brasileiro. Vai se chamar Ciro Gomes. Ops, Tiro Gomes. Rarará!
Queima de Viagra! Quebraram patente do Viagra. Vai sair 50% mais barato! O ministro recomenda sexo num dia e no outro quebram a patente do Viagra. É ação casada?! O Viagra tava muito caro mesmo! Pagar trinta paus pra levantar um?
Rarará! E como diz um amigo meu: "Sem Viagra, não consigo levantar nem falso testemunho!". Cuidado! Tá barato, mas não é pra tomar overdose. Pra não morrer do coração. Senão vira manchete de jornal: "Tomou Viagra e Caiu Duro!".
Vi a entrevista do Serra no Datena. E sabe o que o Serra parecia? Defunto amanhecido! Nóis sofre, mas nóis goza. Hoje só amanhã. Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno.

FARRA

SUELY CALDAS


O eleitor e a reforma do Estado


SUELY CALDAS

O ESTADO DE S. PAULO

Aí está um bom tema de campanha. Para o eleitor, com certeza, para o candidato, nem tanto. A proposta de José Serra de criar dois novos ministérios e extinguir outros dois, bem podia ser ampliada para a reforma do Estado inteiro, o tamanho de governo que o País precisa e quanto em dinheiro os brasileiros estão dispostos a pagar para sustentá-lo. Se eleito for, o candidato tucano prometeu criar os ministérios da Segurança Pública e do Deficiente Físico e extinguir o de Portos e a Secretaria de Assuntos Estratégicos. A adversária, Dilma Rousseff, revidou: os novos são desnecessários, mas calou em relação aos outros. Até porque, quando ministra, enviou ao Congresso medida provisória transformando em ministérios quatro secretarias - Direitos Humanos, Promoção de Igualdade Racial, Políticas de Mulheres e de Portos. Já Marina Silva foi direto ao ponto: "Criar novos ministérios é empilhar mais estruturas."

O ex-presidente Itamar Franco deixou para o sucessor 22 ministérios, FHC terminou o segundo mandato com 21 e mais 9 secretarias. Em 2003, Lula inventou novas Pastas para abrigar companheiros derrotados nas urnas (Olívio Dutra, Benedita da Silva, etc.) e contemplar partidos aliados.

Hoje, há 37 ministérios e secretarias com status de ministério e o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que nada aconselha e se reúne mensalmente para ouvir glórias ao governo. O debate sobre uma reforma de Estado verdadeira, orientada pelas carências do País e da administração pública e não pela conveniência política do plantonista do Planalto, pode até não seguir adiante nesta campanha eleitoral, mas é absolutamente necessário constar dos planos de governo dos candidatos.

Em nome da governabilidade, Lula aumentou o tamanho do Estado, contratou milhares de novos funcionários, povoou o governo com políticos despreparados, aparelhou o poder público com petistas, mediocrizou a gestão pública e multiplicou a folha de salários. É preciso rever tudo isso. Não se trata de cortar pessoas, nem de reduzir o estado ao mínimo, como rotula o PT.

Trata-se de eliminar o supérfluo, reforçar áreas onde o Estado tem atuação vital, racionalizar a máquina pública, valorizar funcionários de carreira, premiar a eficiência e tornar a administração menos onerosa para uma população que já paga 37% do PIB em impostos e chegou ao seu limite e não pode ser mais extorquida. Um Ministério da Segurança será bem-vindo, se for dotado de estrutura técnica e profissional, com especialistas capacitados e treinados, capaz de cumprir metas de queda da criminalidade e ficar longe, muito longe, da interferência dos políticos. Mas um Ministério para Deficientes é tão dispensável quanto alguns criados por Lula: Pesca, Portos, Mulheres, Igualdade Racial.

São ações de políticas públicas necessárias sim, mas que podem ser tocadas por outros ministérios, não precisam de estruturas próprias, inúteis, dilatadas e caras, que só incham a máquina sem nada retribuir ao contribuinte. Afinal, a infraestrutura portuária continua deficiente, a pesca não expandiu e a situação das mulheres e negros pouco ou nada mudou.

E para que uma Secretaria de Assuntos Estratégicos se já há um Ministério do Planejamento?
O rumo do governo Lula em direção a um Estado forte e perdulário mudou em novembro de 2005, quando Dilma Rousseff, em entrevista ao Estadão, desqualificou um plano de redução dos gastos públicos arquitetado pela dupla Palocci-Bernardo, que ela classificou de "rudimentar".

Não se tratava de uma reforma do Estado, mas de uma simples trajetória de economia de despesas para reduzir a dívida pública. Ali, Dilma ganhou a briga, o governo passou a gastar mais, a dívida cresceu, o superávit primário encolheu e o País perdeu oportunidade rara de aproveitar a prosperidade para reduzir sua dívida e garantir o desenvolvimento de longo prazo.

E neste ano eleitoral o quadro piorou: no trimestre encerrado em março, o governo expandiu seus gastos em 19,3%, muito acima da inflação, e o superávit primário virou déficit.

