quarta-feira, maio 29, 2019

Qual o tipo de ajuste fiscal mais propício ao crescimento econômico? Teoria e empiria convergem - JUAN RAMÓN RALLO

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Qual o tipo de ajuste fiscal mais propício ao crescimento econômico? Teoria e empiria convergem
A solução é simples, porém trabalhosa



Nota do Editor


Se o governo gasta mais do que arrecada via impostos, ele está incorrendo em um déficit orçamentário. Para cobrir esse déficit, ele terá de se endividar. Somente se endividando ele poderá bancar os gastos que excederam o montante arrecadado via impostos.

No Brasil, nos últimos 12 meses até novembro de 2018, o déficit orçamentário total do governo federal foi de R$ 484 bilhões (o que equivale a nada menos que 6,98% do PIB do Brasil). Isso significa que o governo federal gastou R$ 484 bilhões a mais do que arrecadou. Consequentemente, isso significa que ele teve de se endividar em mais R$ 484 bilhões para poder manter seus gastos totais.

E quem emprestou esses R$ 484 bilhões para o governo federal? Bancos, empresas e pessoas físicas. Isso, por definição, significa que R$ 484 bilhões que poderiam ter sido utilizados em investimentos produtivos, expansão de negócios e contratação de mão-de-obra acabaram sendo direcionados para financiar a máquina estatal.

Portanto, quando o governo incorre em um déficit orçamentário e se endivida, isso significa que ele está tomando mais crédito junto ao setor privado. E dado que o governo está tomando mais crédito, sobrará menos crédito disponível para financiar empreendimentos produtivos.

Para o governo conseguir todo este volume de crédito, não há segredo: ele tem de pagar juros altos. Qualquer instituição que tenha de se endividar o equivalente a 6,98% do PIB em 12 meses terá de pagar juros altos.

E isso é fatal especialmente para as micro, pequenas e médias empresas, que agora terão de pagar juros muito maiores para conseguir empréstimos (mesmo com a SELIC nas mínimas históricas). Afinal, se investidores podem emprestar para o governo, sem risco nenhum, por que emprestariam ao mesmo valor para empreendedores, que estão mais propensos às vicissitudes da economia, podendo dar calotes? Obviamente, só emprestarão a juros muito maiores, o que inviabilizará investimentos e travará a economia.

Mas piora. Quem se endivida muito acaba também tendo de gastar muito com juros (e ele gastaria muito com juros mesmo se a SELIC fosse baixa, e pelo simples motivo de que dívida alta gera um grande volume de juros a ser pago). Tendo de gastar muito com juros, o governo tem de endividar continuamente apenas para continuar pagando esses juros. E isso reinicia o ciclo e piora a bola de neve.

Por tudo isso, é crucial o governo passar a ter um orçamento equilibrado. E ele pode fazer isso ou cortando gastos ou aumentando suas receitas ou fazendo uma combinação de ambos. Só que os gastos correntes do governo federal brasileiro estão crescendo a uma taxa explosiva. E a carga tributária já está em nível recorde. O que fazer? É aí que começa o debate acalorado (e a Reforma da Previdência é apenas um ponto).

Mas apenas um lado está munido dos argumentos corretos. E a teoria e a empiria lhe dão respaldo. Resta saber se a equipe econômica irá lhe dar ouvidos.

Confira no artigo abaixo.
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Ao oferecem uma solução para o desequilíbrio fiscal do governo, há aqueles que propõem diminuir o gasto público, há aqueles que propõem aumentar os impostos, e há aqueles dizem que se deve fazer uma combinação de ambos.

Curiosamente, para todas essas três medidas costuma-se dar o mesmo rótulo: austeridade.

O problema é que, de imediato, já surge um erro conceitual: quando um governo tenta combater seu déficit fiscal por meio do aumento de impostos — e não por meio de um corte de gastos —, isso não é austeridade para o governo. Desde quando você elevar suas receitas é "austeridade"?

Uma real austeridade para o governo ocorre tão-somente quando este corta gastos sem elevar impostos. Quando ele eleva impostos, ele está apenas empurrando todo o fardo para o setor privado, o qual terá de reduzir seus investimentos e fazer demissões, apenas para continuar sustentando o déficit do setor público, que é sagrado.

Por isso, uma honesta definição de conceitos é essencial para se iniciar o debate. Austeridade só ocorre quando o governo corta gastos. Qualquer outra solução é mera prodigalidade.

Corte de gastos vs. aumento de impostos - a teoria

Os efeitos de uma redução nos gastos do governo são opostos aos de um aumento de impostos.

Para começar, há efeitos distintos sobre a estrutura institucional do país: uma redução dos gastos do governo tem o efeito de reduzir o peso da burocracia estatal. E isso, por sua vez, leva a um aumento da participação do setor privado na economia. Com menos burocracia e com menos regulamentações onerosas, há uma maior facilidade para o empreendedorismo e, consequentemente, para a geração de riqueza.

Adicionalmente, há o efeito salutar da liberação de recursos mal aproveitados: cortes de gastos do governo irão afetar aquelas várias empresas que só sobrevivem porque possuem contratos de prestação de serviços junto ao governo. Empresas terceirizadas por estatais e empreiteiras que fazem obras para o governo são os exemplos mais claros. Há também as várias atividades econômicas que recebem subsídios e que, sem estes subsídios, terão de se virar no livre mercado.

Empresas que só sobrevivem devido aos gastos do governo não produzem para consumidores privados; elas utilizam o dinheiro dos cidadãos, mas produzem para o estado. Elas utilizam capital fornecido pelos pagadores de impostos, mas produzem apenas para servir a anseios políticos. Elas não agregam à sociedade. Ao contrário, subtraem dela.

Atividades que só sobrevivem e só são lucrativas com a muleta do governo são atividades econômicas insustentáveis, que não dependem da demanda voluntária do consumo privado para sobreviver. Elas absorvem recursos e capital da sociedade, sem em troca produzir nada que esteja sendo genuinamente demandado.

Assim, um corte de gastos do estado fará com que essas empresas liberem mão-de-obra e recursos escassos que poderão ser utilizados mais eficientemente por empresas mais produtivas, empresas que estão no mercado para realmente atender às demandas dos consumidores.

Por outro lado, um aumento de impostos consolida a hipertrofia da burocracia estatal, das regulamentações, e das atividades não-produtivas e sugadoras de recursos escassos.

Tudo isso à custa do achaque daquela fatia da sociedade civil que trabalha e produz. Um real a mais nas mãos dos burocratas e políticos significa necessariamente um real a menos nas mãos do setor privado, do qual este real foi extraído compulsoriamente.

Mais impostos significam menos retorno para os investimentos e menos capital disponível para amortizar dívidas, para contratar mais mão-de-obra e para fazer novos investimentos.

Assim, um aumento de impostos faz com que o estado e sua burocracia se expandam ao mesmo tempo em que o setor privado se contraia. Um aumento de impostos premia a burocracia (sugadora de riqueza) e penaliza empreendedores e trabalhadores (criadores de riqueza).

Por fim, ao passo que cortes de gastos tendem a reduzir o nível da dívida pública, um aumento dos tributos não faz com que, no longo prazo, o volume total da dívida caia. Consequentemente, as despesas do governo com o serviço desta dívida não irão diminuir.

A prática

Tudo isso previsto pela teoria — e pelo bom senso — pode também ser comprovado pela empiria.

Dois professores de Harvard, Alberto F. Alesina e Silvia Ardagna, se propuseram a investigar o impacto da política fiscal sobre a economia. Mais especificamente, eles queriam entender o efeito dos "estímulos fiscais" e dos "ajustes fiscais" sobre a solvência das contas públicas e sobre o crescimento econômico.

O que os acadêmicos desejavam encontrar era uma resposta às seguintes perguntas:

1) O que é melhor para promover o crescimento econômico: um estímulo fiscal baseado no aumento de gastos ou no corte de impostos?

2) O que é melhor para reduzir o déficit e a dívida do governo: uma redução no gasto público ou um aumento de impostos?

3) A atividade econômica sofre algum declínio em decorrência de ajustes fiscais baseados em uma redução dos gastos governamentais?

Para responder a estas perguntas, eles se debruçaram sobre os dados de 21 países da OCDE — entre eles EUA, Holanda, Nova Zelândia, Alemanha, França e Finlândia — para um período de 37 anos, de 1970 a 2007.

Suas conclusões são mais que interessantes [e de crucial importância para a atual conjuntura do Brasil]. Segundo Alesina e Ardagna:


Nossos resultados sugerem que, no caso dos estímulos fiscais, as reduções de impostos são mais expansivas em termos de crescimento econômico do que o aumento de gastos.

Já no caso de ajustes fiscais, os cortes de gastos são muito mais eficazes do que os aumentos de impostos tanto para estabilizar a dívida quanto para sair de recessões econômicas.


Com efeito, descobrimos vários episódios em que a redução do gasto público com o intuito de reduzir o déficit gerou períodos de crescimento econômico, e não recessões.

Em números concretos, o trabalho descobriu que, para o primeiro item — ou seja, na questão dos "estímulos fiscais expansivos" para ver quais resultam em um maior crescimento da atividade econômica —, o melhor resultado ocorreu quando o gasto total subiu aproximadamente 1 ponto percentual em relação ao PIB e a arrecadação caiu mais de 2,5 pontos percentuais do PIB.

Por outro lado, quando o gasto público aumentava cerca de 3 pontos percentuais em relação ao PIB, mas a arrecadação permanecia constante, não havia nenhum efeito expansivo.

Ou seja, na prática, cortes de impostos têm mais efetividade do que aumento de gastos quando o objetivo é gerar crescimento econômico.

Já para o segundo item, que é o processo de ajuste fiscal, os autores se concentraram em dois pontos. De um lado, se o dito ajuste foi bem-sucedido em termos de reduzir de maneira sustentável o desequilíbrio das contas públicas e o nível da dívida. De outro, se esse ajuste gerou episódios de recessão.

E os resultados também foram bastante interessantes (mas nada surpreendentes para quem conhece a teoria). Os episódios de ajuste fiscal considerados expansivos em termos de atividade econômica foram aqueles caracterizados pelo corte dos gastos públicos.

Em termos concretos, nestes episódios, os gastos primários (desconsiderando os gastos com o serviço da dívida) caíram 2 pontos percentuais em relação ao PIB ao passo que a arrecadação aumentou apenas 0,34 ponto percentual.

Por outro lado, nos ajustes fiscais que não geraram crescimento econômico, o gasto caiu apenas 0,7 ponto percentual do PIB, mas a arrecadação subiu 1,2 ponto percentual.

Novidade nenhuma, é claro.

À luz destes dados, Alesina e Ardagna afirmam:


Conclui-se que os ajustes feitos pelo lado do corte de gastos do governo apresentam efeitos melhores sobre o crescimento econômico do que os ajustes baseados no aumento da arrecadação de impostos.

Finalmente, os autores indagam qual tipo de ajuste fiscal é mais bem-sucedido em termos de reduzir o déficit e a dívida. Aqui, novamente, concluem — também sem nenhuma surpresa — que o corte de gastos é a forma mais segura de resolver um desequilíbrio orçamentário, pois além de estancar os déficits, ainda consegue conter o crescimento da dívida e até mesmo reduzi-la em alguns casos.

