O GLOBO - 12/04
Mais uma vez, o povo na rua. Grande parte de nossa esperança está depositada na sociedade. Ela é quem pode dinamizar a mudança. A maioria vai gritar "Fora Dilma", "Fora PT". Não há espaço agora para outras palavras. No entanto, a saída de Dilma é apenas o começo. Vai ser preciso um ajuste econômico. Todos deveriam se informar e tomar posição sobre ele. O governo Dilma não se mexe na redução de ministérios e cargos de confiança. Não há um projeto sério de contenção de gastos com a máquina. E sem isso, o impacto do ajuste, aumentando impostos e cortando benefícios sociais, dificilmente será digerido pelo Congresso e pela própria sociedade.
O Congresso é passível de suborno com verbas e cargos. A sociedade, não. Mas um simples ajuste econômico merecia um pouco mais de reflexão para além deste domingo.
Vale a pena retomar um crescimento apoiado no consumo de carros e eletrodomésticos? É possível superar a limitação do voo da galinha na economia brasileira, achar um caminho sustentável?
Os rios brasileiros estão exauridos. Vamos continuar a destruição? A Califórnia luta há anos com a escassez de água. É um estado que sempre soube se reinventar. Abriga a indústria do cinema, o Vale do Silício. Apesar de toda a experiência, a crise atual ameaça seu futuro.
Cada vez que um grande movimento vai às ruas pedindo a saída de Dilma, ela, na realidade, vai saindo aos pouquinhos. Hoje não controla a política, nem a economia. Inaugura, faz discursos para a claque. Apegado à negação de seus erros, o PT é quase um fantasma. Seu líder na Câmara é Sibá Machado. Ele acha que as manifestações do dia 15 e também as de hoje são organizadas pela CIA. E foi ao ministro da Fazenda pedir novos financiamentos para as empreiteiras do Lava-Jato.
A tendência é achar que o Sibá Machado não existe, que é criação de algum escritor dedicado ao realismo fantástico. Mas Sibá existe e ocupa a liderança de um partido com 64 deputados na Câmara. Como foi possível Dilma ser presidente do Brasil? Como foi possível Sibá Machado tornar-se o líder de um partido que está no poder há 12 anos?
Não há espaço para explicar tudo. Mas Dilma é fruto da vontade de Lula, que detesta a ideia de surgirem outros líderes no partido. Sibá é o fruto da disciplina de quem espera na fila a hora do revezamento. Todos podem ser líderes, independentemente de estarem preparados. É a hora e a vez de Sibá Machado.
Estamos atravessando uma atmosfera de "Cem anos de solidão". Sibá pede mais dinheiro público para quem nos roubou. Dilma afirma que sua tarefa é recuperar a Petrobras, que ela e o PT destruíram. Não acredito que sejam cômicos por vocação, embora o Sibá leve muito jeito. Isaac Deutscher, o grande biógrafo de Trotsky, demonstra que muitas vezes os governos fazem bobagem porque já não têm mais margem de manobra.
O buraco em que o PT se meteu é mais grave do que a estreiteza da margem de manobra. É a escolha de quem se agarra à negação para fugir da realidade. Por isso é que, além dos incômodos da crise, do assalto às estatais e fundos de pensão, o PT irrita. São muitas as pessoas simples que se sentem não apenas assaltadas como contribuintes, mas desrespeitadas pelo cinismo oficial.
Já é um lugar comum afirmar que vivemos a maior crise dos últimos tempos. Nela, entretanto, há um dado essencial: aparato político burocrático segue afirmando que a realidade é a que vê e não a compartilhada por milhões de pessoas na rua.
O que pode acontecer numa situação dessas? Collor saiu de nariz empinado e submergiu alguns anos. Ele chamava verde e amarelo, aparecia preto. O PT chama vermelho, aparecem verde e amarelo.
O curto circuito pictórico parece não dizer nada para eles. No fundo, havia em Collor uma espécie de orgulho pessoal. No PT, há uma confiança na manipulação. O partido no poder escolheu o caminho mais espinhoso. Seu líder na Câmara parece delirar, mas apenas quer cumprir suas tarefas elementares de negação.
O assalto à Petrobras não existiu. As manifestações foram arquitetadas pela CIA, e as empreiteiras, coitadinhas, precisam de grana oficial para financiar nossas campanhas. E os marqueteiros nos observam como jacarés tomando sol. Daqui a pouco vão entrar em ação para convencer a todos que o Brasil é maravilhoso e vai ficar melhor ainda.
É assim que a negação se reflete numa alma simples como a de Sibá Machado. Ele vem de uma região marcada pelas experiência místicas com a ayahuasca, planta que provoca visões. Um pouco distante dali, mas também na Amazônia, o pastor Jim Jones comandou um suicídio coletivo.
Na hora e vez de Sibá, o próprio inferno será refrigerado. Ganha-se muito dinheiro quando se passa pela cadeia, como fez José Dirceu. E há sempre Cuba e Venezuela para um recuo estratégico.
Vamos para a rua fingindo que os agentes da CIA nos organizam. No fundo, sabemos que se dependêssemos deles, correríamos o risco de uma grande trapalhada.
Mas pra que contrariar Sibá Machado e o PT na sua fase tardia ? De uma certa forma, já não estão entre nós. Morreram para o debate racional.
domingo, abril 12, 2015
Começou o terceiro mandato da doutora - ELIO GASPARI
FOLHA DE SP - 12/04
Dilma prometeu uma coisa, tentou outra e vai começar tudo de novo, com Levy, Temer, mais PMDB e menos PT
O primeiro mandato da doutora Dilma foi de 2011 a dezembro de 2014. O segundo durou 97 dias. Teve vida mais curta que o de Napoleão entre sua fuga da ilha de Elba e a batalha de Waterloo. O terceiro começou na semana passada. Nada tem a ver com o que a candidata prometeu ou com o que tentou fazer. Para um governo que se meteu em tantas trapalhadas em tão pouco tempo, qualquer previsão será um exercício astrológico. De qualquer maneira, ninguém de boa-fé poderá dizer que Guido Mantega seria melhor ministro do que Joaquim Levy. Da mesma forma, trocar o aloprado "núcleo duro" de Aloizio Mercadante por Michel Temer indica que terminou o período de articulação do caos.
Temer teve a astúcia de assumir uma função sem ocupar qualquer cargo. Um bom indicador para a sua fé no trato com a doutora será a leitura de sua agenda. No dia em que for anunciado que, por alguma razão, ele viajou para o exterior, estará dado o sinal de que desistiu.
O comissário Tarso Genro queixou-se dizendo que "para o bem e para o mal: PT é cada vez mais acessório no governo". Qual PT? O da Papuda e de João Vaccari ou o de Sérgio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes? A referência a fundadores mortos deve-se à falta de exemplos seguros entre os vivos que estão sem bússola.
Para o bem, a perda de influência do PT significa estancar a produção de maluquices a que ele se entregou. Coisas como plebiscitos, Constituinte exclusiva, voto de lista ou mesmo a convocação do "exército" de João Pedro Stedile (com quentinha ou sem quentinha?).
O breve segundo mandato da doutora fritou-se. O terceiro, socorrido por Temer, exigirá dela tocar o expediente, valendo-se do apoio de seus aliados. Essas duas funções não podem ser terceirizadas, são atribuições da Presidência da República. Se o novo mandato tiver menos marquetagem e mais trabalho, quem sabe, dará certo.
ANAC ÀS MOSCAS
A doutora Dilma entregou a coordenação política do governo a Michel Temer. Pelo andar da carruagem precisará arrumar um coordenador de governo. É difícil, mas alguém pode achar que oito meses é um prazo aceitável para a escolha de um ministro do Supremo.
Na Agência Nacional de Aviação Civil a situação é pior. A Anac tem cinco diretorias. Três estão vagas. A primeira delas desde 2013, quando o titular foi defenestrado no rastro de um escândalo. A terceira vagou há três semanas. Estão brincando com fogo. Em 12 anos o setor passou a 34 milhões de passageiros/ano para 101 milhões em 2014. É o terceiro do mundo, perdendo só para os EUA e a China, e as tarifas caíram 40%.
A alta do dólar e a retração da economia podem roubar uma das joias da coroa do PT, devolvendo o andar de baixo para as rodoviárias.
PORTA GIRATÓRIA
O senador Ataides Oliveira (PSDB-TO) quer uma CPI para investigar os ilícitos cometidos no Conselho de Administração de Recursos Fiscais. A ideia poderá expandir o tema. Se recuar muito, arrisca-se chegar ao século 16, quando os caetés comeram o provedor Antonio Cardoso de Barros, o primeiro secretário da Receita de Pindorama. A porta giratória que transformava auditores aposentados em consultores de empresas autuadas que recorriam ao Carf para reduzir seus débitos foi lubrificada no início da década de 90. Desde então rodou invicta, até que chegou a Polícia Federal.
PAVIO CURTO
Ao lidar com a repercussão de suas falas desastradas, o ministro Joaquim Levy já deu uma demonstração de que anda com pavio curto.
FRANCES PERKINS
O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, contou que acaba de ler uma biografia de Frances Perkins, a mulher fenomenal a quem Franklin Roosevelt entregou a Secretaria do Trabalho em 1933.
Barbosa deveria distribuir uma tradução desse livro ("The Woman Behind the New Deal" - "A mulher por trás do New Deal") aos comissários que lidam com os chamados "movimentos sociais" para que conhecessem uma pessoa de quem poucos terão ouvido falar.