REGINA ALVAREZ

Governo abriga ministros e aliados nos conselhos de estatais e de bancos
Regina Alvarez

O GLOBO - 02/05/10


Levantamento mostra que muitos não têm qualificação para justificar cargo


BRASÍLIA. Ao largo de critérios técnicos, estatais e grandes bancos públicos abrigam nos seus conselhos fiscal e de administração ministros de Estado, assessores do segundo escalão, apadrinhados e aliados políticos do governo. A prática não é nova, mas está disseminada na atual administração. Funciona, em muitos casos, como uma forma de engordar os rendimentos mensais dos ministros e de um grupo de assessores mais próximos do poder. Levantamento feito pelo GLOBO mostra a presença de 12 ministros nos conselhos das maiores estatais e bancos federais, sendo que alguns sem qualquer qualificação técnica que justifique a ocupação dessas cadeiras. Os salários chegam a R$ 14 mil para participar de uma reunião por mês.

A lista de conselheiros das estatais e bancos públicos — montada a partir de respostas das empresas a um requerimento de informações do deputado Arnaldo Madeira (PSDBSP) — traz informações que reforçam a ação entre amigos por trás dessas nomeações. Um dos casos emblemáticos é o da arquiteta Clara Ant, que ocupa uma das vagas do Conselho de Administração do BNDESPAR, com salário mensal de R$ 4.600 para participar de uma reunião a cada três meses.

Considerada uma das pessoas mais próximas de Lula, até poucos dias, Clara ocupava o cargo de chefe de gabinete adjunta do presidente, mas o Diário Oficial do dia 15 de abril trouxe a sua exoneração, já que a militante histórica do PT se engajou na campanha da candidata Dilma Rousseff.

Perguntado na sexta-feira sobre a permanência de Clara Ant no conselho do BNDESPAR, mesmo após ter deixado o governo para reforçar a campanha de Dilma, o BNDES informou, por meio da assessoria, que a arquiteta havia solicitado o seu desligamento e não participaria da próxima reunião do conselho, mas não soube informar a data do pedido.
Erenice está em dois conselhos

No topo do organograma das empresas, os conselhos de administração e fiscal têm importância estratégica em qualquer organização, mas no governo a gestão profissional é muitas vezes deixada em segundo plano para atender a interesses políticos.

O critério que prevalece em muitos casos é a proximidade com o poder. Erenice Guerra, recém empossada ministra da Casa Civil, já era poderosa antes de ocupar a vaga de Dilma Rousseff. E isso se reflete em sua presença nos conselhos de empresas e bancos federais.

Erenice faz parte do Conselho de Administração do BNDES e da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), que tem uma das vagas ocupada por outro assessor da Casa Civil: Swedenberger Barbosa — que ultimamente está mais envolvido com a reforma do Planalto.

Outros dois assessores que despacham no Palácio do Planalto — Cezar Alvarez e Luiz Alberto Santos — têm vagas garantidas em conselhos federais.

Cezar, assessor direto do presidente Lula, está na Finep, ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, enquanto Santos, assessor da Casa Civil, está nos conselhos da Eletronorte e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).

Apadrinhados do governo e de aliados políticos estão acomodados em conselhos de estatais importantes, como é o caso de Silas Rondeau, ex-ministro de Minas e Energia, que deixou o cargo em 2007 por suspeitas de envolvimento em corrupção. Rondeau — que é afilhado político do presidente do Senado, José Sarney — recebe R$ 5.500 mensais da Petrobras e 13º salário, para participar de uma reunião mensal do Conselho de Administração.
Tesoureiro do PT recebe R$ 14 mil

Já o sindicalista João Vaccari Neto, eleito recentemente para o cargo de tesoureiro do PT, continua assentado em uma vaga do Conselho de Administração da Itaipu Binacional, com salário mensal de R$ 14 mil. O mais disputado dos conselhos abriga também os ministros do Planejamento, Paulo Bernardo, e das Relações Exteriores, Celso Amorim, além do ex-governador do Rio Grande do Sul Alceu Collares, militante histórico do PDT e amigo de Dilma Rousseff.

Outros dois sindicalistas: João Felício, da CUT; e Cláudio Guimarães da Silva, o Janta, presidente da Força Sindical no Rio Grande do Sul, ocupavam cadeiras no Conselho de Administração do BNDES até poucos meses. Cláudio foi exonerado em 1ode abril, porque é candidato às eleições de outubro.

— Esse procedimento para favorecer apadrinhados e interesses pessoais é uma prática política das mais rasteiras.

Mostra como continuamos com uma visão patrimonialista do papel do Estado — observa o deputado Arnaldo Madeira, que inquiriu as empresas sobre a ocupação dos conselhos, com base em prerrogativa garantida pela Constituição.

— No setor privado, mesmo as empresas familiares têm conselhos de administração profissionalizados.

Enquanto nas estatais o patrimônio público é usufruído por alguns poucos — destaca o parlamentar.

A distribuição das vagas nos conselhos em muitos casos não atende a requisitos essenciais, como um mínimo de afinidade do ocupante com a área em que a empresa atua. É o caso, por exemplo, do ministro Luiz Dulci, da Secretaria Geral da Presidência, que está assentado no Conselho de Administração da Eletrobrás, junto com Miriam Belchior, a nova mãe do PAC.

A lista de secretários ou assessores dos ministros da Fazenda, Guido Mantega, e do Planejamento, Paulo Bernardo, que ocupam vagas nos conselhos dos bancos e estatais ultrapassa uma dezena.