Conclusão

Para aqueles que não se contentam apenas com a teoria, é de se esperar que os dados destes 21 países analisados pelos professores de Harvard ajudem a pensar mais claramente sobre a situação.

Se o objetivo é ajustar as contas públicas e ao mesmo tempo ter crescimento econômico, é muito mais eficiente reduzir os gastos públicos do que aumentar impostos. É apenas mais um caso clássico em que teoria, empiria e bom senso convergem completamente.

(Eis aqui o que pode ser feito para o Brasil)


Juan Ramón Ralloé diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri. É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.

A explosiva situação fiscal do governo brasileiro - UBIRATAN JORGE IORIO - E LEANDRO ROQUE

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A explosiva situação fiscal do governo brasileiro - em dois gráficos (atualizados)
Para um país ainda em desenvolvimento, as cifras beiram o surreal



Quando se fala em corte de gastos, os economistas desenvolvimentistas e de todas as vertentes keynesianas imediatamente gritam que tal medida é recessiva. A máxima deles é a de que "despesa corrente é vida".

Nada mais falso. Dizer que gastos do governo geram crescimento econômico é uma grande contradição. O governo, por definição, não produz nada. Ele não tem recursos próprios para gastar. O governo só pode gastar aquilo que antes ele confiscou via tributação ou tomou emprestado via emissão de títulos do Tesouro.

Só que tanto tributação quanto endividamento geram consequências negativas sobre a economia.

Ao tributar, o governo toma aquele dinheiro que poderia ser usado para investimentos das empresas ou para o consumo das famílias, e desperdiça esse dinheiro na manutenção da sua burocracia. A tributação nada mais é do que uma destruição direta de riquezas. Parte daquilo que o setor privado produz é confiscado pelo governo e desperdiçado em burocracias improdutivas (ministérios, agências reguladoras, secretarias e estatais), maracutaias, salários de políticos, agrados a lobistas, subsídios para grandes empresários amigos do regime, propagandas e em péssimos serviços públicos.

Esse dinheiro confiscado não é alocado em termos de mercado, o que significa que está havendo uma destruição da riqueza gerada.

Pior: ao tributar, o governo faz com que a capacidade futura de investimento das empresas seja seriamente afetada, o que significa menor produção, menor oferta de bens e serviços no futuro, e menos contratação de mão-de-obra.

Já ao tomar empréstimos — ou seja, emitir títulos —, o governo se apropria de dinheiro que poderia ser emprestado para empresas investirem ou para as famílias consumirem.

Não há mágica ou truques capazes de alterar essa realidade: quando o governo se endivida, isso significa que ele está tomando mais crédito junto ao setor privado. E dado que o governo está tomando mais crédito, sobrará menos crédito disponível para financiar empreendimentos produtivos. Isso significa que o governo está dificultando e encarecendo o acesso das famílias e das empresas ao crédito.

E isso é fatal, sobretudo, para as micro, pequenas e médias empresas.

E piora: a emissão de títulos gera o aumento da dívida do governo, cujos juros serão pagos ou por meio de mais impostos ou por meio de mais lançamento de títulos.

E isso leva ao reinício do ciclo vicioso.

Os números

O governo brasileiro é uma insana e insaciável máquina de destruição de riqueza. E isso não é uma frase ideológica ou meramente demagógica. Uma simples olhada em seus números fiscais nos permite constatar isso.

Como ele gasta muito mais do que arrecada via impostos — pois tem um grande estado de bem-estar social para sustentar —, ele incorre em déficits orçamentários contínuos. Logo, ele tem de se endividar (pedir empréstimos) para poder manter seus gastos.

As consequências? O gráfico abaixo mostra a evolução da dívida bruta do governo federal desde julho de 1994. A dívida nada mais é do que um acumulado de déficits. Assim, o gráfico abaixo mostra o volume de dinheiro que foi absorvido pelo governo federal para financiar seus déficits — dinheiro este que, caso não houvesse déficits, poderia ter sido direcionado para o financiamento de investimentos produtivos:



Gráfico 1: evolução da dívida total do governo federal (Fonte e gráfico: Banco Central)

O gráfico acima mostra que nada menos que R$ 5,5 trilhões já foram absorvidos pelo governo federal para sustentar sua máquina e sua burocracia. São R$ 5,5 trilhões que deixaram de financiar empreendimentos produtivos.

Impossível mensurar os custos econômicos das empresas que deixaram de ser abertas, dos empregos que deixaram de ser gerados e das tecnologias que deixaram de ser criadas simplesmente porque os investimentos não foram possíveis por causa da absorção de recursos pelo governo federal.

Para entender o que empurrou essa dívida tão aceleradamente para cima, é necessário ver o tanto que o governo gastou a mais do que arrecadou a cada ano. O gráfico abaixo mostra a evolução do déficit nominal do governo (tudo o que o governo gasta, inclusive com juros, além do que arrecada).



Gráfico 2: evolução do déficit nominal do governo federal (Fonte e gráfico: Banco Central)

O descalabro, que começou realmente ao final de 2011, mas que se intensificou a partir de meados de 2014, é inaudito. (O surto ocorrido pontualmente em 2009 se deveu à recessão daquele ano, que fez com que as receitas do governo caíssem).

Atualmente, em um período de 12 meses, o governo gasta R$ 500 bilhões a mais do que arrecada via impostos. Ou seja, em 12 meses, o governo federal se endivida em um montante de R$ 500 bilhões. São R$ 500 bilhões que ele absorve do setor privado a cada 12 meses. São R$ 500 bilhões que deixam de financiar investimentos produtivos apenas para fechar as contas do governo.

Mas agora vem a parte realmente assustadora: pegue esses R$ 500 bilhões que o governo federal absorve via empréstimos em 12 meses e some aos R$ 2,3 trilhões que as três esferas de governoarrecadaram em 2018 via impostos. São R$ 2,8 trilhões que o estado retirou do setor privado e destruiu no financiamento de sua própria máquina.

Isso equivale a 41% do PIB, uma vez que o PIB foi de R$ 6,8 trilhões em 2018.

E aí você começará a entender por que será difícil para um país ainda em desenvolvimento enriquecer e prosperar sob esse atual arranjo. Não há mágica capaz de subverter essa realidade.

A lógica é inescapável

Quanto maior é o governo, maiores serão seus gastos. Quanto maiores forem seus gastos, maiores terão de ser os impostos e o endividamento do governo.

Quanto maiores forem os impostos, menores serão os incentivos ao investimento e à produção.

Quanto maior for o endividamento do governo, maiores serão as oportunidades perdidas em investimentos que não puderam ser feitos (porque o governo se apropriou desse dinheiro que poderia ter sido emprestado para o setor privado), maiores serão os gastos com juros, e maior terá de ser a carga tributária para arcar com esses gastos com juros.

Quando políticos falam que não há como cortar gastos, o que eles realmente estão dizendo é que não há como reduzir os custos sobre os indivíduos produtivos, que são aqueles que arcam com o ônus dos impostos. Um governo com gastos elevados está, na prática, onerando aqueles que levantam cedo e vão trabalhar.

No final, aqueles que afirmam que gastos do governo geram crescimento estão afirmando que tomar dinheiro de uns para gastar com outros pode enriquecer a todos. Como diz o ditado, está afirmando que "tirar água da parte funda da piscina e jogá-la na parte rasa fará o nível geral de água na piscina aumentar".

Conclusão

Onde o governo deve cortar? Em qualquer lugar e em todo lugar.

Ministério do Turismo, Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, Ministério da Cidadania, Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Desenvolvimento Regional, Ministério da Educação, Ministério da Ciência e Comunicações, e Secretaria Geral poderiam ser imediatamente abolidos.

Veja aqui (clique em "despesas") o total das despesas de cada ministério em 2018. Excluindo-se o Ministério da Economia (que gasta R$ 1,4 trilhão) e da Previdência (R$ 541 bilhões), todos os outros ministérios gastam aproximadamente R$ 600 bilhões por ano. (Na era Dilma, eles empregavam mais de 113 mil apadrinhados e seus salários consumiam R$ 214 bilhões. Ainda não se sabe os números exatos da atual administração.)

Adicionalmente, o cancelamento de todos os aumentos prometidos ao funcionalismo público bem como a extinção dos super-salários do setor público são imprescindíveis.

A abolição do BNDES e a devolução do dinheiro a ele emprestado pelo Tesouro também seriam um bom começo (embora isso resolveria apenas um problema de estoque e não de fluxo).

A venda (ou mesmo a abolição) destas 18 estatais que queimam 86% do orçamento com funcionários muito bem pagos e que dependem de transferências do Tesouro também é imperativa, assim como a venda das 151 estatais do governo, as quais recebem um aporte anual de R$ 20 bilhões do governo.

Acima de tudo, a reforma da previdência do setor público, que é de longe o maior ralo de dinheiro do país, é absolutamente crucial.

Mas quem fará isso? Por enquanto, só um homem se apresentou efetivamente.


Ubiratan Jorge Iorio é economista, Diretor Acadêmico do IMB e Professor Associado de Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Visite seu website.

Leandro Roque é economista e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

Não é difícil entender o custo Brasil: você investiria aqui? - IRAN BARBOSA

O TEMPO - MG - 29/05

País tenta, de todas as formas, impedi-lo de produzir


A maioria dos investidores estrangeiros não quer investir no Brasil. Claro que a situação política preocupa, mas ainda não é isso o que mais assusta quem vem de fora. Quando questionados, os principais executivos do mundo são muito claros: nossos problemas não são Bolsonaro nem Lula, mas sim a burocracia, a legislação complexa e a insegurança jurídica.

Colocar dinheiro aqui, dizem, é não saber sequer se as leis que governam seu setor estarão vigentes no ano seguinte. Imagine isso para quem nos vê de fora: somos um país com centenas de milhares de leis, mas que ainda produz milhares ao ano, variando das mais diversas formas em todos os Estados e em todas as cidades.

Iniciar um empreendimento aqui pode levar anos. Abrir uma nova empresa, por si só, já é algo que pode demorar mais de 60 dias. O empreendedor estrangeiro ainda terá que se submeter a correr atrás de alvarás, licenças e aprovação de projetos que estão à mercê da boa vontade, sobrecarga, qualificação e interpretação pessoal de cada técnico que apreciará os pedidos.

Ao final de tudo (ou durante), ainda há o risco de algum promotor do Ministério Público interpretar essas centenas de milhares de leis diferentemente do empresário (e até dos técnicos e dos próprios colegas de trabalho), ajuizando ações para que seu negócio fique interrompido por anos mais.

Mesmo que o estrangeiro se sinta injustiçado, ele já sabe que serão pelo menos 15 a 20 anos para conseguir resolver a demanda judicial. Na melhor das hipóteses, nesse caso, o juiz permitirá à empresa implantar-se e funcionar até que a decisão final seja tomada. Na pior, há proibição do funcionamento e bloqueio de bens por décadas a fio. Qual dessas hipóteses acontecerá ao empresário? Sequer isso é uma certeza num país onde até os ministros do Supremo Tribunal Federal são capazes de tomar decisões completamente diferentes sobre casos semelhantes.

Lembrando ainda que há o risco de o empresário funcionar por anos e perder as ações, falindo; ou ficar décadas sem poder trabalhar, apenas para ser inocentado ao final. Eu, sinceramente, não sei qual seria o pior cenário entre esses dois.

