VALOR ECONÔMICO - 09/01/12
Dessa vez não houve carta, telex, e-mail ou telefonema: o presidente Mahmoud Ahmadinejad planejou sua viagem à América Latina, nesta semana, sem sequer consultar o Palácio do Planalto ou o Itamaraty sobre a possibilidade de uma escala em Brasília.
A viagem inclui Venezuela, Equador, Cuba e Nicarágua e se presta a mostrar apoio em tempos de crescente isolamento iraniano. É palpável o alívio no governo brasileiro por escapar do constrangimento de uma eventual sondagem. O Brasil tem uma agenda mais modesta a tratar com Teerã.
Por um breve momento, em setembro do ano passado, o Irã chegou a ultrapassar a Rússia como o maior comprador da carne bovina brasileira. Ao fim do ano, porém, manteve a segunda posição, com compras pouco inferiores a US$ 700 milhões, uma queda de 15% em relação às vendas do ano passado.
Dessa vez não houve carta, telex, e-mail ou telefonema
Curiosamente, porém, quem tem se queixado ao governo brasileiro são os exportadores de frango. Eles terminaram o ano com vendas 9,5% maiores que em 2010, mas afirmam, em conversas reservadas, estarem enfrentando sérias dificuldades para obter licenças de importação no Irã.
O ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota, aproveitou a reunião da Organização Mundial do Comércio, há um mês, em Genebra, para pedir à delegação iraniana explicações sobre o bloqueio ao frango brasileiro, iniciado por volta de setembro. Os iranianos disseram desconhecer o caso e prometeram atender às preocupações brasileiras.
O Irã segue como segundo maior comprador de carne bovina e o maior mercado para o milho do Brasil, produtos teoricamente a salvo das sanções contra o país. No caso do milho, pode se revelar mercado essencial em 2012, com o fim do subsídio nos EUA ao ETANOL, que traz a ameaça de um derrame do cereal americano no mercado.
A tese de que o veto ao frango seria uma retaliação à atuação menos favorável ao Irã adotada pelo Brasil nas Nações Unidas é levantada no setor privado, mas diplomatas brasileiros dizem ser mais plausível crer que as sanções econômicas contra o Irã têm criado dificuldades cambiais que se refletem nas compras externas do país.
Na importação de produtos iranianos pelo Brasil, esse reflexo é evidente, e é também explicado pela dificuldade em se encontrar bancos dispostos a fazer a operação de crédito, especialmente envolvendo remessas de dinheiro aos iranianos: o Irã caiu vinte posições, para o 85º lugar entre os fornecedores mundiais do Brasil, em 2011.
Em valor, a queda foi de 71%, para apenas US$ 35 milhões, US$ 31,5 milhões dos quais em polímeros para a indústria de plásticos. O segundo item na pauta, que teve queda de 82% nas compras pelo Brasil, são as uvas e passas, das quais o país importou US$ 1,3 milhão no ano passado.
Curiosamente, os iranianos acuados pelas sanções internacionais se revelaram em 2011 um bom mercado para certos produtos industriais brasileiros: as compras de manufaturados do Brasil pelo Irã cresceram quase 150%, puxadas, sem exagero, a trator: foram vendidos US$ 143 milhões em tratores e US$ 31 milhões em chassis para veículos, no ano passado. Milho, açúcar e produtos de soja ainda respondem, porém, pela maior parte das vendas brasileiras ao país.
O Irã passou de 23º a 25º maior mercado para as vendas brasileiras e o detalhamento da pauta de comércio com o país em 2011 mostra que o modesto crescimento de 10% nas exportações esconde oportunidades bem aproveitadas pelas empresas brasileiras.
Como o Irã desperta no mundo emoções bem mais intensas, e problemas bem mais profundos, do que os provocadas por carnes, milho e tratores, o drible de Ahmadinejad no Brasil levanta a curiosidade sobre que fim terá levado a agenda política entre os dois países, que teve seu ponto alto nas negociações promovidas por Brasil e Turquia, de um acordo com Teerã para monitoramento externo de seu programa nuclear.
O acordo, que seguiu fielmente as linhas de um esforço anterior, tentado pelas potências ocidentais e rechaçado em Teerã, hoje é visto por analistas sérios como uma oportunidade perdida para comprometer os iranianos em negociações diplomáticas.
Autoridades em Brasília dizem que essa agenda política poderia ser ressuscitada, ainda que com bem menos entusiasmo do que no governo Lula, caso houvesse algum pedido para participação do Brasil em novas negociações. De Teerã, há dias, saiu um apelo à intermediação da Turquia, mas os tempos de engajamento com o Brasil parecem realmente passados.
Resta a questão dos direitos humanos, que, pelo jeito, também entraram no ritmo dos despachos cotidianos. Recente recusa da presidente Dilma Rousseff de receber oposicionista iraniana para falar de direitos humanos passou sem reação notável. Mesmo as almas aflitas com o destino das vítimas da teocracia iraniana, tão ativas por aqui no ano passado, perderam o ímpeto, agora, tão longe do calor das disputas eleitorais no Brasil.
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