Em vários casos não há também relação direta entre a atividade da empresa e a função do assessor no governo. Como acontece com Alexandre Rosa, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, que está no Conselho de Administração de Furnas, junto com o ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde, do grupo do deputado Eduardo Cunha, do PMDB do Rio.

O Ministério do Planejamento, que indica conselheiros para várias empresas e bancos, não quis comentar os critérios que utiliza

GOOOOSSSSSSSSTOSA

MUITO GOSTOSA

GILLES LAPOUGE

O Hezbollah e seu arsenal
GILLES LAPOUGE

O ESTADO DE SÃO PAULO - 02/05/10


A Síria forneceu mísseis Scud para a milícia xiita libanesa do Hezbollah? Essa foi a acusação feita pelo presidente israelense, Shimon Peres, dias atrás. Desde então, o Oriente Médio está em ebulição. A começar por Beirute, capital do Líbano, que sempre teme as ações do Hezbollah em seu território. E é o caso também de Israel, cujo Exército, em julho de 2006, lançou uma ofensiva militar contra a milícia libanesa.

Essa ofensiva durou 34 dias. Do lado libanês, 1.200 mortos, sobretudo civis. Do lado israelense, 160 soldados perderam a vida. Pela primeira vez, o Tsahal, o Exército de Israel, não ganhou uma guerra. Uma lembrança amarga. Além disso, o Hezbollah lançou 4 mil foguetes com alcance de 250 a 300 quilômetros e alguns atingiram cidades israelenses.

É compreensível que o anúncio feito por Shimon Peres provoque pânico. Os Scuds-D do Hezbollah são engenhos bem mais perigosos do que os foguetes usados no verão de 2006. Os mísseis, fabricados na Rússia e na Síria, tem um alcance de 500 quilômetros, o que permitiria à milícia atingir quase qualquer ponto do território israelense. Além disso, esses foguetes podem transportar uma carga química ou biológica.

No momento, nada está confirmado. Washington, ao ter conhecimento dessas suspeitas, está mais circunspecto. Os europeus são mais céticos. Segundo eles, os mísseis têm 11 metros de comprimento na sua versão mais elementar. Como os drones e os aviões espiões israelenses que sobrevoam cotidianamente o espaço aéreo libanês (violando, aliás, as resoluções das Nações Unidas) não perceberam nada?

Se a informação for incorreta, ela não tem nenhum sentido. Conviria, então, saber quem a originou e quais foram as razões. Em Beirute, o primeiro ministro Said Hariri observou que "todos os anos, no início da nossa temporada de turismo, Israel lança novas ameaças". Outros libaneses são mais alarmistas: "Israel jamais aceitou sua derrota, em julho de 2006, e procura um pretexto para atacar novamente o Líbano", dizem.

E a Síria? Certamente, ela nega ter fornecido os mísseis Scud. No entanto, há algum tempo tem se observado a agressividade do presidente Assad. Ele foi protagonista de inúmeros protestos bastante desordenados por parte da França, da União Europeia, da Arábia Saudita e, enfim, dos americanos.

Assad estaria tomado por uma espécie de "embriaguez triunfalista", o que o teria feito perder a noção de prudência. Ele estaria muito irritado com as iniciativas de Washington de isolar a Síria do Irã.

Um fato confirma isso: no fim de fevereiro, depois de receber William Burns, figura do alto escalão da política americana, o líder sírio ofereceu um banquete ao presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e ao chefe do Hezbollah libanês, Hassan Nasrallah. Durante o jantar, Assad teria ridicularizado cruelmente os esforços de Washington para afastar a Síria do Irã.

As intenções israelenses são ainda menos claras. Alguns acham que Israel pretende, de fato, lançar uma operação contra o Líbano para destruir os foguetes do Hezbollah (tanto os eventuais Scuds como outros foguetes similares aos lançados em 2006, cujo número chegaria a 40 mil). Por que Israel deseja destruir o arsenal de foguetes do Hezbollah? Porque isso lhe propiciaria um tempo durante o qual as cidades israelenses não estariam mais na mira dos foguetes. E, assim, Israel poderia investir contra o Irã sem ser ameaçado por represálias imediatas por parte do Hezbollah, aliado dos iranianos.

Complicado? Nem tanto. O fato é que estamos no Oriente Médio. E a obsessão de Israel, além de todas as ameaças que o rodeiam, é sempre a mesma: o eventual desenvolvimento de uma bomba nuclear pelo regime iraniano. 
 TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

THOMAS L. FRIEDMAN

Futuro dos EUA está com os pequenos
THOMAS L. FRIEDMAN

O ESTADO DE SÃO PAUO - 02/05/10

O termômetro da economia americana já não é a GM, mas empresas de baixo custo que atuam de forma globalizada.



Você já deve ter ouvido falar que a situação da General Motors reflete a situação dos EUA. Felizmente, isso não é mais verdade. Quero dizer, desejo sucesso à nova GM, mas nosso futuro econômico não está mais preso ao seu destino. Meu novo lema passou a ser: a situação da EndoStim reflete a situação dos EUA.

