segunda-feira, janeiro 09, 2012

Chávez e o câncer de laboratório GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA


Hugo Chávez avisou que o câncer dos líderes de esquerda na América Latina pode ser ideológico. Segundo o presidente vene-zuelano, a doença pode ter sido provocada por uma tecnologia secreta americana. Isso explicaria a sequência dos diagnósticos em Lula, no próprio Chávez e em Cristina Kirchner – precedidos por Dilma Rousseff e Fernando Lugo. Todos vítimas de câncer quase simultaneamente, todos amigos do povo e oponentes do imperialismo ianque.

"Muito, muito, muito estranho...", comentou Hugo Chávez, em discurso transmitido pela TV. De fato, as coisas andam es-tranhas na América Latina. Em plena revolução da informação, com a internet expondo tudo a todos, o tempo todo, uma gan-gue populista deita e rola no continente, e o eleitorado aplaude. Essa moléstia ninguém disse ainda de onde veio. Enquanto os pais dos pobres vão recuperando a saúde, o câncer populista se espalha. Deve ter sido provocado por uma tecnologia bem mais eficiente que a dos Estados Unidos. Washington tem muito que aprender com os irmãos do Sul sobre a degeneração induzida.

Quem poderia imaginar os argentinos, talvez o povo com maior instrução per capita no continente, dando aprovação crescen-te a um governo que decidiu destruir a imprensa livre? Se isso não é um câncer, pode ser maldição ou hipnose coletiva. De qual-quer forma, é uma tecnologia muito mais avançada do que a doença induzida em Chávez e seus companheiros bolivarianos.

A CIA nunca conseguiu, com todo o seu maquiavelismo, fazer um povo esclarecido e livre aceitar, tranquilamente, o contra-bando oficial dos índices de inflação. O casal Kirchner enfiou o pé na porta do IBGE de lá, sequestrou as estatísticas e produziu um abatimento bolivariano de até 20 pontos na inflação real. Uma operação plástica mais arrojada que todas as feitas pela então primeira-dama.

O adestramento dos índices oficiais de preços foi muito importante para a Argentina dos Kirchners. Anestesiou a política de gastança desenfreada do governo, permitindo a explosão das contas públicas sem atrapalhar a propaganda progressista. Como se sabe, no longo prazo, a inflação tira dos pobres para dar aos ricos. Mas os argentinos continuam acreditando em Robin Hood. E o fenômeno da reeleição consagradora de Cristina, com a maior votação da história do país após a redemocratização, confirma a observação de Chávez: é muito, muito, muito estranho.

Cristina, a "presidenta", não desperdiçou a bandeira da politização da mulher. Uma de suas forças eleitorais foi a condição de viúva, encarnando o símbolo de superação da fragilidade, da humanização do poder pelos atributos femininos e maternais. No ato mais marcante dessa redenção cor-de-rosa, a "presidenta" radicalizou a guerra suja contra a mídia – usando a asfixia econô-mica como meio de coação editorial. Coisa de mãe.

Os fantasmas dos generais na Casa Rosada morreram de inveja da última manobra de Cristina: cortando o mal pela raiz, ela encampou o principal fabricante de papel-jornal do país. Com essa medida delicada, poderá sabotar o fornecimento de papel aos principais veículos impressos – esses desnaturados que insistem em publicar coisas impróprias, como os índices verdadeiros de inflação.

Seria normal a opinião pública se conformar com isso, ou talvez nem chegar a saber do ocorrido, se Cristina fosse a presidente da Coreia do Norte. Mas ela preside a Argentina, um país livre, culto, onde vigora plenamente o estado de direito. E onde a po-pularidade da "presidenta", com seus atentados à democracia, não para de crescer. Muito estranho.

Nem é preciso descrever o que a misteriosa moléstia do populismo causou na Venezuela. Os sintomas se repetem em todos os países amigos de Chávez e Kirchner, como Bolívia, Equador e Brasil: mistificação esquerdista, sequestro do Estado pelos companheiros, apropriação partidária das finanças públicas, busca da hegemonia pelo controle ideológico da informação.

No Brasil, o último item nem seria necessário. Depois de passar o primeiro ano de mandato sendo governada pelas manchetes e demitindo a contragosto seus próprios parasitas, Dilma Rousseff entra em 2012 como moralizadora nos bra-ços do povo. Isso é muito mais estranho que epidemia de câncer.

O tijolo voador - CARTA AO LEITOR - EDITORIAL REVISTA VEJA

REVISTA VEJA

Uma reportagem desta edição de VEJA faz um balanço dos indicadores que fecharam o ano de 2011. Mais uma vez é um alívio observar que, mesmo com crescimento menor (2,9%) e inflação mais alta (6,5%) do que as expectativas, a economia brasileira adquiriu solidez, com predomínio, ano após ano, do vetor do progresso sobre o somatório de forças negativas, tanto as internas quanto as externas. É um bálsamo ver que avançamos na segunda década de um novo século com o superávit primário acima dos 3% do PIB, fator essencial na manutenção da dívida pública em níveis administráveis – em flagrante contraste com a irresponsabilidade que afundou as economias europeias em 2011. Conforta também ver o triunfo da política econômica, conduzida com base em avaliações criteriosas da realidade e um profissionalismo apontado como padrão a ser seguido por bancos centrais de outras nações.

Mas, ao mesmo tempo, é quase desanimador constatar que resistem teimosa e burramente alguns dos antigos entraves que tanto atrapalharam o desenvolvimento de nossos processos produtivos no passado. Os números mostram que o Brasil ainda é um tijolo voador, expressão consagrada entre os economistas para descrever uma economia que, a despeito de um desenho tosco e disfuncional, persevera na sua caminhada para a frente em razão de rara combinação de circunstâncias favoráveis. No caso específico do Brasil, o tijolo voa impulsionado pela valorização internacional dos produtos de exportação, em especial o minério de ferro, a soja e a carne, dádivas da natureza que o engenho pátrio soube transformar em riqueza, mas que denotam uma indesejável dependência da demanda externa por alguns poucos itens primários. Voa pela atração de investimentos produtivos estrangeiros, que bateram em 65 bilhões de dólares no ano passado, parte disso glória da nossa conquista da estabilidade, parte consequência do tropeço das economias avançadas. Enfim, a economia brasileira mantém-se no ar menos por suas virtudes aerodinâmicas e mais pelo superavitário front externo, que produziu um saldo de 30 bilhões de dólares em 2011.

Nossas distorções paralisantes continuam na legislação tributária selvagem; nos desperdícios do setor público, que gasta muito, gasta mal e quando faz cortes economiza em investimentos sem diminuir o tamanho da máquina burocrática; na legislação trabalhista, que engessa e encarece a criação de empregos; e na educação universalizada, mas ainda de péssimo nível. Essas mazelas precisam ser fortemente atacadas em 2012, para que o Brasil possa crescer em um ritmo que permita dobrar a renda per capita em pouco mais de uma década. Isso significa crescer cerca de 6% ao ano, consistentemente, nesse período, para podermos nos sentar ao lado de Portugal e da Coreia do Sul no último vagão do comboio dos países com alta qualidade de vida. Para tanto, temos de deixar de ser um tijolo voador e adquirir os contornos leves, eficientes e modernos das economias sustentáveis e dinâmicas.

O encantador de poderosos - REVISTA ÉPOCA

REVISTA ÉPOCA

O deputado Gabriel Chalita conquistou a presidente Dilma Rousseff durante a campanha eleitoral, cultiva o afeto do governador paulista Geraldo Alckmin e agora virou pupilo do vice Michel Temer. Suas amizades serão suficientes para levá-lo à prefeitura de São Paulo?

RICARDO MENDONÇA

O envolvimento de Gabriel Benedito Issaac Chalita com o mundo da política começou de forma inesperada. Foi aos 15 anos de idade, paramentado de noviço, ao improvisar uma missa no pequeno e pacato município de Bananal, interior de São Paulo. A cidadezinha do Vale do Paraíba é tão tranquila que seu maior atrativo é um chafariz do século XIX espetado na praça principal. No início dos anos 1980, a região costumava receber o então governador, André Franco Montoro, para descansar. Católico, Montoro gostava de ir à missa. Num de seus fins de semana na cidade, o vigário morreu. Como não havia ninguém para substituí-lo, o bispo escalou um adolescente que se destacava no seminário pela expressão verbal esfuziante. Era o jovem Gabriel Chalita.

Por não ter sido ordenado ainda, Chalita só não poderia fazer a consagração. "Quando subi ao altar, o Montoro tomou um susto", diz. "Ficou perplexo com a imagem daquela criança no lugar do padre." Ao ouvir a pregação do adolescente, o governador ficou ainda mais impressionado. "Ele voltou para me ver em todas as celebrações e ficou insistindo para eu ir trabalhar com ele. Passamos a trocar correspondência. Depois, fui seu assistente na PUC (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). Foi meu segundo pai", afirma. A semente estava plantada. Três anos depois, Chalita largou a batina. Aos 19 anos, filiado ao PDT, foi eleito vereador em sua cidade natal, Cachoeira Paulista.

O poeta inglês William Wordsworth celebrizou a máxima "o menino é o pai do homem". Cotejando o episódio acima com sua trajetória posterior, é inevitável concluir que Chalita acabou se tornando uma das mais perfeitas traduções do adágio. O adolescente que já quis ser padre virou o deputado federal mais identificado com a Igreja Católica no Congresso Nacional. O menino que seduziu Montoro continuou encantando políticos ao longo da vida. Mais tarde – e para ficar só nos nomes que, hoje, têm poder e influência – tornou-se amigo íntimo de Geraldo Alckmin, atual governador, e ganhou a confiança de Dilma Rousseff, presidente da República. Sua mais recente conquista é o vice-presidente, Michel Temer. Se Montoro era seu "segundo pai", Temer virou uma espécie de tutor político – o qual, no mesmo PMDB de Montoro, quer lhe garantir condições políticas para disputar e vencer a eleição pela prefeitura de São Paulo.

O ingresso de Chalita no PMDB foi triunfante. Num ensolarado sábado de junho, a Assembleia Legislativa de São Paulo lotada ouviu uma sequência de discursos de peemedebistas que o aclamaram como uma espécie de redentor da seção paulista da legenda. Eles saudaram o 80o deputado do partido como "o homem que vai resgatar a história do PMDB", "honrar os legados de Orestes Quércia e Ulysses Guimarães" ou "reacender a chama do PMDB no Estado". Além de Temer, estavam presentes dois ministros, senadores, o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), outros 25 deputados federais, dezenas de estaduais e mais de uma centena de prefeitos e vereadores. Até político do Amapá apareceu para prestigiar.

O entusiasmo de Temer com Chalita tem duas explicações. Estrategicamente, é uma forma de recuperar o terreno perdido no Estado. Em seu auge, em 1988, o PMDB chegou a ter 29 dos então 60 deputados paulistas. Depois, caiu ano a ano até virar um nanico regional. Em 2010, mesmo com Temer como vice de Dilma, a sigla elegeu só um dos agora 70 deputados paulistas. A filiação de Chalita, portanto, já dobrou a bancada. Outra explicação – essa mais citada entre os políticos – é inconfessável: fortalecer o partido regionalmente para cavar espaço no plano federal. Nesse cálculo entram eventuais armistícios na campanha, a possibilidade de troca de apoios no segundo turno e, no limite, até uma desistência precificada em tempo de TV, hipótese cada vez mais remota.