Se até aqui o investidor estrangeiro tiver conseguido vencer o governo brasileiro, não se preocupe: ainda há diversos obstáculos deixados no caminho de quem quer ganhar dinheiro no nosso país.

O empresário pode ser morto, sequestrado ou ter sua produção roubada num país que tem a maior taxa de homicídios do mundo e a terceira maior taxa de roubos da América Latina. Com certeza, tem que ser muito corajoso o investidor que quer expor seus negócios onde 564 mil criminosos estão soltos nas ruas com mandados de prisão ainda em aberto.

Há ainda a questão, claro, de transportar e vender bens por um país de tamanho continental, onde a maior forma de translado da produção é por meio de caminhões e carretas rodando em estradas de péssimas condições ou em outras, privatizadas, cujo preço do pedágio é maior até que o de países como Estados Unidos e Espanha.

O pior é que, passando por tudo isso, o “gringo” ainda terá que se curvar à maior carga tributária da América Latina (uma das maiores do mundo), dando quase 40% do que produz a um país que tentou, de todas as formas, impedi-lo de produzir. Você investiria num país assim?

Iran Barbosa é ex-deputado estadual e escreve às quartas-feiras em O Tempo

Previdência – o que o País precisa fazer - PAULO RABELLO DE CASTRO

O Estado de S.Paulo - 29/05

Se a proposta atual for aperfeiçoada, dá para fazer do limão amargo uma bela limonada

A reforma da Previdência é essencial para os brasileiros e ainda pode ser salva. Mas é forçoso reconhecer que o texto atual corre perigo. E por quê? A proposta tem objetivos corretos, mas enveredou por caminhos polêmicos na tentativa, algo quixotesca, de dar resposta única para problemas muito diversos. Os objetivos da reforma são: 

1) Garantir equilíbrio financeiro e mais segurança aos regimes geral e próprios, estes últimos sendo os dos servidores públicos, inclusive militares, e aquele - o regime geral – sendo o da maioria dos trabalhadores formais, vinculados à CLT;

2) tornar o sistema, como um todo, menos injusto, com menos exceções e privilégios.

Ninguém pode ser contra mais equilíbrio, mais segurança e mais justiça. Aliás, cerca de dois terços dos brasileiros pesquisados recentemente pelo Ibope apoiam uma reforma. Porém o índice de apoio cai muito quando os termos da proposta são conhecidos.

O diabo mora nos detalhes. Dada a enorme complexidade do tema, pouca gente o domina como deveria. Os parlamentares ouvem falar, as comissões no Congresso deverão decidir de afogadilho e o governo, a seu turno, só apresentou dados esparsos para respaldar o que propôs. O risco de se aprovar um encaminhamento equivocado é bastante grande. Isso seria um desastre, diante das já difíceis condições econômicas atuais. Na dúvida, o Congresso mostra relutância. Mas o impasse atual precisa ser vencido.

A proposta da PEC se complica em três aspectos centrais.

Primeiro, porque lida com modalidades diversas de seguridade social num único pacote, ao tratar do regime geral, gerido pelo INSS, mas incluindo a vertente assistencial, como os benefícios a não contribuintes (BPC) e a trabalhadores rurais (previdência com alto subsídio) e, ainda, ao dedicar muitas páginas da reforma aos regimes próprios dos servidores, no esforço de tornar o tratamento entre setores público e privado menos desigual.

Em segundo lugar, a proposta não atenta para aspecto que deveria ser caro aos economistas liberais, ou seja, o incentivo à adesão do trabalhador informal, que está fora de qualquer modalidade previdenciária. Embora o lema da reforma seja “paga menos quem ganha menos”, o fato é que todas as categorias de segurados perderão com a reforma. Isso precisa ser corrigido antes que, uma vez aprovado o texto, o Brasil se surpreenda com a evasão crescente de segurados e a frustração das metas de arrecadação de R$1,2 trilhão projetadas pela equipe econômica.

Terceiro, a proposta erra ao não buscar fora do sistema atual os recursos adicionais que poderiam cooperar com a mitigação do enorme déficit previdenciário.

Vamos analisar esses três aspectos sob a ótica de soluções práticas.

Dita o bom senso que problemas intrincados devem ser abordados por partes. Os regimes geral e próprios podem até praticar as mesmas alíquotas crescentes de contribuição, como propõe o governo, mas as demais características de cada regime devem ser respeitadas. O teto do regime geral fica em R$ 5.839, enquanto os regimes próprios abrigam aposentadorias que superam os R$ 30 mil. São realidades distintas. Deveriam ser tratadas com regras também diferenciadas. O déficit por segurado é muito mais elevado nos regimes próprios do que no geral. E, neles, os governos estaduais e municipais também precisam se mexer para oferecer sua parcela de colaboração na equação dos seus déficits.

Já o regime geral é de responsabilidade exclusiva da União. Assim como o regime próprio dos servidores federais também o é. Portanto, a reforma que está no Congresso deveria ter como foco principal as previdências sob gestão federal. E mesmo nestas deve se respeitar o caráter assistencial a certos públicos, como os que atestam pobreza absoluta (BPC) e os segurados rurais. Estes últimos precisam ter tratamento específico nos Orçamentos anuais da União, desonerando a conta atuarial daqueles contribuintes regulares do regime geral.

O outro esforço a ser feito é o de manter algum incentivo à adesão ao INSS, que hoje é quase nenhum. O texto atual propõe endurecer para quem está na base da pirâmide de rendimentos, fazendo o povão trabalhar até os 65 anos, naquela faixa em que a sobrevida é baixa após a tardia aposentadoria. Além de injusta, essa regra dura vai “espantar a freguesia”. De modo intuitivo, o povo faz contas. Acabará concluindo, apesar do ligeiro rebaixamento de alíquota na base, que sairá perdendo. E assim se afastará ainda mais da formalidade, frustrando a esperada arrecadação, além de agravar o panorama de profunda desigualdade social. Isso precisa ser corrigido com urgência.

Por fim, resta a espinhosa, mas importante, proposta de um novo sistema baseado em capitalização. A equipe de governo enveredou por propor um regime novo, mas somente no futuro. Parece ter-se esquecido do comando constitucional (artigos 201, 249 e 250 da Constituição federal) que já estabelece o objetivo de capitalizar o INSS e os regimes próprios de previdência. A proposta atual não lidou de modo prático com estes comandos legais. Preferiu acenar com uma Previdência baseada em contas individuais e capitalização apenas lá na frente. Mas o futuro é agora! Nada impede que o sistema de contas individuais comece já. E correndo em paralelo à capitalização gradual do regime geral, o INSS. Existe arcabouço legal disponível para tal.

Se a proposta atual for aperfeiçoada ainda na Comissão Especial, onde tramita, as chances aumentarão de ainda se fazer do limão amargo da reforma previdenciária uma bela e refrescante limonada, trazendo-nos de volta aquela sensação perdida de que o Brasil voltará a crescer com vigor e equidade.

Nigel Farage e a disrupção na política - HELIO BELTRÃO

FOLHA DE SP - 29/05

Sozinho, fundador do Ukip ameaça a dominância de conservadores e trabalhistas


É admirável a diferença que faz um líder persistente municiado com uma ideia cuja hora chegou! Nigel Farage, sozinho, transformou o panorama político do Reino Unido com a liderança da campanha pelobrexit e agora ameaça a histórica dominância dos partidos Conservador e Trabalhista.

Em 1990, o jovem trader de metais Nigel Farage estava em um pub londrino no instante em que Margaret Thatcher anunciou que o Reino Unido estabeleceria um câmbio fixo entre a libra esterlina e as principais moedas da Europa, o chamado Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio. Farage considerava que aprofundar o entrelaçamento político com a União Europeia por meio do câmbio seria ruim para os negócios e para a City de Londres.

Dois anos depois, em 1992, o Banco da Inglaterra foi forçado a abandonar o mecanismo e desvalorizar a libra após torrar mais de 30% das reservas internacionais. O gatilho ocorreu quando o Bundesbank reconheceu que a política inflacionista do Reino Unido era insustentável e George Soros aproveitou a deixa para montar sua vencedora posição: a aposta bilionária na desvalorização da libra.

A partir de então, Farage entrou no debate político ao fundar o Ukip, o Partido da Independência do Reino Unido, de ideologia liberal clássica e thatcherista e primordialmente dedicado a livrar o país do estado supranacional que suprime parte de sua soberania a partir de Bruxelas.

Por outras palavras, o Ukip buscava um status semelhante ao da Suíça, que mantém sua soberania política e pratica livre-comércio com a UE.

Desde 1999, Farage é membro do Parlamento Europeu, onde se tornou um dos oradores mais influentes enfurecendo seus colegas com discursos ácidos e críticos à UE e à crescente centralização política no nível supranacional.

Porém sua ascensão vertiginosa ocorreu a partir de seu essencial papel na vitória no referendo do brexit, em 2016, que deliberou pela saída do Reino Unido da UE. Muito poucos acreditavam que isso seria possível.

A primeira-ministra, Theresa May, comprometeu-se a proceder com o brexit, afirmando em diversas ocasiões que a saída sem um acordo seria uma alternativa superior a um mau acordo. No entanto, o melhor acordo obtido por May envolvia o risco de que se perpetuasse uma união aduaneira, a critério da UE, em efeito anulando-se o brexit. May fracassou em aprovar esse acordo no Parlamento e acaba de cair. Boris Johnson, liberal-conservador e entusiasta do brexit, lidera as pesquisas para primeiro-ministro, tendo como plataforma a implementação da saída, com ou sem acordo.

No entanto, a novela do brexit continua. Muitos querem anular o brexit, impor um segundo referendo ou convocar novas eleições gerais.

Como reação aos que desejam obstaculizar a saída, Farage se reinventou. Há meras seis semanas criou o Partido do brexit para disputar a eleição do Parlamento Europeu de domingo (26). Mais uma vez saiu vencedor: o Partido do brexit obteve 31% dos votos britânicos e se tornou o maior partido nacional no Parlamento Europeu, com 29 membros. Em contraste, o Partido Trabalhista obteve 14% dos votos, e o Partido Conservador de May, pífios 9%.

Nada está definido sobre o brexit. Mesmo após três anos, as possibilidades variam: uma eventual anulação, um novo referendo, uma alteração do acordo da May ou finalmente uma saída sem acordo nos termos da OMC.

A única certeza é a de que Farage continuará sendo o principal apóstolo da soberania do Reino Unido e a maior força disruptora da política britânica.

Helio Beltrão
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na universidade Columbia, é presidente do instituto Mises Brasil.

O pacto de cada um - LUIZ CARLOS AZEDO

Correio Braziliense - 29/05

Todo governo tem o pacto que merece. Ontem, o presidente Jair Bolsonaro; o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); e o presidente do Supremo Tribunal federal (STF), Dias Toffoli, anunciaram que pretendem assinar um pacto de governabilidade com cinco eixos: reforma da Previdência, reforma tributária, pacto federativo, segurança pública e desburocratização. Os Três Poderes estariam irmanados para enfrentar esses problemas de mãos dadas. Veremos nos próximos capítulos.

