segunda-feira, dezembro 29, 2014

Abismo moral - PAULO GUEDES

O GLOBO - 29/12

A roubalheira na Petrobras é a conexão entre sua banda podre, saqueadores privados e criaturas do pântano da " velha política"


A presidente da República reafirma sua confiança na presidente da Petrobras. Dilma Rousseff acredita que Graça Foster não participou nem mesmo tinha conhecimento da bilionária roubalheira que se instalou na estatal, destruindo a credibilidade e o valor de mercado da companhia. A oposição diz que Dilma mantém Graça no cargo como sua própria linha de defesa, para que a culpa pelos colossais desvios de recursos ou mesmo pela omissão em coibi-los não transborde para o Palácio do Planalto. Afinal, como presidente do Conselho de Administração da empresa, ministra de Minas e Energia e depois presidente da República, Dilma precisaria de um dique de contenção contra o escândalo.

A empatia, a boa-fé e principalmente o acaso tornaram essa defesa de Graça por Dilma um episódio compreensível para mim. É que Almir Barbassa, diretor financeiro da Petrobras, foi meu colega da turma de mestrado em Economia. Dificilmente poderia Dilma fazer de Graça como pessoa uma melhor avaliação do que fiz de Barbassa à época. Apesar de nossa convivência de menos de dois anos e de não termos mais nos encontrado, acredito ainda em minha avaliação quanto à sua boa índole. Se não forem desonestos, Dilma Rousseff, Graça Foster e Almir Barbassa estariam desinformados e seriam, portanto, despreparados para o cumprimento de suas responsabilidades? Teriam sido enganados por uma conspiração entre a banda podre da estatal, grupos de saqueadores privados e as criaturas do pântano da "velha política"? 

"Esses fenômenos não são acidentais. Há um enorme abismo moral entre regimes estatizados e uma sociedade aberta. Agindo em nome de um grupo com nobres ideais, os mais inescrupulosos se libertam das restrições morais e chegam ao topo, pois os fins justificam os meios. Como é o líder supremo que estabelece os fins, seus instrumentos não devem exercer suas próprias convicções morais. Precisam estar, acima de tudo, incondicionalmente comprometidos com a figura do líder. Seus auxiliares devem ser literalmente capazes de tudo, sem quaisquer ideias sobre certo e errado. É o fim da verdade e a destruição da moral", registrava Friedrich von Hayek, em seu clássico "O caminho da servidão" (1944), dedicado com muita compreensão e sem ironia "aos socialistas de todos os partidos".

Fios desencapados - RENATO ANDRADE

FOLHA DE S. PAULO - 29/12


BRASÍLIA - O setor elétrico virou uma emaranhado de fios desencapados que promete muita dor de cabeça para o governo em 2015.

A manobra feita pelo Planalto para promover uma redução na conta de luz há dois anos gerou um passivo para as empresas que distribuem energia aos consumidores no país.

O governo teve que colocar muito dinheiro para evitar que o desconto virasse pó do dia para a noite. Ainda assim, a ajuda não foi suficiente.

As empresas tiveram que tomar empréstimos bilionários para continuar tocando a vida porque choveu pouco e o país teve que usar uma energia mais cara para manter as geladeiras funcionando em 2014.

A fatura dessa bagunça começa a ser paga agora. Manter os aparelhos eletrônicos ligados vai custar 8,3% mais a partir de janeiro. E essa é apenas a primeira parcela.

As distribuidoras terão que começar a pagar os empréstimos feitos. Pelas contas oficiais, isso representa mais 8% de aumento na conta de luz. O novo valor da energia produzida por Itaipu --que responde por algo próximo a 10% da eletricidade usada no Brasil-- também vai pesar na fatura a partir de janeiro.

Para complicar um pouco mais, o governo precisa repassar para essas empresas cerca de R$ 5 bilhões que foram retidos ao longo do ano e resolver quem vai bancar a conta de R$ 3 bilhões gerada pela compra de energia feita nos dois últimos meses para atender a população.

A nova equipe econômica já se comprometeu a segurar as despesas em 2015. A mão aberta do Tesouro, portanto, vai começar a fechar. Sem essa ajudinha, sobrará para o consumidor mais um papagaio.

O efeito dessa limpeza pode comprometer o trabalho do Banco Central de manter a inflação dentro dos limites fixados. A solução para o problema pode ser um aperto maior nos juros ou mais um ano de preços corroendo a capacidade de compra dos brasileiros. As duas alternativas estão longe de ser boas notícias.

Ajuste sim, CPMF não - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE

CORREIO BRAZILIENSE - 29/12

As trapalhadas do governo federal na gestão das contas públicas obrigaram a presidente Dilma a forçar a aprovação pelo Congresso Nacional de uma inusitada alteração na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A Nação distraída, como diz uma canção popular, se deu conta de que há um preço a pagar quando o governo gasta muito mais do que arrecada.

Se a economia do país está estagnada por causa de erros grosseiros da política econômica interna, agravada por quadro internacional negativo, é claro que a arrecadação de impostos e taxas também deixará de crescer. Nesse caso, o mais prudente é conter o crescimento dos gastos, pelo menos na mesma proporção da queda da receita.

Se isso não for feito, no mínimo duas consequências virão. A primeira é o aumento da dívida pública, já que o governo terá que financiar seus excessos no mercado. A segunda é o aumento da inflação, pois o gasto público também gera demanda e pressiona os preços.

São capítulos dos mais singelos manuais de economia. Mas nem por isso foram observados pelo governo brasileiro nos últimos anos, especialmente em face do recente calendário eleitoral. Uma terceira consequência, tão negativa quanto as duas primeiras, é a necessidade de um ajuste severo para estancar a hemorragia do deficit público.

Sobre isso parece haver a concordância da maioria das pessoas de bom senso. Foi por essa concordância que a escolha do economista Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda foi aplaudida. Mas, mesmo disposta a enfrentar um período de cintos apertados, a sociedade não pode dar tudo como resolvido. Não pode descansar.

Convém à cidadania ficar atenta ao que vem sendo tramado nos corredores do poder. O ajuste pode ser feito por corte de gastos ou por aumento de impostos. Ou ainda pelas duas coisas ao mesmo tempo. Gato escaldado, o contribuinte brasileiro não pode esquecer sobre quem costuma recair a pior parte.

Há um lobby se formando com o propósito de tirar proveito da boa vontade de todos para com o ajuste. E, aos poucos, a banda que toca o aumento de impostos começa a tocar mais alto. Já se tem como decidida a volta da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre os preços dos combustíveis. Em 2008, ela acrescentava 28 centavos ao preço da gasolina e 7 centavos ao do diesel. Foi suspensa em 2012, para segurar a inflação. Pode render R$ 14 bilhões por ano.

Pior: para não desgastar a presidente, um grupo de governadores recém-eleitos por partidos da base governista levantou a bandeira da volta da malfadada Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF), que já mordeu 0,38% sobre o valor de todos os cheques, saques eletrônicos e transferências de valores entre contas bancárias. Arrecadava cerca de R$ 42 bilhões por ano até dezembro de 2007, quando o Senado se recusou a prorrogá-la pela enésima vez.

Ora, o brasileiro já suporta uma das maiores cargas tributárias do mundo em troca de péssimos serviços públicos de educação, saúde, segurança e infraestrutura. Atualmente, quase 36% de toda a riqueza produzida pela sociedade é consumida pela governo. Nesta altura, aumentar impostos é punir o cidadão pelos erros do governo. Mais justo é cortar gorduras, diminuir o tamanho e o custo da máquina pública, escolhendo gestores capazes de torná-la mais eficiente.

Panetones, cosméticos e a institucionalização da irresponsabilidade - JOÃO ALFREDO LOPES NYEGRAY

GAZETA DO POVO - PR

Após acaloradas discussões, o Congresso Nacional aprovou o projeto de lei que autoriza o governo a fechar o ano com as contas no vermelho. A mensagem de tal aprovação parece ser: responsabilidade fiscal passa longe, e a lei só deve ser respeitada quando favorável ao governo. O preço dessa votação? Cerca de R$ 444 milhões, através da mesada de R$ 748 mil de que cada parlamentar passa a dispor. Paralelamente a esse absurdo, entrava na pauta de discussões do Congresso o aumento do salário de seus membros, aprovado pouco antes do Natal. Aparentemente, os atuais R$ 26,7 mil, além das verbas indenizatórias, não são suficientes a nossos nobres representantes.

Enquanto de um lado o governo não consegue pagar suas próprias contas, do outro aumenta os próprios gastos. Por causa dessa irracionalidade financeira, volta à pauta o aumento dos impostos, ainda que já sejamos o país que mais os paga, ainda que nosso governo seja o que mais arrecada. A nova equipe econômica avalia, além do retorno da Cide (a contribuição sobre os combustíveis), o aumento do PIS/Cofins sobre produtos importados e também o aumento da tributação sobre os cosméticos. É impossível não lembrar do pensamento de Adam Smith, que nos fala que os “impostos que visem a prevenir, ou mesmo diminuir a importação são evidentemente tão destrutivos das rendas alfandegárias quanto da liberdade de comércio”.

E assim, para sustentarmos um governo que não consegue ou não sabe administrar o imenso montante que arrecada, sufocamos nossos próprios gastos. Talvez por isso o consumo das famílias tenha tido a maior queda desde 2008. Os panetones, um dos vários símbolos da época natalina, ficam mais caros ano após ano. De acordo com dados divulgados semanas atrás, o panetone brasileiro é mais barato no Japão do que aqui. Mesmo com a ida do produto ao outro lado do mundo, ainda assim é mais barato lá. Mesmo sendo, para os japoneses, um produto importado.

Há cerca de dois ou três meses, foi divulgada na mídia uma comparação entre Brasil e Azerbaijão. Por mais que o país asiático conste apenas como a 75ª economia, sua inflação é de 2,4%, a taxa de juros está em 3,5% e o PIB encerrará o ano com crescimento de 2,4%, o que fecha os últimos dez anos com crescimento acumulado de 182%, contra apenas 25% do Brasil. Se o governo já importou médicos de Cuba, que tal importar também uma nova equipe econômica do Azerbaijão?

Mais do mesmo - RICARDO BALTHAZAR

FOLHA DE S. PAULO - 29/12

Quando a presidente Dilma Rousseff anunciou Joaquim Levy como seu novo ministro da Fazenda, a escolha soou auspiciosa: encerrada a campanha eleitoral, Dilma parecia convencida da necessidade de tomar medidas duras para consertar o estrago feito na economia em seu primeiro mandato.

Os petistas resmungaram, mas logo os insatisfeitos pararam de questionar a indicação. É cedo para saber se Levy justificará tanta expectativa. O certo é que ninguém veio a público lançar dúvidas sobre o passado do novo ministro ou sua competência profissional.

Na semana passada, quando Dilma anunciou mais 13 ministros, o efeito foi outro. Soube-se que o novo ministro do Esporte, o deputado e pastor evangélico George Hilton, foi apanhado pela polícia há dez anos carregando caixas de dinheiro no aeroporto de Brasília. Indicado para a Ciência e Tecnologia, Aldo Rebelo foi recebido a pedradas pela comunidade científica.

Cinco novos ministros são políticos que ficaram sem emprego após as últimas eleições. Quatro foram derrotados nas urnas. Indicado para a Educação, o governador Cid Gomes passou semanas dizendo que não queria o cargo. Acomodado na Defesa, um ministério politicamente insípido, o petista Jaques Wagner se esforça para convencer a plateia de que nunca desejou outra coisa.

Os assessores de Dilma dizem que as mudanças mostram a disposição da presidente para se reaproximar do Congresso no segundo mandato, abrindo espaço no ministério para políticos influentes nas bancadas de seus partidos. Pode ser. Mas para aprovar o quê mesmo no Congresso? Ninguém tem a menor ideia.

Em outubro, após a confirmação de sua vitória nas eleições, Dilma disse que a reforma do sistema político brasileiro seria uma de suas prioridades. Com a chegada do pastor Hilton ao time, talvez tenha chegado a hora de a presidente esclarecer o que queria dizer com isso.

Ja vi esse filme. No fim, o bandido ganha - RICARDO NOBLAT

O GLOBO - 29/12

A campanha da presidente Dilma, ela mesma, Lula e boa parte do PT debocharam do que disse a candidata Marina Silva (PSB) sobre como montaria seu governo caso se elegesse.

Marina afirmou que simplesmente governaria com os melhores elementos de cada partido sem discriminar nenhum partido.

É uma boba, garantiram alguns. Uma sonhadora, acusaram outros. Governar com os melhores é impossível, apenas isso.