Outro aspecto que encanta o PMDB é o desempenho eleitoral de Chalita. Em 2008, estreante na capital e ainda no PSDB, ele foi o vereador mais votado, com mais de 100 mil votos. Em 2010, pelo PSB, conseguiu quase 600 mil votos para deputado federal, o terceiro mais votado do país, atrás apenas de Tiririca (PR-SP) e Anthony Garotinho (PR-RJ), que já foi governador e candidato à Presidência. Chalita teve votos nos 645 municípios paulistas. Instalado no PMDB, sua primeira ação foi chamar a jornalista Lurian Cordeiro da Silva para a pré-campanha. Lurian é filha de Lula. No meio político, esse ato serviu para sanar dúvidas de quem ainda achava que Chalita pudesse estar de brincadeira.

COM DILMA E OS BISPOS
Além de deputado, Chalita também gosta de ser tratado como professor, escritor, advogado e filósofo. Em toda a sua carreira política, docente e literária, ele sempre manteve forte vínculo com a Igreja Católica, em especial com a Canção Nova, uma associação de fiéis que virou a maior atração turística de Cachoeira Paulista. Criada em 1978 pelo monsenhor Jonas Abib, um religioso popular na região, a Canção Nova tornou-se uma potência. É dona de um ginásio para 70 mil pessoas (mais que o dobro da população da cidade), auditórios, lojas, restaurante e um sistema de comunicação que administra concessões, grava CDs e DVDs, edita livros, mantém um portal, produz e veicula programas de rádio e TV. É ali que Chalita comanda, há anos, um talk show semanal. Erguida com ajuda financeira de seu pai, um comerciante de origem árabe que começou pobre e virou o homem mais rico da cidade – em Cachoeira há até loteamento popular chamado Vila Chalita –, a Canção Nova ainda é uma das principais bases eleitorais do deputado.

Uma amostra da forte ligação de Chalita com o catolicismo foi sua agenda de campanha. Nos últimos 60 dias antes da eleição, Chalita percorreu pelo menos 34 paróquias ou grupos de oração de diversos municípios para rezar e ser visto. Em quase todas as missas, subiu ao altar para auxiliar os padres. Centenas de imagens do período estão no Flickr, um site de armazenamento de fotos usado na campanha (fotos abaixo). No dia 5 de setembro, a menos de um mês do pleito, Chalita participou de missas em pelo menos quatro paróquias. No álbum, há imagens de distribuição de panfletos na porta de igrejas. O slogan era Fé na educação.

"Nenhum outro parlamentar tem a imagem tão associada ao catolicismo quanto Chalita", diz o analista político Gaudêncio Torquato. E foi justamente por essas relações que ele se aproximou da presidente Dilma. No segundo turno de 2010, quando rivais tentaram associar a imagem de Dilma ao aborto e a posições antirreligiosas, estrategistas do PT escalaram Chalita para neutralizar os ataques. Os pedidos partiram do agora ministro Gilberto Carvalho e do ex-ministro Antonio Palocci. Já eleito, Chalita atendeu ao apelo com disciplina. Defendeu Dilma publicamente, acompanhou-a em comícios – o que rendia imagens para os telejornais – e articulou encontros reservados com bispos de vários Estados. Chalita calcula que intermediou conversas de Dilma com mais de 30 bispos. A imagem mais forte do período é do dia 11 de outubro, quando ele se sentou ao lado de Dilma numa missa em Aparecida.

A conquista de Dilma teve um preço. Chalita ganhou um inimigo dentro da igreja: o bispo de Guarulhos, dom Luiz Gonzaga Bergonzini, um antipetista declarado que estava engajado em colocar o tema aborto na pauta eleitoral. Dias antes da eleição, Chalita e Bergonzini trocaram desaforos por telefone, com acusações de traição e oportunismo. "Ele estava muito nervoso. Disse que eu não deveria apoiar a Dilma, citou o boato que eu estava apoiando em troca de um ministério", disse Chalita a ÉPOCA em 2010. Meses depois, ao jornal Valor Econômico, Bergonzini confirmou a diatribe. "Já falei na cara dele, não tenho medo: para mim (Chalita) não é pessoa confiável. Ele usou a Canção Nova para se eleger e provocou uma cisão por lá ao apoiar Dilma. Isso contrariou nossa filosofia religiosa." Num blog, Bergonzini classificara Chalita como "um acidente de percurso, gerado por ambições e vaidades pessoais".

Chalita não virou ministro, mas o balanço de seu engajamento foi politicamente positivo. Ele passou a ser um dos únicos parlamentares do país – senão o único – com excelente trânsito com Dilma e Alckmin simultaneamente. São laços que agora podem lhe beneficiar na eleição municipal. Numa eventual disputa acirrada com o petista Fernando Haddad, os marqueteiros do PT teriam dificuldade para combatê-lo. Como atacar alguém que foi tão solícito a Dilma quando o PT precisou?

Das relações políticas de Chalita, a mais forte continua sendo com Alckmin, também conhecido pela tenaz militância católica. No fim de 2010, o vigor dessa proximidade ficou evidente. Chalita acabara de ser eleito deputado pelo PSB. Mesmo assim, exerceu mais influência que o ex-governador José Serra e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na montagem do governo tucano. Serra e FHC intercederam pela manutenção de Paulo Renato Souza na Secretaria da Educação.
Alckmin preferiu ignorá-los e, depois de ouvir Chalita, nomeou Herman Voorwald, ex-reitor da Unicamp. Na pasta do Desenvolvimento Social, as digitais de Chalita ficaram ainda mais evidentes. O escolhido foi um ex-assessor seu, o jovem advogado Paulo Barbosa, também militante da Canção Nova. Tido como uma espécie de discípulo de Chalita na administração, Barbosa acabou promovido para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico em maio de 2011, quando Alckmin resolveu entregar a pasta do Desenvolvimento Social ao DEM.

Alckmin e Chalita se conheceram quando o atual governador ainda era deputado. Acostumado a receber pedidos de emprego por onde passava, Alckmin demonstrava admiração crescente por Chalita a cada convite frustrado que fazia ao então estudante de Direito. "Ajudava o Alckmin nas campanhas, mas não queria ir trabalhar para ele, porque ganhava muito mais com aulas e escrevendo livros", diz Chalita. "Mas cada convite que recusava, ele balançava a cabeça e dizia: "Gente, que desapego tem esse rapaz"."

SALÁRIO DE EXECUTIVO E MOTORISTA À DISPOSIÇÃO
Nessa fase, início dos anos 1990, Chalita despontava como um profissional de sucesso na educação privada. É um período pouco conhecido de sua carreira. Quando deixou Cachoeira, ele passou a fazer bicos em São Paulo para pagar a faculdade. Depois de uma breve passagem pelo Colégio Santa Cruz, virou professor substituto e instrutor de teatro no Pueri Domus, outra tradicional escola particular paulistana. Ali, com poucos meses de serviço, teve uma ascensão espetacular. Saltou de professor iniciante para diretor máximo da instituição, algo que causou surpresa entre os alunos e perplexidade entre os professores.

Tudo começou quando a dona da escola, Beth Zocchio, resolveu ouvir uma palestra do jovem professor, que, naquele instante, já era bem popular. Beth, segundo o próprio Chalita, ficou entusiasmadíssima com sua performance e o adotou como pupilo. "Ela se apresentou como dona da escola – eu nem a conhecia –, me deu parabéns e perguntou quanto tempo eu precisava para preparar um novo projeto pedagógico para o Pueri, que vinha perdendo alunos. Pedi uma semana", diz. Dias depois, Chalita foi apresentar suas ideias à diretoria. "Foi um dos piores momentos que já passei. Enquanto falava, aqueles professores muito mais experientes franziam a testa e balançavam a cabeça em rejeição. No fim, fui bombardeado. Aí a Beth pediu a palavra, disse que esperava uma postura diferente, demitiu todo mundo e disse que eu seria o novo diretor. Fui eu que falei para ela que não precisava demitir todo mundo. No final, uns quatro acabaram saindo."

Foi assim, com 25 anos, que Chalita virou executivo do ramo educacional. Passou a receber o que ele mesmo estima que deveria ser o maior salário do país nesse mercado, cerca de US$ 20 mil por mês. Beth Zocchio colocou um motorista a sua disposição, passou a levá-lo para eventos sociais, congressos e viagens para o exterior. Dava-lhe carta branca para administrar a escola e patrocinava banhos de loja para melhorar sua aparência. "Ela me levava na Daslu, dizia que eu tinha de me vestir melhor, e gastava uma fortuna em roupas para mim", afirma.

A educadora Mariluce Lourenço, ainda hoje na escola, define a passagem de Chalita pelo Pueri Domus "como um furacão". "Chalita era um showman. Com aquela capacidade de comunicação assustadora, entusiasmava muito os jovens", diz. "Mas ele realmente causava um pouco de ciúme em algumas pessoas. A Beth dava muita corda para ele." A relação Beth-Chalita terminou quando, segundo ele, a dona da escola parou de bancar suas ideias para investir na criação de avestruzes. De acordo com Mariluce, Chalita saiu sem conseguir implementar seu plano mais ambicioso: transformar o Pueri numa faculdade.

Quando o vice Alckmin assumiu o governo de São Paulo após a morte de Mário Covas, em 2001, sua relação com Chalita transbordara para a esfera pessoal. Chalita já conhecia a primeira-dama Lu Alckmin – de quem mais tarde escreveria uma biografia – e frequentava a casa de campo do casal, onde tinham o hábito de jogar buraco. Surgiu então o convite para virar secretário de Estado, este sim logo aceito. Chalita começou na modesta pasta da Juventude. Seis meses depois, recebeu outra promoção espetacular. Foi escalado para a Educação, um dos cargos mais cobiçados do Estado. Aos 32 anos, assumiu um orçamento de R$ 19,7 bilhões (o equivalente ao do município do Rio de Janeiro), 4,5 milhões de alunos, 220 mil professores e 5.300 escolas, em números atualizados. Se fosse uma cidade, teria a terceira maior população do país. De brinde, ainda levou para a Secretaria a antiga Febem, foco de algumas das maiores crises no Estado, com rebeliões de jovens e constantes denúncias de violação de direitos humanos.

Na Febem, Chalita teve o mérito de fechar a sede de Franco da Rocha, uma das mais problemáticas da instituição. Foi ali que, pela primeira vez, deixou de lado uma das principais marcas de seu comportamento público, o bom moço. Acuado pela agenda negativa, passou a reclamar do Estatuto da Criança e do Adolescente, a criticar ONGs e a bater boca pelos jornais. Em agosto de 2003, atacou militantes dos direitos humanos. "Essas pessoas nada fazem, só têm discurso. Alguma vez conseguiram emprego para algum egresso da Febem? Só querem ver o circo pegar fogo", disse. Dias depois, atirou para cima: "Vejo o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, falando que a grande questão é resolver a Febem. Pergunto: quando Márcio Thomaz Bastos entrou na Febem? E a prefeita Marta Suplicy, que não cuida dos 4 mil jovens em liberdade assistida? São paladinos da moralidade. A demagogia é assustadora".

