domingo, agosto 14, 2011

J. R. GUZZO - Vida dura

Vida dura
J. R. GUZZO
REVISTA VEJA

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LYA LUFT - Felicidade

Felicidade
LYA LUFT
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JOÃO UBALDO RIBEIRO - Pater certus


Pater certus
JOÃO UBALDO RIBEIRO
O Estado de S.Paulo - 14/08/11

-De vez em quando, assim no meio do Dia dos Pais, você não lembra do teu, não?

- Lembro, lembro. Era tudo muito diferente. Acho que nem tinha Dia dos Pais como hoje, tinha?

- Acho que não, mas talvez tivesse alguma coisa com "o papai", tenho a leve impressão de que havia umas coisas com "o papai", uns jingles de rádio, anúncios no jornal, coisas assim. Mas lá em casa se usava somente "pai", ou então "meu pai", "papai" era considerado meio fresco. Assim como exclamar "oh!". Você ainda pegou o tempo em que exclamar "oh"era frescura?

- Peguei, peguei! "Ô" podia, mas "oh" não, não era exclamação de homem.

- E você tratava seu pai por "senhor"?

- Claro, o velho era português, não admitia intimidade. E as prioridades eram todas dele, não tinha essa avacalhação de hoje em dia. Por exemplo, quando tinha galinha, o sobre era dele, ninguém podia tascar, ele adorava o sobre.

- A mesma coisa lá em casa, lá era o pescoço. E o almoço sempre em família, na mesma hora, todo mundo de camisa, sem algazarra, sem muitas restrições ao que era servido e sem se meter em conversa de gente grande aonde não se era chamado.

- É, cara, nós somos uns dinossauros, uns fósseis, isso é o que nós somos.

- Ah, aí não, eu posso ter mais ou menos a tua idade cronológica, mas não somos da mesma faixa psicoetária, isso nunca!

- Faixa psicoetária?

- Isso é um neologismo que minha turma inventou para mostrar que o sujeito pode ter a mesma idade que outros, mas é mais moço. Ou mais velho, conforme o caso. No teu caso, bem mais velho. Eu sou um garotão, cara.

- Precisando de um bom espelho.

- Eu não preciso de espelho nenhum, eu vejo a realidade em torno de mim. É porque você só circula por aqui mesmo, neste estabelecimento que eu frequento somente por tradição e apenas no domingo e onde só tem velho mesmo, até o chope daqui é velho. Minha reputação fala por mim. Eu sou um cavalheiro de boa formação e não é do meu feitio sair por aí contando vantagem, mas você é meu amigo o suficiente para saber que, se eu não fosse um homem de boa situação, estaria com problemas financeiros, com todas as pensões alimentícias que tenho de pagar. E todas, naturalmente, para filhos de mulheres jovens, em idade fértil

- Quantas são? Seis, não é? Realmente, é muita pensão, tem que ter bala na agulha.

- Graças a Deus, eu sempre tive.

- Graças a Deus e a teu pai, que te deixou tudo e o tudo dele era tudo que não acabava mais e até hoje não acabou, mesmo na tua mão. Essas seis pensõezinhas devem fazer tanta falta quanto os jantares que você vive dando nesses restaurantes de mil reais a almôndega.

- Tu é grosso mesmo, tenho certeza de que não foi essa a educação que teu pai te deu. Mas é isso mesmo, eu posso pagar as pensões sem grilo nenhum. E não são nem mais seis, agora. Uma já venceu, agora são somente cinco. Quer dizer, por enquanto, he-he, nunca se sabe o que pode acontecer.

- É isso mesmo que eu ia dizer. Você não sabe o que pode acontecer. Você transa com essas mulheres todas sem camisinha?

- Ah, não é isso, cada caso é um caso. O primeiro foi sem camisinha direto mesmo. No dois seguintes, elas diziam que detestavam camisinha, que tomavam a pílula, etc., mas as pílulas falharam, aquilo falha muito. Nos dois seguintes a esses, parece que as camisinhas tinham defeito de fabricação. Se não fosse chato para mim, eu processava o fabricante. E esse sexto caso é muito recente, ainda não está completamente resolvido. Eu nunca vou deixar de ter esse problema, é meu temperamento lúbrico, fogoso, atirado, acho que isso atrai as mulheres, os homens de hoje não satisfazem as exigências delas.

- Você se lembra de um ditado romano que o Pachecão repetia na faculdade, quando discutia um caso de investigação de paternidade? Não lembra, não, mas eu lembro. Era "mater certa, pater semper incertus", lembra disso? Hoje isso não é mais correto, existe o teste do DNA. Pois é, eu fiquei sem jeito de perguntar assim de cara: você mandou fazer o teste do DNA com essas crianças todas?

- Não foi necessário, eram todos casos claros, tem um que é a minha cara, um dos dois da má qualidade da camisinha. Não, eu não tenho esse negócio comigo, eu sou até mais na base desse ditado que você lembrou aí, o do pater incertus. É isso mesmo, eu não ia pegar uma moça educada, de boa família e exigir dela que apresentasse prova de que o filho era meu. Além disso, quatro delas ou eram casadas na ocasião ou se casaram logo depois, eu sei que minha pensão contribui para a segurança delas, nestes casamentos de hoje em dia. Não, está tudo muito bem assim. Eu tenho meus cinco filhos menores e faço questão de pagar as pensões. E hoje ainda vou patrocinar o almoço de todos, costumo reunir esse povo todo de que posso ou não ser pai.

- Me diz aqui, os outros homens da família não te chamam de papai também?

- É, chamam. Como é que você adivinhou? É meu jeitão, não é?

HUMBERTO WERNECK - Ah, o linguajar do pessoal...


Ah, o linguajar do pessoal...
HUMBERTO WERNECK
O Estado de S.Paulo - 14/08/11

A Solange está muito decepcionada com a nossa classe política. Nada a ver com as maracutaias que congestionam o noticiário, para ela meras perversões consuetudinárias (acho que agora você reconheceu a minha prima que adora falar difícil) da vida pública brasileira. O que a decepciona - mais: o que a deixa fora de si, a pique de perder a tramontana, desejosa de ir dar às de vila-diogo - é a indigência do linguajar desse pessoal. Na semana passada, ela esperou, impaciente, pela posse do Celso Amorim no Ministério da Defesa, certa de que o discurso de Sua Excelência, diplomata e poliglota, viria cravejado de finas gemas da língua portuguesa. Mas o que se ouviu, avalia, foi uma fala pedestre; nenhum voo mais alto, digno de nossa Aeronáutica, ou qualquer arrancada impetuosa no mar encapelado da retórica, à altura dos feitos da Marinha brasileira; tudo rasteiro, compara a Solange, como o arrastado avanço da mais lerda Infantaria.

A prima se pergunta se o Amorim não seria vítima das más companhias, no caso a de Lula, cuja cultura, a seu ver escassamente mobiliada, impôs à nação oito anos de penúria vocabular, além de constrangedoras infrações gramaticais.

Pondero à Solange que o desempenho do pessoal com bom nível de escolaridade não tem sido muito melhor do que o de Lula. Ela concorda, quer dizer, anui, aquiesce - e até prodigaliza uma ilustração: a Dilma, que tem diploma universitário, não nos veio outro dia, para adjetivar o Brasil, com um "funhanhado"?

Fosse só a presidenta - que, afinal, ocupada com a militância clandestina, talvez não tenha podido frequentar amiúde o dicionário -, mas não: a Solange menciona o próprio Fernando Henrique, empencado de títulos e livros e ainda assim capaz de nos brindar com aquele deplorável "nhenhenhém". É curioso, comenta, que FHC, com muito mais bibliografia que seus adversários, em geral recorra menos a palavras rebuscadas do que eles. Verdade que certa vez sacou um "bazófia" para referir-se à fanfarrice de alguns opositores, mas seus uppercuts verbais típicos sempre estiveram mais na linha do tal "nhenhenhém" - expressão aliás aparentada, em sua nasalidade, com o "funhanhado" da Dilma. Vai ver que é por isso, arrisco eu, que a presidenta fez uns rapapés nos 80 anos do FHC.

Não é só por ser mineira que a Solange anda saudosa do Itamar. Mais exatamente, do topete retórico do finado presidente, sobretudo quando se eriçava para hostilizar o ex-ministro que o sucedeu no Planalto. "Anfótero!", invectivou ele, então governador de Minas, quando o presidente FHC desembarcou em seus domínios para visitar as vítimas de uma inundação. Não é descabido imaginar o ex-professor da USP numa subreptícia consulta ao dicionário para saber que seu antecessor se referia a quem reúna em si qualidades opostas. Quais, no caso? Itamar não esclareceu. Como não viesse troco, disparou mais um de seus letais pães de queijo vocabulares: "O presidente é um hotentote!" - e a nação foi assim apresentada a uma das tribos mais primitivas da África. Será que o Itamar embutiu no insulto uma alusão à autoproclamada mulatice de FHC - que, como se sabe, admitiu ter "um pé na cozinha" (e outro, acrescentou o jornalista Marcos Sá Corrêa, num elegante mocassim italiano)?

A turma que aí está, deplora a Solange, não engraxa as botas do Leonel Brizola, que desencavou um "contubérnio" - convivência, camaradagem, mas também mancebia, concubinato, amigação - para rotular o saco de gatos de uma aliança governista. Ou mesmo do Collor, que chamou o Ulysses Guimarães de "bonifrate", reles fantoche.