Ontem mesmo, porém, o ministro da Casa Civil, Onix Lorenzoni, foi convocado pela poderosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara para prestar esclarecimentos sobre o pacote anticrime do governo, enquanto o pau quebrava na reunião de líderes do Senado em relação à volta do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao Ministério da Economia, matéria aprovada pela Câmara, ao contrário da proposta original, que era subordinar o órgão ao Ministério da Justiça. Nova mudança no Senado poderia inviabilizar a reforma administrativa, que reduziu o número de ministérios, entre outras medidas, porque o projeto teria que voltar à Câmara.

O pano de fundo da questão é uma das variáveis que decidiram as eleições passadas, mas ainda assombra o Congresso: a Operação Lava-Jato. As outras foram o desemprego, a violência, o colapso dos serviços públicos e a desestruturação das famílias. A vinculação do Coaf ao Ministério da Justiça, uma das exigências do ex-juiz Sérgio Moro para assumir a pasta, segundo o próprio, teve por objetivo fortalecer o órgão administrativamente, com o propósito de combater a lavagem de dinheiro.

A interpretação dada à proposta pela maioria dos políticos é outra: o Coaf seria transformado num órgão policialesco, em vez de fiscalizador, com a prerrogativa de quebrar o sigilo fiscal de qualquer cidadão sem a devida autorização judicial. Hoje, todas as operações financeiras acima de R$ 5 mil são comunicadas ao Coaf, que é obrigado a informar às autoridades policiais aquelas que são consideradas “atípicas”. Seguir o dinheiro foi o segredo do sucesso da Operação Lava-Jato. Quem quiser ter uma ideia de como essa estratégia foi importante, pode assistir à série O Mecanismo, da Netflix, do cineasta brasileiro José Padilha, o mesmo do blockbuster nacional Tropa de Elite.

Casa de enforcado
O Mecanismo é uma adaptação do livro Lava Jato — O juiz Sérgio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil, do jornalista Vladimir Netto. A segunda temporada está chocando ainda mais os políticos, por causa dos métodos adotados pelos investigadores para chegar aos seus objetivos e por ser um ataque frontal a líderes do PT, do PSDB, do PP, do MDB e outros partidos envolvidos no caixa dois da Odebrecht e da JBS. A investigação é narrada como uma espécie de vale-tudo judicial. Na série, supostamente, o grande objetivo da força-tarefa da Lava-Jato é forçar as delações premiadas de um doleiro e de um grande empreiteiro para chegar aos políticos mais importantes do país.

O Coaf, para a maioria dos investigados no Congresso, é como falar de corda em casa de enforcado, ainda mais depois das manifestações de domingo, que não se restringiram ao apoio a Bolsonaro e à Previdência. O apoio à Lava-Jato teve um grande poder de mobilização, e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, saiu muito fortalecido. O presidente Jair Bolsonaro, porém, para evitar a derrubada da reforma administrativa, em carta ao presidente do Senado, pediu para que sua base não emendasse o que havia sido aprovado pela Câmara, mantendo o Coaf no Ministério da Economia. Onde termina o pragmatismo do governo e começa o pacto com o Congresso e o Supremo é um segredo de bastidor.

Houve outros pactos desde a redemocratização. A anistia recíproca foi o pacto do governo João Batista Figueiredo para a transição à democracia, perdoou guerrilheiros e torturadores; a manutenção do presidencialismo foi o pacto do governo José Sarney; a abertura da economia foi o pacto de Collor de Mello; o tripé meta de inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal foi o pacto de Fernando Henrique Cardoso; o “Bolsa Família” foi o de Lula; o de Dilma Rousseff, sinceramente, não sei; talvez o antipacto com Eduardo Cunha, presidente da Câmara; o de Michel Temer, o “teto de gastos”, para tirar o país da recessão.

Sorte e azar - ROBERTO DAMATTA

O GLOBO - 29/05

Sinto-me azarado quando redescubro uma sistemática roubalheira desfigurando o sistema financeiro


Formam um idioma destinado a explicar eventos marginais as rotinas. Quando “a vida” nega ou dá mais do que se espera — uma loteria, por exemplo, entra em cena o dualismo azar ou sorte.

Travei conhecimento com essa linguagem quando minha avó Emerentina me pediu um palpite para o jogo do bicho. Vovó jogava no bicho diariamente e frequentava uma roda de pôquer de “gente educada” e “bem-vestida”, incapaz de uma “grosseria”. Um dia, ela me explicou essa aristocracia das cartas:

— Eles sabem perder, e só quem perde sabe ganhar. Ademais — continuou — é preciso jogar para se descobrir vivo ou morto. Minha avó sabia o que dizia. Seu primeiro marido foi assassinado à bala por um rival inconformado.

— Meu netinho — disse a um garoto de 8 anos — dê um palpite para o jogo do bicho.

— Como assim?

— Diga o nome de um bicho que você gosta, e eu vou jogar.

— Elefante! — pronunciei, orgulhoso porque estava usando na prática e na vida o que havia visto com admiração e alegria num filme de Tarzan no dia anterior.

No final da tarde, fui chamado por vovó e a encontrei na sala de visita muito bonita no seu austero vestido preto. Estava empoada e com cabelos cuidadosamente penteados. Fui recebido com um sorriso tão aberto como seus braços, nos quais eu caí para receber o incondicional afeto que nos abandona quando viramos adultos.

— Você acertou, deu elefante na cabeça! — disse, passando para minhas mãos uma moeda com a qual eu me entupi de chocolates comprados na esquina da nossa rua no Bar do Soares.

Criado num país no qual quem segue as leis, paga imposto e lê instruções é considerado um babaca, conforme ouvi numa pesquisa, confesso o meu inconformismo com a desobediência malandra e esperta como norma, vigente no espaço público. Quando atravesso uma rua movimentada e fico diante de um automóvel que aguarda minha passagem; ou entro numa fila na qual abrem caminho para o idoso que hoje sou, entendo que estou com sorte. Do mesmo modo e pela mesma regra, sinto-me azarado quando redescubro uma sistemática roubalheira pública desfigurando o sistema financeiro nacional.

Quando saio de casa para o trabalho, oscilo diante de um trânsito normal (quando tenho sorte) ou engarrafado (nos dias de azar). Ademais, enfrento a incerteza de não saber se as tais reformas sem as quais o Brasil vai acabar serão ou não aprovadas. Ou se o supremo magistrado da nação vai bosquejar mais uma crise. Aos 82 anos, eu ainda vivo num país que não se acertou com suas rotinas.

Sei, porém, do seguinte: minha vida em casa é mais previsível do que na rua. Em meio à pessoalidade, muitas vezes exagerada ao ponto de englobar o mérito, o lar ainda é mais seguro do que as decisões dos poderes da República. No nevoeiro das minhas dúvidas, não posso deixar de imaginar que a aprovação da reforma da Previdência será mais ou menos equivalente a acertar no elefante!

A experiência do menino transformou-se na obsessão profissional do estudante de sistemas culturais que são alternativos. Assim aprendi que nenhuma cultura suprime o idioma das coincidências, das fortunas e dos acidentes. Não existem sociedades perfeitas, aprendi, um tanto chocado, com um Lévi-Strauss que contrariava meus professores certos dos rumos da História Universal...

Poucas sociedades jogam tanto com a sorte como a brasileira. Poucas entram na nossa feroz jogatina com suas leis e instituições. E têm tanta familiaridade com a proximidade de um abismo social que é um flerte com o desastre. Somos, como diz meu ex-mentor, o brasilianista Richard Moneygrand, inimigos tenazes de nós mesmos.

Como não tenho e nem acredito que exista uma chave para o futuro — exceto a do risco e da boa-fé — sou um cultor da esperança.

Como tal, estou mais ou menos convencido de que, se fiz minha avó acertar no elefante, um dia vou ganhar na Mega-Sena. Então, entupido de dinheiro, irei inaugurar a Era da Filantropia no Brasil, tirando a pátria de uma piedosa e sovina caridade.

A quem possa interessar, informo que os diplomas de Harvard são escritos em latim.

Crítica da razão autoritária - GUSTAVO NOGY

GAZETA DO POVO - 29/05

É compreensível que a vitória nas urnas dê aos vitoriosos a sensação de que tudo podem, tudo devem, e de que a democracia é aquele regime em que eu venço, nós empatamos e você perde. A vontade popular se coagula em poder político e o poder político faz a vontade popular. Felizes para sempre.

Alguns interpelam, como se berrassem obviedades: “Acaso a vontade do povo pode ser confundida com ditadura?!” Infelizmente a reposta é sim, pode, e com frequência se confunde. Quem lê Jean-Jacques Rousseau sabe do que se trata.

A volonté générale é o adubo de muita manifestação autoritária e violenta. O autoritarismo, aliás, poucas vezes nasce contra o povo, quase sempre nasce em seu nome, e se funda na ideia de que o líder conduz o povo ao destino a que o povo aspira. Mais: na ideia de que as vontades de líder e povo se confundem ao ponto da indistinção.

Com isso quero dizer que essa é a intenção manifesta do clã Bolsonaro? Até onde a vista alcança, apesar de sua falta de jeito ou de gosto, Jair Bolsonaro parece estar de acordo com os termos do compromisso: Constituição, divisão de poderes, oposição, imprensa livre. Chatices.

Entretanto, essa aceitação não lhe é tão natural. Ele não toca de ouvido. Quilômetros de votos, declarações, atos e omissões ao longo dos anos, e de anos nem tão distantes assim, desmentem sua melhor educação política. Ninguém foge da própria biografia.

O que me preocupa, mais do que o presidente, é boa parte do eleitorado radical que o acompanha. Estes, sim, parecem assumir que democracia é a bigorna com a qual se amassa a cabeça dos perdedores. Podem não representar a maioria, mas não são poucos. E são entusiasmados.

Tudo se traduz na convicção de que, vencidas as eleições, a razão de quem venceu é a única razão a ser levada em conta, como se não houvesse outros debates, ideias, conflitos, visões e razões a se considerar. Como se o resultado das urnas fosse passe-livre para quaisquer efeitos e resultados depois delas – em nome do povo, para o povo, pelo povo.

No mundo civilizado, não é."

Corra para a luz, Bolsonaro - VINICIUS TORRES FREIRE

Folha de S. Paulo - 29/05

Pacto entre Poderes é nada, mas vale, se presidente quer dar adeus às armas


Os presidentes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário vão assinar um pacto em junho. É ideia melhor do que "quebrar o sistema" ou agradar a militantes fanáticos que querem fechar Congresso e Supremo. A perspectiva de terra arrasada cria otimismos miseráveis.

Além disso, de "protestos da mais alta estima e consideração" pela ordem constitucional, o que mais pode ser esse pacto? Algo entre nada e disparates, de preferência inócuos.

Segundo o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil), o pacto defenderia a reforma da Previdência. Segundo mais gente do governo, incluiria a "reforma do pacto federativo", a "melhoria da segurança pública" e a "reforma tributária".

Hum.

O presidente do Supremo Tribunal Federal não pode subscrever um projeto político, por mais meritório que pareça. Não pode se transformar na vontade geral dos juízes. Não pode tomar partido de causas que podem ser objeto do seu juízo. A lista de obviedades vai longe.

Os presidentes da Câmara e do Senado também não podem subscrever um programa em nome das casas legislativas. Podem fazê-lo como o deputado "x" e como o senador "y" ou como lideranças partidárias que receberam delegação para tanto.

O presidente da República, no entanto, deve fazê-lo. Deve propor um programa e articular sua aprovação por meio de acordos sociais, políticos e partidários, o que, no entanto, não faz.