Tendo sido uma das personagens mais poderosas de Washington ao longo dos 12 anos em que Roosevelt ocupou a Presidência, ao sair do governo teve que batalhar por empregos de segunda. Pegara fama de esquerdista e sempre vivera do salário. Nem endereço tinha. Arrumou-se com um quarto na Universidade Cornell. Morreu em 1965, aos 85 anos, cega e surda, em heroica pobreza.
Ela ajudou a criar a Previdência Social americana, a proteção aos desempregados, o salário mínimo e as leis que proibiram o trabalho infantil. Quase todo o crédito foi para Roosevelt e, o que sobrou, para sua mulher Eleanor. Isso nunca a incomodou, pois tinha horror a jornalistas.
Perkins batia duro. No dia em que assumiu o cargo, seu antecessor, fazendo-se de desentendido, disse que sairia para almoçar. Ela mandou que suas coisas fossem tiradas do escritório e mandadas para casa. Começou a trabalhar espantando a barata que estava numa gaveta e foi adiante expulsando ratos bípedes.
Frances Perkins não tinha agenda pessoal. Duas coisas a moviam: a fé na religião e a vontade de trabalhar pelo andar de baixo.
O SOFTWARE VENCIDO DAS EMPREITEIRAS
As bancas de defesa dos empreiteiros capturados pela Lava Jato continuam tentando usar nesse processo o software usado com êxito na Operação Castelo de Areia. Algo como tentar rodar um programa AppleWorks no sistema OS 10 do Macintosh. Em 2009 a Polícia Federal chegou a um ninho de roubalheiras provadas e documentadas. Seu trabalho foi desossado pelos advogados dos maganos a partir de objeções processuais e há pouco o Supremo Tribunal Federal sepultou-o.
O último sonho da turma que está presa em Curitiba foi o de obter do STF a anulação dos depoimentos de Alberto Youssef em sua colaboração com a Viúva. Morreu numa decisão do ministro Dias Toffoli. Amparada num parecer do ex-ministro do STJ Gilson Dipp, a defesa argumentava que Youssef não merecia crédito porque já fechara dois acordos de colaboração e mentira em ambos. Se esse raciocínio prevalecesse, quebraria uma perna da Lava Jato.
Dipp entende do assunto, mas a ideia de que velhas mentiras devessem impedir um novo acordo é meio girafa.
O mafioso Tommaso Buscetta, preso no Brasil em 1972, foi extraditado para a Itália, fez um acordo com o juiz Giovanni Falcone (flor do orquidário de Sergio Moro) e expôs boa parte das ações da Máfia. Ajudou bastante, mas também mentiu e recusou-se a falar de políticos.
Em 1992 a Máfia dinamitou o carro do juiz Falcone, matando-o. Buscetta começou uma nova rodada de colaboração e nela entregou as conexões da Máfia com políticos, inclusive o ex-primeiro ministro Giulio Andreotti. Graças a essa nova fase detonou o coração da Máfia com o poder.
Pela doutrina de Dipp, as provas apresentadas por ele depois da morte de Falcone seriam "imprestáveis", pois as omitira na primeira colaboração.
Dilma prometeu uma coisa, tentou outra e vai começar tudo de novo, com Levy, Temer, mais PMDB e menos PT
O primeiro mandato da doutora Dilma foi de 2011 a dezembro de 2014. O segundo durou 97 dias. Teve vida mais curta que o de Napoleão entre sua fuga da ilha de Elba e a batalha de Waterloo. O terceiro começou na semana passada. Nada tem a ver com o que a candidata prometeu ou com o que tentou fazer. Para um governo que se meteu em tantas trapalhadas em tão pouco tempo, qualquer previsão será um exercício astrológico. De qualquer maneira, ninguém de boa-fé poderá dizer que Guido Mantega seria melhor ministro do que Joaquim Levy. Da mesma forma, trocar o aloprado "núcleo duro" de Aloizio Mercadante por Michel Temer indica que terminou o período de articulação do caos.
Temer teve a astúcia de assumir uma função sem ocupar qualquer cargo. Um bom indicador para a sua fé no trato com a doutora será a leitura de sua agenda. No dia em que for anunciado que, por alguma razão, ele viajou para o exterior, estará dado o sinal de que desistiu.
O comissário Tarso Genro queixou-se dizendo que "para o bem e para o mal: PT é cada vez mais acessório no governo". Qual PT? O da Papuda e de João Vaccari ou o de Sérgio Buarque de Holanda e Florestan Fernandes? A referência a fundadores mortos deve-se à falta de exemplos seguros entre os vivos que estão sem bússola.
Para o bem, a perda de influência do PT significa estancar a produção de maluquices a que ele se entregou. Coisas como plebiscitos, Constituinte exclusiva, voto de lista ou mesmo a convocação do "exército" de João Pedro Stedile (com quentinha ou sem quentinha?).
O breve segundo mandato da doutora fritou-se. O terceiro, socorrido por Temer, exigirá dela tocar o expediente, valendo-se do apoio de seus aliados. Essas duas funções não podem ser terceirizadas, são atribuições da Presidência da República. Se o novo mandato tiver menos marquetagem e mais trabalho, quem sabe, dará certo.
ANAC ÀS MOSCAS
A doutora Dilma entregou a coordenação política do governo a Michel Temer. Pelo andar da carruagem precisará arrumar um coordenador de governo. É difícil, mas alguém pode achar que oito meses é um prazo aceitável para a escolha de um ministro do Supremo.
Na Agência Nacional de Aviação Civil a situação é pior. A Anac tem cinco diretorias. Três estão vagas. A primeira delas desde 2013, quando o titular foi defenestrado no rastro de um escândalo. A terceira vagou há três semanas. Estão brincando com fogo. Em 12 anos o setor passou a 34 milhões de passageiros/ano para 101 milhões em 2014. É o terceiro do mundo, perdendo só para os EUA e a China, e as tarifas caíram 40%.
A alta do dólar e a retração da economia podem roubar uma das joias da coroa do PT, devolvendo o andar de baixo para as rodoviárias.
PORTA GIRATÓRIA
O senador Ataides Oliveira (PSDB-TO) quer uma CPI para investigar os ilícitos cometidos no Conselho de Administração de Recursos Fiscais. A ideia poderá expandir o tema. Se recuar muito, arrisca-se chegar ao século 16, quando os caetés comeram o provedor Antonio Cardoso de Barros, o primeiro secretário da Receita de Pindorama. A porta giratória que transformava auditores aposentados em consultores de empresas autuadas que recorriam ao Carf para reduzir seus débitos foi lubrificada no início da década de 90. Desde então rodou invicta, até que chegou a Polícia Federal.
PAVIO CURTO
Ao lidar com a repercussão de suas falas desastradas, o ministro Joaquim Levy já deu uma demonstração de que anda com pavio curto.
FRANCES PERKINS
O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, contou que acaba de ler uma biografia de Frances Perkins, a mulher fenomenal a quem Franklin Roosevelt entregou a Secretaria do Trabalho em 1933.
Barbosa deveria distribuir uma tradução desse livro ("The Woman Behind the New Deal" - "A mulher por trás do New Deal") aos comissários que lidam com os chamados "movimentos sociais" para que conhecessem uma pessoa de quem poucos terão ouvido falar.
Tendo sido uma das personagens mais poderosas de Washington ao longo dos 12 anos em que Roosevelt ocupou a Presidência, ao sair do governo teve que batalhar por empregos de segunda. Pegara fama de esquerdista e sempre vivera do salário. Nem endereço tinha. Arrumou-se com um quarto na Universidade Cornell. Morreu em 1965, aos 85 anos, cega e surda, em heroica pobreza.
Ela ajudou a criar a Previdência Social americana, a proteção aos desempregados, o salário mínimo e as leis que proibiram o trabalho infantil. Quase todo o crédito foi para Roosevelt e, o que sobrou, para sua mulher Eleanor. Isso nunca a incomodou, pois tinha horror a jornalistas.
Perkins batia duro. No dia em que assumiu o cargo, seu antecessor, fazendo-se de desentendido, disse que sairia para almoçar. Ela mandou que suas coisas fossem tiradas do escritório e mandadas para casa. Começou a trabalhar espantando a barata que estava numa gaveta e foi adiante expulsando ratos bípedes.
Frances Perkins não tinha agenda pessoal. Duas coisas a moviam: a fé na religião e a vontade de trabalhar pelo andar de baixo.
O SOFTWARE VENCIDO DAS EMPREITEIRAS
As bancas de defesa dos empreiteiros capturados pela Lava Jato continuam tentando usar nesse processo o software usado com êxito na Operação Castelo de Areia. Algo como tentar rodar um programa AppleWorks no sistema OS 10 do Macintosh. Em 2009 a Polícia Federal chegou a um ninho de roubalheiras provadas e documentadas. Seu trabalho foi desossado pelos advogados dos maganos a partir de objeções processuais e há pouco o Supremo Tribunal Federal sepultou-o.
O último sonho da turma que está presa em Curitiba foi o de obter do STF a anulação dos depoimentos de Alberto Youssef em sua colaboração com a Viúva. Morreu numa decisão do ministro Dias Toffoli. Amparada num parecer do ex-ministro do STJ Gilson Dipp, a defesa argumentava que Youssef não merecia crédito porque já fechara dois acordos de colaboração e mentira em ambos. Se esse raciocínio prevalecesse, quebraria uma perna da Lava Jato.
Dipp entende do assunto, mas a ideia de que velhas mentiras devessem impedir um novo acordo é meio girafa.
O mafioso Tommaso Buscetta, preso no Brasil em 1972, foi extraditado para a Itália, fez um acordo com o juiz Giovanni Falcone (flor do orquidário de Sergio Moro) e expôs boa parte das ações da Máfia. Ajudou bastante, mas também mentiu e recusou-se a falar de políticos.