A Solange tem no coração e no gogó uma lista suprapartidária de políticos dados a esgrimir palavras. Nela sobressai Getúlio Vargas, que, adepto de uma oratória florida, embalada em voz tremelicante, meteu um "obstaculizar" na carta-testamento com que saiu da vida para entrar na História. E também Jânio Quadros, a quem se atribui o célebre "fi-lo porque qui-lo"; se de fato o disse, terá renunciado também ao bom Português, disciplina de que foi professor, já que o certo, ensina a Solange, é "fi-lo porque o quis". Autoridade para corrigir o Jânio não falta à prima, certeira no uso não só do fi-lo como do fê-lo. O que ela não usa, ao menos em público, é fá-lo.

MARCELO GLEISER - O futuro da corrida espacial

O futuro da corrida espacial
MARCELO GLEISER
FOLHA DE SP - 14/08/11 

Ficarmos presos na Terra, sem explorar o Universo pelas missões espaciais, é como negar o nosso destino


Eu tinha dez anos quando, no dia 20 de Julho de 1969, Neil Armstrong pousou na Lua e declarou: "Um pequeno passo para um homem, um salto gigante para a humanidade".
Suas palavras marcavam uma nova era da exploração espacial, semelhante ao que ocorrera aqui na Terra alguns séculos antes, quando estendemos nossa presença aos confins do nosso planeta.
Avançando para 2011, muita coisa mudou. Ainda não temos uma base lunar e, de fato, não pousamos mais na Lua há quase 40 anos. Voos espaciais tripulados são caros e, claro, arriscados.
Entretanto, nos EUA, o presidente Obama permanece firme em sua determinação de enviar humanos ao espaço, conforme afirmou em discurso feito em abril deste ano:
"Em 2025, teremos novos tipos de espaçonaves para enviar humanos ao espaço distante. Enviaremos astronautas até um asteroide. Até meados de 2030 acredito que humanos entrarão em órbita de Marte. Espero ainda estar por aqui para ver".
Para as pessoas da minha geração, missões tripuladas são inevitáveis. Ficarmos presos na Terra é negar o nosso destino. Não sei o que a geração mais nova pensa sobre o assunto. Mas tenho certeza de que muitos dirão que é hora de irmos em frente, de realizarmos sonhos novos. Mas que sonhos são esses?
Nos EUA, o interesse de muitos políticos na corrida espacial é financeiro: manter milhares de empregos abertos para o seu eleitorado. Juntamos a essa motivação o sonho de ir aonde nunca fomos, de explorar os confins do Cosmos, talvez até semeando a vida em novos mundos. Será essa a nossa missão? Espalhar vida inteligente galáxia afora?
Temos também os cientistas, que tendem a preferir missões robóticas mais baratas e em maior número, feitas para cobrir a pesquisa nas mais diversas áreas da astronomia, da astrofísica e da planetologia. Finalmente, temos a privatização da exploração espacial (hotéis e turismo espacial) e a possibilidade de que várias nações e grupos privados tenham interesses econômicos além da Terra, o que já ocorre.
Se quisermos maximizar a relação custo-benefício da exploração espacial, missões robóticas são mais eficientes. Mesmo que seja verdade que um astronauta em Marte teria feito o que as sondas Spirit e Opportunity fizeram em um tempo muito mais curto, a verdade é que não temos o dinheiro ou a tecnologia para enviar humanos até lá.
Não sabemos como nos proteger da radiação letal que existe no espaço nem como evitar o declínio dos músculos por lá. Precisamos de mecanismos de propulsão mais fortes.
Mais importante ainda: precisamos de uma organização internacional dedicada à exploração.
O futuro da exploração espacial tem de ir além das fronteiras e da propaganda patriótica que marcou a sua história até aqui. Ao deixarmos nosso planeta, o faremos como uma espécie e não como indivíduos de um ou outro país.

DANIEL PIZA - Brincando nos campos sem Senhor


Brincando nos campos sem Senhor
DANIEL PIZA
O Estado de S.Paulo - 14/08/11

Lá pela metade da excelente biografia de Schopenhauer, publicada agora pela Geração Editorial, o autor Rüdiger Safranski conta que o filósofo alemão escreveu no peitoril da janela de uma pousada em Rudolstadt, em 1813, um verso de Horácio: "Deve-se louvar uma casa que dá vista para os campos". Quarenta anos mais tarde, seus admiradores já peregrinavam até ali para conferir a inscrição, com Schopenhauer enfim famoso. Lendo a biografia numa casinha com vista para as colinas da Serra da Mantiqueira, em Gonçalves, me ocorreram alguns pensamentos: em como a leitura de poesia e filosofia foram importantes, mais até do que os próprios romances, para eu descobrir o prazer dos livros na adolescência; em como vivemos numa era tão acelerada, de cidades cada vez mais alheias ao tempo e às exigências da reflexão; e em como no século 19 as celebridades eram filósofos, escritores e compositores e agora são atores, cantores e atletas. Quem hoje peregrina para ver um verso anotado por um filósofo vivo no quarto onde escreveu sua obra-prima?

Ele tinha apenas 25 anos quando, isolado naqueles campos, encontrou a clareira intelectual de sua vida e começou a conceber O Mundo como Vontade e Representação. O trabalho de Safranski, muito mais que a cronologia de uma existência, é mostrar o alcance e a incompreensão que ainda persistem a respeito de Schopenhauer. Ele influenciou muito Nietzsche e Freud, o que significa que influenciou muito o pensamento modernista, assim como Machado de Assis e Kafka; mas ora é visto como um pessimista, desses que não acreditam na humanidade e no futuro, ora como um romântico, exaltador dos impulsos irracionais. Safranski faz excelente trabalho comparando suas ideias com as de Kant, Rousseau (estava mais perto de Kant do que de Rousseau) e dos idealistas da mesma geração, como Fichte e Hegel (que o tratou com condescendência, como Goethe), tudo sem perder o andamento narrativo - uma técnica para poucos.

Schopenhauer não apenas relativizou o papel da razão, que em Kant se converte em moral e em Hegel num poder, mostrando que o que define o ser humano é o fato de querer, de ser um corpo carente, submetido a intuições e impulsos contraditórios; mas também criticou os que dizem que "a gente não manda nos sentimentos" ou "paixões não se explicam" e acreditam na superioridade do coração sobre a cabeça, pois prezava acima de tudo o autoconhecimento e a consciência crítica. O que é mais moderno nele, e portanto raro de encontrar até hoje na maioria das pessoas, é essa noção de que as oposições são inconciliáveis, seja numa síntese ideológica seja numa transcendência religiosa - e o que nos cabe é viver com o mínimo de ilusões, cientes apenas de que "a essência da vida é a vontade de viver", na frase de Safranski. Dotados dessa vontade por natureza, devemos resistir à consequente inclinação de confundir desejo e realidade; devemos lutar para olhar além das aparências e das falsas novidades, escolhendo a cada instante entre desejos divergentes, em vez de seguir o caminho fácil da irresponsabilidade.

Para ele, a mente é ativa na percepção da realidade exterior, não um mero depósito de impressões, e por isso é preciso dar valor à imaginação, à empatia e à lógica, num ponto intermediário entre a arte e a ciência, no qual o prazer do conhecimento é fundamental. "A felicidade jamais foi considerada inoportuna", disse Schopenhauer, que em sua obra final, Parerga e Paralipomena, recusa o rótulo de pessimista ao observar que são as pessoas que acham que "Nosso Senhor fez tudo da maneira mais perfeita", duas frases que Safranski não cita. Por outro lado, consciente das dores e injustiças do mundo, que tanto vivenciou em suas relações pessoais, Schopenhauer também buscou na filosofia um consolo inatingível ao propor uma "libertação de todo o querer", uma "renúncia" quase ascética, que ele mesmo jamais atingiu - machista e irascível como era e incapaz de ver benefícios no progresso urbano.

Deitado na rede da varanda em Gonçalves, enquanto meus filhos brincavam nos gramados, terminei o livro com a sensação de prazer cumprido, para usar a expressão de Rubem Braga; louvei a vista e tomei o carro de volta para a vida de computadores, celulares e televisões, ao mesmo tempo menos iludido e mais sereno. O único pecado é não deixar a felicidade entrar e ficar.

Por que não me ufano (1). É amargamente divertido ver a presidente Dilma Rousseff sendo celebrada por sua "atitude" diante dos escândalos que, em apenas sete meses de governo, não param de se suceder. Além do caso Palocci, veio o do Ministério dos Transportes, loteado pelo Partido da República e no qual ela teria mandado fazer "faxina"; depois o da Agricultura, rachado entre PT e PMDB; mais recentemente o do Turismo, com ONGs contratadas no governo Lula, agora na alçada do mesmo PMDB. Lula, por sinal, mandou pegar leve com o partido de José Sarney e Michel Temer... Mas Dilma só reagiu, quando reagiu, ao ver que a imprensa tinha feito as revelações ou, no caso do Turismo, que a Polícia Federal tinha feito uma operação. Por iniciativa própria, que aliás era promessa de campanha, ela não fez nada. Pegar tudo isso para reforçar o suposto perfil técnico da presidente é, no mínimo, desonestidade intelectual. Tecnicamente, Dilma nem começou a governar.

Por que não me ufano (2). Analistas se esforçam para mostrar as diferenças entre a atual crise econômica e a de 2008, quando bancos quebraram em função da desregrada alavancagem de crédito e os governos tiveram de injetar dinheiro para superar a recessão. Mas, como muitos já alertaram na época, o processo nada tinha de "keynesiano" e esteve longe de representar "a volta do Estado" depois de duas décadas de "neoliberalismo", pois as máquinas públicas estão endividadas como nunca. Socorrer o mercado financeiro foi importante, mas as questões estruturais nunca foram realmente combatidas. Barack Obama, muito mais vítima do que vilão, tentou ir ao ponto, tanto cortando gastos como aumentando impostos, mas a força política dos republicanos do "Tea Party" o impediu, já que as crises econômicas costumam acalentar os discursos mais retrógrados. Na Europa, com exceção da Alemanha, os Estados não têm dinamismo e os sistemas produtivos não dão conta de gerar empregos, o que provoca ressentimento social e, no extremo, a cultura racista e revanchista de que se alimenta o terror.