Ou Marina dominava uma receita que só ela conhecia ou então se pautaria pelo bom senso. E o bom senso lhe aconselhava a procurar gente decente, comprometida com a ética e talentosa para ocupar cargos do primeiro e do segundo escalão da República.

E se essa gente fosse incapaz de lhe garantir a maioria dos votos no Congresso? E se por causa disso o governo capengasse?

Marina confiava que não passaria sufoco porque, em primeiro lugar, governaria apenas por quatro anos. Descartara a reeleição.

O que a seu ver seria o bastante para apaziguar os ânimos no Congresso e refrear as ambições, por suposto.

Segundo porque governaria com transparência, prestando contas aos eleitores de todos os seus passos e discutindo com eles suas dificuldades.

Fernando Collor se elegeu presidente em 1989 sem maioria no Congresso. Quis cooptar o PSDB e não conseguiu.

Chamou de “único tiro” contra a inflação o plano econômico que garfou a poupança dos brasileiros.

Por mais estúpido que tenha sido o plano, o Congresso não se negou a aprová-lo. Caso desse certo, o Congresso ficaria bem na foto. Se desse errado, o presidente é que ficaria mal.

Não foi por falta de apoio do Congresso que Collor acabou deposto. Foi por falta de apoio popular.

O Congresso é sensível ao sentimento das ruas. E todo presidente, a princípio, se beneficia de um período de lua de mel com a opinião pública.

Até que o período se esgote, ele pode se comportar com um grau de liberdade que mais tarde se estreitará. A não ser que o sucesso bata à sua porta.

Ninguém mais do que Lula reuniu condições para governar sem ser obrigado a fazer concessões que por fim o apequenassem, e ao seu partido.

Foi o primeiro nordestino ex-pau de arara, ex-líder sindical, ex-preso político a subir a rampa do Palácio do Planalto.

Ocupou o principal gabinete do terceiro andar com crédito para gastar por muito tempo. Encrencou-se porque piscou primeiro.

Sob pressão para lotear o governo como seus antecessores haviam feito por hábito ou necessidade, Lula subestimou o apoio das ruas.

Preferiu apostar no apoio do Congresso. Logo ele, que no final dos anos 80 do século passado, enxergara ali pelo menos 300 picaretas.

Foi atrás dos picaretas. Beijou a cruz – e de quebra a mão de Jáder Barbalho. O mensalão quase o derrubou.

Dilma atravessou a metade do seu primeiro governo resistindo à ideia de ceder ao “pragmatismo político”.

Em conversa, certo dia, com um amigo, ouviu dele: “Tirando três ou quatro, só tem desonesto no Congresso”. Ela respondeu: “E eu não sei?”

Para se reeleger, cedeu ao apetite dos desonestos. Beijou a cruz. E de quebra a mão de Helder Barbalho, filho de Jáder, seu futuro ministro da Pesca.

Foi medíocre o primeiro ministério de Dilma O governo que resultou disso foi naturalmente medíocre.

Pois bem: ela está perto de cometer o prodígio de montar outro ministério igual ou talvez pior.

O que a diferenciava dos políticos a quem tanto desprezava é, hoje, o que a torna cada vez mais parecida com eles.

Feliz Ano Novo para todos!

Ninguém me tira - VERA MAGALHÃES

FOLHA DE SP - 29/12

A disputa entre PT e PDT pelo Ministério do Trabalho deve obrigar o Palácio do Planalto a adiar mais uma vez a conclusão da reforma ministerial, que Dilma Rousseff previa para hoje. Em conversas com articuladores políticos do governo, dirigentes pedetistas se recusaram a abrir mão da vaga. O impasse travou a definição do espaço do PT na Esplanada, uma vez que a pasta era considerada uma peça-chave para compensar a retirada do Ministério da Educação da cota petista.


Rede furada 

Dilma decidiu que o Ministério do Trabalho terá uma atribuição a menos a partir de 2015: a fiscalização do seguro defeso, benefício pago a pescadores em época de pesca proibida ou baixa temporada.

Arrastão 
O monitoramento passará a ser feito pelo INSS, vinculado à Previdência Social. O governo quer implantar um sistema de fiscalização pesada para acabar com fraudes no pagamento.

Motim 
A insatisfação do PT com a reforma ministerial cresceu tanto que dirigentes da sigla ensaiam uma reação mais clara à escolha de Pepe Vargas para a Secretaria de Relações Institucionais.

Fritura 
Deputados da corrente petista Construindo um Novo Brasil, majoritária no partido, dizem que Vargas, da tendência Democracia Socialista, "não tem capacidade de articulação política" e que sua indicação vai rachar a bancada do PT na Câmara.

Tudo... 
Também insatisfeita com o novo desenho do governo, a cúpula do PMDB vai exigir de Dilma a verticalização de suas seis pastas.

... dominado 
Sob o Ministério do Turismo, peemedebistas querem comandar a Embratur, hoje controlada pelo PC do B. Também pedirão a Conab, vinculada ao Ministério da Agricultura.

Última chamada 
Com a indefinição do anúncio de novos ministros, alguns candidatos à Esplanada compraram passagens para voar a Brasília na manhã de hoje. Querem estar a postos caso sejam convocados.

Bolsa cimento 
O PSD começou a usar a indicação de Gilberto Kassab para o Ministério das Cidades para atrair deputados de outros partidos para a nova sigla do ex-prefeito, o PL. O argumento é que a pasta dará mais força política aos aliados de Kassab.

Recado dado 
Emissários do governo procuraram o Ministério Público Federal há cerca de um mês para manifestar sua preocupação com o impacto das denúncias contra empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato. O cenário apresentado foi de consequências catastróficas para a economia do país.

Sem recibo 
Procuradores reagiram com ressalvas. "É inegável que haverá um impacto econômico, mas não se pode criar uma imunidade jurídica por esse motivo", diz um membro do MPF.

Mais que restrito 
Apenas três integrantes da cúpula da Procuradoria-Geral da República tiveram acesso à lista de políticos citados tanto por Paulo Roberto Costa quanto por Alberto Youssef. Um dos leitores foi o procurador-geral, Rodrigo Janot.

Na conta 
Responsável pela repatriação do dinheiro desviado pelo esquema na Petrobras, a Secretaria Nacional de Justiça começará 2015 sem titular. José Eduardo Cardozo (Justiça) quer escolher a dedo o substituto de Paulo Abrão, que deixou o cargo.

Na fila 
Também está na lista de prioridades do ministro a indicação da nova cúpula da Funai.

Natal do pibinho 
Em ano de crise econômica, deputados e senadores lamentam que seus colegas tenham economizado nos presentes que costumam distribuir no Congresso em dezembro. As garrafas de champanhe Veuve Clicquot sumiram dos gabinetes, que até agora só receberam "lembrancinhas".com BRUNO BOGHOSSIAN, PAULO GAMA e ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER


TIROTEIO

"Promovido para a Esplanada, Jaques Wagner deixou duas marcas na Bahia: a maior greve da PM e o aumento da violência em Salvador."

DO DEPUTADO VANDERLEI MACRIS (PSDB-SP), sobre a escolha do governador baiano, Jaques Wagner (PT), para o Ministério da Defesa de Dilma Rousseff.


CONTRAPONTO

Fora da área de cobertura

O coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Pedro Dallari, participou de uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos do Senado no dia 11 de dezembro para apresentar informações sobre o relatório final do trabalho do grupo, que havia sido entregue na véspera ao Palácio do Planalto. Depois de detalhar os resultados no Congresso, o advogado pediu desculpas por ter que deixar a reunião antes do fim:

--Vocês não sabem o que é coordenar um órgão público que vai ser extinto. Em cinco dias você tem que devolver tudo, até o celular. Eu praticamente deixo de existir no mundo! --brincou Dallari.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

MINISTROS DE DILMA RECEBEM ATÉ R$ 62 MIL POR MÊS

Oficialmente, ministros do governo Dilma recebem salários “comuns” de R$ 26,7 mil por ocuparem cargos na Esplanada. Mas um terço dos 39 ministros ganham “jetons”, bônus salariais, por integrarem conselho de empresas estatais e outros órgãos do governo federal. O Conselho de Administração da Petrobras, por exemplo, rende R$ 10 mil por mês. “Jetons” são pagos nos Correios, Finep, BNDES, Itaipu, Sesc, BB etc.

É CAMPEÃO
O ministro Mauro Borges (MDIC) ganha R$ 21,6 mil líquidos e mais R$ 40 mil com “jetons” do Conselho do BNDES e do BNDESPar: R$ 62 mil

VICE CAMPEÃ
A ministra do Planejamento, Miriam Belchior, tem recebido em torno de R$ 46,8 mil com salário mais jetons da Petrobras e da BR distribuidora.

FECHANDO O PÓDIO
O ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) vem logo atrás com R$ 42 mil incluindo o “honorário” de R$ 20.904,99 que recebe do BNDES.

PRATA DA CASA
O jeton é uma remuneração por representar a União em Conselhos de Administração ou Fiscal de empresas controladas… pela União.

DILMA PODE REPETIR ATO NAPOLEÔNICO NA REPOSSE
A presidenta Dilma cogita encampar ideia, que ganha força no Palácio do Planalto, de colocar a faixa presidencial em si mesma durante a posse do seu segundo mandato. Por sugestão do cerimonial, Dilma subiria a rampa e se auto-imputaria a faixa, considerada símbolo da passagem de poder, assim como fez Napoleão Bonaparte ao tirar o diadema das mãos do papa Pio VII e coroar-se a si mesmo, em 1804.

FALTA PROTOCOLO
O cerimonial da Presidência da República não tem protocolo para o recebimento da faixa presidencial, em caso de reeleição.

PRECIOSA
O ex-presidente Lula preferiu aparecer já com a faixa presidencial, com a qual subiu a rampa para o pronunciamento na posse da reeleição.

RECORDAR É VIVER
Já o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso optou por receber a faixa do chefe de cerimonial em 1998, após sua reeleição no cargo.

SAMBA DO DEPUTADO DOIDO
Ninguém sabe o que será das cassações de Luiz Argôlo (SD-BA) e Jair Bolsonaro (PP-RJ) em 2015. Apesar de o regimento interno da Câmara prever o arquivamento de processos, o Conselho de Ética questionou a mesa diretora. No entanto o recesso chegou antes da resposta.

PRESTÍGIO DE VOLTA
Em 2010, o futuro ministro da Aviação Civil Eliseu Padilha não gozava de tanto prestígio quanto hoje junto ao seu partido, o PMDB. O partido doou apenas R$ 142,52 para a campanha do agora deputado eleito.

SEM PRESTÍGIO
Desde que assumiu o Itamaraty em agosto de 2013, o chanceler Luiz Figueiredo não se reuniu uma vez sequer com a ex-chefe da Casa Civil Gleisi Hoffmann. Com Dilma, só teve dois encontros durante todo 2014.

HABEMUS QUÓRUM
Cotado para disputar a Presidência da Câmara dos Deputados em 2015, Arlindo Chinaglia (PT-SP) quer aproveitar a cerimônia de posse da presidenta Dilma para reunir deputados do PT em Brasília, na sexta-feira (2). Resta saber se haverá quórum.

SEIS POR MEIA DÚZIA
A bancada do PDT reagiu com mau humor à proposta do Planalto de trocar o “fraco” Ministério do Trabalho pelo “abacaxi” da Previdência. O deputado André Figueiredo (CE) resiste em assumir ambos os cargos.

CONCORRÊNCIA
O PMDB está com a pulga atrás da orelha diante da força de Cid Gomes (PROS-CE) e Gilberto Kassab (PSD-SP) no governo Dilma II. Indicados para cargos importantes, eles ameaçam enfrentar o PMDB.

COTADO
O PT-SP tem defendido o nome do sociólogo Juca Ferreira para o Ministério da Cultura no governo de Dilma II. A indicação de Juca fará frente à senadora Marta Suplicy, que saiu do governo atirando.

JÁ PRA FORA!
O Ministério da Fazenda não comenta episódio vexatório que o ministro Guido Mantega teria vivido no bar Astor, em São Paulo. O pré-demitido ministro da Fazenda teria sido hostilizado, xingado e vaiado no sábado (20), até se retirar do bar. No Ministério, ninguém sabe, ninguém viu.

