MISES BRASIL ORG
A solução é simples, porém trabalhosa
Nota do Editor
Se o governo gasta mais do que arrecada via impostos, ele está incorrendo em um déficit orçamentário. Para cobrir esse déficit, ele terá de se endividar. Somente se endividando ele poderá bancar os gastos que excederam o montante arrecadado via impostos.
No Brasil, nos últimos 12 meses até novembro de 2018, o déficit orçamentário total do governo federal foi de R$ 484 bilhões (o que equivale a nada menos que 6,98% do PIB do Brasil). Isso significa que o governo federal gastou R$ 484 bilhões a mais do que arrecadou. Consequentemente, isso significa que ele teve de se endividar em mais R$ 484 bilhões para poder manter seus gastos totais.
E quem emprestou esses R$ 484 bilhões para o governo federal? Bancos, empresas e pessoas físicas. Isso, por definição, significa que R$ 484 bilhões que poderiam ter sido utilizados em investimentos produtivos, expansão de negócios e contratação de mão-de-obra acabaram sendo direcionados para financiar a máquina estatal.
Portanto, quando o governo incorre em um déficit orçamentário e se endivida, isso significa que ele está tomando mais crédito junto ao setor privado. E dado que o governo está tomando mais crédito, sobrará menos crédito disponível para financiar empreendimentos produtivos.
Para o governo conseguir todo este volume de crédito, não há segredo: ele tem de pagar juros altos. Qualquer instituição que tenha de se endividar o equivalente a 6,98% do PIB em 12 meses terá de pagar juros altos.
E isso é fatal especialmente para as micro, pequenas e médias empresas, que agora terão de pagar juros muito maiores para conseguir empréstimos (mesmo com a SELIC nas mínimas históricas). Afinal, se investidores podem emprestar para o governo, sem risco nenhum, por que emprestariam ao mesmo valor para empreendedores, que estão mais propensos às vicissitudes da economia, podendo dar calotes? Obviamente, só emprestarão a juros muito maiores, o que inviabilizará investimentos e travará a economia.
Mas piora. Quem se endivida muito acaba também tendo de gastar muito com juros (e ele gastaria muito com juros mesmo se a SELIC fosse baixa, e pelo simples motivo de que dívida alta gera um grande volume de juros a ser pago). Tendo de gastar muito com juros, o governo tem de endividar continuamente apenas para continuar pagando esses juros. E isso reinicia o ciclo e piora a bola de neve.
Por tudo isso, é crucial o governo passar a ter um orçamento equilibrado. E ele pode fazer isso ou cortando gastos ou aumentando suas receitas ou fazendo uma combinação de ambos. Só que os gastos correntes do governo federal brasileiro estão crescendo a uma taxa explosiva. E a carga tributária já está em nível recorde. O que fazer? É aí que começa o debate acalorado (e a Reforma da Previdência é apenas um ponto).
Mas apenas um lado está munido dos argumentos corretos. E a teoria e a empiria lhe dão respaldo. Resta saber se a equipe econômica irá lhe dar ouvidos.
Confira no artigo abaixo.
________________________________
Ao oferecem uma solução para o desequilíbrio fiscal do governo, há aqueles que propõem diminuir o gasto público, há aqueles que propõem aumentar os impostos, e há aqueles dizem que se deve fazer uma combinação de ambos.
Curiosamente, para todas essas três medidas costuma-se dar o mesmo rótulo: austeridade.
O problema é que, de imediato, já surge um erro conceitual: quando um governo tenta combater seu déficit fiscal por meio do aumento de impostos — e não por meio de um corte de gastos —, isso não é austeridade para o governo. Desde quando você elevar suas receitas é "austeridade"?
Uma real austeridade para o governo ocorre tão-somente quando este corta gastos sem elevar impostos. Quando ele eleva impostos, ele está apenas empurrando todo o fardo para o setor privado, o qual terá de reduzir seus investimentos e fazer demissões, apenas para continuar sustentando o déficit do setor público, que é sagrado.