A EndoStim é um pequeno novo empreendimento que conheci durante uma visita recente a St. Louis. A empresa está desenvolvendo um dispositivo médico para tratar o refluxo ácido via implante. Não sei se o produto fará sucesso no mercado. Ele ainda está em fase de testes. O que realmente me interessa na EndoStim é a maneira com a qual a empresa foi formada e como é administrada.

Trata-se de um exemplo do novo tipo de empreendimentos dos quais precisamos para impulsionar nossa economia: novos imigrantes, usando dinheiro velho para inovar em um mundo globalizado. A inspiração para a criação do produto da EndoStim nasceu de imigrantes cubanos e indianos nos EUA e a empresa foi financiada por investidores de St. Louis. O protótipo é fabricado no Uruguai, com a ajuda de engenheiros israelenses e informações de médicos na Índia e no Chile. E o diretor-executivo é um sul-africano que estudou na Sorbonne, mas que vive no Missouri e na Califórnia - seu escritório é um BlackBerry.

Mesmo que uma recuperação da GM salve alguns antigos empregos, somente com a criação de milhares de EndoStims poderemos criar os bons postos de trabalho do novo tipo dos quais necessitamos para manter as melhorias no nosso padrão de vida.

Tudo começou de forma acidental. O dr. Raul Pérez, obstetra e ginecologista, imigrou de Cuba para os EUA na década de 1960 foi para St. Louis, onde conheceu Dan Burkhardt, um investidor local.

"Raul era um médico diferenciado", lembra Burkhardt. "Ele tinha um faro excelente para investimentos médicos e para o que poderia se mostrar lucrativo no ambiente clínico. Assim, começamos a investir juntos." Em 1997, os dois criaram um fundo de empreendimentos médicos, o Oakwood Medical Investors. Pérez sofria de um problema com refluxo ácido e buscou tratamento na Clínica Mayo, no Arizona, onde recebeu a ajuda de um médico indiano-americano, V.K. Sharma.

Durante o acompanhamento do tratamento, Sharma mencionou as três palavras que todo investidor de risco adora ouvir: "Tenho uma ideia" - usar um dispositivo parecido com um marca-passo para controlar o músculo que contém o refluxo ácido. Burkhardt, Pérez e Sharma incluíram na parceria Bevil Hogg - sul-africano que esteve entre os fundadores da Trek Bicycle Corporation. Ele assumiu o cargo de diretor executivo.

Juntos, eles captaram os fundos iniciais para desenvolver a tecnologia. Dois israelenses, Shai Pollicker, um engenheiro médico, e o dr. Edy Soffer, um gastroenterologista, se uniram à equipe de engenharia sediada em Seattle (chefiada por um australiano) para ajudar no projeto. Uma empresa uruguaia especializada em marca-passos está construindo o protótipo.

Este tipo de novo empreendimento enxuto, no qual os diretores raramente estão no mesmo escritório ao mesmo tempo, e explora todas as ferramentas do mundo globalizado - teleconferência, e-mail, internet e fax - para acessar meios de fabricação de alta qualidade e baixo custo, é o que há de mais novo em termos de investimento de risco.

"Após a crise bancária, o acesso aos mercados públicos ficou fora do alcance das novas empresas", explicou Hogg. "E por isso os novos empreendimentos precisam ser mais enxutos, aplicar seu capital de forma mais eficiente, saber usar de maneira inteligente o acesso aos talentos internacionais e chegar mais rapidamente ao mercado, Hoje, US$ 20 milhões são suficientes para o lançamento de um produto, o que antes custava US$ 100 milhões".

É a tecnologia que está possibilitando tudo isso. Chris Anderson, da revista Wired, destacou esse fato num excelente ensaio publicado na edição de fevereiro, intitulado "Os átomos são os novos bits".

""Três sujeitos com laptops" costumava ser a descrição comum de um novo empreendimento na web", ele escreveu. "Agora a descrição também se aplica a empresas de hardware, graças à disponibilidade de plataformas comuns, de ferramentas de fácil utilização, da colaboração com base na web e da distribuição na internet... As cadeias globais de fornecimento se libertaram das escalas, e são capazes de atender tanto aos pequenos quanto aos grandes, desde o inventor de garagem até a Sony."

Os testes clínicos do protótipo da EndoStim são conduzidos por equipes na Índia e no Chile. "O que elas têm em comum", disse Hogg, "são magníficos cirurgiões extremamente habilidosos, entusiasmo pelo projeto, interesse pela pesquisa e custos razoáveis".

Isso também faz parte do novo modelo, disse Hogg: um produto inventado e financiado no Ocidente, desenvolvido e testado no Oriente e lançado em ambos os mercados. O que os EUA têm a ganhar com isso?

Enquanto o dinheiro do investimento, a inovação e a as decisões de administração vierem de território americano muita coisa. Se a EndoStim der certo, sua minúscula sede em St. Louis crescerá muito mais. "É em St. Louis que estarão os melhores empregos - alto escalão administrativo, marketing, design - e os acionistas", disse Hogg. O local onde a inovação surge e onde o capital é captado ainda importa.

Não se ouve muito a respeito de empresas como essa. Atualmente nosso debate nacional é dominado pelos delírios ignorantes de Sarah Palin, pelos lunáticos nos programas de entrevistas, por movimentos políticos supostamente inspirados em marcos históricos (o Tea Party) e pela política tratada como esporte.