PENSANDO BEM…
…a lancha que a Dilma usou com a família no litoral da Bahia é batizada de “Amazônia Azul”. Correligionários prefeririam “Amazônia Vermelha”.

domingo, dezembro 28, 2014

Crise da Petrobrás, crise de um estilo de governo - ROLF KUNTZ

O ESTADO DE S.PAULO - 28/12

Dólar em alta, crise na Rússia, estagnação na Europa, ajuste na China, preços de exportação em queda, tudo isso é fichinha, em comparação com a maior fonte de risco para o Brasil - o governo federal, chefiado formalmente pela presidente reeleita, subordinado à fome de poder do PT e com escalação incompleta a poucos dias da posse. A maior parte dos ministros confirmados até o Natal foi escolhida pelo critério do loteamento, com alguma alteração nas cotas partidárias. A noção de competência pode ter influído na seleção de alguns nomes para a área econômica, mas só aí. Os demais postos foram distribuídos para atender às ambições de partidos e de líderes aliados. Alguém terá pensado na competência de cada um para o cargo? Mas o serviço ficou incompleto. Devorados os perus natalinos, faltava preencher 22 postos do Ministério, uma tarefa aparentemente perigosa. Sem a cooperação do Ministério Público, seria difícil puxar a capivara - a folha de antecedentes, na velha linguagem policial - dos possíveis indicados.

A preocupação com a folha corrida dos ministeriáveis é explicável, e até justificável, pela multiplicação de denúncias ligadas ao escândalo da Petrobrás. Algumas pessoas poderão achar louvável esse cuidado. Mas a cautela seria tão importante, se o risco de escolha de algum implicado fosse muito baixo? Não bastaria a verificação rotineira, realizada pelo serviço de informação do gabinete presidencial? A presidente parece insegura em relação ao campo de escolha de colaboradores. Esse campo, no Brasil, tem sido muito restrito, porque o presidencialismo de coalizão foi convertido, na prática, numa partilha de butim.

A limitação do campo combina com uma peculiaridade notável da política e das finanças brasileiras. A economia nacional é uma das dez maiores do mundo. A soma de exportações e importações, a chamada corrente de comércio, supera US$ 450 bilhões. O Brasil capta cerca de US$ 60 bilhões de investimentos diretos e recebe um enorme fluxo de outros financiamentos. Apesar de tantos dólares movimentados, parece haver uma estranhíssima escassez de operadores de câmbio. Sem essa hipótese, como explicar a numerosa e luzida clientela servida por um único operador, Alberto Youssef?

Nesse estranho mundo, a escolha de ministros deve ser mesmo complicada. Com tantos aliados e companheiros listados entre os clientes de Youssef e mencionados pelos beneficiários da delação premiada, fica difícil dizer quem permanece fora da ilustre confraria.

Em outros tempos, a presidente poderia, sem grande risco aparente, nomear clientes do mesmo doleiro para postos importantes da administração direta e das grandes estatais. Estaria apenas seguindo o padrão nacional, consolidado especialmente nos últimos 12 anos, de partilha do poder. Ou, em linguagem mais precisa, estaria repartindo os benefícios proporcionados por um poder estatal convertido em ativo privado, negociável e transferível em arrendamento a partidos e políticos aliados. Esse estilo de administração continua em vigor, mas agora certos cuidados são necessários.

Para começar, alguns membros do serviço público - na Polícia Federal, na Procuradoria da República e no Judiciário - têm agido como funcionários do Estado, sem levar em conta, aparentemente, as conveniências do grupo governante. Isso pode ser chocante para muitos políticos brasileiros, principalmente para aqueles incapazes de distinguir partido e Estado.

Em segundo lugar, as pressões do mercado sobre o governo e as estatais têm ficado mais intensas. A rolagem de títulos públicos tornou-se mais custosa em 2014. As agências de classificação de risco têm intensificado a vigilância. Pouco antes do Natal a Moody's apontou, pela segunda vez em 20 dias, o risco de um novo rebaixamento da nota da Petrobrás. Sem a publicação de um balanço auditado, a empresa poderá ser forçada a antecipar o pagamento de US$ 17,6 bilhões de dívidas. Mas como conseguir o aval de uma auditoria, se o tamanho dos danos causados pelas bandalheiras é ignorado?

Nos Estados Unidos, na véspera do Natal, a cidade de Providence, capital do Estado de Rhode Island, iniciou processo contra a Petrobrás, sua administração, duas subsidiárias internacionais e 15 bancos envolvidos na distribuição de papéis da companhia. As acusações atingem a presidente da estatal, Graça Foster, e o diretor financeiro, Almir Barbassa. Em Nova York, três outras ações coletivas já haviam sido abertas em dezembro. Ninguém está reclamando de um fenômeno típico de mercado, a depreciação das ações, mas da corrupção, só denunciada recentemente, e das informações enganosas.

As investigações sobre a Petrobrás e sobre as pessoas envolvidas na pilhagem da empresa ainda poderão avançar muito mais do que até agora. A devassa realizada pela Polícia Federal e pela Promotoria manterá o caso em evidência mesmo depois de publicadas - ninguém sabe quando - as contas do terceiro trimestre.

O escândalo internacional evidencia mais uma vez a arrogância de quem se apropriou do Estado e se julgou capaz de mandar e desmandar sem consequências. Os promotores da bandalheira superestimaram sua influência dentro e fora do País. Nem todos os envolvidos, é verdade, foram denunciados. Mas ninguém pode seriamente duvidar da responsabilidade de quem exerceu o poder de aparelhar e lotear a administração e de reunir companheiros e aliados num grande saque. A investigação apenas começou.

Até agora, a presidente deu poucos sinais de haver ponderado esses fatos. Alguns ministros poderão esforçar-se para consertar as bases da economia e repô-la em crescimento. Será um trabalho desperdiçado, se a presidente for incapaz de romper com o estilo de governo consolidado na última década. O mau estado da economia é só mais uma consequência desse estilo autoritário, arrogante e irresponsável.

O reatamento Cuba-EUA - SACHA CALMON

CORREIO BRAZILIENSE - 28/12

A boa notícia deste fim de ano - entre tantas coisas ruins no plano interno e externo, como um governo a iniciar-se envelhecido e a crescente tensão na Eurásia - foi, indubitavelmente, o reatamento das relações diplomáticas entre EUA e Cuba, processo iniciado há mais de um ano entre delegados dos dois países, com a intermediação do papa Francisco. Por isso, o anúncio do reatamento ocorreu no dia de aniversário do pontífice romano. Para as mentes estreitas, os EUA deveriam, em troca, exigir a democratização da ilha. Ora, a Arábia Saudita, o Egito, a China, países com os quais os EUA mantêm laços econômicos e até militares (os americanos dão dinheiro ao exército egípcio) são democráticos? A objeção é hipócrita!

Cuba deixou de ser inimiga militar dos Estados Unidos por dois motivos. O primeiro foi o desaparecimento do socialismo na União Soviética e na China. A ilha quedou-se isolada no mar do Caribe, a 96 km dos EUA. O segundo motivo - até mesmo pelo fracasso do modelo econômico adotado - diz com o fomento outrora patrocinado por Cuba aos movimentos esquerdistas na América Latina. Nicarágua, Honduras, Colômbia, Bolívia foram alvos da influência cubana. Hoje, resta o aspecto icônico - prestes a desaparecer - do comandante Fidel Castro, cujo carisma acrisola os sonháticos movimentos filossocialistas do continente (anacronismo ideológico).

O reatamento diplomático e o afrouxamento de políticas restritivas foi um primeiro passo. O segundo processo, sem o qual não deslanchará, é a queda do embargo econômico, que só faz o povo cubano sofrer, sem nenhum ganho político para os EUA. A América Latina inteira quer o seu fim. Prejudica a política americana no continente, tanto é que os chefes de Estado declararam, há meses, que sem Cuba não haveria a cúpula das nações americanas em 2015. De resto, o mundo vê como covarde e mesquinho o embargo (sanções econômicas são detestáveis). São, como no passado, cercos que impedem a chegada à população de água, alimentos e remédios, para dobrar soberanias, uma forma cruel de atingir civis. Em Israel, por exemplo, até os impostos pagos pelos palestinos podem ser retidos, ao revés de repassados à Autoridade Palestina.

Com a proximidade das eleições presidenciais, o Congresso americano revogará a lei do embargo, ante a pressão do voto hispânico e da opinião mundial. Os republicanos não são idiotas. Mas esperar que Cuba se torne capitalista e democrática imediatamente é irrealístico. Primeiro virá a liberalização comercial, depois a de investimentos e, finalmente, a da produção, sob o controle férreo do Partido Comunista cubano, após a sucessão de Raul Castro, em andamento.

Aliás, a liberalização política antes da econômica, como aconteceu na Rússia, foi catastrófica, financeira e estrategicamente. A União Soviética se desfez e ocasionou o colapso da Rússia. A glasnost (transparência) e a perestroika (reestruturação) fracassaram. O Ocidente não ajudou; aprofundou a crise, e até hoje hostiliza a Rússia, como recentemente escreveu Gorbachev para o Financial Time, em sofrida mea-culpa. O processo cubano será, antes de tudo, econômico, como na China, sob o controle do Partido Comunista. Se os cubanos ricos de Miami pensam que vão exercitar o buyback (comprar suas antigas propriedades) e tomar a ilha economicamente, estão enganados. Como na China, o processo econômico será intenso, mas sob controle, à medida que novas instituições sejam construídas. Um Banco Central, para exemplificar, técnicas cambiais, sistema bancário etc.

Dado o primeiro passo, o processo seguirá normalmente. A China dará a consultoria necessária. Os EUA devem continuar nas mãos do partido democrata. Se Obama assinar um acordo com o Irã, absorver o plebiscito (87%) da Crimeia (que sempre foi russa, anexada à Ucrânia por Kruschev, nascido ucraniano) - e iniciar a reunificação da Coreia, fará por merecer o cognome de o pacificador, apanágio dos grandes estadistas. A vitória da democracia estará completa. A China, por si só, encontrará o seu destino de tolerância e igualdade. O Ocidente sempre foi um acidente recentíssimo na história da humanidade.

O mundo, daqui a 40 anos, será bem diferente. Quem diria que os EUA manteriam sem acusação gente presa em Guantamano? Que torturava sistematicamente pessoas? Que não indicia policiais brancos que assassinam negros? A Europa é cada vez mais xonofoba! Entre a Rússia e a China, um espaço político novo e decisivo está em formação, poucos se apercebam. De outro lado, os cubanos são os latino-americanos mais educados e possuem um bom sistema de saúde, eficaz e igualitário. Ainda será um grande país, após o comunismo cuja transformação teve início.

2015, um ano novo ou velho? - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S.PAULO - 28/12

Ano novo, ministério novo. E governo? Novo ou velho? O que esperar de 2015? Há muitas dúvidas e poucas certezas do que vem por aí. No meio disso, o pêndulo chamado Dilma Rousseff vai oscilar na direção do novo e corrigir erros ou persistir no velho caminho errado? As dúvidas vêm daí.

O que precisa ser feito na economia já foi exaustivamente discutido e o diagnóstico é bem conhecido. Desconhecido é o que vai decidir Dilma Rousseff quando seu ministro da Fazenda, Joaquim Levy, avisá-la de que precisa cortar despesas aqui e ali, que vai aumentar impostos, que o Bolsa BNDES vai acabar, e as desonerações fiscais também, que as interferências políticas do governo nas estatais e nos bancos públicos chegaram ao fim, que as agências reguladoras ficarão livres de influências do governo e de favores aos políticos e que é preciso evoluir nas reformas - política, tributária e também a administrativa, eliminando metade dos 39 ministérios criados por ela e pelo ex-presidente Lula para abrigar partidos aliados.

As incertezas derivam do paradoxal papel de Dilma Rousseff: o de comandar a guinada de rumo corrigindo erros que foram gerados por ela mesma - e muitos por convicção ideológica, o que torna a tarefa ainda mais difícil - e que causaram mal ao País, atrasaram o desenvolvimento econômico, afugentaram investimentos e fizeram do primeiro mandato quatro anos desperdiçados.

O escândalo de corrupção na Petrobrás responde pela maior parte e agravou a pior e mais dramática crise vivida pela estatal em seus 60 anos, mas não a originou. A imagem da empresa já era ruim antes da Operação Lava Jato, em decorrência de seu exagerado e corriqueiro uso político pela presidente da República, ora na definição do preço de combustíveis, ora para viabilizar uma caolha e falsa política pseudonacionalista na região do pré-sal, que triplicou a dívida da Petrobrás e atrasou a exploração de óleo, deixando de gerar empregos, renda e riqueza para o País.