O Brasil também não aprendeu as lições. É comum ouvir que temos reservas recordes, de US$ 350 bilhões, e que a crise é dos países desenvolvidos em face da ascensão da China e outros emergentes. Mas o Brasil depende demais das commodities, não por falta de aviso, e os cenários apontam que a subida dos preços do último decênio não tende a se repetir. Reformas não foram feitas, a taxa de investimento segue abaixo de 20%, a inflação leva à alta dos juros que leva à valorização do real. Como resultado, o PIB mal deve crescer 4%.

FERNANDO DE BARROS E SILVA - O descobrimento de Cabral

O descobrimento de Cabral
FERNANDO DE BARROS E SILVA
FOLHA DE SP - 14/08/11 

SÃO PAULO - Uma juíza que se notabilizou pelo combate ao crime organizado e à corrupção policial foi fuzilada em Niterói, na porta de casa, com 21 tiros. Pelas armas usadas, a participação de policiais na execução é muito provável.
Dois dias antes, a polícia do Rio abriu fogo contra um ônibus dominado por assaltantes, ferindo três passageiros, sem que nenhum tiro tivesse sido disparado de dentro para fora do veículo.
Em 48 horas, a realidade se impôs sobre a fantasia da cidade pacificada. A polícia que atua nas ruas é bem diferente da tropa de elite do cinema. E as UPPs de Sérgio Cabral parecem estar muito mais para Unidades de Propaganda Pacificadora.
Ninguém ignora que houve avanços reais no combate ao tráfico no Rio. Mas há um abismo entre a cidade renascida que o governador vende e o espetáculo rotineiro de violência disponível a quem não tiver os olhos embotados pela propaganda ou pela ficção oficial.
Cabral é um tipo falastrão e marqueteiro, que não se vale apenas do gogó. Seu governo, no primeiro mandato, elevou os gastos com publicidade em quase 40% em relação à gestão de Rosinha Garotinho.
Há pouco, o acidente de um helicóptero no litoral baiano trouxe por acaso ao conhecimento público as relações promíscuas entre o governador e empresários beneficiados com renúncias fiscais e obras do Estado. Flagrado no jatinho emprestado por Eike Batista, ao lado do empreiteiro Fernando Cavendish a caminho de uma festa privada, Cabral sugeriu a criação de um código de ética para disciplinar o que ele pode e o que não pode fazer com seus amiguinhos da grana. Uma demagogia oportunista com contornos até cômicos.
No seu código prático de conduta, Cabral pode chamar o menino favelado que lhe fazia uma reclamação de "otário" e dizer que os bombeiros rebelados são "vândalos irresponsáveis". Haja Unidade de Propaganda Pacificadora para dar conta de tanta realidade.

ELIANE CANTANHÊDE - Surge um nome de oposição

Surge um nome de oposição
ELIANE CANTANHÊDE 
FOLHA DE SP - 14/08/11 

BRASÍLIA - Passada a primeira semana da estridente e estabanada saída de Nelson Jobim do Ministério da Defesa, já é possível concluir: a oposição encontrou um endereço para chorar as mágoas.
Jobim está de "stand-by" para eventualidades, olhando e avaliando o cenário. Fernando Henrique Cardoso é, hoje, um pensador-provocador, José Serra está rompido com 25% do PPS, 50% do DEM e 75% do PSDB, e Aécio Neves ora cai do cavalo, ora cai no bafômetro. DEM e PPS não têm nomes.
Na avaliação corrente -até entre governistas, cá pra nós-, Jobim errou na forma, mas não no conteúdo. Foi deselegante, talvez agressivo, mas não disse nenhuma mentira. Ou, pelo menos, nada que não venha sendo dito à boca pequena. Há muitas dúvidas quanto ao governo Dilma e à própria Dilma.
Se ela ajustar bem o apoio popular, a sustentação política e as respostas à crise econômica, que se confundem, será a candidata do PT e do bloco governista em 2014. Do contrário, Lula está a postos. Quanto mais fraca Dilma, mais forte Lula -e vice-versa.
Para ter chance, a oposição torce para o tripé de Dilma balançar, mas não a ponto de dar a vaga a Lula. Não basta isso. É preciso unir forças e ter um bom nome, ou melhor, uma boa chapa.
Jobim abdicou do Supremo Tribunal Federal buscando uma brecha para disputar a Presidência ou a Vice-Presidência da República. Uma candidatura a senador não o atrai, muito menos a deputado, mas a presidente ou a vice continua tentadora.
O PMDB é um dos maiores, senão o maior partido do país, mas se pendurou em Fernando Henrique, depois em Lula e agora em Dilma. Pode cismar de assumir o protagonismo, dispensando intermediários, ou refazer a dobradinha com o PSDB, com Jobim na cabeça de chapa ou na vice de Aécio.
Se colar, colou. Se não, ele não tem mais nada a perder.

MAC MARGOLIS - A rodovia da discórdia


A rodovia da discórdia
MAC MARGOLIS
O Estado de S.Paulo - 14/08/11

Há duas décadas, indígenas bolivianos tomaram as ruas de La Paz e fizeram tremer os Andes. A "Marcha pelo Território e Dignidade", de 15 de agosto de 1990, escreveu um capítulo novo da empobrecida cordilheira, onde povos nativos amargaram séculos de irrelevância política.

Ninguém conhece melhor essa história do que Evo Morales, o jovem cocaleiro de ascendência indígena que deu voz aos ressentimentos e anseios populares para se tornar presidente, o primeiro que a Bolívia conhece de pedigree nativo. Agora, a história volta a mordê-lo.

Semana passada, enquanto Evo fazia visita oficial à China, líderes indígenas bolivianos uniram-se para declarar um "não definitivo" à construção de uma rodovia de mais de 300 quilômetros que cortaria o país, entre San Ignacio de Moxos, cidade no Estado do Beni, e Villa Tunari, em Cochabamba.

O governo Evo lançou o projeto para promover a integração nacional e dinamizar o comércio entre as terras baixas da Amazônia boliviana e os vales andinos. Contou ainda com a bênção do Brasil, que entrou com dois terços da fatura (US$ 322 milhões do BNDES) e a engenharia da construtora OAS, executora da obra.

A estrada faz todo sentido. Sem ela, a viagem terrestre entre o Beni e Cochabamba, dois Estados importantes bolivianos, leva dias. Mas a obra virou uma dor de cabeça continental. Pelo projeto, atravessará o Parque Nacional e Território Indígena Isiboro Sécure (Tipnis), uma área protegida de 1,1 milhão de hectares que abriga 13 mil indígenas moxeños, yurakarés e chimanes, entre outros.

Para os líderes das comunidades locais, a obra pode levar a uma "massiva colonização, depredação e saque dos recursos naturais", nas palavras de Adolfo Moye, porta-voz dos povos do Tipnis.

Um exagero, talvez. No entanto, Moye sabe muito bem o peso da retórica. Foi assim que Evo conquistou seus pares - os mesmos que hoje fundamentam sua rejeição absoluta à obra com base na atual Constituição boliviana, reeditada em 2009 ao sabor indigenista do próprio Evo. Milhares de indígenas iniciam amanhã uma nova marcha, no 21.º aniversario da original, rumo a La Paz, para impedir o "desastre anunciado".

Proteção do território. Não é uma preocupação tola. O Tipnis é um campo minado, palco de conflitos desde os anos 70, quando colonos das terras altas avançaram sobre a reserva para semear suas lavouras, especialmente a coca.

Os índios reagiram e um colono morreu em 2009. O governo respondeu, erradicou plantações de coca e ainda riscou uma imaginária "linha vermelha" na floresta para apartar os índios dos cocaleiros. Mas, assim como a barreira de faltas no futebol, fronteiras na floresta também andam e a invasão do parque virou fato consumado. Com a estrada, a encrenca pode piorar.

Aí está a encruzilhada de Evo. O líder, com um pé na etnia aimara, prometeu usar suas credenciais autênticas para redimir meio milênio de mazelas indígenas. Ao mesmo tempo, acenou para os plantadores de coca, matéria prima da cocaína, cuja produção deu um salto na gestão do presidente. De quebra, Evo ainda se enrolou na bandeira ambiental, com chancela das Nações Unidas, que, em 2009, o batizou de "Herói Mundial da Mãe Terra".

Agora, o feitiço volta contra o feiticeiro. Indigenista, cocaleiro e ambientalista, Evo se vê imprensado entre lobbies e discursos. Por ora, quem perde são os aliados nativos. A estrada sai, "queiram ou não", declarou o líder boliviano.

Há controvérsias. Segundo reportagens, o embaixador do Brasil em La Paz já esclareceu que o crédito para a obra só será liberado com a conclusão de todos os estudos de impacto ambiental da estrada.

O conflito é localizado, mas já faz eco na América Latina, onde outros companheiros de bolivarianismo enfrentam fogo amigo na sua marcha para o "socialismo do século 21". Na Venezuela e na Nicarágua, centrais sindicais e universitários saem cada vez mais às ruas para reivindicar seus direitos perdidos e para protestar contra os desvios dos regimes - que, por sua vez, respondem à nova dissidência com cassetete.

Líderes indígenas no Equador, que se manifestam contra estradas rurais e prospecção de petróleo, são tachados de sabotadores e "terroristas" pelo governo do presidente Rafael Correa, que se elegeu campeão da causa nativa. Não é um problema ideológico ou de filosofia política. O problema é de governança disfuncional. Os líderes que subiram ao poder batendo o tambor dos excluídos, insuflaram demandas que não conseguem mais administrar. Que aguentem agora o próprio ruído.