Quando o tema era educação, o secretário Chalita era o oposto disso. Uma de suas marcas no cargo foi o ciclo de palestras que ele próprio fazia para professores, diretores e pais de alunos em ginásios e auditórios pelo interior. Com o apoio logístico da Secretaria, que incluía aluguel de jatinhos e helicópteros, Chalita conseguiu visitar as então 89 diretorias de ensino do Estado, algumas mais de uma vez. Esses eventos chegavam a reunir mais de 1.000 pessoas por edição e quase sempre eram prestigiados por prefeitos e vereadores da sede e municípios vizinhos.

ARISTÓTELES E MARIA BETHÂNIA
No palco, o secretário Chalita falava de suas experiências pessoais, comparava a relação aluno-professor a um casamento e dava dicas de como melhorar o ensino com atitudes simples, como chamar o aluno pelo nome ou olhar em seus olhos quando conversa. Nesses eventos, ele também exercia uma de suas maiores especialidades: fazer citações. Seu repertório é eclético. Num mesmo texto ou discurso, é capaz de conectar Aristóteles com Maria Bethânia, Cora Coralina com Hannah Arendt, Adélia Prado com Churchill. O ponto alto era quando chegava a hora de cantar. Ao microfone, costumava interpretar "A noite de meu bem", sucesso de Dolores Duran nos anos 1950. Pedia ainda que cada um ficasse de pé no verso que julgasse mais belo. Conforme cantava, ondulações humanas eram formadas no ginásio. No final, posava para fotos e dava autógrafos.

Para o educador Romualdo Portela, Chalita não enfrentou o que ele classifica como o maior problema do setor em São Paulo: o aprendizado. "Ao contrário dos demais gestores do PSDB, ele não dava muita importância para avaliações e resultados. Foi uma gestão de descontinuidade", diz. Portela é crítico das ideias educacionais de Chalita. "Ele era popular, muito performático e certamente foi o secretário mais simpático entre todos os do PSDB. Muitos ficavam encantados com aquilo. Mas tratava os professores como verdadeiros idiotas, com aquele discurso de amor, autoajuda." O indicador mais apropriado para medir os anos Chalita é o Sistema de Avaliação da Educação Básica, que mostra o desempenho de alunos em português e matemática nas séries finais dos ensinos fundamental e médio. Em nenhum caso houve retrocesso no período Chalita. Mas também não houve avanço digno de registro.

Hoje, Chalita admite que aquelas palestras explicam parte de seu sucesso eleitoral. Na época, elas resultaram em denúncia. Quando já havia voado para 28 cidades, o Ministério Público questionou os aluguéis de helicópteros sem licitação. As contratações tinham mais que dobrado em relação à gestão anterior. A Secretaria respondeu que os valores de cada contrato eram inferiores ao mínimo da Lei de Licitações, R$ 8 mil. A explicação não convenceu o Tribunal de Contas, que classificou a prática como "fracionamento de licitação" (contratação constante da mesma empresa sem concorrência). Irritado, Alckmin decidiu restringir o uso de aeronaves entre os secretários.

A gestão Chalita enfrentaria outros dois constrangimentos. O primeiro foi em 2004, quando Alckmin cedeu uma fazenda de 87 hectares em Lorena para a Canção Nova. A área, equivalente a 100 campos de futebol, era cobiçada por uma faculdade ligada à Secretaria de Ciência e Tecnologia e pelo Instituto de Terras do governo, que queria usá-la para reforma agrária. Quando o caso veio a público, o diretor da faculdade acusou Chalita de ter influído na decisão. Tanto Alckmin quanto a Canção Nova tiveram de negar.

O segundo constrangimento foi em 2006, em seu último ano de gestão. Auditores da Controladoria-Geral da União desembarcaram na Secretaria para verificar o uso de verbas federais. Detectaram irregularidades na contratação de fundações e compras com preços superiores aos pagos por outros setores estatais, como cartuchos de impressora pelo dobro do preço. A papelada foi para o Ministério Público e para o Ministério da Educação. Não há notícia de nenhum tipo de condenação.

Nas relações políticas, Chalita faz esforço para estar sempre bem com todos. Seu método de aproximação é pela via dos elogios imoderados – um estilo "chalitês" de se expressar. No PSB, repetia que tinha "profunda admiração" por Eduardo Campos, governador de Pernambuco e presidente do partido. Pela deputada federal Luiza Erundina, tinha "verdadeiro fascínio" ("Ela é a mulher que colocou Paulo Freyre na Secretaria da Educação", completava, automaticamente). No PMDB, o estilo continua. Desde o início, Temer tem sido constantemente descrito como "o homem que me inspirou a estudar Direito". No dia de sua filiação, Chalita caprichou nas manifestações de louvor. Em sua vez de discursar, olhou para o deputado estadual Baleia Rossi, presidente do diretório estadual da sigla, e disse que, naquele período de troca partidária, conquistara "um irmão". Baleia é filho do ex-ministro Wagner Rossi, cacique do PMDB que deixou a pasta da Agricultura após denúncias de corrupção. Chalita olhou então para Wagner Rossi, sentado ao lado de Temer, e, sorrindo, emendou, em chalitês castiço: "O Wagner virou meu pai".

AMBIÇÃO ACADÊMICA
No meio político, um dos estigmas que mais perseguem Chalita diz respeito a sua fértil produção literária. Aos 42 anos, ele já publicou 63 livros. Para os críticos, ele privilegia a quantidade em detrimento da qualidade. Chalita se defende fazendo comparações: "Boa parte de meus livros é infantil, com ilustrações e pouco texto, coisas que escrevo em 15 minutos. Quantos livros a Ruth Rocha (autora consagrada de infantis) tem?". O que parece deixá-lo ainda mais irritado é a classificação de suas obras como literatura de autoajuda. "No Brasil, é assim: vendeu bem, vira autoajuda. Paulo Coelho é autoajuda. Até Lya Luft virou autoajuda."

Com o apoio de canais não convencionais, como a Canção Nova, ele calcula que já vendeu 10 milhões de livros. São esses números, diz, que ajudam a justificar seu padrão de vida sofisticado. Ele ainda é sócio da Casa do Saber, um centro extra-acadêmico de cursos variados, e diz ter sido beneficiado com parte da herança do pai. À Justiça Eleitoral, Chalita declarou patrimônio de R$ 12,4 milhões em 2010. Sua cobertura em Higienópolis, bairro paulistano de classe alta, tem 1.000 metros quadrados e aparece avaliada em R$ 4 milhões.

Chalita tem defensores qualificados no mundo das letras. O maior é a escritora Lygia Fagundes Telles, que o classifica como um homem "cultíssimo, inteligentíssimo, rico e bonito". Para Lygia, as críticas à literatura de Chalita são injustas. "Sou admiradora do texto dele. É bastante original o que ele escreve. Escreve com muita força, com muito conhecimento da matéria", diz.

Lygia é uma das melhores amigas de Chalita. A relação começou quando ele ainda era secretário de Educação e cuidou pessoalmente da organização de uma homenagem à escritora na Sala São Paulo, a sede da Orquestra Sinfônica do Estado. Chalita lotou o auditório com estudantes da rede pública e preparou uma apresentação de balé com três garotas da periferia que, no palco, representavam as personagens do livro mais importante de Lygia, As meninas. "Saí em prantos", diz a escritora. Desde então, Chalita não cansa de lhe prestar homenagens. Em eventos sociais, tem o hábito de abraçá-la espalhafatosamente e chamá-la – em mais uma manifestação do dialeto chalitês – de "minha noiva". Segundo relatos de quem já viu a cena, isso deixa a autora visivelmente envaidecida.

Se tem algo que não falta à obra de Chalita, é a tentativa de experimentação. Seu livro mais recente, Sócrates e Thomas More – Correspondências imaginárias, prova isso. Em 130 páginas, um Chalita travestido de Sócrates, o filósofo grego morto em 399 a.C., troca cartas com um Chalita travestido de Thomas More, o escritor inglês do século XVI. Nas missivas, o que prevalece mesmo é o estilo Chalita. Exemplo: "Fiquei impressionado com a maturidade de sua carta e com o seu bom texto", diz Chalita para Chalita, ou melhor, More para "o querido Sócrates" numa das cartas. Percebe-se até certa simbiose entre o político e o escritor: a obra é dedicada a Temer.

A ambição acadêmica de Chalita parece ainda mais evidente que a literária. Em textos, ele raramente deixa de citar seus títulos: graduado em Direito e em filosofia; mestre em Direito e em ciências sociais; doutor em Direito e em comunicação e semiótica. Na Plataforma Lattes, banco de dados curriculares alimentado pelos próprios acadêmicos, o currículo do filósofo Gabriel Chalita é, em caracteres, 42% maior que o do filósofo Renato Janine Ribeiro, professor da Universidade de São Paulo, 20 anos mais velho, tido como um dos mais produtivos do meio. Ali, além dos mais de 100 livros que escreveu, organizou ou prefaciou, Chalita lista 164 artigos, participação em 94 dissertações e 22 teses de doutorado, 239 palestras e nove orientações de mestrado.

Hoje, ninguém arrisca afirmar que Chalita entrará na disputa eleitoral com chance evidente de vencer. Mas quase todos concordam que sua presença será decisiva. Em 2008, o tempo de TV do PMDB foi fundamental para o triunfo de Gilberto Kassab. Agora, dependendo das alianças, Chalita pode ter a maior fatia do horário eleitoral. Há alguns dias, o senador Aécio Neves sugeriu que o PSDB poderia apoiar Chalita, indicando seu vice. A ideia foi abominada por tucanos paulistas, que refutam a hipótese de ajudar um aliado de Dilma.

No PT, a dificuldade para decifrá-lo parece semelhante. Por acreditar que Chalita possa seduzir eleitores que, em tese, tenderiam mais para o PSDB (conservadores, religiosos e de classe média), há petistas que veem sua candidatura com simpatia. Alguns ainda sonham colocá-lo como vice de Haddad. Outros não querem nem ouvir falar no assunto. Temem, sobretudo, por causa de sua enorme proximidade com Alckmin.

O que vai acontecer com Chalita em outubro é uma incógnita. O certo é que o noviço que conquistou Montoro não saiu de Cachoeira para passar vexame.

O futuro da Europa será decidido em 2012 - PAULO GUEDES

REVISTA ÉPOCA

O Banco Central força os países europeus a apertar o cinto. Manda quem pode, obedece quem tem juízo


O tema era o mergulho de cabeça da Europa continental nesta grande crise financeira contemporânea. O anfitrião, um conhecido e competente banqueiro de investimentos em São Paulo. Foi um jantar para uma dúzia de pessoas em torno do fundador de uma das maiores empresas de gestão de recursos do mundo, um pouco antes da virada de ano 2011-2012. O convidado falava de seu otimismo com a economia americana e de suas preocupações com o futuro da economia chinesa. "O desaquecimento da economia mundial, particularmente o esfriamento da Europa, derrubou as exportações da China, principal fator de crescimento de sua economia. E tenho dúvidas quanto a sua capacidade de compensar a perda de dinamismo externo com o estímulo ao consumo interno", afirmou.

Para ilustrar seu raciocínio, o convidado argumentava, jocoso: "Após inúmeras viagens a nosso quartel-general na China, fui surpreendido por uma de nossas secretárias vestida com o que parecia ser o mais moderno visual ocidental. Exibia marcas de grife inequivocamente nossas. Pensei que se tratasse, finalmente, de uma ampliação dos hábitos de consumo dos chineses. Quando a elogiei, respondeu-me que eram todas cópias falsificadas, "made in China". Concluí, então, que não podemos contar com a expansão do consumo chinês".