Quando o país está sem rumo, governo, política e dinheiro, costuma fantasiar planos infalíveis, como parlamentarismos de improviso. Ressurge também outra conversa típica de momentos de impasse e desnorteio. É a ideia do "pacto", que emerge das nossas lamas desde os anos 1980, inspirado pelos acordos da redemocratização espanhola.

Enfim, fez-se um pacto. Chamou-se Constituição de 1988, essa mistura de leis com projeto nacional, bem remendada nos anos 1990, mas que resistiu bem pelo menos até o começo desta década. O resto dos pactos foi conversa mole.

Assim como pensar em parlamentarismo, a ideia de discutir um pacto pode ser respeitável. Para tanto, convém que tais acordos tenham substância e realidade social e política. Mais costumeiramente, tais pactos são tácitos. Não necessariamente prestam.

Por exemplo, parte gorda da elite empresarial fez um pacto implícito com Dilma Rousseff e suas ideias. Estava feliz feito pinto no lixo quando havia subsídios, reduções de impostos, perdões de dívidas, proteções, sociedades com estatais, financiamentos e estímulos à formação de oligopólios etc. Apenas minoria criticava o nacional-empresismo.

Agora decerto há um pacto explícito entre boa parte da elite empresarial, finança, economistas, a liderança do Congresso e parte do governo a favor da reforma da Previdência.

Suponha-se, com muito boa vontade, que o pacto seja apenas um ritual de renovação ou, mais simples mas ainda incrível, que Jair Bolsonaro pretenda dar adeus às armas. Ainda que de maneira desastrada, o presidente estaria a dizer que pretende formar uma coalizão parlamentar.

Que, antes de propor medidas, vai criar consensos técnicos e políticos dentro de seu governo. Que vai tocar seu programa, seu direito e dever de eleito, mas com a prudência de ter ouvido gente diversa de uma sociedade sempre dividida, em vez de insultar tanta gente.

Então, está valendo. "Corra para a luz", presidente, como se dizia em um velho filme. "Poltergeist".

Melhor o pacto do que os tuítes de Bolsonaro - CLÓVIS ROSSI

Folha de S. Paulo - 29/05

Mas é preciso envolver a sociedade nessa conversa


Sou fã de Ranier Bragon, um dos colunistas da página 2 da Folha(todos eles excelentes, aliás). Mas acho que ele talvez tenha se precipitado ao colocar o rótulo de “conto do vigário” na tentativa de pacto que Jair Bolsonaro anunciou nesta segunda-feira (27).

Até entendo a desqualificação: tudo o que vem de Bolsonaro me parece ruim, feio —e creio que a Ranier também. Já escrevi mesmo antes da eleição que quem defende uma ditadura e um torturador (condenado, diga-se) promove um retrocesso civilizatório em um país que nunca conseguiu chegar a ser realmente civilizado.

Mas vou ser ingênuo o suficiente para ler a proposta do presidente de um ângulo positivo. Digamos que ele, em vez de procurar destruir tudo “o que está aí", queira, com o pacto, construir de fato uma colaboração entre os poderes para fazer o que é preciso fazer.

Acho que ninguém de bom senso dirá que não são importantes os temas escolhidos para o proposto pacto, a saber: reformas da Previdência e tributária, revisão do pacto federativo, desburocratização e política nacional de segurança pública.

Claro que faltam mais temas na lista, mas não é mais produtivo discutir tais assuntos do que ficar tuitando asneiras, como tem sido o esporte favorito de Bolsonaro?

Do meu ponto de vista, o problema ao se propor um pacto são dois: primeiro, desde a redemocratização (já se vão 34 anos), vez por outra alguém tira do coldre a palavra pacto e nunca se chega nem perto de algo parecido.

Eu mesmo já escrevi uma dúzia de textos louvando o Pacto de la Moncloa, celebrado na Espanha ao final da ditadura franquista, nos anos 70. Funcionou lá.

Mas —e aí entro no segundo problema—, Moncloa envolveu todo o mundo, a direita, o centro e a esquerda, sindicatos e empresários.

Aqui, ao contrário, o início da conversa é apenas com os presidentes das duas Casas Legislativas, além do presidente do STF. Aliás, a presença deste é inconveniente, porque ao tribunal caberá, eventualmente, julgar alguma medida que vier a ser decidida no bojo do pacto, se é que alguma sairá realmente.

Falta incluir, além do conjunto do Parlamento, a academia e, acima de tudo, a sociedade civil.

Bolsonaro já deu um passo em falso nesse caminho, ao forçar a demissão de Ilona Szabó de um cargo de assessoria no Ministério da Justiça.

Ilona é uma notável especialista em temas de segurança pública e, portanto, qualquer política nessa área que prescinda da colaboração dela (e de outros especialistas igualmente relevantes), estará fadada a ser incompleta ou errada.

Por isso, é razoável supor que Ranier Bragon esteja se antecipando corretamente ao rotular o pacto proposto como “conto do vigário".

Mas não custa ser um pouco Polyana e esperar para ver no que vai dar a conversa proposta, até porque é óbvio que nem Bolsonaro vai destruir tudo o que está aí nem a oposição vai conseguir destrui-lo, pelo menos não tão cedo. Pelo despreparo de Bolsonaro, no entanto, acho que Ranier Bragon acabará tendo mais razão do que eu, na minha santa ingenuidade.

O câmbio em meio à incerteza política - MIRIAM LEITÃO

O Globo - 29/05

Volatilidade do dólar é elemento a mais de incerteza na economia e sua principal causa é o desgaste na relação de Bolsonaro com o Congresso

Entre os vários problemas da economia brasileira está a instabilidade do dólar. Em pouco mais de três meses, o dólar subiu 12%, saindo de R$ 3,65 para R$ 4,10, no pior momento. Nos últimos dias, caiu um pouco, mas permanece acima de R$ 4,00. Mais do que o patamar em que está, o problema é a volatilidade. Os consumidores têm a sensação de perda de poder de compra, e os empresários têm aumento de custos. Os importadores se retraem, os exportadores aguardam novas altas. Entre as grandes empresas, há aumento das dívidas corporativas. O dólar afeta a inflação e eleva alguns dos preços mais sensíveis, como os combustíveis.

O economista Nathan Blanche, especialista em câmbio e sócio da Tendências Consultoria, diz que a principal variável que está pressionando a moeda brasileira é a crise política, resultado da incapacidade de o presidente Jair Bolsonaro estabelecer uma relação estável e produtiva com o Congresso. Ontem, o presidente da República tomou café da manhã com os presidentes da Câmara e do Senado para firmar um “pacto” a favor das reformas. Mas isso aconteceu na esteira das manifestações que ele estimulou no último domingo e nas quais os líderes do Legislativo, especialmente Rodrigo Maia, foram bastante atacados. Será preciso muito mais do que um simples encontro.

A alta recente do dólar sofreu grande influência desse descompasso entre os poderes.

— O dólar é o principal sensor de risco do mercado, e hoje o que mais pesa sobre o câmbio é a incerteza política. Acreditou-se, após as eleições, que a saída do PT e a base eleita pelo PSL dariam sustentação forte às reformas. Mas estamos vendo que não há harmonia entre o Executivo e o Legislativo. O ritmo das votações foi afetado —afirmou Nathan Blanche.

A XP Investimentos colocou em números essa avaliação. Uma sondagem divulgada esta semana com investidores do mercado financeiro mostrou que a aprovação do governo caiu de 28% para 14%, e os que avaliam o desempenho governista até agora como ruim ou péssimo saltou para 43%. De modo geral, há a confiança na aprovação da reforma da Previdência, mas vem crescendo a visão entre os economistas de que os atritos entre o Executivo e o Legislativo vieram para ficar.

—O mercado acredita na aprovação da Previdência. Mas se antes eu entendia que o dólar cairia para a casa de R$ 3,35 depois da reforma, hoje eu vejo em R$ 3,75. Houve uma perda de confiança e isso se reflete no câmbio de equilíbrio. A moeda americana só não dispara porque temos o Paulo Guedes no Ministério da Economia e políticos como o Rodrigo Maia, no Congresso, que estão atuando intensamente pela aprovação —diz Nathan.

O Banco Central deve anunciar hoje o primeiro dos diversos pacotes que está preparando de mudanças micro com o objetivo de mudar a economia no longo prazo. Desde que assumiu a presidência do BC, Roberto Campos Neto organizou 14 grupos de trabalho para estudar as alterações que pretende continuar fazendo, dentro do que é chamado na instituição de Agenda BC+. Uma das mudanças mais importante é na legislação sob recâmbio. Há regras de entrada e saída de dólar de 1930 a 1950. A burocracia é enorme e as taxas bancárias são muito altas nas pequenas transações.

No Banco Central se trabalha comum calendário de medidas de simplificações que levem o país ater um dia um amoeda conversível. Hoje há demanda de parceiros menores, próximos de nós, de fazer negócios em reais. O Brasil tem uma moeda estável há muitos anos e alto volume de reservas cambiais. No balanço de pagamentos, não há risco de crise cambial, porque o déficit em conta-corrente é baixo. Ainda assim, o BC anunciou que vai manter a venda de dólares no mercado futuro, para suavizara alta do dólar. Hoje, a instituição tem um estoque de US $65 bilhões vendidos, contra US $16 bino melhor momento do governo Temer.

Há um curto prazo de volatilidade do dólar provocada não pelos fundamentos cambiais, mas pelas trapalhadas políticas do presidente e alguns integrantes do seu grupo. Por outro lado, o Banco Central prepara medidas para aumentara liberdade cambial, eliminando burocracias envelhecidas. O Brasil precisa construir o futuro em todas as áreas, inclusive na moeda, mas está prisioneiro das emergências políticas que impedem a superação do devastador momento econômico.

Manifestações nas ruas podem levar a uma agenda positiva - PAULO HARTUNG, MARCOS LISBOA E SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 29/05

Reformas pedidas pelo governo são essenciais para viabilizar políticas demandadas pela oposição

Desde 2013, a sociedade escolheu as ruas para manifestar a sua insatisfação com os desmandos na política pública e a longa crise econômica.

A polarização extremada dificulta o diálogo, estimula o confronto disfuncional e resulta na paralisia decisória. Por vezes, parece mais fácil impedir um presidente do que aprovar as reformas para retomar o crescimento econômico.

As manifestações recentes, porém, indicam que algum otimismo é devido.

Após a eleição, alguns achavam que bastavam poucas reformas para superar as dificuldades e que a legitimidade do novo Executivo bastaria para resgatar o crescimento econômico. Estavam errados. A dificuldade em dialogar e em construir consensos tem dificultado coordenar uma agenda de reformas para interromper o crescimento acelerado dos gastos públicos.

A boa notícia é que a população se mobiliza. A sociedade, de ambos os lados, defende mudanças.

Na quarta-feira, 15 de maio, houve manifestações em inúmeras cidades defendendo a educação. Elas foram chamadas pela oposição ao atual governo. Em um país que durante tanto tempo tratou a educação como tema menor, e exclusivo da elite, trata-se de boa notícia.

Nos anos 1950, defendíamos que “o petróleo é nosso” enquanto 7 de cada 10 crianças de 7 a 14 anos estavam fora da escola.