Em 1992 a Máfia dinamitou o carro do juiz Falcone, matando-o. Buscetta começou uma nova rodada de colaboração e nela entregou as conexões da Máfia com políticos, inclusive o ex-primeiro ministro Giulio Andreotti. Graças a essa nova fase detonou o coração da Máfia com o poder.
Pela doutrina de Dipp, as provas apresentadas por ele depois da morte de Falcone seriam "imprestáveis", pois as omitira na primeira colaboração.
Razão conhecida - MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 12/04
Fatos concretos sustentam a mudança de humor do país. Chegamos neste domingo, 12 de abril, com uma coleção de razões para o descontentamento. Nada foi fabricado pela imprensa nem pela oposição. Não há conspirações nem conjuração dos astros contra o governo. Quase um milhão de pessoas entraram no time dos sem emprego, a inflação pulou para 8%, os juros subiram e os cintos foram apertados.
Se o brasileiro estivesse feliz com a conjuntura econômica é que seria estranho, porque o trimestre foi tenebroso: inflação, estagnação, juros e desemprego aumentando; contas públicas em colapso. O que fora negado foi diariamente confirmado durante os 100 primeiros dias de governo. O governo se desdisse o tempo todo. Quem votou na presidente se sentiu ludibriado pelas afirmações falsas da campanha; quem não votou tem sentido revolta ao ver a confirmação dos motivos do seu voto.
Não houve uma explicação sequer para uma mudança radical de curso para os seus eleitores. Quem estava contra o governo firmou convicções; quem era a favor não sabe o que pensar nem o que dizer a amigos e familiares. Esta foi uma eleição em que o ódio foi cultivado, principalmente pelos militantes oficiais. Famílias brigaram, amizades foram rompidas, divisões se aprofundaram. O governo teria que ter tido a noção de todo esse cenário, mas agravou contradições com as acusações contra supostos adversários.
Diariamente, durante 100 dias, o governo deu motivo de desgosto aos brasileiros. Houve uma sucessão de números recordes ou históricos. A pior inflação de março em 20 anos, o maior rombo fiscal desde 1997, o crescimento forte da dívida pública, o aumento exponencial dos preços da energia, novos impostos e muitas notícias sobre o propinoduto descoberto na Petrobras.
Há um ano, em fevereiro de 2014, o então deputado do PT e vice-presidente da Câmara André Vargas recebeu com o punho levantado o então presidente do supremo tribunal Federal ( STF)Joaquim Barbosa. Era um protesto pelas prisões do ex-Ministro José Dirceu e do ex-presidente do PT José Genoíno. Vargas mesmo disse que esse era um gesto símbolo do partido. No centésimo dia do segundo mandato, André Vargas foi para a prisão na 11ª fase da Operação Lava-Jato.
Na quinta- feira, a imagem de roedores lançados no chão da CPI da Petrobras, enquanto o tesoureiro do PT falava, correu mundo e foi para as primeiras páginas dos jornais. Era simbólico e triste. Na CPI, com direito conquistado na Justiça de não falar a verdade, o tesoureiro e réu da Lava-Jato João Vaccari Neto fez um depoimento incoerente. Admitiu que foi se encontrar com Alberto Yousseff, o doleiro preso no escândalo. Perguntado sobre o motivo da sua ida, deu uma resposta inusitada: "Essa dúvida eu também tenho". O tesoureiro do PT não sabe por que vai aonde vai. Tudo assim muito duvidoso neste começo de mandato.
A presidente Dilma disse que a Petrobras "deu a volta por cima" e "limpou o que tinha de limpar". Mas a estatal não divulgou balanço auditado ainda, foi rebaixada, e está em meio a uma saraivada de ações nos tribunais internacionais, de investidores públicos e privados que investiram na empresa e perderam recursos por causa da corrupção. Ela se colocou em vários momentos como a defensora da Petrobras contra os que a atacam, numa inversão dos fatos que irrita qualquer pessoa bem informada. O governo e seus aliados atacaram a Petrobras. Quem a defende é o Ministério Público, a Justiça e Polícia Federal no Paraná.
A inflação incomoda e irrita os consumidores. Essa é a boa herança que o país preservou do processo de estabilização da economia. Depois de meio século sendo leniente com o processo inflacionário e tendo visto o extremo a que pode chegar esse mal insidioso, o brasileiro decidiu há 20 anos não tolerar inflação alta.
Esta escalada dos preços foi contratada pelo governo no mandato anterior com seus erros, suas postergações de reajustes, suas manobras. E 8% é além da conta, além do teto da meta, mais do que o brasileiro está disposto a suportar. Sem dúvida, esse é um dos motivos da queda abrupta do apoio à presidente Dilma. Tudo o que sustenta a rejeição à presidente é fato. É tudo verdade.
Fatos concretos sustentam a mudança de humor do país. Chegamos neste domingo, 12 de abril, com uma coleção de razões para o descontentamento. Nada foi fabricado pela imprensa nem pela oposição. Não há conspirações nem conjuração dos astros contra o governo. Quase um milhão de pessoas entraram no time dos sem emprego, a inflação pulou para 8%, os juros subiram e os cintos foram apertados.
Se o brasileiro estivesse feliz com a conjuntura econômica é que seria estranho, porque o trimestre foi tenebroso: inflação, estagnação, juros e desemprego aumentando; contas públicas em colapso. O que fora negado foi diariamente confirmado durante os 100 primeiros dias de governo. O governo se desdisse o tempo todo. Quem votou na presidente se sentiu ludibriado pelas afirmações falsas da campanha; quem não votou tem sentido revolta ao ver a confirmação dos motivos do seu voto.
Não houve uma explicação sequer para uma mudança radical de curso para os seus eleitores. Quem estava contra o governo firmou convicções; quem era a favor não sabe o que pensar nem o que dizer a amigos e familiares. Esta foi uma eleição em que o ódio foi cultivado, principalmente pelos militantes oficiais. Famílias brigaram, amizades foram rompidas, divisões se aprofundaram. O governo teria que ter tido a noção de todo esse cenário, mas agravou contradições com as acusações contra supostos adversários.
Diariamente, durante 100 dias, o governo deu motivo de desgosto aos brasileiros. Houve uma sucessão de números recordes ou históricos. A pior inflação de março em 20 anos, o maior rombo fiscal desde 1997, o crescimento forte da dívida pública, o aumento exponencial dos preços da energia, novos impostos e muitas notícias sobre o propinoduto descoberto na Petrobras.
Há um ano, em fevereiro de 2014, o então deputado do PT e vice-presidente da Câmara André Vargas recebeu com o punho levantado o então presidente do supremo tribunal Federal ( STF)Joaquim Barbosa. Era um protesto pelas prisões do ex-Ministro José Dirceu e do ex-presidente do PT José Genoíno. Vargas mesmo disse que esse era um gesto símbolo do partido. No centésimo dia do segundo mandato, André Vargas foi para a prisão na 11ª fase da Operação Lava-Jato.
Na quinta- feira, a imagem de roedores lançados no chão da CPI da Petrobras, enquanto o tesoureiro do PT falava, correu mundo e foi para as primeiras páginas dos jornais. Era simbólico e triste. Na CPI, com direito conquistado na Justiça de não falar a verdade, o tesoureiro e réu da Lava-Jato João Vaccari Neto fez um depoimento incoerente. Admitiu que foi se encontrar com Alberto Yousseff, o doleiro preso no escândalo. Perguntado sobre o motivo da sua ida, deu uma resposta inusitada: "Essa dúvida eu também tenho". O tesoureiro do PT não sabe por que vai aonde vai. Tudo assim muito duvidoso neste começo de mandato.
A presidente Dilma disse que a Petrobras "deu a volta por cima" e "limpou o que tinha de limpar". Mas a estatal não divulgou balanço auditado ainda, foi rebaixada, e está em meio a uma saraivada de ações nos tribunais internacionais, de investidores públicos e privados que investiram na empresa e perderam recursos por causa da corrupção. Ela se colocou em vários momentos como a defensora da Petrobras contra os que a atacam, numa inversão dos fatos que irrita qualquer pessoa bem informada. O governo e seus aliados atacaram a Petrobras. Quem a defende é o Ministério Público, a Justiça e Polícia Federal no Paraná.
A inflação incomoda e irrita os consumidores. Essa é a boa herança que o país preservou do processo de estabilização da economia. Depois de meio século sendo leniente com o processo inflacionário e tendo visto o extremo a que pode chegar esse mal insidioso, o brasileiro decidiu há 20 anos não tolerar inflação alta.
Esta escalada dos preços foi contratada pelo governo no mandato anterior com seus erros, suas postergações de reajustes, suas manobras. E 8% é além da conta, além do teto da meta, mais do que o brasileiro está disposto a suportar. Sem dúvida, esse é um dos motivos da queda abrupta do apoio à presidente Dilma. Tudo o que sustenta a rejeição à presidente é fato. É tudo verdade.
Casa de Orates - SACHA CALMON
CORREIO BRAZILIENSE - 12/04
Nada nos irrita mais que os fiscos brasileiros, seja o federal, estaduais e municipais. Não excluo o fisco trabalhista e incluo, com força máxima, a fiscalização das contribuições ditas previdenciárias, de resto vítimas de tredestinação (desvio para atender despesas não previdenciárias). Agora é esse caso do CARF. As matérias ganhadas pelos contribuintes sobre dedutibilidade de ágios, inclusive internos, juros sobre capital próprio ou legitimidade de atos de economia de impostos são absolutamente morais, jurídicos e corretos. O governo esperneia pelo valor do que deixou de achacar dos empresários, embora ganhe 95% dos recursos no CARF.