Ora, nosso ilustre convidado deveria ter percebido que a produção chinesa de cópias de grifes ocidentais, esta sim, vem sendo estimulada pela ampliação dos hábitos de consumo de sua secretária. Produção chinesa reforçada, a esta altura, pelas compras de suas secretárias americanas e europeias. O que significa que não só a desaceleração das exportações chinesas é mais lenta do que parece, como também que se expande o consumo de massa no mercado interno chinês.

E, para que se preocupasse o convidado um pouco mais com seu próprio país, perguntou-lhe um brasileiro se sabia a diferença entre americanos e alemães no tratamento das quebras bancárias. "Quando os corpos nus estendidos no chão são encontrados pelos alemães, ouve-se: "Contem os cadáveres, procurem os culpados, pagarão por seus erros". Dos americanos, ouvem-se sussurros: "Vistam os cadáveres, coloquem-nos sentados e vamos fingir que estamos conversando"."

Definitivamente, há um abismo entre o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, e o Banco Central Europeu (BCE). O Fed quer inflar os preços dos ativos para camuflar as perdas com a farra do crédito. Transfere para os contribuintes os custos das operações de salvamento. O Banco Central Europeu se comporta como instância dominante, forçando os tesouros nacionais a apertar os cintos. Manda quem pode, obedece quem tem juízo. O euro já trazia embutida uma exigência de responsabilidade fiscal, que os alemães acabam de tornar explícita. Para os europeus, esta virada de ano 2011-2012 registra o aprofundamento do Tratado de Maastricht, com maior coordenação das políticas fiscais.

Para os financistas anglo-saxões, pragmáticos e superficiais, o final de 2011 foi o momento em que o euro quase acabou. Dizia o filósofo que, sob a óptica do martelo, tudo o que existe são pregos. Querem o BCE com a mesma hiperatividade do Fed. Querem também uma autoridade fiscal europeia coordenando as políticas fiscais nacionais, para a sobrevivência da moeda única. Ignoram um contraexemplo histórico: o ouro circulou por milênios como moeda universal sem coordenação de governos locais. São diferentes as origens dessas distintas instituições: uma coisa é a moeda, outra coisa é o crédito. Uma coisa é a cotação do euro, outra é o spread de risco das dívidas soberanas.

É claro que, nos modernos regimes de moeda fiduciária, a capacidade dos governos de extrair e transferir recursos amortece efeitos desfavoráveis da adoção da moeda única sobre as regiões mais frágeis. Mas os alemães estiveram dispostos a correr os riscos de aprofundamento da crise de liquidez bancária, freando a atuação do BCE como emprestador de última instância, para exercer pressões de ajuste orçamentário sobre os demais governos europeus. O futuro da Europa será decidido em 2012.

De volta - ANCELMO GOIS

O GLOBO - 09/01/12

Dia 31 agora acaba a licença de Ricardo Teixeira. Dia seguinte reassume a CBF. Para ficar.

Hotel Nacional

O grupo que comprou o antigo Hotel Nacional, em São Conrado, Rio, projeto de Oscar Niemeyer, fechado há 16 anos, procura parceiros para devolver os 500 quartos à cidade. E conversa com as construtoras RJZCyrela e Ezetec.

Musa gordinha

Ontem, viva, quebrou-se um tabu no mundo do samba carioca. Durante a feijoada do Salgueiro, o público começou a aplaudir por conta própria a sambista Vania Flor, 25 anos, que, mesmo com uns quilinhos a mais, arrasou na quadra. Levada ao palco, a cantora foi, na hora, escolhida por Regina Celi, presidente da escola, para desfilar como musa na Sapucaí.

Vestido de noiva

No carnaval, 60 mulheres vestidas de noivas vão passar pela Sapucaí. Mas não se trata de casamento coletivo. Vão desfilar acompanhando uma alegoria da Viradouro que faz alusão à famosa peça de Nelson Rodrigues, enredo da escola de Niterói.

No mais

Deu no “Financial Times”. A Shell é a última empresa das cem maiores da Bolsa de Londres a acabar com um plano de previdência que garantia ao empregado aposentadoria equivalente a seu último salário. Enquanto isso, cá no Patropi, em algumas carreiras do setor público...

Lá vem o noivo
Mestre Arlindo Cruz resolveu oficializar um relacionamento de 26 anos com Babi, ex-porta- Bandeira da Mocidade Independente de Padre Miguel. O casal tem dois filhos: Arlindo Neto, de 20 anos, e Flora, de 9. Não é fofo?

MORADORES DO LEBLON, o bairro dos bacanas, estão preocupados com o estado das paredes laterais do canal da Avenida Visconde de Albuquerque, na esquina com Rua Professor Leôncio Correia. É que, bem ali, na entrada do Jardim Pernambuco, há rachaduras enormes, causadas pelo crescimento das raízes de uma árvore e agravadas pela erosão da água que sai da tubulação. O pessoal diz que o problema é recorrente — outros trechos do canal já desabaram, levando junto árvores centenárias —, e que muitas reclamações foram feitas à prefeitura, sem sucesso. A Rio-Águas diz que vai providenciar os reparos. Vamos torcer, vamos cobrar.

Virgem de El Cobre
Não é de hoje que a abertura da ditadura cubana tem o dedo da Igreja Católica, inclusive do brasileiro Frei Betto. Este ano, além do indulto de Natal de 2.900 presos, são esperados outros passos liberalizantes por conta da próxima visita do Papa Bento XVI à ilha, e também porque se comemoram os 400 anos da aparição de Nossa Senhora da Caridade do Cobre (a Aparecida de Cuba).

Favela na China

O filme “5 X Favela, agora por nós mesmos”, ganhou o prêmio de melhor filme do público do Festival de Cinema Brasileiro na China.

Lá e cá

Philipp Hildebrand, o presidente do Banco Central suíço denunciado por operação financeira em proveito próprio, atribuiu a maracutaia que lesou os cofres públicos em US$ 504 mil à... “personalidade forte” da sua mulher. Deve ser terrível viver num país com homem mandado pela mulher.

Coitado do Cabral 
Cabral, não o navegante governador, mas o navegante português, foi esquecido pelo BB no calendário de 2012 distribuído aos clientes. Em 22 de abril, aparece o... Dia do Planeta Terra.

Alô, é da prefeitura?

A central única de atendimento da prefeitura do Rio, o 1746 (significa “Rio” no teclado do celular) atingiu sexta, às 11h30m, a marca de dois milhões de ligações desdeabril. “Além disso, o serviço, segundo o Ibope, tem 81% de satisfação”, celebra Pedro Paulo Tarso Teixeira, chefe da Casa Civil.

Furto no aeroporto

O ator Guilherme Piva desembarcou no Galeão, quinta, vindo de Nova York, no voo JJ 8079 da TAM. Ao pegar a bagagem, viu que o plástico protetor fora removido e uns pertences, furtados. Descobriu que oito passageiros também haviam sido lesados.

A casa de caboclo

Para a minissérie “Dercy de verdade”, que estreia amanhã, a TV Globo, após muita pesquisa, recriou em estúdio a Casa de Caboclo, famoso teatro da Praça Tiradentes nos anos 30. Além de Dercy, Dalva de Oliveira foi lançada lá.

Cena carioca

Quinta, 20h30m, num ônibus cheio da linha 350 (Passeio-Irajá), com várias senhorinhas a bordo, um sujeito de uns 30 anos, bem vestido, virou-se e disse: “Sabia que eu tenho três mulheres? A fiel, a amante e a... lanchinho.” Ninguém riu, mas o cafajeste, que não parecia doido nem bêbado, ainda beijou a mão de várias senhorinhas.

Só democracias são legítimas - RENATO JANINE RIBEIRO

VALOR ECONÔMICO - 09/01/12

Desde que as potências do Eixo - Alemanha, Itália e Japão - começaram a perder a guerra, por volta de 1943, foi ficando claro que não dava mais para falar mal da democracia. Porque até então era plausível condená-la; quem viu o belíssimo filme "Vestígios do Dia" pode verificar como, nos anos 1930, muitos zombavam dela. Assim, um regime que nasceu na Grécia há 25 séculos, e renasceu na Europa e América do Norte há cerca de 3, somente se libertou do desprezo há menos de 70 anos.

Mas, desde então, é quase impossível falar mal da democracia. Até as ditaduras se dizem democráticas. Para o general Ernesto Geisel, o regime militar brasileiro era uma "democracia relativa". Os Estados comunistas se definiam como "democracias populares". A democracia se tornou valor universal. É certo que muitos que se dizem democratas não o são, mas lembrem o ditado segundo o qual "a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude". Quem é democrata da boca para fora reconhece que esse regime, que não é o seu, é o melhor que existe. Por isso, várias ditaduras desabaram quando os dissidentes exigiram que cumprissem o que existia nas palavras, ainda que não de fato. O que, enfim, mostra que as palavras são poderosas. Podem vencer os fuzis. Basta lembrar a rápida queda dos regimes comunistas europeus, em 1989.

Dessa universalização da democracia, no discurso e nas ações, podemos sugerir uma consequência: somente os regimes democráticos seriam legítimos. Qualquer poder imposto ao povo, sem que ele desfrute das liberdades de expressão, de organização e de voto, será ilegítimo. Isso parece óbvio? A mim, parece. Mas daí derivam algumas conclusões bem menos óbvias.

Se governos que não passaram por eleições livres carecem de legitimidade, então parte razoável dos países do mundo hoje é governada de forma ilegítima. O que significa que ordens dadas por esses governantes não valem. São obedecidas apenas enquanto eles dispõem da força bruta. Empréstimos e negócios firmados por eles também não são válidos. Tais atos comprometem cidadãos que não puderam examiná-los, discuti-los, concordar com eles. Esse princípio é claro na vida privada. Se eu assinar um contrato sem ter conhecimento dele, não vale. Na França, a lei exige que, antes de assinar um contrato, a pessoa escreva com a própria mão "Li e aprovei". A exigência da grafia manuscrita certifica que o indivíduo saiba de que se trata.

Ora, se para indivíduos livres numa sociedade livre vale o princípio de que só estão obrigados pelas ações que livremente consentiram, por que essa regra não valeria para os países? Mas aqui, embora isso me pareça óbvio, entramos em terreno minado. Acho ótimo que metade da população mundial hoje esteja em regimes com liberdade de expressão, organização e voto. Nunca foram tantas as pessoas que vivem em democracias. Contudo, isso significa que a outra metade está em sociedades despóticas, autoritárias ou totalitárias. Portanto, metade do mundo não estaria obrigada pelas decisões de seus governos. Ora, esse princípio introduziria uma insegurança bastante grande nos negócios e tratativas com esses poderes. Assim, se Mianmar, Cuba ou Belarus não forem democráticos, seus cidadãos não estarão obrigados a responder pelos atos de seus governantes - e então quem há de negociar com estes? Se o governo do Afeganistão foi escolhido em eleições fraudadas, como disseram os observadores internacionais, que segurança teremos, se tratarmos com ele?

