Os jovens são, desde os anos 1960, um fetiche da burguesia e dos mais óbvios
Pergunto-me: de onde vem a paixão louca pela série “Game of Thrones” (“GoT” para os íntimos)? A resposta deve ser longa. Não quero respondê-la aqui.
Espanta-me que pessoas tão preocupadas em serem boas (como as contemporâneas, cheias de causas do “bem”) podem gozar com uma produção (nada de pessoal contra a série, inclusive porque não me incluo entre as pessoas que querem ser boas) tão violenta —tanto no nível explicitamente físico quanto no político e no psicológico. É evidente que a velha pulsão de morte freudiana encontra em exemplos como essa série seu parque temático do mal.
Essa questão me serve de gancho para pensar uma outra, esta sim, que me ocupa há algum tempo. Por que mentimos tanto sobre os jovens hoje em dia? Outra, relacionada à anterior: por que eles mentem tanto sobre si mesmos e tantos de nós batemos palma para esse espetáculo de “mortos-vivos”?
Um parêntese. O título acima, “World peace” (paz mundial), era a resposta que as candidatas ao concurso de Miss Universo davam à pergunta “o que você mais deseja na vida?”. Esta questão vinha acompanha por outra: “Qual é seu livro de cabeceira?”. A resposta: “O Pequeno Príncipe”. Afora a ingenuidade aparente dessas respostas, lembro-me bem desses concursos porque era uma delícia ver tantas gostosas num programa só, e de tantos países diferentes. Sei. Hoje em dia achar uma mulher gostosa é “masculinidade tóxica”.
Explicado o título, voltemos às duas questões enunciadas anteriormente sobre os jovens. Numa pesquisa recente de um desses institutos com credibilidade que saiu na grande mídia, os jovens latino-americanos, inclusive os brasileiros, revelaram ter o mesmo humor depressivo mostrado em pesquisas com jovens americanos.
Depressão, medo do futuro, falta de expectativas, dificuldades nos relacionamentos afetivos, queda de esperança no cotidiano. Nada de novo no fronte desde meados dos anos 2000, quando começaram a aparecer pesquisas de comportamento nos Estados Unidos com os chamados “millennials”. E as escolas, as universidades e as famílias continuam na sua batida mentirosa e marqueteira sobre como os jovens estão “evoluídos”.
O que chamou minha atenção especificamente nessa pesquisa não foi o estado de humor dos jovens latino-americanos. Como costumo dizer, atuando em graduação há mais de 20 anos, podemos constatar, no mínimo, duas coisas.
A primeira é que, a cada ano, nós, professores, estamos mais velhos, enquanto os alunos têm sempre a mesma idade.
A segunda é que podemos perceber, claramente, que o humor dos jovens está a cada ano mais depressivo. Os jovens estão piores, e não melhores.
O que chamou minha atenção especificamente foram as respostas desses jovens, que a pesquisa trouxe, como causas para esse humor depressivo: a preocupação com o aquecimento global, a violência contra os animais e os direitos humanos e a perseguição à liberdade de expressão.
Perdoe-me a sinceridade: essas “causas” são mentira e marketing. Não acredito nessas “causas”. Não que os temas não sejam preocupantes, mas não creio que elas sejam as verdadeiras causas do humor depressivo entre os jovens. Acho que elas são respostas prontas que mostra no que transformamos os jovens. Eles são, desde os anos 1960, um fetiche da burguesia. E dos mais óbvios. Pais e escolas adoram esse fetiche porque ele os faz parecer geradores de um futuro melhor. Porém, o que ocorre é que esse fetiche aumenta a distância entre a realidade (psíquica, social e política) desses jovens e a projeção que o marketing de comportamento faz deles.
A maioria esmagadora da população não liga para liberdade de expressão. Só quem liga para ela são jornalistas, professores, artistas ou intelectuais em geral. A menos que a repressão sobre a liberdade de expressão torne seu jantar impossível, ela que se dane. Quanto às outras “causas”, elas estão bem distantes do dia a dia concreto da maioria esmagadora desses jovens. Mas muita gente acredita mesmo que esses deprimidos estejam assim porque “querem um mundo melhor”. Mas essas respostas são como a resposta “world peace”, dada pelas gostosas no concurso de Miss Universo. Puras “fake news” com aprovação de todos.
Creio mais que as causas sejam famílias disfuncionais, mercado de trabalho em transformação monstruosa, instabilidade afetiva, insegurança identitária, desconfiança epidêmica. Dizer que estão deprimidos por causa de questões políticas e sociais é mais fácil do que enfrentar o quarto desarrumado e o banheiro sujo.
Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.