Por isso, uma honesta definição de conceitos é essencial para se iniciar o debate. Austeridade só ocorre quando o governo corta gastos. Qualquer outra solução é mera prodigalidade.
Corte de gastos vs. aumento de impostos - a teoria
Os efeitos de uma redução nos gastos do governo são opostos aos de um aumento de impostos.
Para começar, há efeitos distintos sobre a estrutura institucional do país: uma redução dos gastos do governo tem o efeito de reduzir o peso da burocracia estatal. E isso, por sua vez, leva a um aumento da participação do setor privado na economia. Com menos burocracia e com menos regulamentações onerosas, há uma maior facilidade para o empreendedorismo e, consequentemente, para a geração de riqueza.
Adicionalmente, há o efeito salutar da liberação de recursos mal aproveitados: cortes de gastos do governo irão afetar aquelas várias empresas que só sobrevivem porque possuem contratos de prestação de serviços junto ao governo. Empresas terceirizadas por estatais e empreiteiras que fazem obras para o governo são os exemplos mais claros. Há também as várias atividades econômicas que recebem subsídios e que, sem estes subsídios, terão de se virar no livre mercado.
Empresas que só sobrevivem devido aos gastos do governo não produzem para consumidores privados; elas utilizam o dinheiro dos cidadãos, mas produzem para o estado. Elas utilizam capital fornecido pelos pagadores de impostos, mas produzem apenas para servir a anseios políticos. Elas não agregam à sociedade. Ao contrário, subtraem dela.
Atividades que só sobrevivem e só são lucrativas com a muleta do governo são atividades econômicas insustentáveis, que não dependem da demanda voluntária do consumo privado para sobreviver. Elas absorvem recursos e capital da sociedade, sem em troca produzir nada que esteja sendo genuinamente demandado.
Assim, um corte de gastos do estado fará com que essas empresas liberem mão-de-obra e recursos escassos que poderão ser utilizados mais eficientemente por empresas mais produtivas, empresas que estão no mercado para realmente atender às demandas dos consumidores.
Por outro lado, um aumento de impostos consolida a hipertrofia da burocracia estatal, das regulamentações, e das atividades não-produtivas e sugadoras de recursos escassos.
Tudo isso à custa do achaque daquela fatia da sociedade civil que trabalha e produz. Um real a mais nas mãos dos burocratas e políticos significa necessariamente um real a menos nas mãos do setor privado, do qual este real foi extraído compulsoriamente.
Mais impostos significam menos retorno para os investimentos e menos capital disponível para amortizar dívidas, para contratar mais mão-de-obra e para fazer novos investimentos.
Assim, um aumento de impostos faz com que o estado e sua burocracia se expandam ao mesmo tempo em que o setor privado se contraia. Um aumento de impostos premia a burocracia (sugadora de riqueza) e penaliza empreendedores e trabalhadores (criadores de riqueza).
Por fim, ao passo que cortes de gastos tendem a reduzir o nível da dívida pública, um aumento dos tributos não faz com que, no longo prazo, o volume total da dívida caia. Consequentemente, as despesas do governo com o serviço desta dívida não irão diminuir.
A prática
Tudo isso previsto pela teoria — e pelo bom senso — pode também ser comprovado pela empiria.
Dois professores de Harvard, Alberto F. Alesina e Silvia Ardagna, se propuseram a investigar o impacto da política fiscal sobre a economia. Mais especificamente, eles queriam entender o efeito dos "estímulos fiscais" e dos "ajustes fiscais" sobre a solvência das contas públicas e sobre o crescimento econômico.
O que os acadêmicos desejavam encontrar era uma resposta às seguintes perguntas:
1) O que é melhor para promover o crescimento econômico: um estímulo fiscal baseado no aumento de gastos ou no corte de impostos?
2) O que é melhor para reduzir o déficit e a dívida do governo: uma redução no gasto público ou um aumento de impostos?