O que estou apontando não é absurdo. No tempo da ditadura no Brasil, diziam alguns que nossos governantes pagavam no mercado internacional juros mais altos do que as democracias desenvolvidas, justamente porque a segurança de que o país pagasse as obrigações assumidas era menor do que se fosse uma democracia. Portanto, no custo do dinheiro, estaria embutido um "risco ditadura". Caso o Brasil, uma vez democratizado, deixasse de pagar algum empréstimo recebido, isso já estaria previsto nas contas dos bancos. Aliás, um dispositivo da Constituição de 1988 mandava auditar a dívida externa, justamente para que o povo, novamente soberano, não respondesse por eventuais atos de corrupção praticados pela ditadura. Essa auditoria jamais ocorreu, mas teria a legitimidade que aponto.

Agora, se um país não tiver governo legítimo, quer isso dizer que outros podem intervir nele? As intervenções ditas humanitárias se baseiam nisso - mas não só. Geralmente exigem uma condição adicional, que é o governo, além de ilegítimo, estar fazendo guerra a seu povo. Foi o que se invocou no Kosovo e na Líbia. Mas o campo continua minado. Quem decide qual governante pode intervir onde? Podia Bush invadir o Iraque para promover um "regime change", que na ausência das inexistentes armas de destruição maciça acabou-se tornando a justificação da guerra de 2003? Não, mas por quê? Essa é uma questão aberta. Usualmente vinculamos o direito de intervir a uma autorização supranacional, de preferência a da ONU, mas eticamente isso não é óbvio. As Nações Unidas contam com muitas ditaduras que votam em sua assembleia geral. Por isso, aqui entramos numa espécie de limbo. O que eu diria, antes de concluir, é: estamos caminhando para uma concepção do mundo em que as ditaduras serão ilegítimas. O que faremos, a partir dessa convicção, ainda não está claro. Mas esta será uma das discussões politicas mais importantes dos próximos anos. Termino com uma pergunta: Bush filho, ao tomar posse em 2001 em decorrência de eleições duvidosas, era legítimo para governar os Estados Unidos? Boa semana para todos.

Investimentos privados em rodovias - MOACYR SERVILHA DUARTE

O ESTADÃO - 09/01/12

Investimentos em infraestrutura devem ser prioridade no País, porque deles dependem o aumento da competitividade de nossa economia, a futura geração de empregos e a continuidade no crescimento da renda. Temos sido muito beneficiados pela grande expansão econômica asiática, que exige mais alimentos e matérias-primas, e os temos fornecido mesmo com altos custos de transporte e energia. Essa demanda vai continuar, mas não é suficiente para garantir boas condições de trabalho e renda para toda a nossa população.

A iniciativa privada vem investindo em infraestrutura, substituindo o poder público em muitas atividades anteriormente estatais, como decorrência da crescente demanda por recursos públicos pelas áreas sociais: educação, saúde, justiça, segurança e aposentadoria. Essa realidade impõe uma nova dinâmica e novos conceitos, uma vez que, ao contrário do poder público, que investe independentemente dos resultados econômico-financeiros, a iniciativa privada só é atraída por projetos que tragam retorno, ou seja, em que os custos sejam menores que as receitas ao longo do tempo.

Historicamente, no Brasil como no resto do mundo, as rodovias foram quase sempre financiadas e operadas pelo poder público com tributos, geralmente incidentes sobre os combustíveis.

Avanços nos motores,reduzindo o consumo de combustível por quilômetro, e a expansão dos gastos sociais se somaram para inviabilizar esse modelo de financiamento em todo o mundo.

O resultado vem sendo, em mais de 50 países, a busca de rodovias total ou parcialmente autossustentáveis, cobrando de quem as utiliza, o que oferece desafios e dúvidas ainda não claramente respondidos.

O principal é como resolver a oposição entre objetivos dos governos, usuários e investidores, criando um equilíbrio que precisa ser mantido durante longo período.

Os primeiros querem a menor tarifa possível e os investidores precisam de remuneração adequada pelo seu capital e pelo risco empresarial que assumem em projetos de grande duração.

Com isso, a primeira definição é sobre os parâmetros de qualidade, ampliação,modernização,segurança, e serviços desejados.

No Brasil há duas opções diferentes em razão de o foco dos governos, como poderes concedentes, estar mais voltado para a baixa tarifa ou para a preparação do futuro,exigindo mais investimentos- o que implica tarifas superiores.

No setor rodoviário, como em geral na infraestrutura, há dois custos bastante diferenciados: o de implantação, que envolve projeto, engenharia, construção, sinalização; e o de operação, incluindo a gestão, a manutenção e a modernização. Nosso país precisa construir para ampliar a rede rodoviária pavimentada - a menor proporcionalmente entre as 20 maiores economias do mundo - e melhorá-la substancialmente, com novas faixas, ampliações, duplicações, etc., além de aprimorar operação e segurança.

Para não onerar muito a tarifa, diversos países, e agora também o Brasil, adotaram a concessão patrocinada, aqui conhecida como PPP ,em que o governo entra com parte dos recursos para obras ou para manutenção e operação, mitigando o custo para os usuários.

A equação não é simples. Ao longo dos anos da concessão (20 ou mais), é preciso ter certeza de que os contratos serão respeitados e os valores do poder público, aportados, uma vez que não existem recursos vinculados.

A proveniência do capital, que determina o nível de retorno desejado, é outro aspecto a discutir.

Aqui e internacionalmente, boa parte dos recursos provém de empresas de capital aberto, cujos acionistas querem ter retorno igual ou superior a outras alternativas.

Bons resultados geram satisfação dos acionistas e garantem o empreendimento, mas levam a reclamações dos que são contra concessões, particularmente no Brasil, onde a maior parte das pessoas considera que as empresas não devem ter lucro.O problema da remuneração também ocorre no setor público, na China, onde há o maior programa do mundo de estradas pedagiadas, em parte construídas pelas prefeituras, que recebem fortes reclamações pelas tarifas consideradas abusivas pelos usuários.

A remuneração justa depende de outras alternativas: se é possível obter melhor retorno e menor risco em outras atividades, nenhuma empresa ou acionista vai pôr recursos em infraestrutura.

Para atrair investimentos, o fator básico é a segurança: de correr menor risco, tanto de mercado - que oscila muito menos que em outros setores -comode que os governos vão cumprir e manter os contratos ao longo do tempo.

É o que ocorria com as ações de infraestrutura, principalmente de energia, no passado,chamadas de" ações de viúva", por trazerem resultados quase constantes todos os anos. Hoje, em vez de "viúvas" é preciso atrair os fundos de pensão. Sua presença ajudaria a garantir a plena segurança dos contratos, reduzindo ações e pressões de governantes para alterá- los por motivos eleitorais.

Segurança é uma condição sine quanon para que tenhamos os crescentes investimentos privados em infraestrutura que o desenvolvimento do País exige.

Rainha do cangaço, Maria Bonita ganha estudo da neta em seu centenário JOSÉ NEUMANNE


O ESTADÃO - 09/01/12


Aventura da moça que aos 19 anos se juntou a Lampião e seu bando é contada em 'Bonita Maria do Capitão'



Nascida e criada na Malhada da Caiçara, no sertão baiano, Maria de Déa foi destinada ao casamento, celebrado em plena adolescência, e a uma vida pacata. Aos 16 anos, casaram-na com o sapateiro Zé de Nenê, mas o lar do casal, que foi morar no povoado de Santa Brígida, ali perto, logo desmoronou, segundo as más línguas porque o varão era pacato demais para a inquietação fabril da mulher. Além do mais, o marido era estéril e a diferença de temperamento gerou conflitos que levavam o par a se separar e se reconciliar até o dia em que, no fim de 1929, cruzou a soleira dos pais dela, Zé Filipe e Dona Déa, o temível Rei do Cangaço no sertão, Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, aos 32 anos.

O chefe de bando era vingativo, cruel e destemido, mas também tinha lá seus laivos de herói romântico. Dos saques das fazendas dos ricaços do sertão furtava perfumes franceses de boa cepa e o melhor uísque escocês. Ao relento nos acampamentos no zigue-zague das fugas para escapar da perseguição policial, puxava um fole de oito baixos e a ele foi atribuída a autoria de um dos maiores sucessos do cancioneiro sertanejo e nacional, Muié Rendeira, de cuja autoria se apropriaria, no Rio, o malandro Zé do Norte.

Não era de estranhar que fizesse corte à morena e começou por lhe encomendar que bordasse suas iniciais CL (Capitão Lampião) em 15 lenços de seda, o que permitiu a abordagem e, depois, serviu de pretexto a novo encontro, que terminou com a retirada da morena separada do marido da casa dos pais. Foi, então, que a beleza da escolhida do Rei lhe deu a alcunha com que morreu na Grota do Angico, Sergipe, ao lado do amante, e que se fixou na memória do povo: Maria Bonita.

Expedita, filha do casal real da caatinga, criada no Estado em que os pais morreram, Sergipe, sobreviveu à carnificina e gerou, entre outros filhos, Vera Ferreira, que, professora universitária em Aracaju, tem mantido viva a memória dos avós e empreendeu obra de vulto para comemorar o centenário da avó. Bonita Maria do Capitão, livro trazido a lume pela Editora da Universidade do Estado da Bahia, a ser lançado amanhã em São Paulo, na Livraria da Vila é obra de fôlego. O volume de 328 páginas, organizado pela neta, jornalista e escritora, com a cumplicidade da desenhista paraibana Germana Gonçalves de Araújo, reproduz o legado da personagem lembrada pelos caprichos e vontades, mas também pelo bom humor e descontração quase infantil, com esmero e bom gosto.

A aventura da menina que saiu de casa aos 19 anos para percorrer o sertão nordestino a pé num bando de cangaceiros até tombar, aos 27, humilhada a ponto de ter a cabeça, decepada quando ainda vivia, exposta à curiosidade popular, tem sido narrada em prosa, verso, imagem e som.

O casal, evidentemente, foi tema de muitos romances de cordel. Num deles, Saboia, chamado de Marechal de Cordel do Cangaço, registrou: “Cupido fez passatempo /com Maria e Lampião/ ela Rainha ele Rei /governou nosso sertão /cangaço e amor viveu /não foi uma ilustração”. Rouxinol do Rinaré e Antônio Klévisson Viana versejaram: “Maria Gomes de Oliveira /amou muito a Lampião /decidiu ser a primeira /cangaceira do sertão /ignorando o destino /acompanhou Virgolino /pela força da paixão”. O livro reproduziu a capa de um cordel de Sávio Pinheiro sob título O Arranca-rabo de Yoko Ono com Maria Bonita ou A Desaventura de John Lennon e Lampião, editado em 2008.

Seu apelido famoso também foi muito cantado. “Acorda, Maria Bonita, /levanta pra fazer café, /que o dia já vem raiando /e a polícia já está de pé” – esta é uma estrofe de Muié Rendeira, que ou foi acrescentada depois ou se tornou, como mofou Bráulio Tavares em seu texto registrado no livro, o caso de premonição mais espetacular da história da música popular, de vez que o casal foi morto, de fato, ao amanhecer.

Seu nome também foi muitas vezes lembrado em funções de repentistas pelo sertão afora. Certa vez, Otacílio Batista glosou: “Virgolino Ferreira, o Lampião, /bandoleiro das selvas nordestinas /sem temer a perigo nem ruínas /foi o rei do cangaço no sertão, /mas um dia sentiu no coração /o feitiço atrativo do amor /a mulata da terra do condor /dominava uma fera perigosa. /Mulher nova, bonita e carinhosa /faz o homem gemer sem sentir dor”. Zé Ramalho pôs música nos versos e a canção virou tema da minissérie Lampião e Maria Bonita, na Rede Globo.

