quarta-feira, maio 29, 2019

Previdência – o que o País precisa fazer - PAULO RABELLO DE CASTRO

O Estado de S.Paulo - 29/05

Se a proposta atual for aperfeiçoada, dá para fazer do limão amargo uma bela limonada

A reforma da Previdência é essencial para os brasileiros e ainda pode ser salva. Mas é forçoso reconhecer que o texto atual corre perigo. E por quê? A proposta tem objetivos corretos, mas enveredou por caminhos polêmicos na tentativa, algo quixotesca, de dar resposta única para problemas muito diversos. Os objetivos da reforma são: 

1) Garantir equilíbrio financeiro e mais segurança aos regimes geral e próprios, estes últimos sendo os dos servidores públicos, inclusive militares, e aquele - o regime geral – sendo o da maioria dos trabalhadores formais, vinculados à CLT;

2) tornar o sistema, como um todo, menos injusto, com menos exceções e privilégios.

Ninguém pode ser contra mais equilíbrio, mais segurança e mais justiça. Aliás, cerca de dois terços dos brasileiros pesquisados recentemente pelo Ibope apoiam uma reforma. Porém o índice de apoio cai muito quando os termos da proposta são conhecidos.

O diabo mora nos detalhes. Dada a enorme complexidade do tema, pouca gente o domina como deveria. Os parlamentares ouvem falar, as comissões no Congresso deverão decidir de afogadilho e o governo, a seu turno, só apresentou dados esparsos para respaldar o que propôs. O risco de se aprovar um encaminhamento equivocado é bastante grande. Isso seria um desastre, diante das já difíceis condições econômicas atuais. Na dúvida, o Congresso mostra relutância. Mas o impasse atual precisa ser vencido.

A proposta da PEC se complica em três aspectos centrais.

Primeiro, porque lida com modalidades diversas de seguridade social num único pacote, ao tratar do regime geral, gerido pelo INSS, mas incluindo a vertente assistencial, como os benefícios a não contribuintes (BPC) e a trabalhadores rurais (previdência com alto subsídio) e, ainda, ao dedicar muitas páginas da reforma aos regimes próprios dos servidores, no esforço de tornar o tratamento entre setores público e privado menos desigual.

Em segundo lugar, a proposta não atenta para aspecto que deveria ser caro aos economistas liberais, ou seja, o incentivo à adesão do trabalhador informal, que está fora de qualquer modalidade previdenciária. Embora o lema da reforma seja “paga menos quem ganha menos”, o fato é que todas as categorias de segurados perderão com a reforma. Isso precisa ser corrigido antes que, uma vez aprovado o texto, o Brasil se surpreenda com a evasão crescente de segurados e a frustração das metas de arrecadação de R$1,2 trilhão projetadas pela equipe econômica.

Terceiro, a proposta erra ao não buscar fora do sistema atual os recursos adicionais que poderiam cooperar com a mitigação do enorme déficit previdenciário.

Vamos analisar esses três aspectos sob a ótica de soluções práticas.

Dita o bom senso que problemas intrincados devem ser abordados por partes. Os regimes geral e próprios podem até praticar as mesmas alíquotas crescentes de contribuição, como propõe o governo, mas as demais características de cada regime devem ser respeitadas. O teto do regime geral fica em R$ 5.839, enquanto os regimes próprios abrigam aposentadorias que superam os R$ 30 mil. São realidades distintas. Deveriam ser tratadas com regras também diferenciadas. O déficit por segurado é muito mais elevado nos regimes próprios do que no geral. E, neles, os governos estaduais e municipais também precisam se mexer para oferecer sua parcela de colaboração na equação dos seus déficits.

Já o regime geral é de responsabilidade exclusiva da União. Assim como o regime próprio dos servidores federais também o é. Portanto, a reforma que está no Congresso deveria ter como foco principal as previdências sob gestão federal. E mesmo nestas deve se respeitar o caráter assistencial a certos públicos, como os que atestam pobreza absoluta (BPC) e os segurados rurais. Estes últimos precisam ter tratamento específico nos Orçamentos anuais da União, desonerando a conta atuarial daqueles contribuintes regulares do regime geral.

O outro esforço a ser feito é o de manter algum incentivo à adesão ao INSS, que hoje é quase nenhum. O texto atual propõe endurecer para quem está na base da pirâmide de rendimentos, fazendo o povão trabalhar até os 65 anos, naquela faixa em que a sobrevida é baixa após a tardia aposentadoria. Além de injusta, essa regra dura vai “espantar a freguesia”. De modo intuitivo, o povo faz contas. Acabará concluindo, apesar do ligeiro rebaixamento de alíquota na base, que sairá perdendo. E assim se afastará ainda mais da formalidade, frustrando a esperada arrecadação, além de agravar o panorama de profunda desigualdade social. Isso precisa ser corrigido com urgência.

Por fim, resta a espinhosa, mas importante, proposta de um novo sistema baseado em capitalização. A equipe de governo enveredou por propor um regime novo, mas somente no futuro. Parece ter-se esquecido do comando constitucional (artigos 201, 249 e 250 da Constituição federal) que já estabelece o objetivo de capitalizar o INSS e os regimes próprios de previdência. A proposta atual não lidou de modo prático com estes comandos legais. Preferiu acenar com uma Previdência baseada em contas individuais e capitalização apenas lá na frente. Mas o futuro é agora! Nada impede que o sistema de contas individuais comece já. E correndo em paralelo à capitalização gradual do regime geral, o INSS. Existe arcabouço legal disponível para tal.

Se a proposta atual for aperfeiçoada ainda na Comissão Especial, onde tramita, as chances aumentarão de ainda se fazer do limão amargo da reforma previdenciária uma bela e refrescante limonada, trazendo-nos de volta aquela sensação perdida de que o Brasil voltará a crescer com vigor e equidade.

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