Acho graça da conduta da grande imprensa. Repetem que os "conselheiros reduziram multas" a troco de propina. Mas as multas - se esqueceram de analisar - são descomunais, absurdas, escorchantes e o CARF tem competência legal para reduzi-las. Alardeiam que o governo perdeu R$ 18 bilhões. Deixou mesmo foi de transferir para si dinheiro alheio, ganho a duras penas. Não descarto propinas. Essa é outra questão. Desconfio que o governo quer anular os julgamentos do CARF. Isso é inaceitável. Apurem, comprovem e punam seus funcionários corruptos mais não toquem nas espécies julgadas. Ainda temos juízes para impedir esse absurdo.
Outro dia ouvi no rádio que as empresas de call center foram autuadas em R$ 700 milhões. Foram acusadas de terceirização. Os diligentes e pretensiosos fiscais do trabalho acham que elas são fraudulentas. Os funcionários deveriam ser fichados nas empresas clientes como empregados, sujeitados aos tributos e encargos devidos. Então cometeram duas idiotices. Consideraram os call centers empresas de fachada, mas as autuaram assim mesmo, como se fossem, por exemplo parte de um grupo de empresas (na visão deles deveria ser assim). Querem, com ideias atrasadas, impedir a auto-organização das empresas que geram riqueza. Os senhores fiscais são como que os agentes da Coroa Real, os donos da verdade a serviço do rei, contra o princípio da legalidade.
Para os fiscais da Previdência, igualmente, toda relação de prestação de serviços é fraudulenta, camufla sempre relação de emprego. Continuam a perturbar o ambiente de negócios do Brasil, sequela do petismo sindical.
A novidade agora é incluir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) na base de cálculo da contribuição patronal sobre o faturamento, o que é de uma imbecilidade assustadora, ante o posicionamento do Judiciário. A estimativa é que a nova discussão traga impacto de aproximadamente R$ 10,1 bilhões aos cofres da União, dos quais R$ 3,25 bilhões, em 2015, e R$ 6,85 bilhões considerando-se os últimos cinco anos. Nada é devido. Na hora de devolver alegarão perda de R$ 10 bilhões, argumento ad terrorem.
Desde o início da política de desoneração da folha de pagamentos, em 2011, instituída pela Medida Provisória (MP) nº 563, convertida na Lei nº 12.546, diversos setores ficaram obrigados a recolher 1% sobre a receita bruta de contribuição patronal. Antes, o pagamento correspondia a 20% sobre a folha de salários. A alteração assim havida levou a Secretaria da Receita Federal a publicar orientação estabelecendo que o ICMS está incluso na base de cálculo da Contribuição Patronal Sobre a Receita Bruta. Tolice. O ICMS é receita estadual. Para o Fisco, o ICMS faz parte do conceito de faturamento, o que gera aumento da contribuição final. O mesmo sistema é adotado pela Receita para o cálculo do PIS e da Cofins - tema julgado pelo supremo tribunal Federal (STF) com resultado favorável aos contribuintes (com base na relevância da questão e do imenso número de processos versando a mesma matéria).
Somente 15 anos após entrar na pauta do STF, no dia 9 de outubro do ano passado, a Corte decidiu que o ICMS não compõe a base de cálculo da Cofins. A discussão bilionária foi definida por sete votos a dois. Apesar do entendimento favorável ao contribuinte, o resultado do julgamento surpreendentemente valeu apenas para a autora do processo - a empresa Auto Americano Distribuidor de Peças. Os ministros vão analisar ainda outras duas ações que valerão para todos os contribuintes. Até lá teremos insegurança jurídica. A única conclusão possível a ser tirada é essa: o Brasil é como a casa de Orates, ou seja, uma morada de malucos.
Defendo o incidente de inconstitucionalidade prévio. Um caso como o que estamos comentando deveria ir direto para o STF e julgado em 30 dias (precedente obrigatório). Teríamos um país funcional. O Supremo quando julga, décadas se passaram com consequências nefastas para toda a nação. Mas o Fisco cobra e executa nosso patrimônio, à moda dos reis. Não que seja culpa da Suprema Corte do Brasil, a mais atarefada do mundo pela imensidão de competências que lhe deram os constituintes de 1988.
Nada nos irrita mais que os fiscos brasileiros, seja o federal, estaduais e municipais. Não excluo o fisco trabalhista e incluo, com força máxima, a fiscalização das contribuições ditas previdenciárias, de resto vítimas de tredestinação (desvio para atender despesas não previdenciárias). Agora é esse caso do CARF. As matérias ganhadas pelos contribuintes sobre dedutibilidade de ágios, inclusive internos, juros sobre capital próprio ou legitimidade de atos de economia de impostos são absolutamente morais, jurídicos e corretos. O governo esperneia pelo valor do que deixou de achacar dos empresários, embora ganhe 95% dos recursos no CARF.
Acho graça da conduta da grande imprensa. Repetem que os "conselheiros reduziram multas" a troco de propina. Mas as multas - se esqueceram de analisar - são descomunais, absurdas, escorchantes e o CARF tem competência legal para reduzi-las. Alardeiam que o governo perdeu R$ 18 bilhões. Deixou mesmo foi de transferir para si dinheiro alheio, ganho a duras penas. Não descarto propinas. Essa é outra questão. Desconfio que o governo quer anular os julgamentos do CARF. Isso é inaceitável. Apurem, comprovem e punam seus funcionários corruptos mais não toquem nas espécies julgadas. Ainda temos juízes para impedir esse absurdo.
Outro dia ouvi no rádio que as empresas de call center foram autuadas em R$ 700 milhões. Foram acusadas de terceirização. Os diligentes e pretensiosos fiscais do trabalho acham que elas são fraudulentas. Os funcionários deveriam ser fichados nas empresas clientes como empregados, sujeitados aos tributos e encargos devidos. Então cometeram duas idiotices. Consideraram os call centers empresas de fachada, mas as autuaram assim mesmo, como se fossem, por exemplo parte de um grupo de empresas (na visão deles deveria ser assim). Querem, com ideias atrasadas, impedir a auto-organização das empresas que geram riqueza. Os senhores fiscais são como que os agentes da Coroa Real, os donos da verdade a serviço do rei, contra o princípio da legalidade.
Para os fiscais da Previdência, igualmente, toda relação de prestação de serviços é fraudulenta, camufla sempre relação de emprego. Continuam a perturbar o ambiente de negócios do Brasil, sequela do petismo sindical.
A novidade agora é incluir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) na base de cálculo da contribuição patronal sobre o faturamento, o que é de uma imbecilidade assustadora, ante o posicionamento do Judiciário. A estimativa é que a nova discussão traga impacto de aproximadamente R$ 10,1 bilhões aos cofres da União, dos quais R$ 3,25 bilhões, em 2015, e R$ 6,85 bilhões considerando-se os últimos cinco anos. Nada é devido. Na hora de devolver alegarão perda de R$ 10 bilhões, argumento ad terrorem.
Desde o início da política de desoneração da folha de pagamentos, em 2011, instituída pela Medida Provisória (MP) nº 563, convertida na Lei nº 12.546, diversos setores ficaram obrigados a recolher 1% sobre a receita bruta de contribuição patronal. Antes, o pagamento correspondia a 20% sobre a folha de salários. A alteração assim havida levou a Secretaria da Receita Federal a publicar orientação estabelecendo que o ICMS está incluso na base de cálculo da Contribuição Patronal Sobre a Receita Bruta. Tolice. O ICMS é receita estadual. Para o Fisco, o ICMS faz parte do conceito de faturamento, o que gera aumento da contribuição final. O mesmo sistema é adotado pela Receita para o cálculo do PIS e da Cofins - tema julgado pelo supremo tribunal Federal (STF) com resultado favorável aos contribuintes (com base na relevância da questão e do imenso número de processos versando a mesma matéria).
Somente 15 anos após entrar na pauta do STF, no dia 9 de outubro do ano passado, a Corte decidiu que o ICMS não compõe a base de cálculo da Cofins. A discussão bilionária foi definida por sete votos a dois. Apesar do entendimento favorável ao contribuinte, o resultado do julgamento surpreendentemente valeu apenas para a autora do processo - a empresa Auto Americano Distribuidor de Peças. Os ministros vão analisar ainda outras duas ações que valerão para todos os contribuintes. Até lá teremos insegurança jurídica. A única conclusão possível a ser tirada é essa: o Brasil é como a casa de Orates, ou seja, uma morada de malucos.
Defendo o incidente de inconstitucionalidade prévio. Um caso como o que estamos comentando deveria ir direto para o STF e julgado em 30 dias (precedente obrigatório). Teríamos um país funcional. O Supremo quando julga, décadas se passaram com consequências nefastas para toda a nação. Mas o Fisco cobra e executa nosso patrimônio, à moda dos reis. Não que seja culpa da Suprema Corte do Brasil, a mais atarefada do mundo pela imensidão de competências que lhe deram os constituintes de 1988.
O pré-sal revisitado - SUELY CALDAS
O ESTADO DE S.PAULO - 12/04
Críticas e contestações deixaram o esconderijo e o tititi dos bastidores e passaram a ser públicas e escancaradas. Elas têm partido de ministros recém-nomeados e o alvo é exatamente a própria presidente Dilma Rousseff, que os nomeou. Ao empossar o novo ministro da Educação, na terça-feira, Dilma fez uma vigorosa defesa do modelo de partilha para o petróleo do pré-sal: "O que está em jogo na luta do controle do pré-sal é a nossa soberania, o futuro do nosso país e da educação", afirmou.