Felizmente, ainda encontramos pessoas dispostas a assumir riscos, que não prestam atenção a essas besteiras e conhecem o mundo em que vivem. Elas simplesmente fazem as coisas acontecerem. Graças aos céus! / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

 
THOMAS L. FRIEDMAN É COLUNISTA DO JORNAL "THE NEW YORK TIMES"

O ABILOLADO E A MENTIROSA

"100 CÉREBRO"

S

MERVAL PEREIRA

Mundo, vasto mundo 
Merval Pereira
O GLOBO - 02/05/10

Classificar o Brasil como “a grande esperança do Ocidente” pode soar como uma peça publicitária do ufanismo que domina hoje o governo brasileiro, mas quem o faz é o sociólogo francês Alain Touraine, que conhece muito bem o país e sabe do que está falando.

Ele fala do Estado brasileiro, não deste ou daquele governo. Não é de hoje que ele vê o Brasil como uma das grandes potencias emergentes.

Quando me disse isso em Córdoba, onde participou do seminário da Academia da Latinidade que, dentro da perspectiva de busca de diálogo entre culturas tratou do papel dos BRICs no contexto do novo mundo multipolar, não havia ainda a reportagem da revista “Time” colocando Lula entre as personalidades mais influentes do mundo, mas o presidente brasileiro já havia sido indicado por diversos órgãos europeus como um dos principais líderes do mundo.

Mas já havia a crise econômica da comunidade européia, que marca, para Touraine, a decadência da região. Como os Estados Unidos estão vivendo problemas econômicos graves que devem persistir pelos próximos anos, dos países emergentes o Brasil é o único que representa os valores ocidentais.

Os companheiros de BRICs são Rússia, Índia e China, e Touraine acha que, deles, só o Brasil tem condições de exercer o papel de ligação entre os países ricos e os pobres.

A Índia poderia exercê-lo também, mas o Brasil tem presença política mais forte no cenário internacional, analisa Touraine.

Já o diretor do Instituto de Pluralismo Cultural da Universidade Candido Mendes, Enrique Larreta, acha que é preciso cuidado ao analisar o papel do Brasil no mundo “para não se cair no ufanismo”.

Ele lembra que a América Latina não pesa no comércio mundial, ao contrário da China, e que a Europa tem economias tão poderosas quanto a da Alemanha, cujo PIB é maior do que o de toda a América Latina.

Larreta diz que o Brasil não é ainda um poder mundial de peso, e sim “líder de uma região que ainda é pobre”.

Uma atitude ufanista pode criar um problema grave com os vizinhos latino-americanos, ressalta Larreta, que relembra que o Itamaraty vem perdendo quase todas as disputas por cargos internacionais, não tem conseguido o apoio da América Latina devido ao temor de que o Brasil esteja contaminado pelo “chauvinismo da grande potência”.

Ele cita a discussão sobre o programa nuclear do Irã, que vem tendo o apoio do Brasil a ponto de suscitar desconfianças na Argentina sobre a posição brasileira com relação à bombaatômica, justamente o que se procurou evitar ao assinar o acordo recíproco de fiscalização com a Argentina no governo Fernando Henrique Cardoso.

O sinólogo François Julien, um dos mais influentes da atualidade na Europa, acha que, se o Brasil não começar a estudar bem a China, vai ser engolido por ela.

Ele diz que prefere o Brasil, onde tudo é aberto, e que na China você tem que interpretar tudo, é tudo voltado para o interior.

Mas isso não o impede de constatar que a China é um país disposto a explorar “sua situação potencial” de maneira pragmática, no dia a dia, sem grandes projetos de futuro que não sejam aumentar sua capacidade de tirar partido de fatores favoráveis para “aumentar sua força e sua posição no ranking das nações”.

Ao mesmo tempo, Larreta chama a atenção para a atuação internacional dos chineses, que seria tão mais discreta quanto mais efetiva.

A presença deles no Conselho de Segurança da ONU tem um perfil muito baixo, analisa Larreta, em comparação com um país que tem atuação com perfil mais alto como a França, “porque tem pouco peso específico”.

Para Larreta, os chineses têm uma política pragmática, com objetivos específicos ao que consideram os interesses nacionais, “mas até isso está mudando”.

Hoje já não apóiam com tanta força a ditadura de Burma, por exemplo, porque estão constatando que o mundo não gosta.

Outro fenômeno novo destacado por Larreta é que a política exterior tem importância na legitimação interna dos governantes, o que se constata tanto na China quanto no Brasil, onde o prestígio internacional do presidente Lula é explorado pelo governo e deve virar tema da campanha presidencial de sua sucessão.

Larreta diz que na China há uma camada de classe média emergente que está ganhando dinheiro e não se incomoda muito com direitos humanos, mas gosta do prestígio internacional do seu país.

Aqui no Brasil, o episódio da revista “Time” é exemplar de como o governo e seu partido tiram proveito do prestígio internacional de Lula ao ponto de aumentálo com objetivos políticos, como ao tentar vender a ideia de que ele fora eleito o político mais influente do mundo, à frente do presidente dos Estados Unidos Barack Obama ou dos primeirosministros japonês Yukio Hatoyama, ou indiano Manmoha Singh.