No cenário, um novo ministério. Mas será novo mesmo? Quem acreditou no discurso de Dilma ao jurar para os brasileiros que atos de corrupção seriam apurados e punidos ("doa a quem doer, custe o que custar, não restará pedra sobre pedra") esperava ver o discurso refletido na escolha dos ministros. Em outras palavras, esperava de Dilma um eficaz e preventivo freio de mão contra o escancarado e corriqueiro método de lotear cargos para capturar partidos políticos ávidos por assumir ministérios com orçamentos gordos e contratos milionários (de preferência com empreiteiras), como os da área de infraestrutura.

A "governabilidade" é sempre avocada por quem está no poder para justificar dividir a gestão com partidos que votam matérias do governo no Congresso Nacional. É legítimo e existe em países de regime democrático o governo partilhar a gestão com partidos que o apoiam e formam sua base de aliança no Parlamento. A escolha de nomes, porém, precisa ser feita com cuidado - o candidato indicado pelo partido deve trazer capacitação técnica para exercer a função e comprovar ficha limpa, ou seja, não ter sido processado por crimes contra o patrimônio público ou prática de corrupção.

Mas Lula inovou e acrescentou nociva permissividade à prática: o candidato fica dispensado de provar não ser criminoso e o loteamento ganha novo viés. A qualidade da gestão percebida pelo eleitor como força político-eleitoral para o partido é substituída por outra finalidade nada nobre: o candidato pode exercer o cargo de olho em tirar vantagens para o seu partido. É essa mudança de concepção que está na origem de tantos escândalos de corrupção dos últimos 12 anos. É o que precisa mudar.

Seis por meia dúzia. Tal mudança não foi contemplada na escolha do novo ministério. Com exceção do trio da economia (Joaquim Levy na Fazenda, Nelson Barbosa no Planejamento e Alexandre Tombini no Banco Central), Dilma Rousseff trocou seis por meia dúzia. Ela sabe que precisa mudar na área de infraestrutura, nomear ministros capacitados tecnicamente para ajudarem na difícil tarefa de recuperar a credibilidade ao governo, dinamizar investimentos e retomar o crescimento econômico. Não vai conseguir nada disso nomeando políticos derrotados nas eleições e sem nenhuma qualificação técnica para cargos-chave nessa área.

O que acrescenta, por exemplo, trocar Edison Lobão (PMDB-MA) por Eduardo Braga (PMDB-AM) no Ministério de Minas e Energia, onde os erros cometidos foram os mais graves e onde há urgência em restabelecer investimentos? Não acrescenta em nada, a não ser trocar o padrinho do ministro: sai José Sarney e entra Michel Temer. No currículo de Eduardo Braga não há absolutamente nada que comprove experiência em petróleo e energia elétrica. Ele se graduou em Engenharia Elétrica, mas virou empresário no setor de revenda de automóveis e toda a vida atuou como político profissional filiado ao PMDB (vereador, deputado, prefeito de Manaus, governador, senador). Nomeado ministro, deixa no Senado a mulher, Sandra Braga, sua suplente.

Eduardo Braga responde, ainda, a processo no Supremo Tribunal Federal (STF) acusado de fraude, peculato e formação de quadrilha em licitação. Segundo a acusação, em abril de 2003 a empresa Colúmbia Engenharia pagou R$ 400 mil pela compra de um terreno. Dois meses depois, na função de governador, Braga desapropriou o mesmo terreno para construir casas populares pagando à Colúmbia Engenharia R$ 13 milhões, ou 3.100% a mais. O inquérito foi aberto pelo ministro do STF Gilmar Mendes, em março de 2013.

Há, hoje, duas distribuidoras de energia elétrica do Amazonas transferidas para a Eletrobrás em decorrência de históricos prejuízos causados pela gestão política e ruinosa de sucessivos governadores do Estado. Delas a Eletrobrás quer se livrar, privatizando-as. E o futuro ministro de Minas e Energia vai facilitar ou dificultar a privatização?

Ainda na delicada área de infraestrutura, que precisa ser reerguida, Dilma entregou o Ministério da Aviação Civil para o peemedebista gaúcho Eliseu Padilha, também acusado pela Polícia Federal de fraude na construção de duas barragens no Rio Grande do Sul. E, para a Secretaria de Portos, outro político, o deputado Edinho Araujo (PMDB-SP). O que esperar em 2015?

Um feliz ano-novo aos queridos leitores!

O choro de Dilma - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 28/12

Como se previa, o nome da presidente Dilma Rousseff apareceu, finalmente, num dos processos contra a Petrobras, o movido pela cidade de Providence, capital do estado americano de Rhode Island, que alega ter tido prejuízos na compra de ações da Petrobras devido ao esquema de corrupção na estatal brasileira.

Como uma das "pessoas de interesse da ação" ela ainda não é ré no processo, mas poderá vir a ser se no decorrer das apurações ficar provado que ela sabia do que estava acontecendo na estatal quando assinou folhetos de propaganda para vender ações no mercado internacional, ou se tiver sido negligente.

Ela e mais algumas autoridades brasileiras e membros do Conselho de Administração da Petrobras que presidiu estão arrolados no processo, e mesmo que tenha imunidades que a impeçam de depor no processo, a presidente Dilma ficará, no mínimo, sujeita às pressões de escritórios de advocacia americanos em busca de um bom acordo.

É mais um percalço político para uma presidente que, em vez de estar em lua de mel com seu eleitorado e os partidos que apoiaram sua reeleição, passa por maus momentos especialmente dentro de seu próprio partido, o PT. Já aparecem relatos de que a presidente Dilma estaria deprimida, e que teria até mesmo chorado recentemente, depressão atribuída, por pessoas próximas, às dificuldades por que vem passando na montagem de seu novo Ministério. A presidente confessou depois que se sentia muito sozinha.

Diante da intenção de dar novos ares a um segundo mandato, fazendo um governo mais com a sua cara do que a de Lula ou do PT, a presidente teria sucumbido diante das pressões partidárias, e ela própria não estaria satisfeita com o resultado até aqui. Não combina com a imagem de Dilma esse choro quase público, mas a humanizaria e daria, pelo menos, a sensação de que a presidente, pelo menos, estaria tentando fazer algo de novo.

Porque é estarrecedor ver-se o resultado final da parte já definida do Ministério, fruto da mesma prática deletéria de escolher um partido para cada ministério, sem levar em conta a capacidade do escolhido ou sua especialização na área que comandará.

A situação é tão trágica que um partido como o PRB, da Igreja Universal, se sente em condições de ameaçar ir para a oposição caso o Ministério do Esporte não vá mesmo para o pastor George Hilton, um completo ignorante na área, tão ou mais que seu padrinho o pastor Marcelo Crivella, que confessou não saber nem mesmo reconhecer uma minhoca quando foi indicado para a pasta da Pesca.

O maior problema para Dilma parece ser mesmo o ex-presidente Lula, que não estaria nada satisfeito com a liberdade que ela ensaia na escolha do Ministério, depois de ter conseguido convencê-la de que teria que colocar na Fazenda um economista ortodoxo e fiscalista para tentar se aproximar do mercado financeiro e dar segurança aos eventuais investidores.

A verdade é que Dilma jamais seria presidente da República se não tivesse passado na cabeça de Lula essa ideia magistral de lançar uma mulher, ainda por cima apresentá-la ao eleitorado como grande gestora. Os fatos o desmentiram, mas o imaginário popular ainda está dominado pela fantasia de que o PT é o partido que cuida melhor dos pobres e desemparados, o que bastou para uma vitória apertada. Uma vitória eleitoral que trouxe uma derrota política para o PT, pois os fatos teimam em continuar desmentindo o que foi dito na campanha eleitoral, tendo como carro-chefe o escândalo da Petrobras que está destruindo a estatal por dentro, sem que se tome uma providência para reverter o quadro.

Todos os aumentos de preços negados estão sendo anunciados dia após dia, e até mesmo a abertura de capital da Caixa Econômica já foi admitida pela presidente, que acusava seus adversários de querer acabar com os bancos públicos.

Para cúmulo de seus azares, a própria presidente Dilma, dias atrás, foi traída por um reflexo freudiano e anunciou que tomará "medidas drásticas" na economia, o mesmo que acusou seu adversário de tramar caso fosse eleito. A ponto de tê-lo inquirido no primeiro debate entre os dois: "Quais são as medidas impopulares que o senhor vai tomar se for eleito?"

Só mesmo chorando.

Rever a relação - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 28/12


Devido à realidade da geopolítica, nada reduzirá a importância para o Brasil do continente sul-americano. Daí a entender-se que os acordos que sustentam o Mercosul são intocáveis, não podem ser adaptados a novas conjunturas, vai grande distância.

O Cone Sul, em particular, é especialmente estratégico. Constitui-se fato histórico de peso o lançamento do Mercosul, em meados dos anos 1980, pelos presidentes Sarney e Alfonsín, e, não por coincidência, num momento em que Brasil e Argentina encerravam um dramático ciclo ditatorial.

A oficialização do processo de integração regional, já em curso àquela época, impulsionada por forças do mercado — principalmente de veículos —, colocou uma pedra sobre um profundo poço de desconfianças históricas entre Argentina e Brasil, agravadas pelos militares de ambos os lados.

Esta conquista, para todo o continente, não tem preço. A região do Mercosul, com os quatro sócios-fundadores — além de Brasil e Argentina, Paraguai e Uruguai —, se favoreceu bastante da eliminação de fronteiras para efeito do comércio no bloco. Com o passar do tempo, o Mercosul passou a ser um dos mais importantes mercados importadores de produtos brasileiros, principalmente manufaturados.

O bloco passou a permitir a acumulação de importantes superávits comerciais pelo Brasil,e muito devido à incapacidade de a economia argentina competir com a brasileira. A chegada ao poder do clã Kirchner, Néstor e Cristina, em 2002, agravaria, a médio e longo prazos, os problemas do vizinho. Néstor, populista, adotou uma estratégia econômica para gerar emprego e renda a curto prazo. Com Cristina ocorreu o mesmo, e, com isso, os dois rifaram o futuro da Argentina, já há algum tempo com inflação alta e ascendente (rumo aos 50%), com inexoráveis reflexos deletérios na produção e no consumo.

Foi assim que o kirchnerismo passou a erguer barreiras protecionistas, rasgando, na prática, o acordo de união aduaneira. Por companheirismo ideológico, Brasília nada faz para denunciar a infração. E o país paga alto preço ao ficar atrelado ao bloco em crise, agravada com a entrada da Venezuela chavista. Chavistas e kirchneristas, aparentados, têm uma visão autárquica da economia, e por isso boicotam qualquer acordo bilateral do Mercosul com algum outro grande mercado. Caso da União Europeia, com a qual as negociações se arrastam há longo tempo.

Está posto que o Brasil, com a necessidade de reativar seu comércio exterior, em retrocesso, precisa negociar acordos com outros mercados, sem desprezar o Mercosul. Se, para isso, a união aduaneira — de fantasia — precisa ser transformada em área de livre comércio, deve-se discutir. A questão crucial é o Brasil — passado o ciclo de altos preços de commodities, de que o país se beneficiou bastante — já não acumula superávits como no passado, e precisa reciclar, com urgência, sua política comercial monofásica. Por isso, necessita rever o relacionamento com o Mercosul. Até para fortalecê-lo.

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Não vamos permitir”
Ivan Valente (PSOL-SP), sobre o escâdalo do Petrolão ‘forçar’ a privatização da Petrobras



MANTEGA ESCAPA DE FININHO DA OPERAÇÃO LAVA JATO

Apesar de ser o presidente do Conselho de Administração da Petrobras desde abril de 2010, quando substituiu a então ministra Dilma Rousseff, o ministro pré-demitido da Fazenda, Guido Mantega, foi esquecido na Operação Lava Jato. Todos contratos da Petrobras nos últimos quatro anos passaram pela mesa de Mantega, que é membro do Conselho desde 2006 e também é membro do Conselho da BR Distribuidora.

‘JETON’ DOBRA

Presidente do Conselho da BR e membro na BR Distribuidora, Guido recebe R$ 19,7 mil/mês para “compor” seu salário de R$ 26,7 mil.

CONSELHO DO GOVERNO

O Conselho de Administração da Petrobras tem dez membros, sete dos quais são indicados pelo governo, o acionista majoritário.

COUTINHO TAMBÉM

Outro esquecido no Petrolão é Luciano Coutinho, presidente do BNDES desde 2007 e membro do Conselho da Petrobras desde 2008.