Seu ministro de Minas e Energia, o peemedebista Eduardo Braga, pensa diferente: "Teremos de revisitar as regras para conteúdo local na indústria de petróleo e também o modelo de partilha do pré-sal", anunciou dois dias depois, em sessão pública no Senado, desconstruindo os dois mitos (o primeiro criado por Lula e o segundo, por Dilma) que até agora ninguém no governo ousava contestar. E, no rastro da impopularidade e da perda de poder da presidente, o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, veio a público condenar a política econômica do primeiro mandato, reduzindo-a a um "keynesianismo vulgar". Falar nisso, por onde anda o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin, criador do "keynesianismo vulgar"? Ele precisa explicar à população as "pedaladas fiscais" e tantas outras toscas invencionices suas que produziram os problemas que vivemos hoje.
Esses erros do primeiro mandato têm custado caro aos brasileiros, mas também à presidente, que viu desabar sua popularidade e foi obrigada a entregar sua autoridade política ao PMDB, nas figuras do vice-presidente, Michel Temer, e dos presidentes da Câmara e do Senado. Na sequência da queda de poder de Dilma, seus ministros deixam de lado o temor de represálias e das famosas broncas de Dilma para dar eco às críticas que vêm das ruas. Eis que, de repente transformado de cordeiro em lobo, o PMDB passou a defender a autonomia do Banco Central, redução do número de ministérios de 39 para 20 e a revisão de outras sagradas bandeiras do PT, de Lula e de Dilma.
Se já era necessário antes, agora, com a Petrobrás debilitada por tanta roubalheira e má gestão, a política de conteúdo local na indústria de petróleo e o modelo de partilha no pré-sal tornaram-se uma inescapável imposição da realidade. Se as regras não forem revistas, mais uma vez a população será punida porque não haverá leilões de novas áreas e o óleo vai ficar inerte no fundo do mar, sem gerar riqueza, renda e empregos para os brasileiros. Da mesma forma se intensificará a falta de plataformas, sondas e embarcações para extrair petróleo se não mudarem as regras de conteúdo local, que obrigam a montagem desses equipamentos por uma indústria naval nacional incapaz de entregá-los no prazo, com algumas empresas falindo e a holding Sete Brasil (responsável pela compra das plataformas) sem crédito e candidata a dar um calote de R$ 12 bilhões que ameaça sua sobrevivência.
A descoberta de uma rede de corrupção que drenava dinheiro para partidos políticos e o abalo que produziu na saúde financeira da Petrobrás - rebaixamento na classificação de risco, crédito mais difícil e caro, sem dinheiro para tocar investimentos, perda de prestígio aqui e lá fora - tiraram da estatal condições para cumprir as exigências do marco regulatório do pré-sal. Cadê o fôlego financeiro para ela continuar como a única empresa operadora dos campos do pré-sal e obrigada a desembolsar, no mínimo, 30% de todo o dinheiro ali investido? A regra já nasceu errada, porque desde o início já se sabia que a Petrobrás não poderia cumpri-la. Menos ainda agora. Foi um dos maiores erros da presidente Dilma quando ministra da Casa Civil, mas que ela teima em não reconhecê-lo, muito menos em corrigi-lo. E quem paga pelos caprichos da teimosia de dona Dilma são a Petrobrás e os brasileiros.
Se o propósito é maximizar recursos para a educação com a venda do petróleo do pré-sal, que se duplique ou triplique o valor de royalties e taxas pagos pelas empresas que vierem a explorar o óleo, mas que não se transfira à população o ônus de uma decisão errada.
Críticas e contestações deixaram o esconderijo e o tititi dos bastidores e passaram a ser públicas e escancaradas. Elas têm partido de ministros recém-nomeados e o alvo é exatamente a própria presidente Dilma Rousseff, que os nomeou. Ao empossar o novo ministro da Educação, na terça-feira, Dilma fez uma vigorosa defesa do modelo de partilha para o petróleo do pré-sal: "O que está em jogo na luta do controle do pré-sal é a nossa soberania, o futuro do nosso país e da educação", afirmou.
Seu ministro de Minas e Energia, o peemedebista Eduardo Braga, pensa diferente: "Teremos de revisitar as regras para conteúdo local na indústria de petróleo e também o modelo de partilha do pré-sal", anunciou dois dias depois, em sessão pública no Senado, desconstruindo os dois mitos (o primeiro criado por Lula e o segundo, por Dilma) que até agora ninguém no governo ousava contestar. E, no rastro da impopularidade e da perda de poder da presidente, o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, veio a público condenar a política econômica do primeiro mandato, reduzindo-a a um "keynesianismo vulgar". Falar nisso, por onde anda o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin, criador do "keynesianismo vulgar"? Ele precisa explicar à população as "pedaladas fiscais" e tantas outras toscas invencionices suas que produziram os problemas que vivemos hoje.
Esses erros do primeiro mandato têm custado caro aos brasileiros, mas também à presidente, que viu desabar sua popularidade e foi obrigada a entregar sua autoridade política ao PMDB, nas figuras do vice-presidente, Michel Temer, e dos presidentes da Câmara e do Senado. Na sequência da queda de poder de Dilma, seus ministros deixam de lado o temor de represálias e das famosas broncas de Dilma para dar eco às críticas que vêm das ruas. Eis que, de repente transformado de cordeiro em lobo, o PMDB passou a defender a autonomia do Banco Central, redução do número de ministérios de 39 para 20 e a revisão de outras sagradas bandeiras do PT, de Lula e de Dilma.
Se já era necessário antes, agora, com a Petrobrás debilitada por tanta roubalheira e má gestão, a política de conteúdo local na indústria de petróleo e o modelo de partilha no pré-sal tornaram-se uma inescapável imposição da realidade. Se as regras não forem revistas, mais uma vez a população será punida porque não haverá leilões de novas áreas e o óleo vai ficar inerte no fundo do mar, sem gerar riqueza, renda e empregos para os brasileiros. Da mesma forma se intensificará a falta de plataformas, sondas e embarcações para extrair petróleo se não mudarem as regras de conteúdo local, que obrigam a montagem desses equipamentos por uma indústria naval nacional incapaz de entregá-los no prazo, com algumas empresas falindo e a holding Sete Brasil (responsável pela compra das plataformas) sem crédito e candidata a dar um calote de R$ 12 bilhões que ameaça sua sobrevivência.
A descoberta de uma rede de corrupção que drenava dinheiro para partidos políticos e o abalo que produziu na saúde financeira da Petrobrás - rebaixamento na classificação de risco, crédito mais difícil e caro, sem dinheiro para tocar investimentos, perda de prestígio aqui e lá fora - tiraram da estatal condições para cumprir as exigências do marco regulatório do pré-sal. Cadê o fôlego financeiro para ela continuar como a única empresa operadora dos campos do pré-sal e obrigada a desembolsar, no mínimo, 30% de todo o dinheiro ali investido? A regra já nasceu errada, porque desde o início já se sabia que a Petrobrás não poderia cumpri-la. Menos ainda agora. Foi um dos maiores erros da presidente Dilma quando ministra da Casa Civil, mas que ela teima em não reconhecê-lo, muito menos em corrigi-lo. E quem paga pelos caprichos da teimosia de dona Dilma são a Petrobrás e os brasileiros.
Se o propósito é maximizar recursos para a educação com a venda do petróleo do pré-sal, que se duplique ou triplique o valor de royalties e taxas pagos pelas empresas que vierem a explorar o óleo, mas que não se transfira à população o ônus de uma decisão errada.
Para abrir as portas ao investimento - LUIZ ROBERTO NASCIMENTO SILVA
O GLOBO - 12/04
Lucro é visto como algo indesejável, pecaminoso, como se a pobreza derivasse da ganância dos empresários. Mauá foi perseguido por Dom Pedro II
Jorge Paulo Lemann e seus sócios históricos Marcel Telles e Beto Sicupira, através da 3G Capital em nova associação com Warren Buffet, a terceira fortuna do mundo, fundiram a Heinz, de propriedade do grupo, com a Kraft, numa operação de US$ 45 bilhões de dólares. Com isso, está criada a terceira maior companhia de alimentos do EUA e a quinta do mundo. Sobre a trajetória de Lemann e o trio já existem livros. Sobre a operação que tem como lógica para os dois grupos a sinergia e a economia de custos, a imprensa vem digerindo e explicando. O principal foi dito.
O objetivo deste artigo é fazer uma análise diferente. O primeiro ponto a se ressaltar é que os maiores e mais recentes negócios da 3G Capital foram feitos todos no exterior. Com eles, o trio galgou posições no ranking dos bilionários mundiais. O que podemos concluir disso? Haveria uma aversão a investir no Brasil? Creio que não. As Lojas Americanas foram o embrião da entrada deles no comércio e varejo e a compra da Brahma, do ingresso na indústria. O que podemos deduzir é que o ambiente comercial e jurídico do Brasil torna impossível a expansão da vida empresarial na escala atual em que ela é exigida.
Temos uma mentalidade de ódio ao empreendedorismo. Os séculos de uma formação patrimonialista estatal ancorada na escravidão e no latifúndio deixaram estruturas poderosas no inconsciente coletivo da nossa sociedade. A dádiva das Capitanias Hereditárias. O lucro é visto como algo indesejável, pecaminoso, como se a pobreza derivasse da ganância dos empresários. Mauá foi perseguido por Dom Pedro II como um verdadeiro inimigo.
Abraham Lincoln, o mais icônico presidente americano, apesar de sua origem humilde, tem uma famosa passagem quando adverte: “Não criarás prosperidade se desestimulares a poupança. Não ajudarás o assalariado se arruinares aquele que o paga. Não ajudarás o pobre se eliminares os ricos”. No Brasil atual, seria taxado de reacionário.