Essa atitude provinciana torna-se ridícula quando o chanceler Celso Amorim é apanhado tentando fingir naturalidade diante da escolha — “E isso é novidade para você?” reagiu com desdém à primeira informação de que Lula fora escolhido o líder mais influente do mundo —, ainda mais quando se sabe que o perfil de Lula saiu com mais destaque na edição da revista por causa do texto do cineasta americano Michael Moore, e não por qualquer feito do “nosso guia”.

Da mesma maneira, quando se sabe que o economista Jim O’Neill do banco americano Goldman Sachs criou a figura dos BRICs em 2001, antes portanto de Lula ter chegado ao poder, percebe-se o que o sociólogo francês Alain Touraine quer dizer quando afirma que o processo de amadurecimento do Brasil como nação é de longa data e tem sucesso, inclusive internacional, justamente pela continuidade de políticas econômicas e sociais

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Construir sem demagogia
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO 
O Estado de S.Paulo - 02/05/10
Época de campanha eleitoral é propícia à demagogia. Pode servir também para a construção de um país melhor, se os líderes políticos tiverem grandeza. O embate entre PSDB e PT já dura 17 anos, desde o governo Itamar, quando iniciamos o Plano Real. É tempo de reavaliar as diferenças e críticas recíprocas. Os mais destacados economistas do PT daquela época, Maria da Conceição Tavares, Paul Singer e Aloizio Mercadante, martelaram a tecla de que se tratava de jogada eleitoreira. Não quiseram ver que se tratava de um esforço sério de reconstrução nacional, que aproveitou uma oportunidade de ouro para inovar práticas de gestão pública e dar outro rumo ao País. Como tampouco haviam visto que, por mais atribulada que tivesse sido a abertura da economia, sem ela estaríamos condenados à irrelevância num mundo que se globalizava.
A mesma cegueira impediu que se avaliasse com objetividade o esforço hercúleo para evitar que o sistema financeiro se desfizesse por sua fragilidade e pela voragem dos ataques especulativos. Proer, Proes e o respeito às regras da Basileia foram fundamentais para alcançar as benesses de hoje. Passamos pelo penoso aprendizado do sistema de metas para controlar a inflação e aprendemos a usar o câmbio flutuante, sujeito - como deve ser - à ação corretora do Banco Central. Esses processos, a despeito de críticas que lhes tenham sido feitas no passado, constituem agora um "patrimônio comum". O mesmo se diga sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi duramente criticada pelo PT e aliados e, hoje, é indiscutida, embora nem sempre aplicada com o rigor necessário. Isso revela amadurecimento do País.
Na área social o tripé correspondente ao da área econômica se compõe de: aumentos reais do salário mínimo, desde 1993; implementação a partir de 1997 das regras ditadas pela Lei Orgânica de Assistência Social, atribuindo uma pensão aos idosos e às pessoas com deficiências físicas de famílias pobres; e, por fim, bolsas que, com nomes variáveis, vêm sendo utilizadas com êxito desde o ano 2000. Esses programas, independentemente de que governo os tenha iniciado ou melhorado, tiveram o apoio de todos os partidos e da sociedade.
Infelizmente, nem em todas as áreas é assim. Sob pretexto de combater o neoliberalismo, joga-se no mesmo balaio toda política que não seja de idolatria ao "capitalismo de Estado", como se essa fosse a melhor maneira de servir ao interesse nacional e popular. Tal atitude revela um horror à forma liberal de capitalismo e à competição. Prefere-se substituir as empresas por repartições públicas e manter por trás delas um partido. No lugar do empresário ou da empresa a quem se poderia responsabilizar por seus atos e erros, coloca-se a burocracia como agente principal do desenvolvimento econômico, tendo o Estado como escudo. Supõe-se que Estado e povo, partido e povo, ou mesmo burocracia e povo têm interesses coincidentes. Outra coisa não faziam os partidos totalitários na Europa, os populistas na América Latina e as ditaduras militares.
Qualquer neófito sabe que sem Estado organizado não há capitalismo moderno nem sociedade democrática. Não se trata, portanto, da oposição infeliz e falaciosa de mais mercado e menos Estado nem de seu contrário. Na prática o neoliberalismo nunca prevaleceu no Brasil, nem depois do golpe de 1964 quando a dupla Campos-Bulhões reduziu a ingerência estatal para permitir maior vigor ao mercado. Mais recentemente, com a maré de privatizações iniciada no governo Sarney (com empresas siderúrgicas médias), prosseguida com Collor e Itamar (este privatizando a Embraer e a simbólica Siderúrgica Nacional) ou em meu governo (Telecomunicações, Rede Ferroviária Federal e Vale do Rio Doce), o que se estava buscando era tirar das costas do Tesouro o endividamento crescente de algumas dessas empresas produzido pela gestão burocrática sob controle partidário e dotá-las de meios para se expandirem. Passaram a crescer e o Tesouro, a receber impostos em quantidade maior do que os dividendos recebidos quando essas empresas eram formalmente "estatais". Mas o gasto público continuou a se expandir e o papel do governo nas políticas econômicas e na regulação continuou essencial.
Os resultados da nova política estão à vista. Algumas dessas empresas são hoje atores globais, marcos de um Brasil moderno internacionalmente respeitado. Outra não foi a motivação para transformar a Petrobrás, o Banco do Brasil ou a Caixa Econômica Federal em empresas saneadas e competitivas, sem que jamais governo algum cogitasse de privatizá-las. Foram dotadas da liberdade necessária para agirem como empresas, e não como extensão burocrática dos interesses políticos. Essa é a verdadeira questão e é isto que continua em jogo: Prosseguiremos nessa trilha, mantendo as agências regulatórias com a independência necessária para velarem pelos interesses do investidor e do consumidor ou regrediremos?
Na prática, o governo Lula se envaidece, como ainda agora, de que o Banco do Brasil ou a Petrobrás atuem como global players. Não retrocedeu em qualquer privatização, começou a fazer concessões das rodovias, cogita fazer o mesmo com os terminais aéreos, chega a simular um leilão para a concessão de Belo Monte, com o cuidado de dar (pra inglês ver, é verdade) a maioria do controle a empresas privadas. Por que, então, não deixar de lado a ideologia e o uso da pecha de neoliberal para desqualificar os avanços obtidos dos quais é usufruidor?
Se esse passo for dado, o debate eleitoral poderá se concentrar no que realmente conta: a preparação do País para enfrentar o mundo atual, que é da inovação e do conhecimento. As diferenças entre os contendores recairão sobre a verdadeira questão: Queremos um capitalismo no qual o Estado é ingerente, com uma burocracia permeada por influências partidárias e mais sujeita à corrupção, ou preferimos um capitalismo no qual o papel do Estado permanecerá básico, mas valorizará a liberdade empresarial, o controle público das decisões e a capacidade de gestão?