3) A atividade econômica sofre algum declínio em decorrência de ajustes fiscais baseados em uma redução dos gastos governamentais?
Para responder a estas perguntas, eles se debruçaram sobre os dados de 21 países da OCDE — entre eles EUA, Holanda, Nova Zelândia, Alemanha, França e Finlândia — para um período de 37 anos, de 1970 a 2007.
Suas conclusões são mais que interessantes [e de crucial importância para a atual conjuntura do Brasil]. Segundo Alesina e Ardagna:
Nossos resultados sugerem que, no caso dos estímulos fiscais, as reduções de impostos são mais expansivas em termos de crescimento econômico do que o aumento de gastos.
Já no caso de ajustes fiscais, os cortes de gastos são muito mais eficazes do que os aumentos de impostos tanto para estabilizar a dívida quanto para sair de recessões econômicas.
Com efeito, descobrimos vários episódios em que a redução do gasto público com o intuito de reduzir o déficit gerou períodos de crescimento econômico, e não recessões.
Em números concretos, o trabalho descobriu que, para o primeiro item — ou seja, na questão dos "estímulos fiscais expansivos" para ver quais resultam em um maior crescimento da atividade econômica —, o melhor resultado ocorreu quando o gasto total subiu aproximadamente 1 ponto percentual em relação ao PIB e a arrecadação caiu mais de 2,5 pontos percentuais do PIB.
Por outro lado, quando o gasto público aumentava cerca de 3 pontos percentuais em relação ao PIB, mas a arrecadação permanecia constante, não havia nenhum efeito expansivo.
Ou seja, na prática, cortes de impostos têm mais efetividade do que aumento de gastos quando o objetivo é gerar crescimento econômico.
Já para o segundo item, que é o processo de ajuste fiscal, os autores se concentraram em dois pontos. De um lado, se o dito ajuste foi bem-sucedido em termos de reduzir de maneira sustentável o desequilíbrio das contas públicas e o nível da dívida. De outro, se esse ajuste gerou episódios de recessão.
E os resultados também foram bastante interessantes (mas nada surpreendentes para quem conhece a teoria). Os episódios de ajuste fiscal considerados expansivos em termos de atividade econômica foram aqueles caracterizados pelo corte dos gastos públicos.
Em termos concretos, nestes episódios, os gastos primários (desconsiderando os gastos com o serviço da dívida) caíram 2 pontos percentuais em relação ao PIB ao passo que a arrecadação aumentou apenas 0,34 ponto percentual.
Por outro lado, nos ajustes fiscais que não geraram crescimento econômico, o gasto caiu apenas 0,7 ponto percentual do PIB, mas a arrecadação subiu 1,2 ponto percentual.
Novidade nenhuma, é claro.
À luz destes dados, Alesina e Ardagna afirmam:
Conclui-se que os ajustes feitos pelo lado do corte de gastos do governo apresentam efeitos melhores sobre o crescimento econômico do que os ajustes baseados no aumento da arrecadação de impostos.
Finalmente, os autores indagam qual tipo de ajuste fiscal é mais bem-sucedido em termos de reduzir o déficit e a dívida. Aqui, novamente, concluem — também sem nenhuma surpresa — que o corte de gastos é a forma mais segura de resolver um desequilíbrio orçamentário, pois além de estancar os déficits, ainda consegue conter o crescimento da dívida e até mesmo reduzi-la em alguns casos.
Conclusão
Para aqueles que não se contentam apenas com a teoria, é de se esperar que os dados destes 21 países analisados pelos professores de Harvard ajudem a pensar mais claramente sobre a situação.
Se o objetivo é ajustar as contas públicas e ao mesmo tempo ter crescimento econômico, é muito mais eficiente reduzir os gastos públicos do que aumentar impostos. É apenas mais um caso clássico em que teoria, empiria e bom senso convergem completamente.
(Eis aqui o que pode ser feito para o Brasil)
Juan Ramón Ralloé diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.