Numa fusão como a que foi feita, é fundamental a confiança e a seriedade dos elementos contábeis e fiscais. Vejam: a maior parte dos US$ 45 bilhões será uma troca de participação acionária entre os dois grupos, sendo a diferença em favor do grupo Kraft paga por um dividendo especial. Sem essa confiança e fidúcia, como fazer um negócio como esse? A nossa ex-maior empresa nacional encontra dificuldades contínuas de apresentar seu balanço ao mercado.
Do ponto de vista jurídico, temos que reconhecer que as dificuldades não seriam menores. Temos um sistema jurídico no qual as discussões se eternizam e, quando temos decisões definitivas, as situações fáticas já estão tão alteradas que muitas vezes elas não têm mais aproveitamento. Os credores que aguardam seus precatórios sabem que são donos de causas que atravessam gerações. O juízo arbitral foi criado, mas muitas vezes as empresas que a ele recorrem, depois tornam a discutir a mesma matéria no Judiciário.
Na área tributária há muito que se sabe que a capacidade de uma empresa reverter uma autuação fiscal só existe judicialmente, uma vez que a instância administrativa é sempre arrecadadora. Talvez por essa razão sejam feitas permanentes anistias fiscais quando se reduzem multas exorbitantes e juros, como forma de o setor privado desistir das demandas e assim o Estado aumentar sua arrecadação.
Penso que essa associação econômica mundial possa ser uma excelente oportunidade para pensarmos nosso país. Por que não possuímos um ambiente econômico moderno que permita que grandes investimentos possam vir para o Brasil? O mundo é invenção. Precisamos reinventar nosso futuro.
Lucro é visto como algo indesejável, pecaminoso, como se a pobreza derivasse da ganância dos empresários. Mauá foi perseguido por Dom Pedro II
Jorge Paulo Lemann e seus sócios históricos Marcel Telles e Beto Sicupira, através da 3G Capital em nova associação com Warren Buffet, a terceira fortuna do mundo, fundiram a Heinz, de propriedade do grupo, com a Kraft, numa operação de US$ 45 bilhões de dólares. Com isso, está criada a terceira maior companhia de alimentos do EUA e a quinta do mundo. Sobre a trajetória de Lemann e o trio já existem livros. Sobre a operação que tem como lógica para os dois grupos a sinergia e a economia de custos, a imprensa vem digerindo e explicando. O principal foi dito.
O objetivo deste artigo é fazer uma análise diferente. O primeiro ponto a se ressaltar é que os maiores e mais recentes negócios da 3G Capital foram feitos todos no exterior. Com eles, o trio galgou posições no ranking dos bilionários mundiais. O que podemos concluir disso? Haveria uma aversão a investir no Brasil? Creio que não. As Lojas Americanas foram o embrião da entrada deles no comércio e varejo e a compra da Brahma, do ingresso na indústria. O que podemos deduzir é que o ambiente comercial e jurídico do Brasil torna impossível a expansão da vida empresarial na escala atual em que ela é exigida.
Temos uma mentalidade de ódio ao empreendedorismo. Os séculos de uma formação patrimonialista estatal ancorada na escravidão e no latifúndio deixaram estruturas poderosas no inconsciente coletivo da nossa sociedade. A dádiva das Capitanias Hereditárias. O lucro é visto como algo indesejável, pecaminoso, como se a pobreza derivasse da ganância dos empresários. Mauá foi perseguido por Dom Pedro II como um verdadeiro inimigo.
Abraham Lincoln, o mais icônico presidente americano, apesar de sua origem humilde, tem uma famosa passagem quando adverte: “Não criarás prosperidade se desestimulares a poupança. Não ajudarás o assalariado se arruinares aquele que o paga. Não ajudarás o pobre se eliminares os ricos”. No Brasil atual, seria taxado de reacionário.
Numa fusão como a que foi feita, é fundamental a confiança e a seriedade dos elementos contábeis e fiscais. Vejam: a maior parte dos US$ 45 bilhões será uma troca de participação acionária entre os dois grupos, sendo a diferença em favor do grupo Kraft paga por um dividendo especial. Sem essa confiança e fidúcia, como fazer um negócio como esse? A nossa ex-maior empresa nacional encontra dificuldades contínuas de apresentar seu balanço ao mercado.
Do ponto de vista jurídico, temos que reconhecer que as dificuldades não seriam menores. Temos um sistema jurídico no qual as discussões se eternizam e, quando temos decisões definitivas, as situações fáticas já estão tão alteradas que muitas vezes elas não têm mais aproveitamento. Os credores que aguardam seus precatórios sabem que são donos de causas que atravessam gerações. O juízo arbitral foi criado, mas muitas vezes as empresas que a ele recorrem, depois tornam a discutir a mesma matéria no Judiciário.
Na área tributária há muito que se sabe que a capacidade de uma empresa reverter uma autuação fiscal só existe judicialmente, uma vez que a instância administrativa é sempre arrecadadora. Talvez por essa razão sejam feitas permanentes anistias fiscais quando se reduzem multas exorbitantes e juros, como forma de o setor privado desistir das demandas e assim o Estado aumentar sua arrecadação.
Penso que essa associação econômica mundial possa ser uma excelente oportunidade para pensarmos nosso país. Por que não possuímos um ambiente econômico moderno que permita que grandes investimentos possam vir para o Brasil? O mundo é invenção. Precisamos reinventar nosso futuro.
Soluções para o STF - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 12/04
A dificuldade que a presidente Dilma está encontrando para escolher o novo Ministro do supremo tribunal Federal na vaga de Joaquim Barbosa, com receio de que o Senado vete o nome indicado pelo Palácio do Planalto, poderia ser superada com a adoção de uma medida tomada por Getúlio Vargas em julho de 1933, recuperada pelo advogado e historiador Alberto Venâncio, da Academia Brasileira de Letras.
O presidente da República simplesmente pediu ao Supremo uma lista quíntupla para preenchimento da vaga de Soriano de Sousa. É preciso salientar, destaca Venâncio, que não houve nenhum corporativismo, pois na lista havia dois advogados, Carlos Maximiliano, posteriormente Ministro da Corte, e Levi Carneiro, que foi juiz da Corte Internacional de Haia.
Costa Manso, o escolhido, com a maioria das indicações (dez votos, o que indica que ele apareceu na lista de todos os membros do STF), foi desembargador do Tribunal de São Paulo, presidente do Tribunal de Justiça e colaborou em várias leis estaduais, e teve no supremo tribunal atuação destacada.
A demora para a indicação do novo Ministro, que já está atrapalhando votações nas Turmas do STFdevido à possibilidade de empate, tem provocado reações de alguns ministros. A situação insólita faz com que o STF trabalhe há mais de oito meses sem o plenário de 11 membros completo, e supera a média de 150 dias que Dilma tem levado para escolha de novos ministros do Supremo: foram 204 dias para nomear o Ministro Luís Roberto Barroso, 62 dias para o Ministro Teori Zavascki, 132 dias para a ministra Rosa Weber e 195 dias para o Ministro Luiz Fux.
Os presidentes anteriores nem de perto se aproximaram desse recorde, inclusive Lula, que indicou oito membros para o Supremo, e a indicação mais demorada foi a da Ministra Cármen Lúcia, que levou 57 dias. Itamar Franco foi o presidente que indicou mais rápido: levou apenas dois dias para nomear Mauricio Correa Ministro do Supremo.
O constitucionalista Gustavo Binenbojm lembra que assunto poderia ter até mesmo relação direta com um pedido de impeachment de Dilma, embora a Constituição não fixe um prazo para a Presidente fazer a indicação. Mas bastaria que alguma entidade legitimada (partido político, entidade de classe, mesa da Câmara ou do Senado, procurador- geral da República, por exemplo) ajuizasse uma Ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Aí, como se trata de omissão de providência administrativa, o Supremo poderia fixar um prazo de 30 dias para que a presidente efetuasse a indicação e submetesse o nome à apreciação do Senado, de acordo com o artigo 102, parágrafo 2 º , da Constituição. Caso a presidente persistisse na omissão, aí estaria caracterizado o descumprimento de ordem judicial e, por conseguinte, o crime de responsabilidade previsto no art. 85, inciso VII, da Constituição.
Há uma Ação direta de inconstitucionalidade ( Adin) ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) com pedido um pouco diferente. Eles pedem que o Supremo fixe um prazo, e caso tal prazo decorra sem que haja a indicação, que o Supremo declare que a competência se transferiu para o Senado.
O Ministro Teori Zavascki rejeitou a petição inicial, "a meu ver com razão, pois o Supremo não pode legislar, muito menos para alterar a própria Constituição", explica o constitucionalista. Seria uma ironia, ressalta Binenbojm, que, diante desse mar de corrupção, a presidente sofresse o impeachment por conta de uma situação como essa. "Mas, na hipótese mais provável, o Supremo zelaria pela sua dignidade e a obrigaria a fazer logo a indicação."
A dificuldade que a presidente Dilma está encontrando para escolher o novo Ministro do supremo tribunal Federal na vaga de Joaquim Barbosa, com receio de que o Senado vete o nome indicado pelo Palácio do Planalto, poderia ser superada com a adoção de uma medida tomada por Getúlio Vargas em julho de 1933, recuperada pelo advogado e historiador Alberto Venâncio, da Academia Brasileira de Letras.
O presidente da República simplesmente pediu ao Supremo uma lista quíntupla para preenchimento da vaga de Soriano de Sousa. É preciso salientar, destaca Venâncio, que não houve nenhum corporativismo, pois na lista havia dois advogados, Carlos Maximiliano, posteriormente Ministro da Corte, e Levi Carneiro, que foi juiz da Corte Internacional de Haia.