AGRICULTURA NO LIXO - REVISTA VEJA

AGRICULTURA NO LIXO 
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A BASE DOS LADRÕES


DANUZA LEÃO - A Bolsa ou a vida

A Bolsa ou a vida
DANUZA LEÃO
FOLHA DE SP - 14/08/11 

As pessoas estão andando ou correndo, bonitas, saudáveis, queimadas de sol. Mas e a crise? Esqueça


SE VOCÊ MORA NO RIO, costuma ler os cadernos de finanças e tem um dinheirinho aplicado, deve estar pensando em qual a solução mais prática: se cortar os pulsos ou atear fogo às vestes. Uma sugestão: vista um short, ponha um tênis e, diante de tanta falta de futuro, vá dar uma voltinha na praia.
A cidade anda linda; nos últimos dias o ar tem estado puro, o céu azul, a temperatura perfeita, o mar em tons de azul e verde escuro, diferentes a cada dia, numa combinação de tons que nenhum pintor conseguiria fazer nem parecido. Ah, Deus tem muito bom gosto e estava particularmente inspirado quando criou o Rio.
Olhe as pessoas; elas estão andando ou correndo, bonitas, saudáveis, queimadas de sol. Mas e a crise, e as Bolsas? Esqueça; tente, pelo menos por umas horas.
Segundo os que entendem, os pobres estão mal, os ricos péssimos, e a situação pode piorar; é preciso começar a sofrer urgentemente.
Já que os economistas sabem tanto, poderiam nos dar alguma orientação; afinal, devemos sair comprando ou, ao contrário, não comprar nada? Mas não: eles se limitam a nos prevenir, para que se fique com os nervos à flor da pele, sem conseguir sorrir uma vez que seja, durante o dia. É preciso que se fique sério, sombrio, sisudo, para mostrar que participamos das desgraças que não vão poupar ninguém.
Enquanto isso, um monte de gente continua fazendo alongamento, andando e correndo, mas, segundo a cartilha da crise, estão fugindo da realidade. Tudo vale se o resultado for péssimo, e você começa a acreditar que trata-se de um bando de neuróticos alienados. Não é isso: eles estão apenas respirando, enquanto podem.
Aí você passa por um quiosque e vê um homem não tão jovem, mas também não um aposentado. Ele está sentado, sozinho, sem camisa, tomando sol, e o mais grave: de olhos fechados.
Vamos refletir: é verdade que em situações do mais profundo estresse algumas pessoas são capazes de delírios, tipo conversar e sorrir, até de fazer planos para uma futura viagem a Paris.
Ah, de que não são capazes as pessoas para fugir da realidade e se baratinar, sonhar com coisas que nunca vão acontecer.
Mas o homem que está tomando sol de olhos fechados é diferente; pense nos séculos que você passou na praia, quando era uma adolescente, antes dos 25.
Nesse tempo você fazia como ele, pois não tinha nenhum problema. Mas depois, quando eles foram chegando, bem discretamente -dava para fechar os olhos e ficar tomando sol? Claro que não.
Quem tiver que ir ao banco já fica impedido de pensar em qualquer coisa agradável, e ver alguém instalado num quiosque, bebendo um coco gelado no canudinho, sentindo o prazer do sol esquentando a pele, não é grave: é gravíssimo.
Mas isso acontece na praia inteira, do Leme ao Recreio. Não é preciso conhecer filosofia para saber que essas pessoas são, ou estão, felizes, mesmo com a crise. Ou serão apenas irresponsáveis?
Olhe bem para eles: nem uma só ruga na testa, nem um só traço de ansiedade no rosto, e quando encontram um amigo não falam sobre as Bolsas -falam de mulher. Detalhe: isso, às 10h da manhã de uma quinta-feira.
Quando passar por um desses homens felizes, dê um oi, assim, pra nada. Ele vai responder com outro oi, você vai continuar andando.
Andando e pensando: a Bolsa ou a vida? Ora, a vida, claro.

JOSÉ SIMÃO - Ueba! Pai do ano é o Pailocci!

Ueba! Pai do ano é o Pailocci!
JOSÉ SIMÃO
folha de sp - 14/08/11 

E esta: "Mantega pede ajuda dos três Poderes para enfrentar crise". Pai, Filhoe Espírito Santo. Rarará!


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Hoje é dia deles! Dia dos Pais! E o melhor presente pro pai é aquela minivan chinesa: Chana com ar-condicionado! Cuidado pro pai não pegar gripe. E um pai falou: a minha eu quero com teto solar e farol aceso! Rarará! E diz que pai só serve pra duas coisas: emprestar o carro e pagar pensão!
E o pai do ano é o PAILOCCI! Um verdadeiro pai. Pra ele! Quero minha mesada multiplicada por 20! Mas o pai do ano é o jornalista esportivo argentino Walter Rotundo. Que batizou as duas filhas gêmeas de: Mara e Dona! Rarará! Isso é coisa que se faça com as filhas?
Pai de hoje é bem diferente do pai da gente. Pai moderno faz café da manhã, lava a louça e sente dor do parto. Pai moderno usa brinco e depila o peito! O Woody Allen falou que não quer ter mais filhos porque eles crescem e matam a gente.
E esta: "Mantega pede ajuda dos três Poderes para enfrentar crise internacional". Pai, Filho e Espírito Santo. Rarará! E esta piada pronta: "Ex-detentos erguerão o Itaquerão, estádio do Corinthians". Tão chamando de Mutirão da Casa Própria. Minha Casa Minha Vida!
E a crise americana? A CRAISE! A craise tá crazy! Buraco Obama! Na compra de uma passagem pela American Airlines ganhe greencard para toda a família. Comerciantes da 25 de Março querem comprar Miami. Galeria Pajé abrirá filial em Nova York. Ronald McDonald abre barraca de pastel na feira do Brás. O Ronald McDonald vem vender pastel na feira! Americanos fogem pra Cuba! Deram ré na balsa. Americanos tentam entrar como clandestinos em Governador Valadares. E eu pedi um americano na padoca e já veio sem ovo!
E placa no portão da Casa Branca: "Alugo quartos para estudantes, solteiros, republicanos, mexicanos e corintianos". A crise tá braba mesmo: alugar quarto pra corintiano! Rarará! E a queda das Bolsas. Contanto que não caia a minha Vuitton! E como disse uma amiga minha: "Com a queda das Bolsas, melhor investir em sapatos". Rarará!
Trilha sonora da Bolsa de Nova York: TUM! É a Bolsa caindo. TUM! TUM! TUM! Três acionistas desmaiando! E a declaração do Obama: "Nós somos e sempre seremos um país AAA". E o Éramos6: AAATCHIM! O Obama gripou.
Gripou e engripou. Nóis sofre, mas nóis goza!

UGO GIORGETTI - Lições da Europa


Lições da Europa
UGO GIORGETTI
O Estado de S.Paulo - 14/08/11

Alguma coisa me soava estranha. Parece que os torcedores do Real Madrid andavam furiosos com nosso Neymar. Aparentemente não conseguiram engolir certas declarações do santista louvando o Barcelona e isso se transformou num caso muito sério. Se o presidente e diretores do clube espanhol se deram ao trabalho de armar uma verdadeira operação de guerra para evitar novas declarações de Neymar é porque os protestos dos torcedores quase fazem lembrar Londres de alguns dias atrás.

Uma comitiva de paz está reunida em Madri para ajudar. Todos entendem o grave momento e cerram fileiras. O Real Madrid oferece R$ 100 milhões pelo goleador santista, mas ainda não se sente seguro. Teme talvez que o Barça cubra a oferta, animado pela suposta simpatia de Neymar. É possível que até aumente a oferta.

Sempre achei que o futebol tinha total vinculação com a realidade e que ele espelha sempre a sociedade da qual é parte. Mas às vezes duvido disso. De vez em quando o futebol parece deliberadamente desligado do que acontece no mundo e vive numa irrealidade só dele, numa espécie de bolha afetada por nada. Porque essas cifras e esses protestos de torcedores vêm do mesmo país em que as viúvas viram cortados parte dos benefícios sociais a que tinham direito, que reduziu a compra de remédios distribuídos pelo Estado em 2,5 bilhões, que aterrorizado pelo índice de desemprego que chegou a 21% foi autorizado pela União Europeia a fechar suas fronteiras a imigrantes romenos.

Aqueles torcedores que indignados protestavam pelas declarações de Neymar talvez devessem reservar um pouco de suas energias para protestar por outras coisas. Por exemplo, o aumento de 50% nas tarifas do metrô. Eis que, quando pensava nessa esquizofrênica divisão entre futebol e realidade, aparece uma outra notícia que coloca as coisas no seu devido lugar. Como eu sempre acreditei, o futebol é parte da sociedade e reflete os momentos que ela atravessa: os jogadores espanhóis entraram em greve e o Campeonato Espanhol começa sem jogos. Agora sim o futebol se ajusta ao país e sua crise é uma só.

E leio que a greve é por falta de recebimento de salários. Inúmeros clubes que formam a liga espanhola estão falidos e há jogadores que não recebem desde maio. Vi pela televisão a reunião em que os jogadores decidiram pela greve. Para minha surpresa na sala, por sinal lotada, havia vários campeões do mundo que jogam no Real e no Barça, clubes que mantêm os salários em dia. Casillas, Puyol, etc, estavam lá em solidariedade aos companheiros e como membros do sindicato dos jogadores profissionais. Emprestavam seu prestígio e sua força aos outros.