SEM SURPRESA

Em 2014, o Produto Interno Bruto congelado, inflação acima da meta, crise na Petrobras, reeleição e “7x1” resumem as retrospectivas do ano

AGU ‘ARRECADOU’ 3.500% A MAIS QUE O PREVISTO

Em meio a alegações de falta de dinheiro que fizeram o governo rasgar a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Advocacia-Geral da União (AGU) conseguiu arrecadar mais de R$ 80 milhões pelas representações da União, judicial e extrajudicialmente, em 2014. O valor é 3.487% maior do que os R$ 2,3 milhões previstos em operação de crédito externo após contrato com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

FENÔMENO

O desempenho financeiro da AGU é ainda mais expressivo: o contrato com o BID não foi assinado “devido às restrições orçamentárias”.

OH, COITADOS

A AGU explica que a grana é integralmente recolhida ao Tesouro, pois como integrante do orçamento fiscal, o órgão não possui receita própria

TROCADOS

De todo montante arrecadado, a AGU ficou com pouco mais de R$ 367 mil proveniente de taxas de inscrição de concurso realizado este ano.

QUEM MANDA

Sem moral com a presidenta Dilma, o ministro Luiz Figueiredo (MRE) despacha mesmo é com Aloizio Mercadante, com quem teve sete encontros em 2014, conforme revela a agenda oficial da Casa Civil.

NA PISTA

Cotado no PT para substituir Izabella Teixeira no Ministério do Meio Ambiente, o deputado Alessandro Molon (RJ) já se reuniu duas vezes neste mês com o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante.

ENGABELADOS

Deputados do PMDB reclamam que a indicação de Edinho Araújo (SP) e Eliseu Padilha (RS) para Portos e Aviação Civil foi colocada na conta da bancada, mas os dois são fiéis escudeiros do vice Michel Temer.

PATINHO FEIO

O Ministério dos Transportes teve o orçamento 2015 reduzido em 10%, mas é um dos poucos que ajudam na arrecadação do governo federal: em 2014 conseguiu arrecadar mais de 108% do previsto

GUERRA À VISTA

A bancada do PT está inconformada com a perda de espaços no segundo governo de Dilma. Deputados preveem fase difícil do governo com a militância, que está bombardeando as redes sociais de críticas.

GERDAU NA BR

O empresário Jorge Gerdau Johannpeter representava os acionistas minoritários preferencialistas no Conselho de Administração da Petrobras desde 2001. Foi substituído em abril deste ano, pela primeira vez, por João Guimarães Monforte, presidente do Conselho da Claro.

APROVADO EM COTA

O deputado Geraldo Resende (PMDB-MS) é alvo de críticas nas redes sociais após divulgar que passou na Universidade Federal da Grande Dourados. Ele foi aprovado na cota destinada a alunos da rede pública.

JOGANDO A TOALHA

Amigos do presidente da Câmara Henrique Alves (PMDB-RN) acham que ele declinará da humilhação do “nada consta” da Operação Lava Jato para só então virar ministro do segundo mandato de Dilma.

PENSANDO BEM…

… brasileiros já sabem o que desejar para 2015: 2014 nunca mais!


PODER SEM PUDOR

VELHO CONHECIDO

O então presidente do Senado, José Sarney, conversava com amigos, dia antes de sua internação no Hospital Sírio Libanês, quando alguém mencionou a tese de que a cirurgia bariátrica que emagreceu Demóstenes Torres mexeu com sua cabeça, alterou o comportamento do senador goiano. Sarney discordou, lembrando que Demóstenes, antes da cirurgia, foi um opositor duríssimo do líder do PMDB, Renan Calheiros, e, já magro, também foi implacável contra ele próprio. Exibindo seu melhor sorriso mona lisa, Sarney sacramentou:

- Renan e eu conhecemos o Demóstenes gordo e o Demóstenes magro...

sábado, dezembro 27, 2014

Falta o poderoso chefão - PLÁCIDO FERNANDES VIEIRA

CORREIO BRAZILIENSE - 27/12

As confissões dos delatores - que, em tese, não podem mentir sob o risco de perder o benefício de redução da pena - indicam que o bilionário esquema de ladroagem montado na Petrobras estendeu os tentáculos a praticamente todas as grandes obras federais. O mais intrigante de tudo, até agora, é que, na organização criminosa, não havia chefe. Ou, pelo menos até agora, o dedo do poderoso chefão da quadrilha, que atuou durante os governos de Lula e Dilma, não apareceu na história.

Nas delações, réus contaram que parte do dinheiro roubado era rapartido entre PT, PP, PMDB e políticos aliados do governo. Seria por decisão espontânea que os integrantes do bando resolveram destinar parte da bufunfa aos partidos que dão sustentação ao Planalto? Não. Não foi apenas por generosidade. É inconcebível, inacreditável, que alguém surrupie bilhões de dólares de uma empresa, ainda mais com ações negociadas na bolsa de valores, como a Petrobras, sem que ninguém perceba.

Teriam os bandidos passado a perna assim tão facilmente na cúpula da estatal? São Tomé que sou, imagino que não: era preciso ser muito ingênuo para não perceber nada; ou, então, incompetente ao extremo; ou, por fim, cúmplice. Há indícios, colhidos nas confissões, mas nenhuma prova apresentada publicamente, de que o esquema tinha o aval de poderes acima da Petrobras. Na empresa, pessoas erradas em postos de comando institucionalizaram a roubalheira. Só pegava obra quem topasse entrar no clube da propina.

Agora, imagine que todo esse megaesquema veio abaixo praticamente por acaso. A Polícia Federal investigava lavagem de dinheiro. Um dos alvos era o doleiro Alberto Youssef e o então diretor da Petrobras, Paulo Roberto Costa. Ao prendê-los, percebeu que integravam organização muito maior. Como num dominó, uma a uma as peças da máfia que saqueava a Petrobras começaram a ruir. Falta chegar aos políticos. Inclusive, ao capo dei capi, artífice de maracutaias que vão além da estatal: agenda do doleiro apreendida na operação indica que o esquema abarca outras 747 obras de infraestrutura país afora. Em muitas delas, o TCU já havia apontado irregularidades.

Briga interna - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 27/12

A dificuldade que a presidente Dilma está tendo para anunciar os nomes do PT de seu novo Ministério indica bem os desentendimentos das correntes internas do partido, que se refletirão no andamento do governo, sobretudo dentro do Congresso. Nomear Pepe Vargas para o Ministério das Relações Institucionais contra a vontade da facção majoritária Construindo um Novo Brasil - Vargas é da Democracia Socialista (DS) - e, sobretudo, sem o apoio do ex-presidente Lula, terá conseqüências graves para a presidente, que claramente tenta montar dentro do Palácio do Planalto uma trincheira que lhe permita governar sem grandes concessões ao partido a que está filiada, mas que nunca liderou.

Aloizio Mercadante, no Gabinete Civil, é a figura central desse núcleo duro do governo que substituiu pessoas ligadas a Lula, como Gilberto Carvalho e Antonio Palocci no primeiro mandato, para colocar em seus lugares petistas próximos a Dilma e, por isso mesmo, afastados dos setores que decidem dentro do partido.

Além do mais, Miguel Rossetto e Pepe Vargas, ministros que coordenarão os movimentos sociais e a articulação política, são gaúchos, o que provoca insinuações de que Dilma está se isolando em suas preferências pessoais.

Dilma resiste a outra pressão do PT, para que coloque Ricardo Berzoini nas Comunicações, como indicação de que o controle social da mídia é prioritário nesse 2º governo. O PT, orientado por Lula, quer uma guinada à esquerda no restante do Ministério, mas Dilma dá preferência a estabelecer canais diretos com os partidos aliados e a manter por perto gente em quem confia.

Indulto

O advogado do ex-presidente do PT José Genoino terá que fazer malabarismos para incluí-lo no indulto natalino assinado no dia 24 por Dilma. Como os termos do decreto são os mesmos do ano passado, Genoino teria que ter cumprido 1/3 da pena e isso não aconteceu ainda, pois até agora, de acordo com o controle de execução de penas do Tribunal de Justiça do DF, Genoino cumpriu 1 ano, 1 mês e 10 dias de uma pena total de quatro anos e oito meses.

Ele teria que reduzir de sua pena total alguns dias por ter lido livros ou trabalhado, mas teria que provar. O destino do ex-presidente do PT será decidido em última instância pelo ministro Luís Roberto Barroso na base da interpretação pessoal. Ele pode ser desqualificado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, do Ministério da Justiça por uma tradição não escrita de não indultar políticos envolvidos em crimes de desvio de dinheiro público. Mas como não foi condenado por peculato, e sim por corrupção ativa, pode se beneficiar disso.

O indulto só não é concedido formalmente para condenados por Crimes hediondos e tráfico de drogas. O decreto de indulto também inclui pessoas"acometidas de doença grave e permanente que apresentem grave limitação de atividade e restrição de participação ou exijam cuidados contínuos que não possam ser prestados no estabelecimento penal"

Tanto Genoino quanto Roberto Jefferson podem ser enquadrados nesse caso, especialmente o petista que já está em prisão domiciliar.

Petrolão

O processo que a ex-gerente da Petrobras Venina Velosa está abrindo contra a estatal, alegando que sofreu assédio moral e que a companhia teria feito cortes ilegais no salário, revela uma maneira de administrar que tem sido usada pelas gestões petistas para pressionar os funcionários a aceitarem os desvios que porventura presenciarem.

Na ação, os advogados contestam a redução de 69 mil reais para 24 mil brutos, que não poderia ter sido feita por uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Para cooptar os funcionários em setores chave, os diretores da Petrobras atribuíam a eles altas gratificações, mas as retiravam diante da primeira reação crítica às práticas da empresa.

O silêncio era bem recompensado. Só que a estatal não seguia a determinação do TST de que, depois de 10 anos, a gratificação é incorporada ao salário, mesmo que o funcionário seja removido da função.

Ecos de junho - VERA MAGALHÃES

FOLHA DE SP - 27/12

Setores do PT ligados a movimentos sociais e à juventude relatam preocupação com a decisão de Fernando Haddad de aumentar a tarifa de ônibus na capital paulista. Petistas temem que o reajuste provoque protestos como os de 2013, que possam comprometer a recuperação da popularidade do prefeito e até custar sua reeleição. No início do mês, parte da sigla tentou aprovar uma moção contra o aumento, mas desistiu diante da constatação de que isso traria ainda mais desgaste.


Vamos conversar 
Esses setores consideravam o reajuste necessário, mas achavam que ele deveria ter sido precedido de um diálogo maior com as entidades.

Nem vem 
Dirigentes petistas, no entanto, dizem que a prefeitura tomou ao menos duas providências para que as manifestações não sejam deflagradas: o anúncio durante as férias e a concessão da tarifa zero para estudantes de escola pública, reivindicação dos protestos de 2013.

Em cima da hora 
A prefeitura decidiu antecipar o anúncio do reajuste porque, por uma exigência legal, precisa comunicar a mudança à Câmara cinco dias úteis antes de ela entrar em vigor.

Fatura 
No comunicado aos vereadores, a prefeitura encaminhou trecho de relatório da SPTrans que lembra os protestos de junho de 2013. "Uma das mais eloquentes questões levantadas foi a da transparência sobre quanto custa, quem paga e quem se apropria dos ganhos."

Amigo secreto 
De saída da Secretaria da Aviação Civil, Moreira Franco convocou para a próxima segunda-feira uma reunião com representantes do órgão, da Anac e da Infraero. Quer apresentar o sucessor, Eliseu Padilha (PMDB-RS), para a equipe.

Deixa que eu faço 
Relator da CPI da Sabesp na Câmara paulistana, o vereador Nelo Rodolfo (PMDB) vai propor no documento final da comissão a criação de um fundo emergencial de recursos para reparo de obras feitas pela estatal na cidade.

Deixa que ela paga 
A ideia do peemedebista é criar uma poupança com uma porcentagem da conta paga pelos consumidores para que a prefeitura possa assumir a realização de obras emergenciais caso a Sabesp deixe de concluí-las. O relatório deve ser apresentado em março.

Questão... 
A fidelidade dos deputados do PMDB ao Planalto em 2014 é a menor que a sigla já exibiu a um presidente desde 1989. Os peemedebistas nunca tinham dado menos de 60% de seus votos ao governo na Câmara.

... pessoal 
Neste ano, só 54% dos votos do PMDB atenderam ao que pediu o líder de Dilma Rousseff na Casa. Os recordes negativos anteriores eram de 62% em 2013 e em 1991, no governo Collor.

Par... 
Líder do "blocão" que impôs derrotas a Dilma no passado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) contemporiza: "Estamos alinhados com o governo, mas podemos divergir. Depende do conteúdo".