GOSTOSA

CLÓVIS ROSSI

Questão social, questão policial
CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SÃO PAULO - 02/05/10

SÃO PAULO - Era uma vez uma certeza: as obscenas pobreza e desigualdade brasileiras eram as principais responsáveis pela igualmente obscena violência urbana. Aí, veio uma expressiva redução da pobreza. Veio também uma queda na desigualdade entre assalariados, embora não tenha caído a brecha mais importante e mais espetacular, que é entre rendimento do capital e rendimento do trabalho.
Mas, como pobre só vê os muito ricos na televisão e nas revistas, o fato de ter diminuído a distância entre os que se cruzam todos os dias nas ruas só pode ter contribuído para reduzir igualmente a sensação de marginalidade.
Logo, a conclusão inescapável é a de que diminuiu a violência urbana, certo? Errado, mostram as estatísticas que esta Folha divulgou ontem, relativas justamente a um período (primeiro trimestre de 2010) em que a economia está bastante aquecida e, por extensão, aquece almas e corações de pobres e classe média (ricos nunca passaram frio, nem na idade do gelo na economia).
Aumentaram os homicídios, os roubos a bancos e os sequestros, talvez as categorias de crime que mais afetam o ânimo da população. Ainda mais que, onde melhorou (roubos e latrocínios, por exemplo), os números são ainda inaceitavelmente altos. É fatal concluir que a questão social continua sendo relevante, como é óbvio, mas não pode ser tomada como a única nem a principal causa da violência.
Há também uma questão policial, de que dá prova o Rio de Janeiro: a violência, que aumentava mesmo nos anos de queda da pobreza, só se reduziu com as UPPs -Unidade de Polícia Pacificadora-, que recuperaram territórios antes dominados pela delinquência. Tomara que neste ano, de eleições também estaduais, esse duplo enfoque passe a fazer parte do discurso dos candidatos.

ELIO GASPARI

Dilma está sob o efeito da Lei de Murphy
ELIO GASPARI
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/05/10
 
A nação petista está diante de uma manifestação virulenta de uma versão 2.0 da Lei de Murphy: “Quando uma coisa pode dar errado ela dá errado. Quando uma coisa pode dar ce Em poucas semanas, tudo o que podia dar errado para Dilma Rousseff errado deu. Uma visita ao túmulo de Tancredo Neves acabou em encrenca. (Quem se lembra de outra pessoa criticada por visitar cemitério?) Arriscou fazer uma omelete diante da apresentadora Luciana Gimenez e contentou-se com ovos mexidos. A mocinha da Passeata dos Cem Mil não era ela, mas Norma Bengell. Ciro Gomes, que em 2005 foi um dos administradores da crise do mensalão, saiu da campanha presidencial atirando em Dilma e massageando José Serra, o “mais preparado, mais legítimo, mais capaz”. Ciro conhece sua ex-colega de Ministério: “Durante meses, amanheci todos os dias às 7 da manhã no Planalto. Eu, Dilma Rousseff e Marcio Thomaz Bastos. A gente passava a manhã inteira debatendo a crise, procurando saídas para o problema. Depois, despachávamos com Lula”, contou ele à repórter Daniel Pinheiro. 

José Serra entrou em campo livre das chuvas paulistas, com um PSDB unido, beijou Aécio Neves, subiu nas pesquisas e, muito provavelmente, está numa linha ascendente. Serra propôs a criação de um ministério da Segurança e viu-se aplaudido. Se outro candidato fizesse o mesmo, seria acusado de oferecer o mais surrado e inútil dos emplastros burocráticos. (Como o PT criou o Ministério da Pesca, é melhor que evite o tema.)