Felizmente, os tempos mudaram e a oposição foi às ruas defender a educação. Há muito a fazer para que avancemos na agenda da melhoria da qualidade do ensino. Os jovens precisam sentar nos bancos escolares e aprender.

Infelizmente, muitos da oposição ainda optam pelo populismo que nega as restrições fiscais e fazem vistas grossas a que, com as atuais regras da Previdência, não há recursos para pagar as políticas públicas em áreas essenciais, como educação.

No último domingo (26), foi a vez de parte dos apoiadores do atual governo irem às ruas. Alguns optaram por ficar em casa apesar de apoiar a agenda de reformas com receio das manifestações autoritárias que, infelizmente, ocorreram no evento.

Não obstante, a dimensão do movimento não foi pequena e há o que celebrar. Os manifestantes defenderam a reforma da Previdência e reconheceram que a situação fiscal é crítica.

A sociedade se engaja no debate público e defende reformas em uma vibrante democracia, ainda que repleta de riscos.

A polarização extremada pode levar ao confronto que nega o diálogo e a política. Preocupa-nos a crítica atrapalhada que parece não saber muito bem quem são os aliados. Rodrigo Maia é hoje o ator político mais efetivo na construção de pontes e tem trabalhado pela reforma da Previdência.

A resistência às reformas encontra-se em outro lugar, e os apoiadores do governo deveriam saber que há críticos construtivos assim como há apoiadores oportunistas.

Ruídos à parte, o fato positivo é que os grupos organizados foram às ruas, da oposição e do governo, refletindo o cansaço com a crise continuada e a paralisia decisória. Os desempregados não podem esperar.

São muitos os exemplos da ideologização disfuncional. Houve, de um lado, a devolução dos boxeadores cubanos, o apoio explícito do petismo ao chavismo, e o asilo para Cesare Battisti. De outro, houve as trapalhadas do atual Ministério da Educação, os tuítes do presidente, ou palavras de ordem como “meninos usam azul e meninas rosa”.

Talvez a população tenha se convencido de que o extremo, de um lado ou de outro, nos leva a um beco sem saída. Talvez do cansaço com a paralisia decisória surja uma agenda que permita a retomada do crescimento com geração de renda e emprego. As novas gerações merecem um futuro melhor do que o que recebemos dos nossos pais.

As reformas pedidas pelo governo são essenciais para viabilizar as políticas demandadas pela oposição.

Paulo Hartung é ex-governador do Espírito Santo (2003-2010 e 2015-2018); Marcos Lisboa é presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia; Samuel Pessôa é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV), sócio da consultoria Reliance e doutor em economia pela USP

O povo pede as reformas - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 29/05

O apoio da população é importante, mas Bolsonaro estará cometendo um erro estratégico gravíssimo se resolver contar apenas com as ruas

No domingo, dia 26, centenas de milhares de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro foram às ruas de mais de 150 cidades em todos os estados e no Distrito Federal. Os organizadores e os principais divulgadores das manifestações conseguiram sucesso em transformar o que havia surgido como uma pauta negativa e radical em uma plataforma positiva, de defesa das reformas propostas pelo presidente e por seus ministros Paulo Guedes, no caso da reforma da Previdência, e Sergio Moro, autor do pacote anticrime.

Como havíamos dito neste espaço, houve, sim, a participação de radicais antidemocráticos – seja agredindo profissionais de imprensa, como ocorreu em Curitiba, seja pedindo o fechamento do Congresso, do Supremo Tribunal Federal ou um golpe militar, mesmo tendo sido desautorizados pelo próprio Bolsonaro dias antes da manifestação. Esse grupo, com seus cartazes e slogans, fez a festa dos adversários do governo, que espalharam as imagens como se elas representassem a essência dos atos deste domingo – uma distorção facilmente desmascarada quando se observa os dados do projeto “Monitor do debate político no meio digital”, que entrevistou manifestantes na Avenida Paulista, em São Paulo. Quando perguntados sobre o motivo principal de sua participação no ato, 75% dos entrevistados mencionaram o “apoio às reformas propostas pelo governo” – embora a pesquisa não tenha aferido a adesão a projetos específicos –, enquanto apenas 6% citaram o “repúdio à atuação dos ministros do STF”, outros 6% se declararam “contra o boicote do Centrão ao governo” e 2% responderam “intervenção militar”. Esse distanciamento do radicalismo fez com que mesmo líderes que foram críticos à convocação dos atos acabassem elogiando a maneira como eles se deram, como foi o caso da deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP).

Ainda que nem todos dentro desse grupo de 75% estejam entusiasmados com a reforma da Previdência, ela ganhou grande destaque nos discursos feitos durante as manifestações. Aqui reside a louvável excepcionalidade dos atos do dia 26. Há duas grandes verdades sobre a reforma da Previdência: ela é necessária para que o país não quebre; e ela exigirá sacrifícios de praticamente todos os brasileiros. Seria compreensível que a população, diante desses dois fatos, simplesmente se resignasse ao destino inevitável de ter de trabalhar por mais alguns anos, ou de não conseguir ter uma aposentadoria nos valores desejados. Mas o brasileiro foi além disso: ele tomou uma postura ativa, indo às ruas pedir a mudança, colocando o interesse do país acima do interesse pessoal imediato – e dizemos “imediato” porque bem sabemos que só a reforma da Previdência pode garantir que os trabalhadores de hoje possam receber uma aposentadoria no futuro, em vez de encontrar um país falido. É possível que estejamos diante de um aumento na conscientização sobre a importância da reforma; mesmo que regras de transição e outras informações não estejam na ponta da língua dos apoiadores do governo, a noção de que ela é necessária para que o Brasil não quebre é suficientemente simples para que seja compreendida por qualquer cidadão.

A pergunta que todos se fazem agora é: que impacto essa presença nas ruas terá sobre o modus operandi do governo e sobre aqueles que votarão as reformas no Congresso? É importante que haja uma demonstração de apoio da população, mas Bolsonaro estará cometendo um erro estratégico gravíssimo se resolver contar apenas com as ruas para conseguir a aprovação do projeto, insistindo em bater de frente com os demais poderes. Por isso, é animador que, na manhã desta terça-feira, Bolsonaro tenha se reunido com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); e do Supremo, Dias Toffoli, para que os três poderes costurem um pacto pelo crescimento do país. O encontro já pode ser considerado um resultado das manifestações, partindo de iniciativa do presidente para desfazer qualquer mal-estar causado por críticas mais exaltadas dos manifestantes. Um texto-base, escrito por Toffoli, foi aprovado pelos participantes da reunião; a versão definitiva será divulgada apenas em junho, mas já se sabe que as reformas estarão presentes.

Mas Bolsonaro não aprovará as reformas sem antes colocar ordem na própria casa. Os líderes do governo na Câmara e no Senado, até o momento, não conseguiram nem mesmo dar coesão ao partido do presidente, o PSL, colocando-o para trabalhar pelas reformas – basta ver como várias emendas que enfraquecem a Nova Previdência têm origem no próprio partido, ou a confusão criada pelo líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), que quase colocou em risco a MP da reforma administrativa. Sem união interna, será quase impossível costurar uma base de apoio com outros partidos em torno de um compromisso com o país. O momento pede inteligência e liderança para que o pedido das ruas não se perca.

O golpismo continua no ar - ELIO GASPARI

O GLOBO/FOLHA DE SP - 29/05

Bolsonaro precisa domar os seus cavaleiros do Apocalipse


Durante a campanha eleitoral o general Hamilton Mourão falava em "autogolpe". Pouco depois da vitória de Jair Bolsonaro, seu ministro da Economia sonhava com uma "prensa" no Congresso. Há pouco, o doutor Paulo Guedes queixou-se de uma imprensa "a fim só de bagunçar" e de uma oposição que quer "tumultuar, explodir e correr o risco de um confronto sério". Quem ouviu a rua no domingo sabe que o sujeito oculto, e às vezes explícito, dos discursos e cartazes era a hostilidade ao Congresso. Esse é o nome do golpismo.

Nem todas as 58 milhões de pessoas que votaram em Jair Bolsonaro eram golpistas, mas todos os golpistas votaram no capitão. Passados cinco meses, a banda golpista encolheu na rua e no andar de cima. Como o sapo de Guimarães Rosa, não fez isso por boniteza, mas por precisão. Mesmo assim, escalou-se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para o papel de Pixuleco da vez.

De boa-fé, o mais ardente dos bolsonaristas haverá de reconhecer que Maia defende a reforma da Previdência há mais tempo e com mais ardor que Bolsonaro. O golpismo está sem ideias.

Tome-se o caso da reforma. Os dois pontos mais contestados são as mudanças no benefício aos miseráveis e a proposta do regime de capitalização. Paulo Guedes já disse que a primeira mudança poderá ser opcional e a segunda, além de opcional, poderá ficar para mais tarde. Admitindo-se que se crie um regime de capitalização opcional para quem entra no mercado de trabalho e que o cidadão possa optar por um fundo do Banco do Brasil ou da Caixa Econômica, onde está o problema?

A balbúrdia que ronda a reforma e outras iniciativas do governo não é alimentada por uma oposição tumultuante e explosiva. Ela vem de dentro de um governo desconexo onde brilha quem aposta no tumulto.

Bolsonaro tem quatro cavaleiros do Apocalipse. São os ministros Abraham Weintraub (Educação), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Ricardo Salles (Ambiente) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos). Basta compará-los a quatro ilhas de tranquilidade: Tereza Cristina (Agricultura), Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura), Bento Albuquerque (Minas e Energia) e Santos Cruz (Secretaria de Governo).

Weintraub foi a espoleta que explodiu a crise nas universidades. Sintomaticamente, enquanto ele jogava gasolina, Bolsonaro comportou-se como bombeiro. Aceitou a lista tríplice da Federal do Rio de Janeiro e nomeou a professora Denise Pires de Carvalho para sua reitoria. Pouco depois, mostrou-se contrário à cobrança de anuidades nas universidades públicas. Coisa de comunista, diria um golpista.

Ernesto Araújo meteu-se na armação de um golpe perfumado na Venezuela, Ricardo Salles encrencou-se com os financiadores internacionais do Fundo Amazônia e chamuscou a biografia de Joaquim Levy, presidente do BNDES, arrancando-lhe o afastamento da chefe do departamento de Meio Ambiente. Já a doutora Damaresdescobriu que Chico Buarque é um cantor.

Os cavaleiros do Apocalipse estragam o serviço de ministros que trabalham sem bumbo: Tereza Cristina costurou uma trégua com a China (Deve-se a ela o apoio do Brasil ao candidato chinês para a direção da FAO.); Tarcísio Gomes de Freitas dá nó em pingo-d'água negociando leilões e concessões; já o ministro de Minas e Energia cresce mantendo-se longe de debates inúteis.

No meio, está o Posto Ipiranga. Ainda não começou a vender berinjelas, e suas bagunçadas palestras são certamente um fator de desânimo para o empresariado. Ele ameaça ir embora do Brasil. Ninguém quer saber para onde vai. O que interessa é saber o que ele tem a oferecer, em 2019, para 13 milhões de desempregados. "Confronto sério" não gera emprego.