... ou ímpar 
Para saber de que lado a banda vai tocar, Cunha diz que ouvirá em janeiro a nova bancada peemedebista, com 28 deputados novatos entre os 66 eleitos.

Quem te viu 
O ex-governista PSB virou uma das principais vozes da oposição. Juntou-se a PSDB, DEM e PPS no grupo dos que deram cerca de 30% dos votos aos interesses do governo em 2014. Os dados são do Cebrap.

Ele pode 
Aliados de Dilma não se incomodam que o futuro ministro Joaquim Levy (Fazenda) a chame de "presidente", e não "presidenta". "O crédito dele é tão alto que pode usar até o primeiro nome", diz um auxiliar.

Xis 
Não é só entre governistas que Levy está com moral. Um parlamentar da oposição aproveitou uma reunião no Congresso para fazer uma "selfie" com ele.

com BRUNO BOGHOSSIAN, PAULO GAMA e ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER

TIROTEIO

"Para saber quem perdeu as eleições, é só ver Dilma escolhendo seus ministros, enquanto Aécio Neves escolhe só seu bronzeador."

DO SOCIÓLOGO EMIR SADER, sobre o anúncio do ministério dilmista a dias da posse, após o PSDB pedir à Justiça Eleitoral que anulasse os votos de Dilma.

CONTRAPONTO

Tempos modernos

Vicentinho (PT) e Orlando Silva (PC do B), que integrarão a bancada paulista na Câmara a partir de 2015, foram à cerimônia de diplomação de Geraldo Alckmin (PSDB), na Sala São Paulo. Quando o governador reeleito recebeu o diploma, a plateia --formada majoritariamente por tucanos-- levantou e aplaudiu de pé. Eles permaneceram sentados até se tocarem que eram as exceções.

--Levanta, vai. A gente precisa mostrar que sabe perder também... --disse Silva, resignado.

Minutos antes, o presidente do TRE-SP, Antonio Carlos Mathias Coltro, citara Lulu Santos em seu discurso.

--Eu vejo um novo começo de era...

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO

“Costa persistiu lavando valores mesmo após deixar a Petrobras”
Juiz federal Sérgio Moro, responsável pelo inquérito da Operação Lava Jato, da PF


GOVERNO BATE RECORDE DE RECEITA: R$ 2,19 TRILHÕES

A receita do governo federal em 2014, o ano do Petrolão, é a maior em toda a história do Brasil. Antes mesmo do ano se encerrar, o governo Dilma já havia arrecadado mais de R$ 2,19 trilhões, entre impostos e receitas não-tributárias. Coincidentemente, a economia brasileira apresentou os piores resultados em mais de dez anos: estagnação do Produto Interno Bruto (0,2%) e inflação acima do teto previsto: 6,5%.

RECORDE É POUCO

O governo Dilma só arrecadou 91% do previsto para o ano e ainda tem que correr atrás de R$ 200 bilhões para fechar o ano com 100%.

OLHO GRANDE...

Os números explicam o desespero do governo para mudar a meta de superávit, pois a expectativa atualizada de receitas é R$ 2,39 trilhões.

ADVOGADOS DE SUCESSO

A Advocacia-Geral da União, por exemplo, é o órgão que mais superou expectativas no governo: arrecadou 3.500% a mais que o esperado.

QUE VERGONHA

De longe, os piores resultados são dos ministérios da Integração e de Minas e Energia com 5,1% e 14% da arrecadação prevista em 2014.

EX-DEFENSOR DE LULA, PAZZIANOTTO AGORA ACUSA O PT

Ex-advogado de Lula, nos tempos de Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo (SP), Almir Pazzianotto Pinto assistiu a fundação do Partido dos Trabalhadores e da CUT, mas hoje – retirado da vida pública – enojado e decepcionado, escreve artigos contra o PT. “Que decepção! Ao tomar o Poder [o PT] revelou ao País a face oculta, e os resultados estão aí, na forma dos maiores escândalos da história”.

MUDANÇA DE RUMOS

“Jamais imaginei a mudança de rumos do partido que se propunha ser representante único da classe trabalhadora”, afirma Almir Pazzianotto.

BANDEIRAS ABANDONADAS

Pazzianotto lembra que o PT queria autonomia de organização sindical, o fim da contribuição anual obrigatória, a moralização da vida pública.

HISTÓRIA NO TST

Ex-deputado estadual em São Paulo, Almir Pazzianotto Pinto foi também ministro e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

E AGORA?

Filho da futura ministra Kátia Abreu (Agricultura), o deputado Irajá Abreu apresentou proposta que exige curso superior para ser eleito presidente da República, governador, senador, deputado e vereador.

ASSIM É FÁCIL

A Petrobras contabiliza em seu site de “transparência” mais de 75 mil aditivos de contratos (75.283) – entre mudanças em datas e/ou valores – desde 2005, primeiro ano registrado no site.

SABEM DAS COISAS

Providence, cidade nos Estados Unidos que processa Graça Foster, presidente da Petrobras, outros 13 executivos, 15 bancos e duas subsidiárias, ficou conhecida por se livrar da máfia italiana nos anos 80, após décadas de crime, quando a família “Patriarca” perdeu força.

LAVA JATO NÃO ESQUECE

A ministra Miriam Belchior (Orçamento) é membro do conselho de administração da Petrobras desde julho de 2011 e Sérgio Quintella, vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas, é membro desde 2009.

BRIGA INTERNA

Candidato à Presidência em 2014, o pastor Everaldo Pereira trava queda de braço com o presidente do PSC, Vítor Nósseis, para indicar mais membros na executiva nacional e tomar o controle do partido.

POR DENTRO

A confirmação de que Venina Velosa, nova delatora do esquema do Petrolão, fez parte do conselho designado para administrar obras da refinaria “hiperfaturada” de Abreu e Lima (PE) só comprovam que suas denúncias foram feitas com conhecimento direto de causa.

DE QUALQUER JEITO

O PMDB da Câmara exige o Ministério do Turismo, mesmo que não seja assumido por Henrique Alves (RN), citado na Lava Jato. Vinicius Lages, apadrinhado de Renan Calheiros (AL), ocupa o cargo.

OUTRO LADO

Indicado à Aviação Civil, Eliseu Padilha (PMDB-RS) declarou, via assessoria, que nunca respondeu processos no STF. “O que tramitou foram investigações, que prescreveram ou foram arquivadas”, diz.

RECEITA NORMAL

Segundo a Receita Federal, a arrecadação do governo Dilma foi “dentro do esperado” este ano. Já as despesas...


PODER SEM PUDOR

ANIMAL ERRADO

No final dos anos 1970, quando Arena e MDB eram os partidos autorizados pela ditadura, vivia em Manaus um comerciante sírio, Salim, conhecido por "Jacaré". Certo dia, às vésperas da eleição de 1978, recebeu uma ligação:

- Aqui é Luís Humberto, da Comissão de Finanças da Arena. Estamos reunindo recursos para a campanha do vice-governador João Bosco, nosso candidato ao Senado. Precisamos de sua contribuição financeira.

- De jeito nenhum, patrício. A Arena só tem leão ou rato. Eu sou Jacaré.

sexta-feira, dezembro 26, 2014

Iludindo-se com Cuba - MARCOS TROYJO

FOLHA DE SP - 26/12

O argumento de que Cuba é economicamente um 'must' não pode ser levado a sério; o potencial é irrisório


Nos últimos 12 anos, o Brasil apostou numa América Latina de "duas velocidades". Colocou fichas na coalizão de regimes mais à esquerda. Privilegiamos o eixo "socialista-bolivariano", baseado na onipresença do Estado na vida econômica e numa xenofobia seletiva centrada nos EUA. Venezuela, Bolívia, Equador e de alguma forma a Argentina integram esse grupo.

Com a normalização de relações com seu grande vizinho, Cuba, epicentro histórico de tal agrupamento, voltará a ter em Washington, não Brasília ou Caracas, sua referência geoeconômica.

Da perspectiva diplomática, iniciativas apoiadas pelo Brasil na cooperação hemisférica sem a participação dos EUA, como Unasul e a Celac, perdem força.

Há outra América Latina em movimento. A Aliança do Pacífico (México, Chile, Colômbia e Peru) não é um bloco em si, mas plataforma para interação com outras áreas, até o Mercosul. Negociam parcerias que envolvem também EUA, Japão e outros países da Ásia-Pacífico.

Nessa formação da América Latina de duas velocidades, o Brasil é uma espécie de Hamlet --aprisionado no dilema do "ser ou não ser".

Do lado do "ser", o empresariado industrial, historicamente refratário à liberalização comercial, está mudando. A CNI já se disse aberta a acordos com os EUA.

Do outro, o "não ser", alguns acham que o Brasil deve evitar tratativas hemisféricas em que os EUA estejam presentes. Partidários desse "não ser" estão ávidos por demonstrar que nossa inserção internacional da última década não é um retumbante fracasso.

Próceres da política externa recente fazem ver que nos generosos gestos a Havana havia embutida "visão estratégica". Com perspectivas que agora se abrem para Cuba, o Brasil "sairia na frente".

A economia não é --e tampouco deve ser-- único vetor da diplomacia. O tema da solidariedade, por exemplo, é muito importante. No entanto, o argumento de que Cuba é economicamente um "must" não pode ser levado a sério.

O potencial de cooperação econômica com Cuba é irrisório. Seu PIB é de US$ 65 bilhões. O comércio Cuba-Brasil é de US$ 600 milhões. Apenas em 2013 os brasileiros gastaram em Miami US$ 1,6 bilhão.

Cuba não é a fonte de investimentos de que o Brasil tanto precisa. Não há parceria de escala relevante para nossas dimensões.

O porto de Mariel, suposto "golaço" de nossa política externa, não é um investimento. Obras ali empreendidas por companhias brasileiras financiaram-se pelo governo brasileiro. Trata-se de apoio à exportação de serviços. Não será o Brasil ou qualquer empresa brasileira que operará Mariel, mas uma companhia de Cingapura.

Não há facilidade no futuro do porto apenas por que empresas brasileiras ajudaram a construí-lo. O aeroporto de Miami também contou com participação de construtoras brasileiras --nem por isso abrem-se oportunidades especiais para o Brasil. Para a vertente latino-americana de nossa aposta terceiro-mundista, a nova Cuba não é uma "bola dentro", mas uma "bola nas costas".

domingo, dezembro 21, 2014

Está na hora de o Brasil acordar - MARCOS LISBOA

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O ESTADO DE S. PAULO - 21/12


Somente um ajuste fiscal crível poderá reduzir a chance de o País passar por dificuldades semelhantes às enfrentadas atualmente pela Rússia

A recente crise da Rússia deveria soar como sinal de alerta para o atual governo, que, nas últimas semanas, tem sido refém de uma comunicação esquizofrênica decorrente de dois projetos conflitantes. O anúncio do novo ministro da Fazenda sinalizou uma ruptura com o discurso da campanha, e a opção por um forte ajuste fiscal. Por outro lado, diariamente, fontes oficiais garantem o cumprimento de compromissos assumidos que agravam o quadro fiscal.

O equilíbrio das contas públicas e o controle da inflação são essenciais para retomar o crescimento econômico e reduzir os riscos de uma grave crise econômica.

Em 2003, o País viveu um momento difícil, com baixa credibilidade da política econômica, e optou por um severo ajuste fiscal, uma política monetária voltada à convergência da inflação ao centro da meta, seguida de reformas destinadas a melhorar o ambiente de negócios.

À época, muitos defendiam fazer exatamente o oposto. O ajuste fiscal seria danoso para o crescimento, e a taxa de juros deveria ser reduzida para estimular a atividade. Vários, inclusive, utilizavam os exemplos da Argentina e da Venezuela para exemplificar a possibilidade de uma via alternativa, que evitasse os ajustes e retomasse o crescimento.
Ao contrário do previsto pelos críticos, em poucos meses, a economia se recuperou e voltou a crescer. A política econômica foi essencialmente preservada até a crise de 2008, e o País, beneficiado pelo cenário externo, experimentou anos de elevado crescimento e queda da desigualdade de renda.

Argentina e Venezuela, por outro lado, ainda mais beneficiadas pelo cenário externo do que o Brasil, assistiram a lenta degradação da estrutura econômica, resultando em graves retrocessos sociais e o comprometimento da capacidade de crescimento e geração de renda para os próximos anos. O experimentalismo da via alternativa condenou-os a terminarem mais pobres do que começaram.