A beleza de Maria, mostrada em foto e cinema por Benjamin Abrahão, fascinou artistas plásticos como Mino e virou tema obrigatório de xilogravadores como J. Borges, Mestre Noza, J. Miguel e Marcelo Soares. Suas peças de vestuário e as joias que usava foram reproduzidas no livro, que também se refere à peça de Rachel de Queiroz sobre ela e a filmes do gênero dito nordestern, que a adotaram como personagem. Como resumiu Maria Lúcia Dal Farra em poema: “Maria de Déa, Maria Bonita, minha Santinha! / Mulher de tantos nomes / tão poucos para contê-la”.

GOSTOSA


Imposto da nota fiscal - MAÍLSON DA NÓBREGA

REVISTA VEJA

Na economia, não bastam boas ideias. Elas precisam ser viáveis. Seus custos não devem exceder os benefícios e, assim, evitar perdas para a sociedade. Exemplo de boa ideia é explicitar os impostos na nota fiscal. Ao saber quanto paga, diz-se, o consumidor se conscientizaria do seu enorme custo, cobraria do governo a adequada aplicação dos recursos e forneceria apoio político para a realização da reforma tributária. Tudo muito correto. O diabo, como sempre, mora nos detalhes. O custo excederia os benefícios.

Os defensores da ideia se inspiram em exemplo não aplicável ao Brasil, o do sales tax americano, um imposto sobre vendas a varejo cujo valor é registrado na nota. O Brasil utiliza um método distinto, o do imposto sobre o valor agregado, que é arrecadado ao longo da cadeia de produção e consumo. O sales tax existe somente nos Estados Unidos e em uma ilha do Caribe. Por incidir apenas na venda final, tem elevado potencial de sonegação, o que é minimizado por suas alíquotas relativamente baixas, a maioria entre 6% e 8%. Isso só é possível nos Estados Unidos porque o grosso da carga tributária americana vem de impostos sobre a renda e a propriedade, e não sobre o consumo, como no Brasil.


"A ideia de explicitar os impostos na nota fiscal é boa em tese, mas custosa e arriscada. Devem existir formas mais eficazes de mobilizar a sociedade em favor da reforma tributária"


O sales tax não é tão simples quanto se pensa. E preciso saber se certos bens serão usados para consumo ou para produção, caso em que o i nposto não será cobrado. Se o consumidor fizer a com. pra pela internet & residir em outro estado, o imposto não será retido, a menos que o vendedor tenha uma presença física por lá, o que não é comum. Por essas e outras, o sales tax tem menor eficiência econômica, embora as características do federalismo americano dificultem a adoção de algo melhor, o imposto sobre o valor agregado (IVA), hoje adotado por cerca de 130 países.

A explicitação do sales tax na nota tem a ver, pois, com o método, e não com a conscientização do contribuinte. Nos Estados Unidos, impostos sobre combustíveis, energia e outros não são explicitados na nota (seria quase impossível calculá-los). Na União Europeia, o IVA é obrigatório. Já residi lá e visitei vários dos países membros do bloco. Jamais vi o IVA explicitado em notas de compra.

No Brasil, o cálculo dos impostos ao consumidor seria tarefa inglória. Somos os campeões de tributação do consumo. Existem pelo menos seis distintas incidências: IPI, ICMS, Pis, Cofins, ISS e Cide. O ICMS tem incontáveis alíquotas, decorrentes de suas 27 legislações estaduais O sistema se complica com inúmeros regimes de tributação, isenções, incentivos, guerra fiscal e por aí afora. Não há como saber, sem o auxílio de elaboradas planilhas, quanto esse manicômio representa do valor pago pelo consumidor.

Se a explicitação dos impostos na nota viesse a ser aprovada, haveria enorme elevação dos custos de transação, derivada do aumento da complexa teia de normas e obrigações. No Brasil, as empresas gastam 2600 horas anuais para cumprir obrigações tributárias (nos países ricos, menos de 200 horas em média).

Uma alternativa seria utilizar uma estimativa dos impostos pagos, como alguns sugerem. O inferno continuaria, pois a estimativa também exigiria cálculos complexos. Seria necessário saber como a mercadoria foi tributada no estado de origem, as diferentes alíquotas interestaduais do ICMS, se a Cide incidiu menos na gasolina do que no álcool usado para transportar as mercadorias, se havia uma pequena empresa tributada pelo Simples na cadeia produtiva e assim por diante.

Everardo Maciel, um dos nossos melhores especialistas, que tem vasta experiência como administrador tributário na União e em duas unidades da federação, já se debruçou sobre a ideia e chegou às mesmas conclusões. Para ele, a medida acarretaria custos adicionais aos contribuintes, com "repercussão nula na consciência cidadã". Everardo assinala que o ICMS já é explicitado nas contas de telefone e energia elétrica, mas, explique-se sabe; ninguém tomou nenhuma atitude em relação ao ônus. Isso sem falar nos riscos de questionamento judicial da estimativa, dada a nossa enorme propensão de recorrer ao Judiciário.

A ideia é boa em tese, mas custosa e arriscada. Devem existir formas mais eficazes de mobilizar a sociedade em favor da reforma tributária.

Oposição, PSB e emendas - DENISE ROTHENBURG



Correio Braziliense - 09/01/12


A fórmula para quebrar a maioria governista, avaliam os oposicionistas, é minar a base de Dilma Rousseff por dentro. A jogada é de risco. Pode passar ao eleitor a ideia de que é tudo igual e, sendo assim, não haveria por que mudar



Muito se disse nos últimos dias sobre a timidez da oposição para tratar das denúncias de favorecimento a Pernambuco. Aviso aos navegantes: será mais ou menos assim sempre que um potencial aliado dos oposicionistas estiver sob fogo cruzado. Esse comportamento só mudará quando uma parte expressiva dos deputados não alinhados com o Planalto considerar que houve roubo mesmo por parte da pessoa citada na notícia da hora ou quando o ministro for do PT.

Por enquanto, a visão que predomina nesse grupo é a de que não houve desvio de recursos no caso da Integração Nacional. Se algo for comprovado, o comportamento dos oposicionistas pode mudar, mas, no momento, até a onde a vista alcança, a maioria da oposição não vê motivos para seguir com carga máxima sobre Fernando Bezerra Coelho, leia-se, Eduardo Campos, o governador de Pernambuco, o padrinho do ministro e o primeiro a sair a campo para defendê-lo.

A atitude é estratégica. Nas últimas avaliações sobre o cenário político de 2012, PSDB e DEM ficaram preocupados com a redução de espaço que sofreram desde 2003. Paulatinamente, o PT e seus aliados foram tomando conta de tudo no Congresso. Essa redução, dizem os oposicionistas, atingiu seu ápice no ano passado, com a criação do PSD, uma espécie de canal do Panamá, onde quem quiser pode ficar e escolher se vai para o oceano governista ou trafega no mar da oposição.

A fórmula para quebrar a maioria governista, avaliam os oposicionistas, é minar a base de Dilma Rousseff. A jogada é de risco. Pode passar ao eleitor a ideia de que é tudo igual mesmo e, sendo assim, não haveria por que mudar. Mas, como estão em franca desvantagem numérica, e ainda têm governos estaduais e prefeituras que precisam das verbas da União, a maioria dos não alinhados acredita não ter alternativa, senão fazer esse trabalho de formiguinha, tentando tirar aliados da presidente Dilma, e, aos poucos, ir reduzindo a base.

Por falar m minar...
Pré-candidato a presidente da República, o senador Aécio Neves tem se dedicado a essa tarefa, de tentar minar o campo governista e as relações de Dilma no Parlamento. E ele pretende ampliar os movimentos neste ano de eleições municipais. Em 2011, em toda semana de trabalho do Congresso, o senador chamava políticos aliados ao governo para conversas em seu gabinete. Chamou gente do PDT, do PR, do PP, do PV. No caso do PSB, não foram poucas as vezes em que Aécio jantou ou tomou café na casa da ex-deputada Ana Arraes, mãe do governador de Pernambuco, Eduardo Campos.

Os petistas até hoje têm atravessado na garganta um jantar entre Aécio e Eduardo no final de 2010, quando Dilma Rousseff se dedicava à montagem de sua equipe de governo. À época, o encontro foi visto como uma manobra do presidente do PSB para dizer à presidente que havia outros caminhos fora da aliança com o PT. Não por acaso, Dilma manteve o PSB com dois ministérios (tirou Integração Nacional do PMDB) e quase deu um terceiro — pequena e microempresa, que ainda não saiu do papel e é tido como área reservada para Luiza Trajano, do Magazine Luiza.

Hoje, há quem diga nos bastidores que o PSB perdeu a terceira vaga não só pela recusa do senador Antônio Carlos Valadares em ser "nomeado" para um cargo que não existia. Pesou na decisão da presidente de não dar um terceiro ministério para o PSB a aproximação entre Eduardo e Aécio. De quebra, também não queria provocar mais ciúmes no PMDB, que se considerava escanteado demais.

Por falar em PMDB...
Os peemedebistas são maioria entre os 50 deputados que tiveram emendas liberadas acima de 95% na Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf). Foram 11 beneficiados em 2010, contra apenas quatro do PSB, entre eles o deputado Fernando Coelho Filho (PE), filho do ministro da Integração Nacional e pré-candidato a prefeito de Petrolina. Logo depois vem o PT, com seis deputados agraciados. Outros partidos, como o PTB, o PP, o PR e até o oposicionista DEM, ficaram no mesmo nível do PSB, cada um com quatro parlamentares com 100% de liberação ou muito próximo desse percentual. Esses são alguns dos dados a serem levados ao Congresso pelo ministro amanhã. Vamos aguardar os desdobramentos. Essa novela, assim como o trabalho de Aécio, está apenas começando.

Final feliz - LÚCIA GUIMARÃES


O ESTADÃO - 09/01/12

'Não importa quanto eu me torno cínica, nunca é o bastante para me manter atualizada' (Lily Tomlin)

Há algo de especial nos concertos de música clássica no fim de ano. Não falo do inevitável Messias de Handel, mas da atmosfera celebratória da música ao vivo no inverno, quando o pensamento raspa o tacho do otimismo para encarar o ano que vai começar.

Foi com essa sensação de aconchego que me instalei numa poltrona confortável, numa sala de concertos ao Norte de Nova York. Um renomado quarteto de cordas ia apresentar duas peças sublimes que consolidaram o repertório do gênero, no século 19. E, néctar dos deuses, a tarde ficaria completa com uma peça recém-estreada de um dos maiores compositores contemporâneos.

Peço perdão e não estou aqui para torturar a curiosidade do leitor, mas, se fosse dar nome aos personagens, ia me colocar na mira de impulsos litigiosos e semear a discórdia. Em resposta a um velho ditado, sou das que preferem ser feliz do que ter razão. Então, relato o incidente para poder ruminar sobre o que Barack Obama gosta de chamar de experiência didática.

O primeiro movimento da peça do Grande Compositor Vivo começou com frases dissonantes que sempre me atraíram na música de sua lavra. Troquei um sorriso de satisfação com uma musicista americana, sentada ao meu lado.