A cena me causou impressão porque reuniões sindicais no universo futebolístico brasileiro são raras. Nem sei se ainda existe algum sindicato de atletas profissionais. O que tenho certeza é que a maioria dos profissionais de futebol no Brasil vive muito mal, muitas vezes não são pagos, e nem assim fazem parte de sindicatos. Isso para não falar em jogadores famosos. O único jogador realmente famoso ligado ao sindicato, que eu me lembre, foi o Leão que cansou de pedir a companheiros igualmente renomados que se juntassem ao sindicato. Inutilmente. Nunca conseguiu a adesão que precisava.

Acho que esse é um ponto em que a vida na Espanha pode ser enriquecedora para Neymar. Não creio que seu futebol melhore ainda mais na Europa, mas seu senso de cidadania talvez. Uma experiência na Europa pode ser muito útil a um jogador atento à vida que se passa ao seu redor. Sei que é raro, sei que é difícil. Ainda não vi ninguém voltar de lá modificado, tendo outras preocupações que não seu bem imediato. Já ouvi, no entanto, algumas declarações que mostram como a Europa marcou certos jogadores, como se sentiram finalmente fazendo parte de uma coletividade de jogadores.

Está tudo à disposição de quem quer ver. Se Neymar for mesmo para a Espanha vai ter oportunidade de acompanhar as ações de jogadores como Casillas, Pujol e Xabi Alonso, quando se trata de enfrentar uma crise. Tomara que alguma coisa fique.

ILIMAR FRANCO - Quem dá mais


Quem dá mais 
ILIMAR FRANCO
O GLOBO - 14/08/11

As empreiteiras estão em pé de guerra por causa das obras de mobilidade urbana para a Copa. Em dois estados, Bahia e Mato Grosso, os governadores abandonaram os planos iniciais (tecnologia BRT) e optaram por projetos mais caros (metrô em Salvador e VLT em Cuiabá) e que deixarão um menor legado para a população. Os governadores, estimulados pelos fundos de pensão, como a Previ, a Funcef e a Petros, fizeram a mudança contrariando orientação da presidente Dilma.

Participação dos eleitores nas decisões
Os movimentos sociais entregam terça-feira, na Câmara, projeto de lei, de iniciativa popular, para a reforma política. O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, autor da Lei da Ficha Limpa, participa da iniciativa. A principal inovação da proposta é que ela
pretende ampliar a participação direta da população nas decisões do país. O texto prevê a realização de plebiscitos e referendos para que o governo possa assinar acordos internacionais de livre comércio, fazer concessões de serviços públicos, vender empresas estatais e conceder reajuste salarial para parlamentares, para o presidente e os ministros do STF.

"Nada é pior do que, num casamento, a mulher o tempo inteiro querendo agradar ao marido e ele só maltratando” — Lincoln Portela, deputado (MG) e líder do PR, reclamando da relação com o governo Dilma

O LÍDER DO GOVERNO DA ALA DOS INDEPENDENTES. Depois de subir à tribuna para defender a presidente Dilma, o senador Pedro Simon (PMDB-RS), na foto, quer que a sessão de amanhã no Senado seja de solidariedade às ações contra a corrupção. Já teriam confirmado presença Cristovam Buarque (PDT-DF), Ana Amélia (PP-RS), Paulo Paim (PT-RS), Marcelo Crivella (PR-RJ), Pedro Taques (PDT-MT), Wilson Santiago (PMDB-PB), Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR) e Eduardo Braga (PMDB-AM).

Tem mais
O presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), quer que o Ministério Público faça uma ampla investigação na execução das emendas ao orçamento do Ministério do Turismo destinadas a financiar shows, festas e festivais.

Diferentes
Petistas avaliam que não dá para o ex-presidente Lula impor o nome de Fernando Haddad para a prefeitura paulistana como fez com Dilma. Lembram que ela era do núcleo central do governo, enquanto Haddad não tem militância na cidade.

Cuspindo fogo
O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) estava cuspindo fogo na quarta-feira porque, a pedido do MEC, foi retirado da pauta da Comissão de Educação da Câmara projeto de lei, de sua autoria, que inclui a participação dos pais em reuniões escolares como condição adicional para receber o Bolsa Família. “O MEC fazer isso é inacreditável. Ainda bem que o Lula vai levar o Haddad para São Paulo”, reclamou Cristovam.

Pendurada

A negociação sobre a nova lei de royalties está congelada. Não houve mais qualquer avanço desde que o governo do Rio propôs que a União tirasse de sua fatia a compensação para os não produtores. A tese não agrada ao Planalto.

Linha de apoioSenadores e deputados de vários partidos visitaram, semana passada, a Controladoria da República, a Procuradoria Geral da República, o TCU e a Polícia Federal. “Fomos pedir rigor contra a corrupção”, conta Chico Alencar (PSOL-RJ).

A AGENDA da ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais) tem um lembrete com os aniversários de deputados e senadores. A primeira coisa que ela faz de manhã é ligar para os aniversariantes.
 O DEPUTADO Alessandro Molon (PT-RJ) vai comandar a subcomissão de Crimes e Penas, da CCJ da Câmara, cuja tarefa é atualizar o CódigoPenal.
● DA PRESIDENTE Dilma Rousseff, ao pedir o apoio do Congresso, na reunião do Conselho Político, para enfrentar a crise econômica internacional: "Não podemos jogar dinheiro pela janela".

GAUDÊNCIO TORQUATO - Equilíbrio em zigue-zague


Equilíbrio em zigue-zague
GAUDÊNCIO TORQUATO
O Estado de S.Paulo - 14/08/11

A crise crônica que afeta a democracia representativa, aqui e alhures, cujas causas derivam de promessas não cumpridas, entre as quais Norberto Bobbio inclui a educação para a cidadania, a justiça para todos e a eliminação das máfias do poder invisível, tem mudado a geometria política. A linha reta já não é o caminho mais seguro para chegar ao poder. Outrora disputantes subiam, passo a passo, os degraus da hierarquia política: vereador, prefeito, deputado estadual, deputado federal, senador, governador. Hoje a movimentação é circular, não mais retilínea. A escalada é em espiral. Para galgar à Presidência da República não é preciso ter percorrido antes um milímetro sequer na rota das urnas. Os participantes da mesa do poder já não vestem a fatiota clássica da política, podem se apresentar em trajes da burocracia administrativa e dos negócios. A mudança também ocorre na esfera da administração pública, onde a previsibilidade, que propiciava segurança aos governantes para traçar planos de médio e longo prazos, abre lugar ao imponderável. De exceção, a rotatividade nos comandos vira rotina. A instabilidade, como febre recalcitrante, recai sobre os ciclos governativos.

Desse painel desponta uma hipótese que assume força na política contemporânea: o ponto de ruptura aproxima-se do limite. Regimes e estruturas administrativas vivem em permanente estado de tensão, fruto de composições para preservar a governabilidade. Acirra-se, por outro lado, a competitividade entre os atores políticos, como se vê nos EUA, nessa luta esganiçada entre os Partidos Republicano e Democrata, instados a estabelecer polêmico acordo para elevar o teto da dívida do governo. Entre nós, o ponto de quebra também está no centro da agenda política. Em pouco mais de sete meses de governo, quatro movimentos balançaram a ponte por onde circulam as cargas de interesses do Executivo para o Legislativo e vice-versa: o impacto da borrasca que fez naufragar o ex-ministro da Casa Civil Antônio Palocci, as águas tempestuosas que engolfaram o ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento, o oceano agitado que invadiu o Ministério da Agricultura e o estouro recente nos dutos do Ministério do Turismo. As sístoles no corpo administrativo, vale lembrar, são mazelas naturais do presidencialismo de coalizão. Poderiam ser tratadas de modo a não ameaçar a governabilidade? Sem dúvida. Esse é o maior desafio imediato que se apresenta ao governo Dilma, no momento em que se projeta por estas plagas o impacto de nova crise financeira internacional.

O equilíbrio do sistema político, é sabido, depende de um conjunto de fatores. O primeiro abriga o raio de ação e a frequência dos choques que se impõem ao governo. Uns são mais impactantes que outros. O mensalão, por exemplo, foi um petardo de efeitos drásticos. A repetição de eventos negativos também contribui para aumentar a instabilidade. A queda de avaliação positiva do governo Dilma tem que ver com a sucessão de casos. Outro elemento que influi no equilíbrio/desequilíbrio do processo governativo é o tempo e a capacidade de reação às crises: quanto mais tempestivas são as providências, mais rápido o governo resgata as boas condições de governabilidade. A recíproca é verdadeira. O terceiro peso na balança da imagem do Executivo é o lucro auferido com a qualidade das respostas. A troca de políticos por técnicos insere-se nessa equação. Mas pode causar sequelas. A limpeza que a presidente mandou fazer em órgãos do governo aparece como saldo positivo. O perigo está no tamanho e na forma de fazer a faxina. Pois a assepsia administrativa, que gera simpatia social, há de se ajustar às demandas do presidencialismo de coalizão, sob pena de romper o equilíbrio entre o Executivo e suas bases. Significa que as demandas de parlamentares para liberação de verbas do Orçamento, por eles destinadas a projetos em seus redutos eleitorais, esperam sinal verde de Dilma. O tenso momento que abala a economia norte-americana e a europeia sugere cautela. A era do dinheiro num saco sem fundo parece ter chegado ao fim.