A partir da crise de 2008, o Brasil alterou a política econômica, fragilizando a política fiscal e o compromisso com o centro da meta de inflação, cujo resultado tem sido desapontador.
O Brasil tem crescido menos do que o resto do mundo, menos do que a média dos países emergentes e da América Latina, e, no último ano, menos do que os Estados Unidos, onde a crise começou. A atual política econômica prejudicou o crescimento, a redução da desigualdade de renda, estagnada desde 2011, e coloca em risco os ganhos sociais das últimas duas décadas.

Entre os principais países emergentes, crescemos apenas mais do que a Rússia, que enfrenta um grave conflito militar, estagnação da economia e, nesta semana, uma grave crise, com forte desvalorização do câmbio, e escalada das taxas de juros.

Brasil e Rússia têm em comum o fato de serem duas grandes economias emergentes estagnadas. Existem, no entanto, diferenças importantes entre os dois países. A Rússia tem sido bem mais afetada pela piora dos termos de troca, enquanto a nossa elevada dívida bruta, em parte indexada à Selic, e o desequilíbrio fiscal implicam grandes desafios para a política econômica. A crise desta semana apenas ilustra o risco de uma súbita piora em uma economia fragilizada.

Na década passada, o equilíbrio fiscal e a inflação no centro da meta garantiram maior solidez à nossa economia, que se tornou menos vulnerável às oscilações dos mercados externos em comparação com os anos 1990.

A política econômica adotada no atual governo reverteu os ganhos do passado. A opção por negar as dificuldades, evitando o ajuste quando necessário, agravou as dificuldades, a magnitude da correção de rumo e os riscos de fracasso. As taxas de juros, o mercado de ações, e a taxa de câmbio têm se tornado cada vez mais sensíveis ao cenário externo e a possibilidade de uma crise tem sido ampliada pela crescente fragilidade da nossa economia.

Um ajuste fiscal crível reduz a chance de que passemos por dificuldades semelhantes às enfrentadas pela Rússia, além de contribuir para o controle da inflação e auxiliar na melhora das contas externas.

O forte ajuste que deve ser realizado, em decorrência da deterioração das contas públicas e dos indicadores econômicos, requer um projeto claro de governo, até porque vai na contramão do que tem sido feito pelo atual governo e do prometido na campanha.

A alternativa seria continuar com a esquizofrenia atual e esperar os resultados. Afinal, já estamos a fazer o mesmo com a oferta de água e de energia. O populismo garante ganhos fáceis no curto prazo. As consequências, porém, eventualmente se manifestam, e seus efeitos podem ser graves e duradouros.

Quem é Dilma 1.5? - VINICIUS TORRES FREIRE

folha de sp -21/12

Discursos da presidente e dos ministros criam ruído sobre a transição na economia


DÁ O QUE PENSAR o discurso de diplomação da presidente reeleita Dilma Rousseff. Que tumulto de transmigração de alma haveria ali entre Dilma 1 e Dilma 2, que mistura adúltera de tudo, que foi sem ter ido, com nomes demais para ter um nome, como dizia o poema de Tristan Corbière? Desculpem a citação, tão mal alocada quanto o capital da Petrobras.

Na despedida, os economistas de Dilma 1 acabam de reafirmar aquilo que os economistas de Dilma 2 acabam de desdizer, com a anuência aparente das duas presidentes.

Além do mais, ao ser diplomada como Dilma 2, a presidente voltou a atribuir a críticos a responsabilidade por feitos de Dilma 1, alguns dos quais de resto reafirma.

"Temos que saber apurar e saber punir, sem enfraquecer a Petrobras... Temos que continuar apostando na melhoria da governança, no modelo de partilha para o pré-sal e na vitoriosa política de conteúdo local. Temos que continuar acreditando na mais brasileira das nossas empresas, porque ela só poderá continuar servindo bem ao país se for cada vez mais brasileira", discursou a presidente, nacional-desenvolvimentista confirmada nestas palavras, com as quais de resto chama de "entreguistas" quaisquer críticos da gestão ruinosa da empresa.

Foi a política padrão de Dilma 1 que enfraqueceu tanto a Petrobras quanto o Tesouro Nacional. Uma política de negligência com endividamentos insustentáveis, de descaso com a restrição orçamentária e desdém pela ideia de que podem existir usos mais eficientes de recursos mesmo, ou principalmente, quando tais escolhas não ratificam lendas do nacional-empresismo que entre os anos 1950 e 1980 ajudou a cimentar uma das sociedades mais desiguais do mundo.

Em algumas ocasiões, em becos sem saída, Dilma 1 deu o braço quebrado a torcer: na privatização dos aeroportos, na revisão das concessões de estradas. Mas o que esta- ria se passando entre ela e seus botões, agora que aprovou ao menos um plano inicial de desmanche da política econômica do seu primeiro mandato?

Ainda que a política Dilma 1 tenha chegado a um limite evidente, segundo as ideias da própria presidente e de ministros fiéis, uns de saída, outros restantes, o caso seria de "dobrar a aposta", de dar mais remédio "anticíclico", não de dieta, de "ajuste".

Na diplomação, a presidente ofereceu "luta renovada" pela "estabilidade fundada no crescimento sustentado, no controle da inflação, no crescimento que vai se acelerar mais rápido do que alguns imaginam". Quem "imaginam"? Os que criticavam a política de Dilma 1 ou os que lamentam a "guinada ortodoxa" de Dilma 2?

Em agosto de 2013, o colunista escrevia isto, aqui: "De mãos quase atadas, pois não tem como manejar o gasto público e os juros sobem, dada a inflação persistente, o governo agora limita o diálogo público a queixas sobre o pessimismo de seus críticos ou inimigos".

"[Dilma] Não revê o seu curso apenas porque está emparedada pela eleição próxima, a qual poderia perder se mexesse a fundo na economia?... Ou teimosa e iludida acredita que foi vítima dos azares de um mundo conturbado e do pessimismo de adversários?"

De certo modo, o mistério permanece.

O futuro de Cuba e do pré-sal - SUELY CALDAS

O ESTADO DE S.PAULO 21/12

"O isolamento não funcionou", reconheceu o presidente Barack Obama referindo-se aos 53 anos de rompimento de relações com Cuba e ao embargo econômico imposto pelos Estados Unidos. Do outro lado, lá na ilha, faltou o presidente Raúl Castro também reconhecer que o fechamento político, a ausência de liberdades, a violação de direitos humanos, a recusa à democracia, o partido único e a proibição de eleições livres também não funcionaram. O embargo econômico e o isolamento puniram Cuba e sua população sem produzir o efeito de forçar a elite do Partido Comunista a fazer reformas políticas, permitir a liberdade partidária e convocar eleições livres. Mas o embargo não é o maior responsável pelo enorme e longo atraso econômico que há meio século castiga gerações de cubanos, mesmo agora, 25 anos depois da queda do Muro de Berlim.

Se até hoje Havana é uma cidade parada nos anos 1960, se a industrialização do país continua confinada na produção de açúcar, charutos e rum, se as divisas são escassas para dinamizar o comércio externo e Cuba depende da boa vontade de países amigos - do Brasil para construir um porto e da Venezuela para importar combustíveis -, a responsabilidade maior é de um regime econômico fechado, que proíbe ao capital privado investir na expansão da produção e restringe o ingresso de empresas estrangeiras no país. Até bem pouco tempo atrás, tudo em Cuba pertencia ao Estado e a recente abertura prometida pelos irmãos Castro ao capital privado é lentíssima e restrita a poucos e desimportantes micronegócios. O resultado é um país atrofiado, uma economia represada, encolhida e desnutrida e trabalhadores sem nenhum direito trabalhista garantido em lei.

Ao negociar o reatamento de relações diplomáticas, Barack Obama evitou fazer exigências que possam ser interpretadas como interferência em assuntos internos de Cuba, como aconteceu no mundo árabe, com enorme desgaste político para os Estados Unidos. Por isso o acordo não contemplou cobrar do governo cubano contrapartidas para restabelecer a democracia, as liberdades políticas e econômicas e o respeito aos direitos humanos. Mas Obama disse esperar que a venda de equipamentos americanos de telecomunicações para o governo cubano permita expandir a internet em Cuba, hoje um privilégio de minguados 5% de órgãos do governo e funcionários graduados.

Com maior acesso à internet, a população rompe o isolamento e passará a conhecer o que acontece no mundo fora da ilha. A internet foi o principal ingrediente que levou às revoltas populares em diversos países árabes no episódio que ficou conhecido como "Primavera Árabe". Será assim também com Cuba?

Com uma economia velha, ultrapassada, atrofiada e com raros investimentos, a suspensão do bloqueio econômico dos Estados Unidos é a grande esperança do governo cubano para dinamizar e desenvolver o país. Porém Obama já avisou que não depende dele, mas de um Congresso de maioria do Partido Republicano, hostil ao regime castrista e que já se manifestou pela manutenção das sanções a Cuba. A discussão se dará em 2015 e, para aprovar a suspensão, os republicanos vão impor demandas dos refugiados cubanos que habitam Miami, inclusive o direito de participarem e de influenciarem nos rumos políticos do país.

Dentro de Cuba os dissidentes se multiplicaram e, hoje, mesmo enfrentando repressão do governo, conseguem levar sua luta de oposição para parcelas crescentes da população. O debate político promete esquentar, pela primeira vez em meio século pode fugir ao controle dos irmãos Castro e o gesto de Obama de reatar relações pode dar um significado novo e promissor ao futuro da ilha.

O futuro do pré-sal. Em seu primeiro mandato, a presidente Dilma Rousseff errou muito na economia e, com uma nova equipe econômica, tenta agora corrigir os erros - se não todos, pelo menos os mais graves. Entre estes, porém, há um que ela não parece nem um pouco disposta a reconhecer e corrigir e que multiplicou de tamanho com a queda livre do preço do petróleo no mercado internacional. Trata-se das regras do sistema de partilha para explorar o petróleo do pré-sal, que fizeram desabar no colo da maltratada e cada vez mais pobre Petrobrás a responsabilidade de desembolsar, no mínimo, 30% de todo o dinheiro investido nos poços que vierem a ser explorados.

Definidas na gestão Lula, as regras foram arquitetadas por Dilma contra a posição do ex-presidente da estatal José Sérgio Gabrielli, que argumentava ser insuportável tanta carga financeira sobre a Petrobrás. Além de investimentos bilionários, a Petrobrás é obrigada a arcar com outra responsabilidade igualmente insuportável: ser a única empresa a operar todos os poços. "Você pensa mais na Petrobrás do que no País?", questionou Dilma a Gabrielli na época, segundo relato do ex-diretor geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP) Haroldo Lima.

Equívoco da presidente. As regras foram ruins para a Petrobrás e para o País. Para a estatal, porque ela é obrigada a entrar com dinheiro e capital humano que não possui. Para o País, porque confinar numa única empresa é passaporte certo para atrasar a extração do óleo, como já está ocorrendo. Ao contrário, se investimento e operação fossem divididos com outras empresas, a produção do pré-sal teria a vantagem de acelerar, dobrar, triplicar, gerando empregos e riqueza para o País.

O erro da presidente ficou agora ainda mais grave, diante da inédita crise da Petrobrás, que mistura corrupção, degeneração de imagem, perda de valor de mercado, rebaixamento de nota pelas agências de risco, endividamento explosivo e, evidentemente, falta de dinheiro para tocar investimentos.

Há mais: a queda do preço do barril de petróleo no mercado internacional, de um patamar de US$ 110,00 para US$ 60,00 em poucos meses, torna inviável hoje novos investimentos no pré-sal, onde o custo de produção é bem mais elevado, porque o óleo está situado em camadas ultraprofundas do mar.

Mesmo sem o sistema de partilha, um leilão de áreas do pré-sal atualmente correria o risco de fracassar (segundo o jornal Financial Times, no mundo há US$ 1 trilhão de novos projetos ameaçados). Seria diferente, se as regras fossem outras desde o início.

O imbróglio da Petrobras - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 21/12


A situação atual da empresa é uma mistura de incompetência, corrupção, ideologia e voluntarismo


Chegamos a uma situação em que a saúde financeira e operacional de uma empresa pode ter implicações para toda a economia.

Já não bastasse a dificuldade que a presidente Dilma terá em arrumar a casa dos desequilíbrios criados pelo experimento de política econômica, conhecido por nova matriz econômica ou ensaio nacional-desenvolvimentista, o governo tem que se haver com a sua maior empresa, a Petrobras.

A dificuldade em avaliar o impacto da corrupção sobre o valor dos ativos lançados no balanço da empresa fez com que ela não conseguisse entregar um balanço auditado. Nenhuma empresa aceitou fazer a auditoria.