Começou o segundo movimento e, em poucos segundos, troquei um olhar alarmado com a dita musicista. Mais alguns compassos e a nossa expressão era de incredulidade. Rabisquei no programa o nome de uma belíssima canção - uma canção composta por dois cariocas vivinhos da silva. Ela concordou com a cabeça porque, como me lembrou depois, eu havia lhe enviado recentemente um arquivo MP3 da mesma canção como sugestão para seu repertório.

Ish... (abreviação daquele palavrão universal em inglês). O programa incluía uma pequena recepção com os músicos. Fui cumprimentá-los, agradeci pela tarde memorável e contei como era fã ardorosa do Grande Compositor Vivo, ausente do evento. Perguntei a um dos instrumentistas o que mais sabia sobre o segundo movimento. Pouco, foi a resposta.

"Ele entregou o segundo movimento meses depois do primeiro e menos de 24 horas antes de première. Ele dizia que não estava encontrando sua voz." Hum.

Voltei para casa agitada com a possibilidade de se tratar de um dos maiores pesadelos da vida do compositor: ser traído pela memória e escrever na partitura a melodia dos outros. Só pode ser um caso desses, pensei, e acordei na manhã seguinte decidida a alertar o Grande Compositor Vivo. Ele não retornou minha chamada. Afinal, quando as grandes orquestras do mundo estão no seu encalço, seu tempo é precioso. Mas desabafei minha preocupação com outra musicista que o conhece e não posso reproduzir aqui a enxurrada de palavrões que ouvi. Ela mandou o recado curto e grosso: "Ligue já para a Lúcia porque é do seu interesse".

Não deu outra: atendi o telefone e depois de elogiar a peça, comecei a dizer, diplomática, "Acho que há um problema com a melodia do segundo movimento..." e ele me interrompeu, "Sim, aquela canção de Fulano. Eu adoro essa música. Mas se você sentiu isso e acha que pode parecer impróprio, vou mandar retirar imediatamente do repertório e escrever outro movimento". Assim nos despedimos, eu elogiando sinceramente sua obra, ele agradecendo a minha preocupação sincera.

O Grande Compositor Vivo, que recebera a encomenda de duas instituições, entregou a peça com um ano de atraso. E "encontrou a sua voz", uma parte dela ao menos, numa melodia popular, escrita na zona sul do Rio, na década de 80. Na tradição do que fazia Bach, ele me explicou, queria citar a canção, fazer uma "homage a esse monumento" que é o insuspeito melodista carioca. Eu me senti compelida a argumentar que o monumento em questão ia preferir receber a "homage" em espécie, sem falar em ter seu nome e sobrenome incluídos no programa impresso. Sim, a sensibilidade autoral do século 18 era outra. As entrevistas sobre a nova peça não faziam a menor referência aos 20 dos 36 compassos da canção original que receberam, na exaltação de um comentário, um tratamento "mahleresco", e concluí que a ideia era manter desconhecida a origem da melodia.

Meu pai me contava que um Grande Compositor Morto, natural de Ubá, dizia, maroto: "Música é feito passarinho, a gente vê no ar e pega".

Ou, como nos ensinaram os filósofos da Grécia Antiga, malandro demais se atrapalha. Mas, como bem lembrou o bardo de Avon, Tudo Bem Quando Termina Bem?

Sob as barbas -ou não - RUY CASTRO


FOLHA DE SP - 09/01/12
RIO DE JANEIRO - Por dados recentes do IBGE, descobre-se que a segunda maior favela do país, a Sol Nascente, com 56.483 moradores, fica em Brasília, a 30 km do Palácio do Planalto. Você dirá: como pôde esse complexo de ilegalidade e miséria, composto de 15.737 domicílios, expandir-se sob as barbas do governo federal? E a resposta será: Por que não? A 30 km, tal complexo não é visível a olho nu. E Brasília foi concebida para não ver nada além de seu núcleo.

As favelas cariocas, por exemplo, sempre foram visíveis a olho nu, e 10 ou 11 presidentes da República puderam acompanhar sua expansão, quase dia a dia, nos primeiros 60 anos do século 20 -os últimos em que o Rio foi capital. Para enxergá-las, bastava que, ao sair à rua, levantassem os olhos acima do nível do mar e espiassem em volta.

A partir de 1902, quando Rodrigues Alves botou parte do Rio abaixo e desalojou gente que foi engrossar as primeiras favelas, sucederam-se Affonso Penna, Hermes da Fonseca, Wenceslau Braz, Delfim Moreira, Epitácio Pessoa, Arthur Bernardes, Washington Luís, Getúlio Vargas, Eurico Gaspar Dutra, Getúlio de novo e Juscelino Kubitschek, além de vários vices e interinos. Sob suas barbas e vista grossa, as favelas cresceram e se multiplicaram.

E não faltaram barbas sob as quais elas pudessem se expandir. De Rodrigues Alves a Washington Luís, todos os presidentes usavam barba, bigode ou cavanhaque. O primeiro de cara raspada foi Getúlio, em 1930. Dutra e JK o seguiram no escanhoamento, mas, aí, já era tarde -as favelas tinham adquirido vida própria.

De 1961 -Brasília- para cá, apenas dois presidentes usaram bigode (Jânio Quadros e Costa e Silva) e só um deles, barba (Lula). Mas as favelas continuaram a se expandir, por lá e por toda parte. Donde foi vista grossa mesmo.

Nossas tragédias - AÉCIO NEVES


FOLHA DE SP - 09/01/12
Iniciamos o ano, mais uma vez, sob a marca da tragédia.

É inevitável, em cada um de nós, uma mistura de solidariedade e de indignação diante de situações que se repetem e em que a única mudança é o endereço: Minas, Rio, Espírito Santo, Santa Catarina...

A dimensão e a gravidade de cada uma dessas situações não permitem que nos transformemos em torcidas organizadas no demagógico jogo de ver diferentes instâncias de governo empurrarem responsabilidades umas para as outras.

O fato de que ninguém, em sã consciência, considere possível corrigir, em poucos anos, danos provocados por erros acumulados em décadas não é pretexto para a aceitação da omissão. A pergunta que precisa ser feita a todo governante não é "por que não resolveu tudo antes?", mas, sim, se fez, no seu tempo, tudo o que estava ao seu alcance.

Assim, o inexplicável contingenciamento de recursos do governo federal destinados à prevenção de enchentes e dos danos causados pelas chuvas, assim como a liberação deles sem que sejam respeitados princípios básicos do equilíbrio federativo, devem ser motivo de protesto e de cobrança não apenas da oposição, mas de toda a sociedade. Até porque a falta de critérios republicanos e a baixíssima execução orçamentária do governo não se dão apenas em uma área.

Acredito que, como agentes públicos, devemos examinar essas situações de duas formas, simultaneamente.

A primeira é olhando para trás e reconhecendo que há um grande passivo de erros que só poderá ser superado com muito trabalho, planejamento e integração de ações. Passivo que é fruto de omissões de administradores que, muitas vezes, até por desinformação, não avaliaram o gravíssimo problema das ocupações desordenadas de áreas urbanas. Passivo que é fruto de uma época em que nos orgulhávamos de domar rios em vez de respeitá-los. E como o longo prazo em política, para muitos, é sinônimo de problema dos outros, o ciclo em que todos perdem se impôs.

A segunda é olhando para o futuro, entendendo que não temos o direito de seguir reproduzindo os erros do passado.

Qualquer administrador, mesmo o do menor município, tem acesso a informações e sabe bem dos riscos de uma ocupação precária de encostas ou margens de rio. Obras feitas às pressas, sem planejamento, cobram da sociedade um alto preço, que não se restringe ao desperdício financeiro.

As repetidas tragédias representam vidas perdidas. E, em respeito a cada uma delas, precisamos abandonar a demagogia, partilhar a solidariedade e cobrar responsabilidade. Os brasileiros não estão condenados a viver apagando incêndios de incompetência ou submergindo em tempestades de omissões.

A política industrial do século XXI - DAVID KUPFER



Valor Econômico - 09/01/12


Cientistas políticos gostam de debater se o início do século XXI ocorreu, de fato, em setembro de 2001, quando da queda das torres gêmeas (início da "Guerra ao Terror") ou se aconteceu bem antes, em novembro de 1989, quando da queda do muro de Berlim (o fim da "Guerra Fria"). Economistas parecem estar mais próximos de um consenso: o século XXI demorou mas chegou com grande estardalhaço em setembro de 2008, quando da queda da corretora Lehman Brothers, marco simbólico da grande crise internacional que desde então arrasta o planeta. Entre tantas quedas, a virulência da crise inaugural do século derrubou o mito de que a política econômica poderia se resumir à busca de estabilidade monetária e de um bom ambiente de negócios e recolocou a política industrial no centro das iniciativas governamentais em quase todos os países mundo afora.

Porém, da mesma forma que parece inquestionável que a política industrial está reconquistando a proeminência que exerceu na chamada era do ouro do capitalismo - os 25 anos do pós-2ª Guerra - é igualmente fora de dúvida que o seu arcabouço teórico e prático já não é mais o mesmo. Por essa razão, conceitos, objetivos, diretrizes, instrumentos, enfim, todo o aparato definidor da política industrial encontra-se em conformação aos novos parâmetros trazidos pelo século que se inicia, quais sejam, uma nova dinâmica macroeconômica internacional, um novo paradigma tecnológico e um novo perfil da empresa e da estrutura industrial.

No plano macroeconômico, especialmente para países produtores de commodities, como é sabidamente o caso do Brasil, o atual ciclo de preços favoráveis desses bens inverte a lógica tradicional do passado que condenava esses países a uma trajetória de crescimento restringido pelo balanço de pagamentos. Superar, ou adiar, as crises cambiais, que se tornavam inevitáveis após sucessivos anos de exportações de bens baratos e importações de bens caros, pode ser descartada pelos próximos anos como preocupação relevante para a política industrial. Analogamente, o maior ritmo de crescimento dos países emergentes em relação aos países desenvolvidos, consequência direta da crise de longa duração enfrentada pelos segundos, faz do emparelhamento da renda um processo já "encomendado", conferindo um maior peso aos objetivos distributivos e de "catching-up" tecnológico da política industrial, algo também marcadamente distinto do que prevaleceu anteriormente.

Se o quebra-cabeças trazido pela nova dinâmica da economia mundial já parece suficientemente intrincado, mais ainda é decifrar os impactos sobre a atividade manufatureira das profundas mudanças tecnológicas em curso nos produtos e nos processos produtivos. Particularmente, a antevisão sobre quais serão - ou já estão sendo - as implicações da prevalência de uma indústria cada vez mais "jobless" sobre o mercado de trabalho mostra ser esse um tema que deve motivar preocupação crescente da política industrial. Mesmo sabendo-se que, como já se imaginava há alguns anos, a saída se dará por meio do incremento das atividades de serviços de mais alta qualificação, também essas atividades estão tendendo a se tornar cada vez mais tecnificadas e automatizadas e, portanto, mais cedo ou mais tarde deverão exibir as suas limitações na geração de novos postos de trabalho.