Em suma, tibieza e leniência deixam o governo em maus lençóis. Medidas rápidas e objetivas são aplaudidas. O desafio dos gestores centrais é encontrar a medida do bom senso. Métodos violentos e abusivos, se caem bem aos olhos das massas, abrem fissuras nos partidos dos figurantes dos processos. A Operação Voucher, na área do Ministério do Turismo, que resultou na detenção de 35 pessoas, resgata os sinais do Estado-espetáculo, com flagrantes de prisões e desfile de figuras algemadas. (A Corte Suprema definira o uso de algemas apenas em casos de risco de fuga ou quando os detidos resistem à prisão.) Os dois maiores partidos da base, PMDB e PT, criticam os abusos. Lembre-se que nos últimos tempos figuras de alto coturno foram levadas às barras da Justiça. Louvável esforço pela promoção da cidadania. Mas o salto civilizatório não pode ser manchado por gestos que comprometam o escopo de respeito e civilidade. Haveria por trás do espalhafato intenção de ressuscitar as bombásticas operações da Polícia Federal que funcionaram como alavanca de imagem positiva do ciclo Lula? É pouco provável. Cada governo tem sua identidade. À do governo Dilma o teor técnico dá o tom. Diferente da régua populista que media os gestos de seu antecessor.

O fato é que as crises intermitentes relacionadas a denúncias de corrupção deixam o governo Dilma entre a cruz e a caldeirinha. O aperto dos parafusos da engrenagem, de um lado, faz bem à máquina burocrática, podendo até elevar os índices de eficiência e produtividade; de outro, comprime e até extingue espaços dos parceiros, os partidos que dão sustentação ao governo. O dilema está posto: como continuar a varredura moral nas estruturas da administração sem criar embaraços à aliança governista? É possível fazer essa omelete sem quebrar os ovos? Como garantir equilíbrio numa política que caminha em zigue-zague?

JOÃO BOSCO RABELLO - Governo sabia da operação


Governo sabia da operação
JOÃO BOSCO RABELLO
O Estado de S.Paulo - 14/08/11

A avaliação mais pertinente entre as tantas produzidas na sexta-feira sobre a Operação Voucher, que levou à prisão a cúpula do Ministério do Turismo, dá por ingênua a hipótese de o governo desconhecê-la previamente. Pelo raciocínio, não é mera coincidência a simultaneidade entre a pressão da base pela liberação de emendas parlamentares e a operação policial que as exibiu como instrumento de corrupção política.

O beneficiário óbvio da ação policial é o governo, que assumiu publicamente a resistência à chantagem habitual do Congresso, no chamado modelo presidencialista de coalizão. Se lutam tanto por emendas, que se mostre o que fazem com elas - é o recado que fica da operação da PF no Turismo.

Lição que assusta não só a base aliada, mas todos os partidos, já que a prática de utilização de ONGs de fachada para fazer caixa-dois não se restringe à deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP). Por isso, a proposta de uma CPI das ONGs jamais prosperou.

A falha da estratégia ficou por conta dos excessos da Polícia Federal, aparentemente planejados para demonstrar a insatisfação da corporação com os cortes no seu orçamento.

Por isso o governo se apressou em fazer a necessária distinção entre o mérito da operação e os abusos cometidos, após a reação de indignação geral com a exibição dos presos algemados e, posteriormente, nus da cintura para cima, em fotos vazadas para a imprensa.

A coreografia da indignação ensaiada pelo Planalto com o Ministério da Justiça, porém, soou apenas protocolar à base, desconfiada de que novas operações estão em curso para fragilizá-la mais.

Conta outra...

Na condição de ex-ocupantes do Planalto, os senadores Fernando Collor (PTB-AL) e José Sarney (PMDB-AP) foram consultados por colegas sobre a possibilidade de a presidente da República não ter conhecimento prévio de uma operação policial do porte da realizada no Ministério do Turismo. Segundo testemunhas, ambos deram a mesma resposta: "Impossível". Foi essa mesma convicção que levou Sarney a romper com o ex-presidente Fernando Henrique, a quem credita até hoje a operação da PF que sepultou a candidatura presidencial da filha, Roseana, em 2002, na famosa batida na empresa Lunus, que flagrou R$ 1 milhão em espécie atribuído a caixa-dois da campanha.

Recorde

O Amapá é recordista em operações da Polícia Federal. De 2005 até hoje foi alvo de 39 operações, com 309 presos, nenhum condenado. É também o Estado com o maior número de autoridades presas: dois ex-governadores - Waldez Góes e Pedro Paulo Dias - e o ex-prefeito da Capital,Roberto Góes. E agora, mais a deputada federal Fátima Pelaes (PMDB) Fogo cruzado

No depoimento que fará depois de amanhã no Senado, o ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, sentará diante de dois PRs: um, hostil, representado pela ala ligada ao ex-ministro Alfredo Nascimento, que o considera um "traidor" e quer desfiliá-lo; outro, que tentará blindá-lo, liderado pelo vice-líder Clésio Andrade (MG), que apoiou sua escolha para suceder Nascimento. Clésio tem boa relação com Passos e bom trânsito no Planalto.

CPMF de Dilma

O governo tem apenas quatro meses para aprovar a renovação da DRU (Desvinculação das Receitas da União), essencial ao Planalto por dar livre uso a 20% do Orçamento.

Com a base em obstrução e dois turnos de votação no Congresso, o risco está sendo comparado ao da CPMF no governo Lula, que acabou rejeitada em derrota jamais perdoada pelo ex-presidente.

CELSO MING - Ajuste longo e doloroso


Ajuste longo e doloroso
CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 14/08/11

A partir do aviso do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) de que pelo menos até meados de 2013 não haverá condições de puxar para cima os juros, que hoje rastejam entre zero e 0,25% ao ano, não dá para contar com a recuperação da atividade econômica antes disso. Ao contrário, a crise global, que já tem cinco anos, tende a se aprofundar e os ajustes levarão mais tempo do que se previa.

Uma das razões que apontam para o agravamento da crise é o enorme endividamento dos países ricos. É uma situação que exige mais sacrifício e mais disciplina fiscal. Esse é outro nome para corte de despesas públicas, redução de salários e aposentadorias e elevação de impostos. O principal resultado é paradeira produtiva, desemprego e quebra da capacidade de intervenção na economia com instrumentos fiscais (investimentos públicos e aumento das despesas dos governos).

Esse quadro tende a exigir mais ação dos bancos centrais, como esta Coluna tem enfatizado. No seu último comunicado, além de manter os juros no chão, o Fed avisou que pode acionar ferramentas monetárias à sua disposição. A mais óbvia delas é o que o presidente do Fed, Ben Bernanke, chama de afrouxamento quantitativo, ou seja, a operação de recompra de títulos do Tesouro americano no mercado secundário com moeda emitida, supostamente para lubrificar o crédito, os negócios e a criação de empregos.

Se uma terceira rodada dessa operação for acionada (as duas primeiras alcançaram US$ 900 bilhões), o Fed estará admitindo implicitamente que uma certa dose de inflação fará parte dos mecanismos de ajuste, como tem recomendado o professor Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional.

A recompra de títulos de países da área do euro pelo Banco Central Europeu (BCE) mostra que essa operação está acontecendo também na Europa, com outro nome e volume ainda mais baixos.

O despejo de moeda emitida nos mercados pelos países ricos equivale a transferir um grande pedaço do ajuste para o resto do mundo. Se essas políticas de frouxidão monetária forem reforçadas, o efeito imediato serão novas avalanches de moeda estrangeira, que tomarão o rumo do Japão, da Suíça e dos países emergentes - especialmente do Brasil - e derrubarão as cotações do câmbio, ou seja, provocarão valorização da própria moeda.

Se isso acontecer, ficará mais difícil impedir a perda de competitividade do produto brasileiro, tanto no mercado interno como no externo. Esta será uma razão adicional para que o governo brasileiro repense sua política cambial. Não poderá conter o afluxo de moeda estrangeira apenas com balde e rodinho.

Provavelmente, não poderá mais manter o câmbio flutuante com o atual nível de intervenção. Terá de intervir muito mais. Nesse caso, toda a armação da política econômica tal como a conhecemos, composta pelo sistema de metas de inflação, câmbio flutuante e formação de superávit primário, terá de ser reequacionada, ainda que temporariamente.

A China já adota uma política cambial que neutraliza as oscilações do dólar sobre sua economia. Se o Japão, a Suíça, o Brasil e outros emergentes se defenderem eficazmente contra essas catadupas de moeda estrangeira, o próprio ajuste dos países ricos será, pelo menos em parte, neutralizado. E isso implicará prolongamento do processo de recuperação, que já é longo.

CONFIRA

As reservas externas do Brasil chegaram na semana passada aos US$ 351 bilhões, ou 9,5% do PIB.

Enxugamento

O ministro das Finanças de Portugal, Vítor Gaspar, anunciou o aumento de 6% para 23% do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) cobrado sobre a energia elétrica e o gás. É mais um pedaço do pacote de austeridade que deverá reduzir o rombo orçamentário ainda em 2011, de 9,1% para 5,9% do PIB. As projeções oficiais apontam para uma retração da atividade econômica (queda do PIB) em 2011 de 2,2%

PEDRO MALAN - Lições da beira do abismo?


Lições da beira do abismo?
PEDRO MALAN
O Estado de S.Paulo - 14/08/11

O pânico que assalta os mercados financeiros e as bolsas de valores neste início de agosto é de natureza distinta - embora relacionada - da do pânico avassalador que se instaurou nos mercados e nos governos dos principais países desenvolvidos após o colapso do Lehman Brothers, em setembro de 2008. Ali ocorreu um gravíssimo colapso de confiança no sistema de intermediação financeira do mundo desenvolvido, de consequências imprevisíveis - não fora a, historicamente sem precedentes, resposta dos governos em termos de estímulos fiscais (mais gastos, menos impostos, mais dívida) e monetários (taxas de juros reais negativas e expansão inédita dos balanços de bancos centrais).