Consultores de investimentos - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 29/05

Bezerra, Eike, Queiroz e Flávio deviam ensinar suas técnicas para fazer dinheiro do nada


Certas notícias são de tirar o fôlego. Na semana passada, a Justiça bloqueou R$ 258 milhões da conta bancária do senador Fernando Bezerra Coelho, ex-PSB-PE, hoje MDB-PE, por suspeita de envolvimento nas aventuras da Petrobras com construtoras e refinarias durante os anos Dilma. Bezerra Coelho é o atual líder do governo Jair Bolsonaro no Senado. Apesar desse rombo nas suas economias, ele não parece estar perdendo o sono. Pelo menos, em foto tirada no mesmo dia ao lado do presidente, estava feliz da vida.

Dias depois, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) aplicou uma multa de R$ 536 milhões no empresário Eike Batista, por uso de informação privilegiada para negociar ações de suas antigas empresas de petróleo e gás. Você se lembra de Eike. Há poucos anos, chegou a ser um dos homens mais ricos do mundo —hoje, não pega nem quinta divisão. Mas não se queixa. Em seu apogeu, quando lhe perguntavam como podia ser tão rico, ele respondia: “Eu faço riquezas do nada”. Sabemos agora que não estava mentindo.

E esta é a chave para quem quiser ficar rico —fazer dinheiro do nada. Fabrício Queiroz, ex-motorista do então deputado estadual FlávioBolsonaro, também explicou como conseguia movimentar milhões com seu miserável salário na carteira: “Eu sei fazer dinheiro”. E como era isto? Segundo ele, comprando e vendendo carros com lucros fabulosos. Mas, para outras correntes filosóficas, seria recheando o gabinete do chefe com funcionários fantasmas e dando interessantes destinos ao dinheiro.

O próprio Flávio Bolsonaro é outro que sabe fazer dinheiro. Por mais elásticos o salário e as verbas de gabinete de um deputado estadual, só mesmo a vocação para fazer dinheiro explica tantos imóveisnegociados em tão pouco tempo e com lucros de 400%.

Se não fossem tão ocupados, Bezerra, Eike, Queiroz e Flávio seriam insuperáveis como consultores de investimentos.

Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues

Pacto para inglês ver - VERA MAGALHÃES

O Estado de S. Paulo - 29/05

Maia e Alcolumbre encontraram Bolsonaro, sorriram para fotos e voltaram certos de que não há confiança de parte a parte.


Teve um quê de cinismo generalizado o encontro desta terça-feira entre representantes dos três Poderes, que prometeram um pacto pelas pautas de interesse do Brasil apenas dois dias depois de o presidente Jair Bolsonaro instigar e comemorar manifestações em todo o País que clamaram não por pacto, mas por cabresto no Legislativo e no Judiciário.

Os presidentes da Câmara e do Senado não vestiram a carapuça de inimigos da Nação que tentaram lhes enfiar nas cabeças – mais na de Rodrigo Maia que na de Davi Alcolumbre, pelo fato de a Câmara estar com a maior parte dos projetos de relevo, como a reforma da Previdência.

Foram ao encontro, comeram pão de queijo, sorriram amarelo para as fotos e voltaram para suas Casas na certeza de que não há confiança de parte a parte. Foi isso que relataram a seus liderados e deles colheram.

Da mesma maneira, chega a ser engraçado o presidente do STF, Dias Toffoli, ser autor da ideia de pacto (surrada, diga-se, clichê também tirado da cartola cedo demais, aos cinco meses de um mandato). O Supremo acaba de derrubar as concessões de subsidiárias da Petrobrás e a decidir sobre homofobia na frente do Congresso. O nome disso não é pacto, mas superveniência de atribuições entre os Poderes.

Maia não acusou o golpe do pixuleco em que o colocaram de pirulito na mão, mas reagiu sem passar recibo. Ao pedir que o relator da reforma antecipe seu parecer, ele devolve a bola a Bolsonaro: presidente, a Câmara tem pressa; pelo bem do País, deixe de travar a Nova Previdência e consiga os votos de que precisa.

Pacto sem validade - MERVAL PEREIRA

O Globo - 29/05

Nos exemplos de pactos políticos recentes, não está registrada a presença do Poder Judiciário


Não há na história recente exemplo de pacto político de que tenha participado o Poder Judiciário. Por uma razão muito simples: é nele que desaguarão as demandas dos que se sentirem afetados pela reforma da Previdência, por exemplo. Onde a reforma trabalhista já está sendo disputada. E o Supremo pode, como tem acontecido frequentemente, assumir tarefas do Legislativo, o que provoca sempre mal-estar, mesmo quando o STF está certo.

O Executivo, dentro de um pacto político, pode abrir mão de legislar por medidas provisórias, apenas para dar um exemplo que dificilmente se concretizará, e o Legislativo pode se dispor a aprovar projetos vindos do Executivo. Mas o Judiciário, não.

O pacto entre os Três Poderes anunciado ontem é uma boa ideia, até mesmo para acabar com a disputa entre eles, mas sua execução é difícil na plenitude anunciada. O Judiciário não pode fazer pactos sobre assuntos que vai julgar, como a reforma da Previdência, que é o principal ponto do acordo político que busca a “retomada do crescimento”.

Objetivo a ser alcançado por meio de negociações políticas. Várias cláusulas da reforma serão contestadas na Justiça, e o STF terá que decidir. Ele não pode fazer parte de um acordo que define que a reforma da Previdência tem que ser aprovada. Nem mesmo o presidente Dias Toffoli, que estranhamente propôs um pacto político e não de Estado, pode garantir que o plenário do SFT vá concordar com ele.

Entre o Executivo e o Legislativo não há problema conceitual, embora existam problemas políticos a resolver, especialmente depois das manifestações de domingo. O presidente do STF não pode se comprometer a cumprir qualquer pacto que seja, porque tem de observar o princípio da independência judicial.

Nos exemplos de pactos políticos recentes, não está registrada a presença do Judiciário. O mais famoso dos pactos é o de Moncloa, na Espanha pós-franquismo, em 1977. O governo de centro direita de Adolfo Suárez conseguiu o apoio pluripartidário para aprovar no Congresso programas de reconstrução econômica da Espanha, que se encontrava há cinco anos em recessão.

Perante o Parlamento alemão, em 2003, o chanceler social-democrata Gerhard Schröder propôs um plano de reformas nas relações trabalhistas e no sistema previdenciário, no complemento do processo de incorporação da Alemanha Oriental.

A Democracia-Cristã, o principal partido oposicionista, aderiu ao projeto, e o governo teve o apoio do empresariado e de líderes da sociedade civil para implementar seu programa, que inicialmente teve a previsível oposição dos sindicatos.

Havia ainda os desafios da União Europeia, que lançara o euro como moeda única. As reformas destinavam-se, como as daqui deveriam, a alavancar a produtividade da economia. Por isso, incluíam reduções salariais consideráveis e uma reformulação das regras do estado de bem-estar social.

Em ambos os casos, eram pactos de Estado, onde os pontos comuns partidários foram acomodados para a execução de um projeto de consenso. E nos dois casos deu certo. Aqui no Brasil tivemos também um Pacto pela Justiça, quando o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) era Nelson Jobim.

Nele, o presidente do Supremo podia propor medidas porque só se referia a assuntos de Justiça e do Judiciário. Buscava-se, fundamentalmente, aumentar a segurança jurídica e a maior agilidade do sistema judicial.

Estamos até hoje em busca de alguns objetivos lá propostos, como a redução dos recursos, e, no entanto, o ministro Dias Toffoli, que propõe hoje um pacto, defende o fim da possibilidade de prisão em segunda instância.

Este é um exemplo claro de que um acordo poderia ser feito, mas o Executivo, através do ministro Sergio Moro, defende a medida, parte do Legislativo é contra e parte do Judiciário também.

Um pacto enganador - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 29/05


Com a proposta, o presidente da República mais uma vez jogou sobre o Congresso e a Justiça uma responsabilidade que é da chefia do Executivo.


O presidente Jair Bolsonaro escolheu novamente a solução errada – e enganadora – ao reavivar, em café da manhã com chefes dos outros Poderes, a ideia de um pacto a favor da pauta de reformas e do crescimento. Apresentada há dois meses pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Antonio Dias Toffoli, a proposta, quase esquecida, foi agora espanada e convertida em símbolo de harmonia e de cooperação entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Com esse lance, o presidente da República mais uma vez jogou sobre o Congresso e a Justiça – embora de forma implícita – a responsabilidade por entraves a mudanças importantes para o País. A responsabilidade principal pelos impasses, no entanto, está na chefia do Executivo, como sabe qualquer pessoa razoavelmente informada.

Um pacto sobre as metas será assinado na semana de 10 de junho, disse o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, mas a declaração pode ter sido precipitada. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, informou a intenção de submeter o papel aos líderes da Casa antes de assiná-lo. Só o assinará, acrescentou, se houver apoio da maioria. Mas será mesmo necessário?

O próprio Maia, juntamente com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, já se havia comprometido a apoiar a reforma da Previdência e outras iniciativas importantes para a correção de desajustes e a reativação da economia. Esse compromisso, deixaram claro, seria cumprido com ou sem a cooperação do presidente da República. O presidente da comissão especial da Câmara e o relator do projeto das aposentadorias também têm afirmado seu empenho em cuidar do assunto com presteza e atenção aos efeitos fiscais. Todas essas declarações são anteriores às passeatas do último domingo.

Depois do café da manhã com o presidente Bolsonaro, o presidente da Câmara simplesmente reiterou sua promessa e reforçou a recomendação de urgência no tratamento dos projetos já em tramitação.

O grande omisso nas negociações entre os Poderes e na articulação de apoios a projetos de interesse do Executivo tem sido o presidente Jair Bolsonaro. Além de omisso em relação a essas tarefas, ele já disse ter reservas em relação à reforma da Previdência.

A tarefa de articulação ficou entregue quase exclusivamente ao ministro da Economia, Paulo Guedes, uma figura empenhada, mas sem experiência política e às vezes sem tato nas discussões com parlamentares. Ele tem aprendido e, de toda forma, tem sido ajudado pelo presidente da Câmara. O próprio partido do presidente Bolsonaro, o PSL, tem sido desastrado e ineficiente no trabalho de apoio ao Executivo.

Além de omisso em relação às tarefas de articulação e negociação, o presidente da República tem insistido em confundir a busca de entendimentos com “velhas práticas”, como se fosse um incompreendido emissário da pureza num ambiente bandalho. Por ter seguido o mesmo caminho, e de forma especialmente desastrada, o líder do governo na Câmara, deputado Major Vitor Hugo, do PSL, passou a ser rejeitado pelo presidente da Câmara.

Pelo menos no mercado o anúncio do pacto parece ter produzido algum efeito. Operadores e analistas deram sinais de otimismo, o dólar caiu e ações se valorizaram. Mas é necessário mais que um anúncio para sustentar o otimismo no mercado e, mais que isso, para animar empresários e consumidores. Uma nova queda do Índice de Confiança da Indústria foi informada pela Fundação Getúlio Vargas na manhã de terça-feira, enquanto se espalhava a notícia sobre a reunião dos chefes dos Poderes.

O primeiro trimestre, já se sabe com segurança, foi desastroso na economia. O tamanho do fiasco será conhecido amanhã, quando for divulgado o Produto Interno Bruto (PIB) do período de janeiro a março. As projeções para o ano estão abaixo de 1,5% e empresários esperam notícias animadoras para se mexer. Essas notícias dependerão em parte do andamento de projetos importantes. Se surgirem, essas novidades terão resultado muito mais da iniciativa de parlamentares que de um pacto entre Poderes. Quanto ao presidente Bolsonaro, é difícil dizer por quanto tempo ainda se interessará pelo assunto.