Costa Manso, o escolhido, com a maioria das indicações (dez votos, o que indica que ele apareceu na lista de todos os membros do STF), foi desembargador do Tribunal de São Paulo, presidente do Tribunal de Justiça e colaborou em várias leis estaduais, e teve no supremo tribunal atuação destacada.
A demora para a indicação do novo Ministro, que já está atrapalhando votações nas Turmas do STFdevido à possibilidade de empate, tem provocado reações de alguns ministros. A situação insólita faz com que o STF trabalhe há mais de oito meses sem o plenário de 11 membros completo, e supera a média de 150 dias que Dilma tem levado para escolha de novos ministros do Supremo: foram 204 dias para nomear o Ministro Luís Roberto Barroso, 62 dias para o Ministro Teori Zavascki, 132 dias para a ministra Rosa Weber e 195 dias para o Ministro Luiz Fux.
Os presidentes anteriores nem de perto se aproximaram desse recorde, inclusive Lula, que indicou oito membros para o Supremo, e a indicação mais demorada foi a da Ministra Cármen Lúcia, que levou 57 dias. Itamar Franco foi o presidente que indicou mais rápido: levou apenas dois dias para nomear Mauricio Correa Ministro do Supremo.
O constitucionalista Gustavo Binenbojm lembra que assunto poderia ter até mesmo relação direta com um pedido de impeachment de Dilma, embora a Constituição não fixe um prazo para a Presidente fazer a indicação. Mas bastaria que alguma entidade legitimada (partido político, entidade de classe, mesa da Câmara ou do Senado, procurador- geral da República, por exemplo) ajuizasse uma Ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Aí, como se trata de omissão de providência administrativa, o Supremo poderia fixar um prazo de 30 dias para que a presidente efetuasse a indicação e submetesse o nome à apreciação do Senado, de acordo com o artigo 102, parágrafo 2 º , da Constituição. Caso a presidente persistisse na omissão, aí estaria caracterizado o descumprimento de ordem judicial e, por conseguinte, o crime de responsabilidade previsto no art. 85, inciso VII, da Constituição.
Há uma Ação direta de inconstitucionalidade ( Adin) ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) com pedido um pouco diferente. Eles pedem que o Supremo fixe um prazo, e caso tal prazo decorra sem que haja a indicação, que o Supremo declare que a competência se transferiu para o Senado.
O Ministro Teori Zavascki rejeitou a petição inicial, "a meu ver com razão, pois o Supremo não pode legislar, muito menos para alterar a própria Constituição", explica o constitucionalista. Seria uma ironia, ressalta Binenbojm, que, diante desse mar de corrupção, a presidente sofresse o impeachment por conta de uma situação como essa. "Mas, na hipótese mais provável, o Supremo zelaria pela sua dignidade e a obrigaria a fazer logo a indicação."
A origem - ELIANE CANTANHÊDE
O Estado de S. Paulo - 12/04
Começa a ficar clara a resposta a uma dúvida crucial do escândalo histórico da Petrobrás: o ovo ou a galinha? Um cartel de empreiteiras aliciou políticos, ou partidos do governo manipularam um cartel de empreiteiras? A Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça Federal começam a desvendar o mistério com o nome nada sutil da nova fase da Operação Lava Jato: A Origem.
O início de tudo isso não foi um cartel de empresas desses que existe desde sempre, nem foi uma corrupção, digamos, trivial. A verdadeira origem da sangria da Petrobrás foi um esquema armado por partidos e políticos no poder a partir de 2003.
Primeiro, a Lava Jato prendeu doleiros, ex-diretores da Petrobrás e grandes executivos de empreiteiras, deixando de lado os parlamentares, que têm o foro privilegiado do Supremo Tribunal Federal. Comeu pelas bordas, até chegar no ponto central, ou na "origem": os políticos.
Sem poderes para botar a mão em senadores, deputados e governadores, a Justiça Federal do Paraná chegou ao chamado "cerne da questão" por vias indiretas: prendendo na sexta-feira três ex-deputados, ou seja, três políticos sem mandato e sem foro privilegiado: André Vargas, ex-petista, Luiz Argôlo, do Solidariedade, e Pedro Corrêa, o reincidente do PP, já preso pelo mensalão.
Essas prisões vão definindo os sujeitos e compondo a narrativa com calma e clareza, com princípio, meio, fim. Também ampliam o raio de ação, que deixa de ser unicamente a Petrobrás e suas contratadas, chega à Caixa Econômica Federal e atinge a própria administração direta, com o Ministério da Saúde no foco.
Como sempre, as quantias são de tirar o fôlego: R$ 40 milhões para cá, R$ 80 milhões para lá... De uma coisa não se pode acusar os bandidos de colarinho branco no Brasil: não são nada modestos. Tudo é na casa de milhões, senão bilhões.
Enquanto isso, a presidente Dilma Rousseff investe na sua "agenda positiva" e é capaz de tirar fotos fazendo coraçãozinho com as duas mãos e até de dizer que a Petrobrás está uma beleza. Agora, além de entrega de casas populares, ela ganhou de presente do Facebook o "Banda Larga para todos", muito importante, aliás.
Bem, Dilma tem mesmo de correr atrás do prejuízo, dando uma entrevista atrás da outra para a mídia estrangeira e encontrando-se com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no Panamá, para marcar a viagem a Washington ainda neste semestre, tentar recuperar a confiança, atrair investimentos e reabrir vias comerciais da maior potência e do maior mercado do planeta. Não era sem tempo. E como o Brasil anda precisando!
Isso remete a um regime parlamentarista. Dilma como chefe de Estado, ou "chanceler", enquanto o vice Michel Temer e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, como chefes de governo, dividem os dissabores da crise econômica e política e disputam as glórias de primeiros-ministros.
Para Fernando Henrique Cardoso, a liderança de Dilma "está abalada". Para Aécio Neves, a entrega da política para Temer foi "renúncia branca". Mas não custa lembrar que o PSDB surgiu em 1988 com a bandeira do parlamentarismo e, nesse regime, quem cai não é o presidente, não é Dilma.
Se o ajuste fiscal e a economia derem com os burros n'água, Levy cai. Se a política explodir, Temer explode junto. Mas a presidente - ou "rainha da Inglaterra", como definem os mais ácidos - só renuncia se quiser ou se sofrer um impeachment à moda presidencialista, o que parece muito improvável.
Dilma está jogando nacos de poder às feras, mas não é dessas de renunciar. E, como admitem gregos e troianos, oposicionistas e governistas, o impeachment não depende só de Lula, PT, PMDB e muito menos só de PSDB, DEM e PPS. Depende das ruas.
Segundo todas as previsões, as manifestações deste domingo, 12 de abril de 2015, deverão ser bem menores do que as 15 de março. Mas são esses atos que dão luzes, ou rumos, ao governo, aos políticos e aos analistas. Cabe observar. E aprender.
Começa a ficar clara a resposta a uma dúvida crucial do escândalo histórico da Petrobrás: o ovo ou a galinha? Um cartel de empreiteiras aliciou políticos, ou partidos do governo manipularam um cartel de empreiteiras? A Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça Federal começam a desvendar o mistério com o nome nada sutil da nova fase da Operação Lava Jato: A Origem.
O início de tudo isso não foi um cartel de empresas desses que existe desde sempre, nem foi uma corrupção, digamos, trivial. A verdadeira origem da sangria da Petrobrás foi um esquema armado por partidos e políticos no poder a partir de 2003.
Primeiro, a Lava Jato prendeu doleiros, ex-diretores da Petrobrás e grandes executivos de empreiteiras, deixando de lado os parlamentares, que têm o foro privilegiado do Supremo Tribunal Federal. Comeu pelas bordas, até chegar no ponto central, ou na "origem": os políticos.
Sem poderes para botar a mão em senadores, deputados e governadores, a Justiça Federal do Paraná chegou ao chamado "cerne da questão" por vias indiretas: prendendo na sexta-feira três ex-deputados, ou seja, três políticos sem mandato e sem foro privilegiado: André Vargas, ex-petista, Luiz Argôlo, do Solidariedade, e Pedro Corrêa, o reincidente do PP, já preso pelo mensalão.
Essas prisões vão definindo os sujeitos e compondo a narrativa com calma e clareza, com princípio, meio, fim. Também ampliam o raio de ação, que deixa de ser unicamente a Petrobrás e suas contratadas, chega à Caixa Econômica Federal e atinge a própria administração direta, com o Ministério da Saúde no foco.
Como sempre, as quantias são de tirar o fôlego: R$ 40 milhões para cá, R$ 80 milhões para lá... De uma coisa não se pode acusar os bandidos de colarinho branco no Brasil: não são nada modestos. Tudo é na casa de milhões, senão bilhões.
Enquanto isso, a presidente Dilma Rousseff investe na sua "agenda positiva" e é capaz de tirar fotos fazendo coraçãozinho com as duas mãos e até de dizer que a Petrobrás está uma beleza. Agora, além de entrega de casas populares, ela ganhou de presente do Facebook o "Banda Larga para todos", muito importante, aliás.
Bem, Dilma tem mesmo de correr atrás do prejuízo, dando uma entrevista atrás da outra para a mídia estrangeira e encontrando-se com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no Panamá, para marcar a viagem a Washington ainda neste semestre, tentar recuperar a confiança, atrair investimentos e reabrir vias comerciais da maior potência e do maior mercado do planeta. Não era sem tempo. E como o Brasil anda precisando!
Isso remete a um regime parlamentarista. Dilma como chefe de Estado, ou "chanceler", enquanto o vice Michel Temer e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, como chefes de governo, dividem os dissabores da crise econômica e política e disputam as glórias de primeiros-ministros.