Essas respostas à crise levaram a uma acentuada e simultânea elevação de déficits fiscais e de estoques de dívida pública em praticamente todos os países desenvolvidos. Além disso, há dívidas privadas, particularmente de instituições financeiras e de famílias que estão em áreas não claramente mapeadas, que podem representar passivos contingentes do setor público em muitos países.

Como notou Gustavo Franco em entrevista recente à Folha de S.Paulo, "o que estamos vivendo é o esgotamento do crescimento do Estado nas grandes democracias ocidentais e no Japão, onde os níveis de endividamento público ultrapassaram medidas habitualmente aceitas de responsabilidade fiscal. (...) O enredo do impasse americano é global, e, por isso mesmo, foi tão impactante. É uma prévia do que vai ser visto em muitos países. É como se fosse o fim de uma era de keynesianismo fácil, onde tudo sempre se resolve com o gasto público, socializando perdas, ou acomodando sucessivas e inesgotáveis "conquistas", e coalizões cada vez maiores".

Qualquer semelhança com outros países não é mera coincidência. Mas o que importa é que, na fase em que estamos, os impasses e as disfuncionalidades do mundo político, que eram, na prática, desconsiderados pelo mundo econômico, passaram a despertar uma inusitada atenção - particularmente nos EUA e na Europa, por seus efeitos potencialmente negativos sobre expectativas quanto ao curso da atividade econômica, do investimento, do emprego e do crescimento no médio e no longo prazos, que não dependem apenas das políticas macro (monetária e fiscal), mas de fatores como infraestrutura (física, humana e institucional), inovação, produtividade, ambiente geral de negócios, confiança da economia privada.

O ex-ministro Delfim Netto expressou com clareza a questão básica em artigo no jornal Valor Econômico, na semana passada: "É preciso insistir que o aumento da demanda pública (pela ampliação do gasto) pode ser eficaz para ampliar o uso dos recursos "desempregados" pela queda da demanda do setor privado se, e unicamente se, estimular um aumento do consumo ou do investimento do próprio setor privado. O problema com um certo keynesianismo é esquecer Keynes. O resultado final do aumento da demanda pública só será funcional se alterar as "expectativas" do consumidor (...) e recuperar o espírito animal do investidor".

O que aconteceu no mundo desenvolvido ao longo destes últimos quatro anos (agosto de 2007 a agosto de 2011) foi 1) um dramático encurtamento do espaço para medidas adicionais de expansão fiscal e monetária e 2), não menos importante, uma crescente percepção da necessidade de reformas em outras áreas para que o crescimento de médio e longo prazos possa ser retomado em bases sustentáveis. Esses fatos encerram importantes lições para o Brasil - que, felizmente, ainda tem margem de manobra na área macro e deveria, agora, aproveitar as janelas da oportunidade para incluir nas suas "respostas à crise" mudanças mais estruturais, das quais depende nosso desenvolvimento futuro.

A esse respeito, não creio que o Brasil tenha adotado medidas "keynesianas" apenas como resposta à crise. Na verdade, a decisão de expandir fortemente o gasto público antecede a crise e remonta àquilo que muitos denominam "inflexão desenvolvimentista pós-março de 2006". A crise constituiu um bom álibi para justificar uma política fiscal expansionista, que já vinha sendo praticada - e foi acelerada como "resposta" à crise (como vários outros países estavam fazendo). E, mais importante, continuou sendo praticada mesmo depois que a crise foi tida como superada em meados de 2009, levando a um superaquecimento da economia em 2010 e ao aumento das expectativas inflacionárias.

No Brasil de agosto de 2011, a crise atual está sendo vista por muitos como uma histórica janela de oportunidade... mas para uma significativa redução dos juros. A possibilidade certamente existe, dependendo do contexto internacional e da extensão na queda da taxa de crescimento da economia global e dos preços de commodities. E a crônica da redução antecipada dos juros é vista como iniciando uma espécie de círculo virtuoso: redução do custo da dívida pública, potencial aumento do espaço para gastos públicos e para uma eventual diminuição da carga tributária. Em suma, pela segunda vez a crise internacional oferecendo ao País um álibi para que este fizesse aquilo que gostaria de fazer de qualquer maneira.

Discute-se pouco a possibilidade de tentar recuperar, ainda que sob outra roupagem, o espírito de uma proposta, então tida como rudimentar, de fins de 2005. Não seria a hora de aproveitar a janela de oportunidade histórica e as "lições da beira do abismo" de europeus e americanos, e repensar a ideia de um controle de médio e longo prazos da velocidade do crescimento dos gastos do governo e de seu continuado aumento em relação ao produto interno bruto (PIB)? Se apresentado de maneira crível, com base legal, compromisso firme do governo e de uma presidente que sabe o que quer, isso seria de inestimável, fundamental ajuda para uma queda expressiva das taxas de juros nominais e reais, nosso não obscuro objeto de desejo.

LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - Rosé Sarney


Rosé Sarney
LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO
O Estado de S.Paulo - 14/08/11

Durante muito tempo me intrigou a quantidade de jogadores de futebol brasileiros chamados Donizete. Uma homenagem, imaginei, ao compositor italiano Domenico Gaetano Donizetti, autor, entre outras, da ópera Lucia de Lammermoor, mas mais conhecido pela ária "Una furtiva lacrima" de outra ópera, L"Elisir d"Amore. Mas o nome pressupunha pais que admiravam a ópera, ou pelo menos sabiam das existência do compositor, o que era improvável. E mesmo que isto explicasse dois ou três Donizetes, não explicava uma geração de Donizetes. Qual seria o mistério? Depois descobri que o homenageado era um padre do interior paulista com fama de milagreiro e uma multidão de seguidores. Eu nunca tinha ouvido falar no padre, que não sei se ainda vive, mas é ele o responsável pela proliferação de Donizetes, muitos dos quais se tornaram jogadores de futebol. Nenhum deles milagreiro.

***

Mas surgiu outro mistério no futebol brasileiro: o número crescente de jogadores com o nome Juan. E um mistério ainda maior: por que eles são invariavelmente chamados - por narradores, comentaristas, colegas, amigo e, presume-se, suas próprias mães - de Ruan? A pronúncia certa do "j" em português é o jota de "jujuba". Se vão chamar os Juans de Ruans, por que não chamar Juarez de Ruarez e Jorge de Rorge?

Lembro que uma vez eu assistia a um noticiário da CNN sobre o Brasil e a pessoa que estava comigo se indignou porque o locutor se referiu ao nosso presidente na época como "Rosé Sarney". Americano não tinha jeito mesmo, para eles do México para baixo era tudo a mesma coisa, só faltava dizerem que a capital do Brasil era Buenos Aires, etc., etc. Mas na insistência em chamar o Juan de Ruan estamos imitando americanos desinformados. Vamos defender, pelo menos, o nosso jota, gente.

***

Enfim, nada de muito importante. Sou um ativista de pequenas causas.

Faz tempo. Lembro-me, não sei como (faz tempo, e eu ando vazando memória) que a qualquer jogada mais tosca em campo sempre havia alguém da arquibancada que gritava:

"Olha o recurso!".

Queria dizer que faltara habilidade, fineza - em suma, recurso - para o jogador.

Quando um time estava dominando uma partida e forçando a adversário a recuar todo para sua defesa, o grito inevitável era:

"Aluga-se meio-campo!".

E bola chutada para o alto, como um balão, além de demonstrar lamentável falta de recurso, provocava o grito em uníssono:

"Viva São João!".

Já se gritava palavrão na época, mas nunca faltava alguém na torcida que olhava em volta, preocupado, e a cada palavrão alertava:

- Olha as famílias...

Hoje, claro, as famílias gritam detalhes íntimos da vida do juiz em coro.

Quem diria. (Da série Poesia numa Hora Dessas?!)

O mundo gira, o mundo rola.

Quem diria, né?

O Tio Sam passando a cartola...

AMIR KHAIR - O desafio da crise

O desafio da crise
AMIR KHAIR
O ESTADÃO - 14/08/11 
Ocorreu uma deterioração veloz nos últimos meses em relação ao desdobramento da crise de 2008, especialmente nos EUA, Europa e Japão - centro do capitalismo mundial. A causa: o super consumo desses países da população irrigada a crédito sem lastro para dar sustentação ao mesmo. Almoço e jantar grátis acabaram.

A bolha criada em 2008 pelo incontrolável mercado financeiro estourou no mercado imobiliário americano e se estendeu rapidamente para os países do sul da Europa e destes agora para os considerados mais fortes, como a Espanha, Itália e Inglaterra. As economias ainda preservadas da França e Alemanha em breve serão afetadas pelo encolhimento do consumo interno de todos esses países e pela fragilidade do sistema financeiro europeu sob sério risco de contágio em efeito dominó nos bancos que têm títulos públicos em carteira, especialmente a França, que poderá ser a bola da vez.

Estamos em plena recidiva da crise e ela poderá vir mais forte.

O sufoco passado nos EUA para ampliar o endividamento público, o rebaixamento da classificação de sua incontrolável dívida pública, aliada à disputa política dos representantes do atraso - os republicanos, e a falta de visão, de plano estratégico de governo, juntamente com a "solução" da crise grega deflagraram mais uma etapa da decadência americana e europeia, sem falar do Japão estagnado há vários anos após o colapso do seu sistema financeiro, agravado mais ainda pelo terremoto que abalou o país.

Os Estados Unidos ainda têm contra si a política ultrapassada de xerife do mundo, com tropas espalhadas em vários países, inclusive em ditaduras, que mantêm o atraso e exploração de sua população. Não sairá tão cedo dessa enrascada e a lenta retirada de tropas fortalecerá os que resistiram à invasão, como nos casos do Afeganistão e Iraque. Guantánamo, em Cuba, é o símbolo da excrescência que mancha a imagem americana. Provavelmente será a próxima a ser desmobilizada.