Governo de polêmicas frívolas e ignorância constitucional - JOÃO PEDRO ACCIOLY

Valor Econômico - 29/05 - 29/05

Governo não conhece nem as possibilidades nem os limites da Constituição, e insiste em disputas ideológicas irrelevantes

A principal discussão política quanto à reforma administrativa de Bolsonaro foi a respeito do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf. O Planalto gastou tempo e energia tentando, sem sucesso, convencer a Câmara a rejeitar a emenda que retirara o Coaf do âmbito do Ministério da Justiça e o realocara na pasta da Economia.

Ao que parece, ninguém no governo conhece a figura do decreto autônomo, do modo como desenhada pela Emenda Constitucional nº 32/2001 - que também modificou a redação do artigo 88 da Constituição, para revogar a reserva de Lei que antes se impunha à definição e à repartição das atribuições que tocam a cada Ministério. Ao presidente da República compete, como diz a Carta, "dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos" (CF/88, art. 84, VI, a).

Ora, o presidente pode, via decreto, a qualquer tempo, alterar a vinculação ministerial de órgãos infraministeriais da Administração Pública Federal, a exemplo do Coaf. Tendo esse objeto, o ato tratar-se-á, justamente, de decreto sobre a organização administrativa que não aumenta despesa nem cria ou extingue órgãos públicos.

Fosse essa a via eleita, o Congresso não precisaria aprovar a medida nem previamente, como ocorre com as leis em geral, nem posteriormente, como se dá com as Medidas Provisórias, sob pena de perderem a eficácia. Nessa hipótese, o Parlamento também não teria competência para sustar o decreto autônomo (CF/88, art. 49, V, a contrario sensu) nem, sequer, para revogá-lo por meio de nova Lei, cuja iniciativa competiria, em razão da matéria, privativamente ao presidente da República (CF/88, art. 61, §1º, e).

Mesmo a esta altura, portanto, o presidente pode simplesmente revincular o Coaf ao Ministério da Justiça e Segurança Pública por meio de um decreto autônomo; fica a dica. Aliás, o governo deveria ter usado esse argumento para dissuadir o Congresso de aprovar a emenda indesejada, o que provavelmente lhe teria poupado esforços e nova derrota política. A rigor, de um jeito ou de outro, não se precisava ter gasto um minuto com essa briga despropositada.

Este, infelizmente, não é o primeiro episódio a evidenciar o apreço pelas polêmicas inférteis e o desconhecimento da Constituição pela atual administração. Há cerca de um mês, no contexto da crise venezuelana, o deputado Rodrigo Maia precisou advertir Bolsonaro que a declaração de guerra depende de autorização congressual (CF/88, art. 49, II c/c art. 84, XIX), após tweet em que Bolsonaro afirmou que qualquer hipótese a esse respeito seria "decidida EXCLUSIVAMENTE pelo Presidente da República". [Assim mesmo, em letras garrafais].

Nos decretos sobre o porte e a posse de armas de fogo, o Planalto também demonstrou ignorar o escopo dos decretos regulamentares (CF/88, art. 84, IV), inovando na ordem jurídica, sem respaldo e mesmo em sentido oposto à Lei pretensamente regulamentada: o "Estatuto do Desarmamento" - alcunha que indica claramente o fim visado pela norma. Resultado: os dois decretos, publicados em 07 e 22 de maio, já foram taxados de inconstitucionais pela Consultoria Legislativa do Senado e são objeto de diversas ações diretas que serão apreciadas pelo Supremo.

Também recentemente, ao discursar sobre unidades de proteção ambiental em Angra dos Reis, o presidente, que já foi multado pelo Ibama na região (que agora pretende converter na "Cancún brasileira"), afirmou caber a ele próprio, mediante decreto, extinguir reservas ambientais. Outro erro do capitão. As unidades federais de proteção ao meio ambiente só podem ser alteradas ou suprimidas por Lei aprovada pelo Congresso Nacional (CF/88, art. 225, §1º, III).

Em outros setores da Esplanada, os erros se repetem. Emulando o jeito polemista do astrólogo Olavo de Carvalho, o atual ministro da Educação alardeou que três proeminentes universidades federais sofreriam "cortes orçamentários" em razão de "balbúrdia" e da realização de "eventos ridículos". O ato, tal qual originalmente anunciado, seria inconstitucional por afrontar o princípio da autonomia universitária (CF/88, art. 207), além de comprometido pelo vício do desvio de finalidade. Se por outro lado, como acabou ocorrendo, a mesma medida fosse proposta como contingenciamento orçamentário em razão da frustração de receitas previstas na Lei Orçamentária, ela seria não só lícita, como legalmente necessária; além de absolutamente corriqueira em qualquer governo, especialmente em tempos de agruras fiscais.

A questão fundamental é que essas "caneladas", como gosta de dizer o presidente, não criam apenas embaraços e inconvenientes jurídicos. Elas têm repercussões políticas severas e imediatas. O desatino do ministro Weintraub, por exemplo, resultou em massivos e capilarizados protestos de rua; de proporções que não se via desde 2013. O conjunto da obra tem feito a popularidade do presidente derreter: as pesquisas mais recentes já mostram que Bolsonaro é objeto de mais avaliações negativas do que positivas.

Os casos narrados bem ilustram que o atual governo não conhece nem as possibilidades nem os limites da Constituição, além de insistir em disputas ideológicas sem relevância para o país - ponto que pôde ser comprovado mesmo sem menção aos anedóticos Ernesto Araújo e Damares Alves.

A ignorância constitucional e as polêmicas sucessivas têm redundado num gasto, tão colossal quanto pueril, de energia governamental e de capital político - recursos escassos que deveriam estar canalizados, especialmente quando não se tem base parlamentar arregimentada nem habilidades de articulação extraordinárias, para o que realmente importa: aprovar as reformas com celeridade e governar com eficiência e responsabilidade.

Não faz sentido pacto entre os poderes - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 29/05

Cabe ao Executivo, Legislativo e Judiciário seguir a Carta e cuidar dos freios e contrapesos


A ideia de pacto para enfrentar situações difíceis exerce especial sedução sobre a política brasileira. Depois da ditadura militar, o primeiro presidente civil, José Sarney, lançou a proposta de amplo entendimento para reconstruir um país em crise, que rumava para a hiperinflação. Mas, como acontece depois de rupturas institucionais, foi eleita uma Constituinte e, esta, para o bem ou para o mal, estabeleceu as regras do resgate da democracia, e do convívio nela.

A inspiração era o Pacto de Moncloa, firmado em 77 na Espanha, pelo qual as forças políticas, sob o poder moderador do rei Juan Carlos, fizeram a travessia ordenada da longa ditadura franquista para a democracia, num regime de monarquia parlamentarista.

Foi uma trajetória acidentada, mas Moncloa serviu de bússola para o país se distanciar da ditadura de Franco e de uma guerra civil.

Nada a ver com o Brasil de hoje, em que volta a ser pronunciada a palavra pacto. Mais uma vez, há situações difíceis a enfrentar. A estagnação da economia e os 13 milhões de desempregados só serão superados se houver uma ampla reorganização do Estado e de suas finanças, o que começa por uma reforma da Previdência. A primeira de algumas outras. A crise atual sinaliza o esgotamento de um modelo de inspiração getulista, um capitalismo de Estado em frangalhos.

As mudanças, portanto, precisam ser profundas e urgentes. O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, diante dos desafios, lançou a proposta, que acaba de ser aceita por Jair Bolsonaro, que ontem foi o anfitrião de um café da amanhã com os presidentes do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre; da Câmara, Rodrigo Maia, e o ministro Dias Toffoli. Ensaia-se a mesma coreografia que Sarney executou com políticos há mais de três décadas.

Naquela época, todo o discurso sobre pacto virou nada. Deverá ocorrer o mesmo. O Brasil precisa tão somente que a Constituição seja cumprida, e as forças políticas aprovem as reformas, a começar pela previdenciária. Tudo dentro dos espaços delimitados pela Carta.

Também não cabe ao Judiciário assumir compromissos com os demais poderes. A Justiça é a guardiã da Constituição, ela não pode se envolver em entendimentos entre Executivo e Legislativo. Precisa se resguardar para julgar com independência demandas que lhe chegarão. E a reforma produzirá várias.

Judiciário e Legislativo se entenderem com o governo de turno reproduz situações dramáticas, como a ocorrida na Venezuela, em que o Supremo permitiu que Hugo Chávez convocasse um plebiscito ilegal, e, por meio dele, lançasse as fundações de uma ditadura nacional-populista que destruiu o país.

As reformas são estratégicas, mas nada vale o preço da ameaça à democracia representativa, e a seus freios e contrapesos.

Estatais no tapetão - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 29/05

STF precisa restabelecer logo segurança jurídica para ajustes e privatizações


Composto pela gigante estatal e suas subsidiárias, o grupo Petrobras contava 44 empresas em 2016. Ao final do ano passado, o número havia caído a 36, graças a um programa de desinvestimentos tido como fundamental para a recuperação financeira da companhia.

Quando o desinvestimento é chamado de privatização, porém, o processo de venda de ativos começa a correr riscos na Justiça.

Assim se viu, mais uma vez, na segunda-feira (27), quando uma liminar do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a venda da Transportadora Associada de Gás (TAG) pela Petrobras, realizada em abril por US$ 8,6 bilhões (mais de R$ 34 bilhões pelas cotações atuais).

Embora não fosse controlada diretamente pelo Tesouro Nacional, a TAG figurava entre as estatais federais por pertencer à petroleira. Por esse motivo, Fachin concluiu que o negócio depende de autorização do Legislativo e deve se dar por meio de licitação.

Trata-se de uma decisão monocrática a interferir numa operação de grande vulto, com impactos dramáticos sobre o balanço da empresa e, potencialmente, sobre os investimentos no setor. Pior, ela não se amparou em um entendimento consolidado no tribunal.

Foi somente em junho do ano passado que outro ministro do STF, Ricardo Lewandowski, proibiu por liminar privatizações, inclusive de subsidiárias, sem aval do Congresso e processo licitatório. O texto da medida, que falava em “vaga de desestatizações” e do risco de “prejuízos irreparáveis ao país”, mal disfarçava o tom ideológico.

Convém recordar que o Programa Nacional de Desestatização (PND) consta da legislação desde 1990. Foi reorganizado pela lei 9.491, de 1997, que autoriza a União a vender empresas sob seu controle direto e indireto e a conceder serviços à exploração privada.

O texto estabeleceu as exceções —Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, instituições de fomento regional e os setores de petróleo, exploração de gás natural e materiais nucleares. A TAG, como diz a sigla, é uma transportadora.

Menos mal que o Supremo tenha marcado para esta quinta-feira (30) um julgamento do tema pelo plenário. Que chegue a um entendimento racional e duradouro.

Em suas diferentes modalidades, a privatização se mostra um caminho promissor para enfrentar a crise orçamentária e viabilizar investimentos. Precisa-se de boa regulação setorial e segurança jurídica, a fim de evitar que cada passo venha a ser contestado no tapetão.