Para Fernando Henrique Cardoso, a liderança de Dilma "está abalada". Para Aécio Neves, a entrega da política para Temer foi "renúncia branca". Mas não custa lembrar que o PSDB surgiu em 1988 com a bandeira do parlamentarismo e, nesse regime, quem cai não é o presidente, não é Dilma.
Se o ajuste fiscal e a economia derem com os burros n'água, Levy cai. Se a política explodir, Temer explode junto. Mas a presidente - ou "rainha da Inglaterra", como definem os mais ácidos - só renuncia se quiser ou se sofrer um impeachment à moda presidencialista, o que parece muito improvável.
Dilma está jogando nacos de poder às feras, mas não é dessas de renunciar. E, como admitem gregos e troianos, oposicionistas e governistas, o impeachment não depende só de Lula, PT, PMDB e muito menos só de PSDB, DEM e PPS. Depende das ruas.
Segundo todas as previsões, as manifestações deste domingo, 12 de abril de 2015, deverão ser bem menores do que as 15 de março. Mas são esses atos que dão luzes, ou rumos, ao governo, aos políticos e aos analistas. Cabe observar. E aprender.
A burocracia que contamina o ambiente de negócios - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 12/04
Custo da selva de exigências legais, demora para cumprir obrigações como pagamento de impostos e outras imposições contribuem para fragilizar o poder de competição do país
Quase tão antigos quanto a enraizada burocracia na vida nacional são os programas de governo que acenam com a sua supressão. Mesmo durante a ditadura de Vargas, com todo o emaranhado dos tentáculos do Estado Novo na administração pública, foram empreendidas ações visando à modernização da máquina pública. Desde então, praticamente não se passou uma geração sem que a desburocratização fosse um compromisso do poder público com o cidadão e as empresas. Kubitschek, Jango e os governos militares, por exemplo, criaram comissões e até mesmo ministérios (caso de Castelo e Figueiredo, este com a Pasta da Desburocratização que foi entregue a Hélio Beltrão).
No entanto, a todas essas iniciativas a burocracia resistiu, e poucos foram os legados (o ministério de Beltrão, por exemplo, deu ao país os juizados de pequenas causas e o Estatuto da Microempresa). O governo Dilma, reconheça-se, tem feito esforços nesse sentido — o mais recente deles, o lançamento do Programa Bem Mais Simples e o Sistema Nacional de Baixa Integrada de Empresas, em fevereiro. Também foram passos positivos a implantação do Supersimples, em 2007, e a criação do MEI (Microempreendedor Individual). Não se sabe ainda se terão força para sobreviver, tornando-se, em lugar de passageiros programas de governo, institutos de uma perene política de Estado.
Apesar desses esforços, o país padece, e muito, com uma cultura de administração pública que estimula a burocracia. A ponto de ter enredado na sua malha de vítimas até mesmo o governador do Rio, Pezão, às voltas com dificuldades para liberar, na selva normativa, as necessárias licenças para construção de sedes para as UPPs. É uma doença que, se abate o cidadão comum e uma alta autoridade, também contamina todo o ambiente de negócios do país.
Com preocupante contumácia, o Brasil frequenta com imagem negativa as estatísticas internacionais que medem o custo social e econômico da burocracia. Ano passado, num ranking de 144 economias relacionadas no Relatório de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial, a brasileira desceu um degrau, caindo do 56º para o 57º lugar, atrás, por exemplo, de Bulgária, Costa Rica e Panamá.
O país não se sai melhor na radiografia deste ano do ambiente de negócios feita pelo Banco Mundial, o “Doing Business”. Em quesitos que resumem, entre outras, dificuldades para a abertura de empresas e pagamento de impostos, o Brasil caiu, no primeiro caso, da 160ª para a 167ª posição, e, no segundo, da 175ª para a 177ª colocação entre 189 economias estudadas. Acima do país estão “potências” econômicas como Belize, Quirguistão, Barbados e outras.
Outras fragilidades se somam no baixo poder de competição do Brasil. Mas nele é considerável o peso da burocracia, um entulho que obstrui as vias do empreendedorismo e anuvia o ambiente de negócios do país.
Custo da selva de exigências legais, demora para cumprir obrigações como pagamento de impostos e outras imposições contribuem para fragilizar o poder de competição do país
Quase tão antigos quanto a enraizada burocracia na vida nacional são os programas de governo que acenam com a sua supressão. Mesmo durante a ditadura de Vargas, com todo o emaranhado dos tentáculos do Estado Novo na administração pública, foram empreendidas ações visando à modernização da máquina pública. Desde então, praticamente não se passou uma geração sem que a desburocratização fosse um compromisso do poder público com o cidadão e as empresas. Kubitschek, Jango e os governos militares, por exemplo, criaram comissões e até mesmo ministérios (caso de Castelo e Figueiredo, este com a Pasta da Desburocratização que foi entregue a Hélio Beltrão).
No entanto, a todas essas iniciativas a burocracia resistiu, e poucos foram os legados (o ministério de Beltrão, por exemplo, deu ao país os juizados de pequenas causas e o Estatuto da Microempresa). O governo Dilma, reconheça-se, tem feito esforços nesse sentido — o mais recente deles, o lançamento do Programa Bem Mais Simples e o Sistema Nacional de Baixa Integrada de Empresas, em fevereiro. Também foram passos positivos a implantação do Supersimples, em 2007, e a criação do MEI (Microempreendedor Individual). Não se sabe ainda se terão força para sobreviver, tornando-se, em lugar de passageiros programas de governo, institutos de uma perene política de Estado.
Apesar desses esforços, o país padece, e muito, com uma cultura de administração pública que estimula a burocracia. A ponto de ter enredado na sua malha de vítimas até mesmo o governador do Rio, Pezão, às voltas com dificuldades para liberar, na selva normativa, as necessárias licenças para construção de sedes para as UPPs. É uma doença que, se abate o cidadão comum e uma alta autoridade, também contamina todo o ambiente de negócios do país.
Com preocupante contumácia, o Brasil frequenta com imagem negativa as estatísticas internacionais que medem o custo social e econômico da burocracia. Ano passado, num ranking de 144 economias relacionadas no Relatório de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial, a brasileira desceu um degrau, caindo do 56º para o 57º lugar, atrás, por exemplo, de Bulgária, Costa Rica e Panamá.
O país não se sai melhor na radiografia deste ano do ambiente de negócios feita pelo Banco Mundial, o “Doing Business”. Em quesitos que resumem, entre outras, dificuldades para a abertura de empresas e pagamento de impostos, o Brasil caiu, no primeiro caso, da 160ª para a 167ª posição, e, no segundo, da 175ª para a 177ª colocação entre 189 economias estudadas. Acima do país estão “potências” econômicas como Belize, Quirguistão, Barbados e outras.
Outras fragilidades se somam no baixo poder de competição do Brasil. Mas nele é considerável o peso da burocracia, um entulho que obstrui as vias do empreendedorismo e anuvia o ambiente de negócios do país.
Minha Casa Minha Vida repete erros do passado - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 12/04
Conjuntos residenciais são instalados em terrenos baratos, por isso mesmo longe do Centro, precariamente servidos de transporte e sem segurança
A inauguração de unidades do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) é o fim de alguns problemas e o início de outros. Governantes sorriem para as fotos, e moradores, com motivo, se dizem satisfeitos porque, finalmente, terão uma residência com características inexistentes em favelas de onde boa parte deles vem. Bom, porque o déficit habitacional é uma grave mazela social. Ruim, porque os conjuntos residenciais são instalados em terrenos baratos, por isso mesmo longe do Centro, precariamente servidos de transporte e sem segurança. E a distância exige grande gasto do poder público para estender à periferia a urbanização já implantada no resto da cidade.
Uma política habitacional assim mais cedo ou mais tarde manda a conta dos erros de execução. Série de reportagens do jornal “Extra” mostrou que 64 conjuntos do MCMV no Rio estão sob influência de criminosos, sendo 42 a pelo menos 25 quilômetros do Centro.
E não se pode dizer que tais problemas são surpreendentes porque o país já viu esse filme em comunidades como a Vila Kennedy e a Cidade de Deus — esta, por sinal, nome do drama que o cineasta Fernando Meirelles levou a cinemas de todo o país narrando justamente como o crime organizado passou a dominar uma comunidade formada por famílias removidas e deixadas à própria sorte. Ou seja, o governo está repetindo erros do passado, conforme ressaltou o arquiteto Sérgio Magalhães, articulista do GLOBO: “Isolados e distantes, (conjuntos residenciais) tornaram-se lugar de exclusão e foco da bandidagem protegida pela omissão do Estado. Com o fim do BNH, parecia extinta essa política. Mas o modelo foi ressuscitado, no Brasil, neste século XXI, pelo programa Minha Casa Minha Vida.”
O problema é nacional. De abril de 2104 a fevereiro deste ano, o governo federal recebeu 164 denúncias, em 16 estados, de expulsão de moradores por bandidos, sendo que a Bahia registra o maior número, seguida pelo Rio.
Está claro que é preciso uma correção urgente de rumos, pois há muito a fazer. De acordo com levantamento da Fundação Getúlio Vargas para o Sinduscon-SP, será necessário um investimento de R$ 76 bilhões por ano até 2024 para atender um milhão de famílias por ano, considerando as que moram em condições precárias, dividem imóvel com parentes e comprometem grande parte da renda com o aluguel.
Conforme defende o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Pedro da Luz Moreira, os projetos habitacionais devem ser levados para áreas centrais. Mais perto do Centro e, sobretudo, do poder público, que tem que se fazer presente com segurança, transporte e outros serviços essenciais. Só assim o MCMV vai ser não apenas um projeto habitacional, mas de efetiva inclusão social.
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