O problema é que a inexistência até meados de 2015 de um balanço auditado do exercício de 2014 detonará cláusulas de aceleração da dívida. As cláusulas estabelecem condições que tornam a dívida imediatamente vincenda. Uma delas é a ausência de balanços auditados. Cairá sob a empresa conta de US$ 56 bilhões, aproximadamente 15% das reservas cambiais do país!

Como é possível que uma empresa estatal de petróleo de um país em que há sete anos foi descoberta enorme reserva petrolífera passe de solução para problema?

A situação atual da empresa é uma mistura em doses variadas de incompetência, corrupção, ideologia e voluntarismo.

Uma maneira de acompanhar a saúde da empresa é seguir o preço da ação da Petrobras em dólares, fazendo o controle pelas oscilações do preço do petróleo. É razoável que o preço da ação de empresas petroleiras suba e desça de acordo com as subidas e as descidas do preço do petróleo.

Exercício simples indica que de 1994 até meados de 2005 as oscilações de preço das ações da empresa acompanharam de perto as do preço do petróleo.

A ação oscilou em torno de US$ 2,5 até 2003, quando iniciou subida de US$ 2,5 para US$ 6,5 até meados de 2005 em razão do aumento do preço do petróleo.

A partir de outubro de 2005, há um forte descolamento. Ela sobe de US$ 6,5 para US$ 13,5 entre meados de 2005 e meados de 2007 e, em seguida, vai até US$ 30, em maio de 2008. Se nesse período a ação da Petrobras tivesse somente acompanhado o petróleo, o preço em maio de 2008 deveria ser de US$ 13, e não de US$ 30.

Dois movimentos explicam esse descolamento em duas etapas. Em outubro de 2005, a agência de classificação de risco Moody's eleva a nota de crédito da Petrobras e a considera empresa com grau de investimento. Em meados de 2007, vem a público a descoberta das reservas petrolíferas do pré-sal.

De maio de 2008 até aproximadamente o primeiro trimestre de 2010, o preço da ação da Petrobras acompanha as oscilações do preço do petróleo. Ao longo de 2010, ambos os preços andam em direção contrária. O preço da ação cai de US$ 20 para US$ 17, e o preço da ação que seria esperado em razão da evolução do preço do petróleo apontou subida de US$ 7 para US$ 10,5. Esse descompasso resultou da alteração do marco regulatório e da capitalização da empresa pelo Tesouro, que dilui a participação dos acionistas minoritários.

De 2011 até junho de 2014, o preço da ação que seria esperado em razão da evolução do preço do petróleo ficou constante em torno de US$ 10,5, enquanto o preço observado da ação da empresa caiu de US$ 17,5 para US$ 10.

O que determinou esse comportamento? Um programa de investimento totalmente incompatível com a capacidade gerencial da empresa, fruto do novo marco regulatório marcado pela ideologia e pelo forte voluntarismo.

Esse quadro, por sua vez, entre outras consequências, possibilitou inúmeros casos de corrupção. Para completar, uma política populista de controle de preços da gasolina provocou enorme prejuízo para a empresa e seus acionistas.

Hoje, a ação da Petrobras está cotada a US$ 3,50, bem abaixo dos US$ 5,8 que seriam esperados se o preço da ação em 1994 acompanhasse até hoje as oscilações do preço do petróleo!

Apesar de todo o pré-sal, a empresa vale hoje 40% a menos do que o valor observado, após controlar pela oscilação do preço do petróleo, entre o período de 1994 e meados de 2005.

Os ajustes de 2003 e de 2015: algo em comum? - AFFONSO CELSO PASTORE

O ESTADO DE S. PAULO 21/12


Comparar as duas situações é um erro: em 2003, reformas tinham aberto caminho para a expansão; agora, será preciso corrigir erros do primeiro mandato de Dilma


As condições econômicas herdadas em 2003 eram indubitavelmente melhores do que as atuais, frustrando expectativas apressadas dos que acreditam que bastaria um nome respeitável à frente da Fazenda para criar um choque de credibilidade e um círculo virtuoso levando à retomada do crescimento. A competência de Joaquim Levy tem sido amplamente demonstrada ao longo de sua carreira. Contudo, nem a sua excelente formação acadêmica, nem o seu sucesso profissional no FMI, ou como secretário do Tesouro, ou ainda como secretário da Fazenda do Rio de Janeiro, o qualificam para realizar milagres.

Diferentemente do que ocorreu em 2003, a retomada do crescimento econômico e a queda da inflação somente ocorrerão depois de um extenso período de taxas de crescimento baixas ou mesmo negativas; de elevação do desemprego; e de inflação excedendo o limite superior do intervalo que contém a meta. Em 2003 as reformas do governo anterior pavimentaram o caminho para um ajuste rápido e com baixos custos; agora o País sofre as consequências dos erros acumulados no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.

Cenário externo. A primeira diferença entre 2003 e 2015 está no cenário externo. O ano de 2003 marca o início do forte ciclo de elevação dos preços internacionais de commodities e de ganhos de relações de troca, que provocaram um crescimento explosivo das exportações brasileiras. O crescimento acelerado das exportações fez os superávits comerciais saltarem de US$ 10 bilhões em 2002 para US$ 20 bilhões em 2003, e mesmo com o câmbio real em contínua valorização, atingiram US$ 30 bilhões em 2004 e US$ 40 bilhões em 2005.
Foi o impulso vindo do aumento das exportações líquidas que rapidamente extinguiu a curta recessão de apenas dois trimestres, e a partir do segundo trimestre de 2003 provocou seis trimestres consecutivos de taxas anuais de crescimento superiores a 4%. Hoje, a desvalorização cambial já ocorrida ainda não foi suficiente para neutralizar o efeito negativo da queda dos preços de commodities e do magérrimo crescimento das exportações mundiais, que nos levam a déficits comerciais que não param de crescer.

A segunda diferença está na característica de “profecia autorrealizável” da crise de 2003. Por isso, ela poderia ser facilmente eliminada com o retorno à austeridade fiscal. O partido que apoiava Lula alardeava aos quatro ventos que o Brasil somente poderia crescer com o repúdio à divida pública. Quando Lula se elegeu, a dívida líquida do setor público, que deduzia da dívida bruta apenas o pequeno estoque de reservas internacionais, atingia em torno de 50% do PIB, dos quais a metade era dolarizada. A depreciação cambial elevava a relação dívida/PIB, cujo crescimento teria que ser truncado com o aumento dos superávits primários.

Mas o PT pregava o repúdio à dívida em vez de apoiar a austeridade fiscal. Diante disso, os detentores dos títulos de dívida soberana defendiam-se do risco do default vendendo-os, deprimindo seus preços; e os estrangeiros vendiam títulos públicos no mercado doméstico remetendo os dólares para o exterior. Com isso os prêmios de risco dos títulos de dívida soberana escalaram para perto de 2.500 pontos base, refletindo elevada probabilidade de default, e a taxa cambial escalou para perto de R$ 4 por dólar, o que empurrou a taxa de 12 meses do IPCA para mais de 17% ao ano.

Aquela inflação era muito mais elevada do que a atual, mas diferentemente da atual, que é rígida para baixo devido aos reajustes salariais, podia declinar aceleradamente quando a eliminação da “profecia autorrealizável” levasse à valorização cambial. Isto dependia apenas do compromisso do governo Lula com a austeridade fiscal. A “carta aos brasileiros”, ainda durante a campanha eleitoral, foi o primeiro passo nessa direção, que se complementou com a nomeação de Palocci e de Meirelles para a Fazenda e Banco Central, respectivamente. A elevação do superávit primário foi ajudada pela “inflação surpresa”, que chegou a 17%, cortando os salários reais dos funcionários públicos e os fluxos reais das despesas de custeio e de capital. A frase de Palocci, repetida à exaustão naqueles anos, foi: “faremos o superávit primário que for necessário para reduzir a relação dívida/PIB”, e resume a orientação da política fiscal, cuja austeridade prosseguiu mesmo depois do corte de gastos gerados pela “inflação surpresa”, e foi muito ajudada pelo crescimento da receita vinda da retomada do crescimento. Ao lado disso, Lula deu ao Banco Central a independência necessária para elevar a taxa de juros quanto fosse necessário para trazer a inflação de volta à meta.

Tripé macroeconômico. O sucesso da estratégia em 2003 deveu-se ao retorno ao tripé da política macroeconômica, mas não foi este retorno que garantiu seus baixos custos. Estes foram devidos a dois fatores. Primeiro, a eliminação da causa da “profecia autorrealizável” permitiu a valorização cambial, derrubando a inflação. Segundo, a retomada do crescimento foi impulsionada pela elevação dos preços internacionais de commodities; pelos ganhos de relações de troca; e pelo acelerado crescimento das exportações mundiais, que puxaram as exportações brasileiras.

Hoje, a elevação do superávit primário para 1,2% do PIB prometido por Levy é ainda insuficiente para reduzir a relação dívida/PIB, mas mesmo assim é grande tanto relativamente à elevação ocorrida em 2003, quanto com relação a um aumento ainda maior, em 1998. Levy não poderá contar com uma “inflação surpresa” reduzindo os salários reais de aposentados e funcionários públicos, e por isso terá que lançar mão: de aumentos de impostos e de preços administrados; e de cortes de gastos que, isoladamente, levam a uma desaceleração no crescimento do PIB. Ademais, o ajuste fiscal de 2015 será apenas um primeiro passo, que terá que ser seguido de outra elevação do superávit primário em 2016. Somente a partir de então a dívida bruta terá condições de, talvez, iniciar uma trajetória de queda com relação ao PIB.

Dólar. Para piorar as condições, em vez de contar com a valorização cambial o país terá que enfrentar uma depreciação adicional do câmbio real de forma a reduzir o déficit nas contas correntes que se aproxima rapidamente de 4% do PIB. O peso sobre a taxa cambial é ainda maior porque os ganhos de preços de commodities que existiram a partir de 2003 foram substituídos por um ciclo de quedas e pelo encolhimento do comércio mundial, aos quais se soma um ciclo de valorização do dólar norte americano, que não deverá ser interrompido tão cedo. A combinação da correção de preços administrados com a depreciação cambial eleva a inflação, que não mais poderá ser combatida com a estratégia preferida no primeiro mandato de Dilma Rousseff - o represamento dos preços administrados e as desonerações tributárias em produtos com peso elevado no IPCA -, e sim com a elevação da taxa de juros, o que contribui ainda mais para a desaceleração da atividade econômica.

Complexidade. O que fica claro neste breve resumo é que não há, neste quadro, nada que se assemelhe a um ajuste simples, nem que conte com a ajuda da economia internacional. A única peça em comum com o ajuste de 2003 é o fato de que o Brasil terá que retornar ao tripé da política macroeconômica.

O quadro seria um pouco mais favorável caso se repetisse, a partir de 2015, o ciclo de elevação do consumo que veio dos efeitos das reformas microeconômicas na expansão do crédito às famílias. No período que se inicia em 2015, o endividamento das famílias e o enfraquecimento do mercado de trabalho funcionam como freios ao consumo. Seria, também, melhor, caso a restauração da credibilidade na política macroeconômica pudesse remover parte substancial dos riscos que deprimem os investimentos em capital fixo. Mas neste ponto somos afetados por outro choque, decorrente das denúncias de corrupção na Petrobrás. Levará tempo até que o crime praticado contra a Petrobrás a livre dos efeitos que impõem um elevado custo sobre toda a cadeia produtora de petróleo, que é grande no total de investimentos em capital fixo.

Além disso, o escândalo das propinas atingiu frontalmente as maiores empresas construtoras do país, o que coloca sérias dúvidas de que no futuro próximo terão alguma capacidade de contribuir na realização dos investimentos de infraestrutura. Às incertezas vindas da desaceleração do crescimento somam-se as incertezas sobre os desdobramentos políticos da crise na Petrobrás.

Sem ilusões. Esta breve comparação ilustra que não podemos ter ilusões de que o ajuste de 2015 possa ter uma rota semelhante ao de 2003 no que diz respeito às suas consequências econômicas. Já no plano político há uma enorme diferença entre o primeiro mandato de Lula, que havia sido eleito com ampla maioria de votos e era o depositário das esperanças de que mudaria o Brasil, e um governo eleito por estreita margem de votos, desgastado por uma sucessão de fracassos no plano econômico e imerso em uma enorme crise política.

A única boa notícia até agora é a indicação de Levy para o Ministério da Fazenda. Que Deus o ilumine!