Evidentemente, o sistema empresarial não poderia permanecer imune a mudanças econômicas e tecnológicas tão intensas. De fato, estão em curso transformações radicais nos perfis dos grupos empresariais em termos de áreas de atuação, estratégias de P&D, alianças tecnológicas, estratégias financeiras e, ainda, muito importante no terreno da política industrial, na dimensão do público-privado. Há uma nova divisão internacional do trabalho em construção que embute um sem número de riscos e, obviamente, de oportunidades, para os países que forem bem sucedidos na construção de novos padrões de especialização da estrutura produtiva, da pauta de comércio e do perfil do investimento direto externo.

Nesse contexto, a pergunta fundamental da política industrial permanece a de sempre: o que produzir, o que exportar, o que importar. As respostas agora é que são muito diferentes. Em condições ideais, o incremento do conteúdo local da produção nacional deveria ser uma consequência do sucesso da política industrial, um indicador de eficácia das ações e medidas tomadas. Mas nas condições reais do mundo industrial da atualidade, ainda mais diante do quadro de acirramento competitivo e do protecionismo adotado pela maioria dos países concorrentes do Brasil, as exigências de conteúdo local tornaram-se um meio para viabilizar a própria continuidade da atividade industrial.

O problema contemporâneo, diferentemente do passado, não é criar setores visando completar a matriz industrial nacional. No século XXI, o desafio é enraizar atividades produtivas fixando empresas, fornecedores e clientes no território nacional. O caminho para isso, embora trabalhoso e difícil, é conhecido: promover condições atrativas para os investimentos em capacidade produtiva e em inovação tecnológica.

MARIA CRISTINA FRIAS - MERCADO ABERTO

FOLHA DE SP - 09/01/12
Venda de elevadores para Copa movimentará R$ 1 bi

A compra de elevadores e escadas rolantes para os estádios que receberão jogos da Copa do Mundo de 2014 movimentará R$ 1 bilhão, segundo o Seciesp (Sindicato das Empresas de Elevadores do Estado de São Paulo).

O preço médio de cada elevador, de até cinco andares e que pode levar no máximo 30 pessoas, ficará entre R$ 150 mil e R$ 200 mil.

No estádio do Corinthians, previsto para receber a abertura da Copa, serão necessários 40 escadas rolantes e 20 elevadores, diz o Seciesp.

O projeto do Maracanã, por sua vez, prevê a compra de 80 equipamentos do setor.

"Todas as escadas rolantes terão de ser importadas, porque não há mais produção no Brasil", afirma Jomar Cardoso, presidente do sindicato e da Villarta.

A Thyssenkrupp Elevadores fechou contrato para fornecer 11 elevadores para o estádio Arena Castelão, na cidade de Fortaleza (CE).

Os elevadores irão operar com um sistema sem casa de máquinas. O modelo utiliza equipamentos sem engrenagem, que economiza energia e não usa óleo lubrificante para reduzir riscos de vazamentos e poluição ambiental, segundo a empresa.

Além dos 12 estádios da Copa, outros que serão construídos ou modernizados, como os do Palmeiras e do Grêmio, também comprarão elevadores e escadas rolantes.

A LGTECH, que também fabrica elevadores, afirma manter negociações com a WTorre, que constrói a Arena Palestra, e com o Grêmio.

Conselho Empresarial Brasil-Argentina terá 1º encontro

Nas próximas semanas, membros do Conselho Empresarial Brasil-Argentina terão uma reunião técnica para definir a agenda do primeiro encontro oficial entre os conselheiros, que deve ocorrer até fevereiro.

A secretaria-executiva, formada pela CNI (Confederação Nacional da Indústria), e representantes do Itamaraty viajarão ao país vizinho para tratar de "questões logísticas e da pauta do evento", segundo Tatiana Porto, da CNI.

O conselho, criado pelas presidentes Dilma Rousseff e Cristina Kirchner em 2011, já estava atrasado e recebeu cobrança para que comece logo a tratar de temas como o contencioso entre os países e a presença chinesa na região.

"Queremos levar os CEOs. Não adianta só ter representantes das empresas", afirma.

"Está atrasadíssimo. Mas acabamos de ser indicados como secretaria-executiva e pretendemos usar a experiência que temos, como no Conselho Brasil-EUA."

O conselho tem sido organizado pela CNI e sua congênere UIA (União Industrial Argentina). A reunião de abertura será, provavelmente, em Buenos Aires, a pedido do governo argentino.

EXPANSÃO PESADA

O grupo japonês Sumitomo Indústrias Pesadas, que acaba de inaugurar sua primeira fábrica no Brasil, com investimento de R$ 130 milhões, se prepara para definir a expansão do projeto.

O terreno onde está instalada a fábrica em Itu tem 450 mil m², mas foram ocupados 50 mil m².

O restante poderá abrigar a extensão da linha já existente, de redutores de velocidade de alta precisão para controle de motores de equipamentos industriais, ou trazer outras divisões da empresa para o Brasil, segundo Mateus Botelhos, presidente da Sumitomo Indústrias Pesadas no país.

"Estamos estudando planos para trazer outras divisões. A empresa começou a fazer análises de mercado e de viabilidade e a apresentá-las para a nossa matriz no Japão. A definição deve sair em breve", afirma.

Entre as alternativas estão investir em outros produtos como escavadeiras, máquinas de injeção de plásticos e outros.

Tratamento

Mais da metade dos beneficiários de planos odontológicos (58%) tem também cobertura médico-hospitalar, segundo o Iess (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar). Há mais de 16 milhões clientes de planos exclusivamente odontológicos.

Parceria

O São Paulo Convention & Visitors Bureau acaba de se associar ao Professional Convention Management Association. A entidade reúne 6.100 profissionais da indústria de eventos dos Estados Unidos, do Canadá e do México.

Varejista

Gestão de estoque, mão de obra e logística são os principais desafios para o varejo na gestão e prevenção de perdas, segundo pesquisa da consultoria Boucinhas&Campos. A exatidão de estoques é apontada como preocupação por 43%, seguida pela carência de colaboradores qualificados (29%). A dificuldade de lidar com a gestão de produtos perecíveis aparece com 14%.

com JOANA CUNHA, VITOR SION e LUCIANA DYNIEWICZ

GOSTOSA


A ameaça chinesa - MARCILIO R. MACHADO


O ESTADÃO - 09/01/12


A previsão de entrada de empresas estrangeiras no mercado brasileiro em razão das expectativas favoráveis da economia do Brasil é motivo de preocupação.

As mudanças demográficas que têm ocorrido no País com a inserção de milhões de brasileiros no mercado de consumo e a necessidade de efetuar investimentos em obras de infraestrutura para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos têm atraído a atenção de investidores de todo o mundo. A crise atual, principalmente na Europa, com consequente ajuste fiscal, pode implicar uma recessão naquele continente ou, na melhor das hipóteses, um baixo crescimento econômico que pode durar alguns anos.

O cenário de recessão no Hemisfério Norte pode ocasionar um aumento da concorrência entre os países emergentes e fazer com que haja maior infiltração de produtos chineses, que têm vantagem competitiva baseada em custos baixos. Poderão as empresas brasileiras sobreviver diante da competição chinesa?

A China é o maior parceiro comercial do Brasil e as empresas chinesas, alavancadas principalmente em vantagem de custos, expandiram a sua participação no País. Os pesquisadores Akhter e Barcelos desenvolveram um estudo com o intuito de analisar a maneira como as empresas brasileiras estão respondendo a esses desafios.

A pesquisa indica que os executivos brasileiros têm respondido por meio de mudança na estratégia de suas organizações, enfocando uma orientação maior voltada para o cliente. De um modo geral, o desempenho da maioria das empresas foi positivo, enquanto a lucratividade foi reduzida. Isso significa riscos para as empresas, pois o lucro pode exprimir, em muitos casos, o custo de estar no negócio e a garantia de emprego no futuro.

Houve mudanças de estratégia em diferentes áreas de marketing, tais como segmentação, posicionamento, construção de marcas e relacionamento com os clientes. Também algumas empresas buscaram consolidar a sua posição no mercado, enquanto outras tentam se expandir internacionalmente. Mas isso seria suficiente para sustentar um aumento da intensidade competitiva resultante de uma provável recessão na Europa, que é o destino principal dos produtos chineses?

Os autores sugerem que os executivos brasileiros terão de investir em inovação de processos e produtos, pois isso lhes permitirá escapar da concorrência de um mercado onde o preço é um fator determinante de sucesso. O foco em inovação permitirá que as empresas possam subir na escala de valor agregado para competir com elementos não baseados em preços.

Quando se trata de competição com a China, a Alemanha pode servir como um exemplo a ser imitado. Com exceção da China, a Alemanha foi o único país que conseguiu aumentar a participação de suas exportações no mercado internacional. Possuidora de indústrias com mais de cem anos de existência, os alemães investiram em inovações contínuas e modernizaram suas indústrias. Com excelentes universidades técnicas, melhoraram processos e voltaram a ocupar o topo do setor industrial. Os alemães reformaram a sua legislação trabalhista de modo que se transformasse na mais flexível do planeta. O trabalhador alemão, por exemplo, pode trabalhar de zero a 60 horas por semana, o que lhes dá uma grande vantagem.

Embora tenha perdido a posição de maior exportador mundial para a China, a Alemanha continua apresentando resultados expressivos nas suas exportações de manufaturados. O pesquisador Hermann Simon relata que, diferentemente do que muitos imaginam, as empresas líderes de mercado mundial na Alemanha são de tamanho médio. Segundo sua estimativa existem 2.500 empresas líderes de mercado em todo o mundo, e 1.200 delas se encontram na Alemanha. Essas empresas participam de 25% do total exportado pelo país. A maioria delas é familiar e localizada em comunidades rurais. Elas competem por meio de valor superior, e não custos, e se colocam próximas do mercado para obter feedback para inovação. Simon constatou que, também na China, 68% do total das exportações é proveniente de empresas com menos de 2 mil empregados, e não de grandes corporações.

O famoso economista Schumpeter foi o primeiro a defender que apenas por meio da inovação e do empreendedorismo pode um negócio, com exceção de um monopólio governamental, sobreviver no longo prazo. Além disso, ele foi bem claro ao enfatizar que a inovação e o empreendedorismo podem ocorrer nas grandes, médias e pequenas empresas, apesar da existência de obstáculos burocráticos.

O seu legado também indica que quase todos os negócios um dia falham e falham por falta de inovação. São muitas as barreiras às inovações, tais como as resistências e incertezas de fazer algo que não estava sendo feito anteriormente. Entretanto, como reportou Schumpeter, inovação requer desequilíbrio contínuo liderado por empresários obcecados com aquilo que estão fazendo. Inovação seria, então, não uma proeza do intelecto, mas do desejo, da vontade, da força de uma liderança.

Surpreendentemente, alguns setores empresariais pressionam o governo brasileiro por proteção para que não haja um aumento de sua capacidade ociosa decorrente, principalmente, da entrada de produtos estrangeiros, vindos principalmente da China. Na realidade, as pressões às quais as empresas brasileiras estão sujeitas requerem muito mais do que o retorno do protecionismo exacerbado contra a concorrência internacional. A imposição de barreiras tarifárias e não tarifárias pode ocultar algumas deficiências de algumas empresas e atrasar os investimentos em inovação necessários para que elas possam competir com igualdade de condições quando a crise atual passar.

Diferentemente de aumentar o protecionismo, recomenda-se reduzir a burocracia brasileira de modo que, como na China e na Alemanha, as pequenas e médias empresas possam ser inseridas no esforço de exportar produtos com maior valor agregado.