As revoltas no mundo árabe, a falta de solução para o conflito palestino-israelense, a tentativa de controle da difusão dos arsenais nucleares são outros problemas de difícil solução. Que autoridade moral pode ter os EUA, que tem o maior arsenal nuclear do planeta e resiste perder a hegemonia militar, que inviabiliza recursos no momento em que mais precisa para o desenvolvimento de áreas estratégicas na produção do país. Enfim, os EUA criaram situação insustentável e terão longo período para se livrarem dessas armadilhas.

Novos tempos. O mundo mudou. São novos tempos e desafios. Os ainda chamados países desenvolvidos, já passaram à categoria de países estagnados ou em decadência. Não há saídas mágicas. Enredados em dívidas e déficits fiscais elevados, com alto nível de desemprego e começando a sentir elevada tensão social pelas restrições impostas às condições de vida que desfrutaram artificialmente, terão de reduzir consumo, amargar perda de riqueza e passar por disputas políticas desestabilizadoras.

Essa mudança, surpreendente pela velocidade com que ocorre, veio confirmar que o neoliberalismo conduzido pela mão do mercado fracassou. Em contrapartida, novo sistema vem se impondo com sucesso, que é a condução da economia pelo Estado dentro de plano estratégico de longo prazo (oposto do laissez-faire) com apoio em empresas que se encaixam no mesmo. A China lidera esse processo e em breve poderá ser o país líder da nova ordem mundial. Índia, Brasil e Rússia integram o novo polo dinâmico da economia mundial.

Antes, porém, os países que acumularam reservas atreladas a dólares já sofreram e continuarão sofrendo perdas com a depreciação da moeda americana - que, com o tempo, tenderá a perder o referencial que ainda exerce. Provavelmente será substituída por um conjunto representativo de moedas das economias mais fortes e em expansão.

Desafio ao Brasil. A ênfase é apoiar o desenvolvimento no mercado interno via políticas de estímulo na base da pirâmide social. A melhor distribuição de renda é a chave do sucesso para todos. Deve continuar sendo política de Estado e não só de governo.

O governo anterior estimulou o crescimento da classe C. Assim, ampliou a produção, vendas, lucros e massa salarial com emprego formal. Foi o inverso da política anterior, que procurou o estímulo da economia por cima, via atração de investimentos do exterior nas privatizações. Não deu certo: perdeu-se patrimônio, aumentou o passivo interno e externo do País e o crescimento foi pífio. Sofreu ao final forte desgaste político e social, deixando fundamentos macroeconômicos a desejar, apesar de praticar o famoso tripé, que falha ao desconsiderar o crescimento econômico, que não cai do céu.

A realidade é que as empresas decidem investir frente a perspectivas de mercado. O crescimento da classe C deu partida a novo ciclo de investimentos e as elevações do salário mínimo e demais programas de renda, juntamente com a criação dos empréstimos consignados, foram artífices importantes dessa guinada na política econômica.

O governo FHC deu contribuições importantes: Plano Real, renegociação das dívidas dos Estados e municípios, Lei da Responsabilidade Fiscal, Proer e iniciou programas de renda embora em escala reduzida. FHC e Lula erraram ao entregar condução da economia à política monetária do Banco Central (BC), que agiu segundo a vontade do mercado financeiro. Independência de fachada! Resultado: somos há anos os piores do mundo em taxas de juros básicas e bancárias. Isso transfere recursos da sociedade e do governo para o setor financeiro, que ainda nada de braçada no País. É preciso acordar!

A esperança é que isso mude e a oportunidade é agora. A recidiva da crise abriu espaço para a queda nos preços das commodities, passou abril, quando 40% da inflação do ano ocorre, e ganha força a coesão na tomada de decisões pela presidente, através do Conselho Monetário Nacional (CMN), a quem deve competir a condução da economia, olhando crescimento, inflação, câmbio e liquidez. Libertando-se da prevalência do mercado financeiro, os resultados virão.

O momento, no entanto, é delicado. Essa recidiva da crise trará consequências nas disputas no mercado externo, mais apertado e disputado, especialmente nos manufaturados. Nossa vantagem continuará nas commodities e alimentos. A China continuará a tomar mercados com dumping e penetrar seus produtos triangulados por outros países ou não.

Temos de usar todas as defesas para a proteção das empresas mais afetadas pela concorrência internacional. Nesse sentido o lançamento do Plano Brasil Maior, pode ser o início e ganhar fôlego para ampliação.

O controle da importação e da entrada capitais é estratégico. O BNDES já ganhou massa crítica para continuar o financiamento e aporte de capital para os investimentos. Chega de repasses do Tesouro para ele. Não se pode contar com os bancos privados para investimentos, enquanto a Selic e suas taxas de juros elevados não forem limitados pelo CMN. É o que se impõe como primeira ação.

Felizmente, temos cacife para não repetir a recessão de 2009. O desafio é estimular investimentos e consumo, sem o pavor paralisante da inflação e ter como meta crescimentos nos níveis de 2004 a 2008, de 4,8%. É na crise que surgem oportunidade de mudanças e avanços. Devemos saber aproveitar isso.

"ONESTO"


ALBERTO TAMER - Ainda não é hora de respirar

 Ainda não é hora de respirar
ALBERTO TAMER
O ESTADÃO - 14/08/11
Dois dias menos tensos mas ainda não tranquilos no mercado financeiro internacional depois que as bolsas passaram por uma semana das mais voláteis. Os indícios mais fortes de recessão provocaram queda de 8% na Bovespa em apenas um dia, seguida de alta de 5% logo depois. Na sexta-feira, após a turbulência, as bolsas mostraram recuperação.


Três fatos positivos explicam esse suspiro de alívio: aumento de 0,5% no consumo interno e desemprego menor nos EUA. Na Europa, após uma quinta-feira tensa, houve a ação dos governos para impedir compras alavancadas e do Banco Central Europeu, que continuou comprando títulos de Itália e Espanha. É importante registrar que os índices voltam aos níveis do início da queda, em 7 de julho, e a economia continua extremamente sensível a qualquer noticia negativa.


Espera sem esperança. Há grande expectativa quanto ao pronunciamento que Bernanke deve fazer no dia 23, e esperança de possíveis medidas do governo para estimular investimentos e emprego - crescimento, enfim. É, no entanto, uma frágil esperança, porque Obama continua amarrado pelo Congresso, onde cedeu aos ultrarradicais e conservadores do Partido Republicano (isso no século 21!), e o Fed não sabe ainda bem o que pode fazer.


Ao contrário do BC do Brasil, não tem mais a arma dos juros e só lhe resta emitir dólares, o que até agora impediu evitar a deflação e adiar o risco da recessão, mas não foi suficiente para retomar o crescimento.


Caminho certo. No Brasil, acentuam-se as medidas para evitar a contaminação externa que pode vir pelos caminhos financeiro e comercial. O BC continua mantendo a liquidez no mercado e aumentando as reservas, que passam de US$ 350 bilhões, o que dá tranquilidade. Somados aos R$ 200 bilhões de caixa do Tesouro, suficiente para não ter que emitir títulos. São recursos que garantem a liquidez do sistema e o financiamento das exportações, mesmo com uma possível retração dos investimentos externos. Um colchão importante para atenuar choques externos.


Sim, temos as reservas que não passavam de US$ 30 bilhões há pouco mais de oito anos, quando o Brasil estava no FMI. É curioso registrar que muitos economistas críticos dessa política de reservas começam a preparar terreno para rever suas posições.


Chega, dizem alguns. Será? Sabem o que pode acontecer no mercado internacional? E se os investidores saírem correndo para cobrir perdas? Isso não está acontecendo agora. Em 12 meses entraram US$ 59 bilhões. Mas, no clima atual de incerteza, a palavra de ordem é segurança a qualquer custo e a qualquer preço. A história nos ensina que todas as crises brasileiras foram cambiais.


Os investidores externos continuam comprando títulos brasileiros, quase no mesmo ritmo dos americanos. Os nossos rendem 12,5%, o deles, 2%. E são também líquidos e seguros enquanto tivermos reservas elevadas e o atual clima financeiro e econômico.


Comércio não atrapalha. Economistas afirmam que a retração do comércio mundial pode afetar o Brasil. A coluna discorda. A maior parte das exportações é de commodities agrícolas menos sensíveis que as industriais à concorrência e à turbulência. Até a Europa, à beira da recessão, aumentou a compra de alimentos nos últimos meses!


País fechado. Vejam os números. O Brasil continua a ter uma das economias mais fechadas do mundo. Nos 12 meses terminados em julho, exportou US$ 235,6 bilhões e importou US$ 208,6 bilhões, o que representa um pouco mais de 10% do PIB, enquanto o mercado interno representa mais de 60%. O fluxo do comércio exterior, importações e exportações, é de cerca de 20% do PIB.


Isso e um mercado financeiro saudável explicam a resistência do Brasil às crises. O consumo interno pode garantir razoável crescimento em curto prazo, mesmo com o risco de excesso das importações com reflexos negativos na balança comercial.


Não é a hora do ufa! O mercado financeiro fechou o fim de semana num clima menos tenso, mas de expectativa ansiosa em torno da reunião de Sarkozy e Merkel, na terça-feira, e novas medidas nos EUA. A impressão era de que o pior pode ter passado. Mas será que não vimos isso antes, quando todos erraram - com exceção de Roubini, que prevê agora risco de 50% de recessão? Para a coluna não é ainda a hora do "ufa! já passou". E felizmente, agora, parece que Brasília está convencida disso...