Os efeitos da Lei de Murphy 2.0 são sempre transitórios. Ora as coisas começam a dar certo, ora dão errado para o adversário, mas para que isso aconteça é preciso que o candidato faça alguma coisa. Até hoje Dilma Rousseff apresentou-se como a candidata de Lula e perguntou a um grupo de entrevistadores da revista “Época”: “Vocês acham que eu tenho cara de poste?” Como não há postes com cara de Dilma, a frase é boa, mas não quer dizer nada. Faltam seis meses para a eleição, e ela ainda não mostrou um rosto. Ganha uma viagem de ida a Cuba quem puder escrever 20 linhas sobre o tema “O que ela traz de novo?” 

A ideia de que seja possível avançar na campanha sem responder a essa pergunta é suicida. Supor que o problema possa ser resolvido em conversas com Lula, a quem chamou de “Grande Mestre”, presume que Nosso Guia tem os poderes de Yoda, o sábio de “Guerra nas Estrelas”. Uma conversa de Dilma com Lula só será decisiva a partir das angústias e dificuldades que ela tiver contado ao padrinho. 

Se o PT e Dilma Rousseff acreditam que vencerão pela força de uma gravidade eleitoral de Lula, o mês de maio começa com uma advertência: há muita roda e pouca baiana. 

O @pocalipse cibernético, na versão beta 
Richard Clarke, o ex-czar antiterrorista do governo americano botou na rua, nos Estados Unidos, um livro aterrorizador. Chama-se “Ciber Guerra – A Próxima Ameaça à Segurança Nacional e o que fazer diante dela”. Clarke tem autoridade para falar de perigos. Trabalhou na Casa Branca de Bill Clinton e George Bush, e nenhum dos dois prestava muita atenção quando ele falava numa tal de Al-Qaeda. No dia 11 de setembro de 2001, com as torres em chamas, avisou: “Eles gostam de ações simultâneas. Isso pode ser o início.” 
O cenário de “Ciber Guerra” é aterrorizante. Clarke sustenta que a China tem centenas de PhDs trabalhando em planos de ataques cibernéticos e a Rússia já agrediu, com sucesso, as redes de computadores da Estônia e da Geórgia. Some-se a essas agressões a invasão americana dos computadores iranianos, anarquizando arquivos do seu programa nuclear, da qual ele não fala. 

Clarke montou um cenário de guerra cibernética durante o qual, em uma hora, entram em colapso redes de distribuição de energia, tráfego financeiro e controle de transportes, mais um pedaço do sistema de defesa e das comunicações do governo americano. O resultado disso será um imenso apagão, choques de trens e aviões, engarrafamentos de trânsito, explosões em refinarias e oleodutos. Três dias depois, o abastecimento entra em colapso e começam os saques. Radicalizando: um ataque cibernético a centrais de reparos on-line de copiadoras poderia emitir comandos que provocassem o superaquecimento das máquinas e incêndios. Segundo Clarke, nada disso aconteceu até hoje pelo mesmo motivo que nenhum dos nove países do clube atômico jamais usaram as suas bombas: ausência de um objetivo imediato e medo da reação da vítima. 

“Cyber War” defende um aperto nos controles do governo sobre a rede e, por conta disso, Clarke é acusado de fazer terrorismo. Ele sustenta seu @pocalipse com argumentos técnicos, mas, num ponto, circula informações corrompidas. Exemplificando o principal episódio de colapso de uma rede de distribuição de energia por meio da ação de hackers, citou o caso que, segundo ele, foi comprovado pela CIA, de um apagão ocorrido em 2003 no Brasil. Segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico, não houve apagão no Brasil em 2003.

PM tóxica 
Se o tucanato tiver juízo, mantém a PM longe do campus da USP, cujos funcionários resolveram entrar em greve. 
Há dois anos, durante o governo de José Serra, ex-presidente da UNE, a tropa de choque da PM desocupou o diretório da Faculdade de Direito, que havia sido invadido por um condomínio que incluía movimentos estranhos à escola, como o MST. 
Uma pancadaria semelhante à de junho do ano passado é tudo de que a militância sindical precisa. Na ocasião, havia pelo menos um sargento da PM armado de metralhadora. 

Dantas prevaleceu 
Desde 2004 o banqueiro Daniel Dantas come o pão que Asmodeu amassou, acusado de ter contratado a empresa de segurança Kroll para espionar autoridades brasileiras. O comissário Luiz Gushiken chegou a dizer que as xeretagens eram “ilegais e sórdidas” e assegurou que “a Justiça vai dar um tratamento adequado a essa questão”. 
Na semana passada, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região arquivou o processo movido pelo Ministério Público contra Dantas e outros 14 acusados, entre eles uma servidora da PF.
Em casos desse tipo, os cidadãos veem-se acusados ao som de uma orquestra sinfônica e, quando os processos são arquivados pelo Judiciário, ouve-se apenas o choro de um cavaquinho. 

Suposição 
O refresco dado por Ciro Gomes às qualidades de José Serra pode ter uma explicação cearense. Ele põe açúcar na sua aliança com o tucano Tasso Jereissati na campanha estadual. 

PAC-3 
Nos próximos quatro domingos o signatário se dedicará ao preparo e à realização das obras do PAC-3. Ou seja, fará nada.