Dilma perdeu a voz no Congresso
ELIO GASPARI
O GLOBO - 14/08/11
Na semana passada, viu-se na Câmara um fenômeno raro como as eclipses, a maioria do governo obstruiu os trabalhos do plenário. Poucas vezes foi tão grande a distância entre as políticas públicas do Planalto e a representação do governo no Congresso.
Quem lembrar uma frase dos líderes Romero Jucá ou Cândido Vaccarezza explicando uma iniciativa da doutora Dilma ganha uma viagem de ida a Havana. Se o problema fosse só esse, talvez tivesse solução fácil. A dificuldade está na falta de parlamentares dispostos a se fazer ouvir falando coisas relevantes a respeito de temas como saúde, educação ou segurança. A culpa não é toda deles, pois também não sabem o que devem discutir. O PT disciplinou suas bancadas ensinando-as apenas o que não devem dizer.
A abulia dos poderosos da ocasião produziu um governo atrelado a uma agenda circunstancial, defensiva e oca. Arrisca-se transformar em profecia uma frase do deputado Luis Eduardo Magalhães: “Não há perigo de dar certo”.
Estripulias do andar de cima inglês
Para quem quiser descansar da violência do andar de baixo inglês, saiu nos Estados Unidos um livro sobre grandes estripulias do andar de cima. Chama-se “A book of secrets” e conta de novo um dos mais famosos romances do início do século XX.
Nele, há dois personagens centrais: Vita Sackville-West, uma aristocrata milionária, nascida num castelo de 365 quartos, e Violet Trefusis (née Kepell, filha da namorada do rei Eduardo VII). Como coadjuvantes, entraram a escritora Virginia Woolf, que namorou Vita e a transformou no personagem andrógino do seu romance “Orlando”, e a princesa de Polignac, herdeira da fortuna das máquinas de costura Singer, com seus chicotes.
Até 1973, quando Nigel, filho de Vita, publicou o “Retrato de um casamento” (editado no Brasil), o romance de sua mãe foi um adorável mexerico sobre a vida da elite intelectual inglesa. Virou um sucesso literário e até filme. Desde então, o livro estabeleceu a ideia de que Violet era meio maluquete e seu romance foi um interlúdio de três anos, num matrimônio que durou meio século, com o diplomata Harold Nicolson. Em “A book of secrets”, Sir Michael Holroyd levanta a suspeita de que nessa versão há um cálice de veneno.
É verdade que Nigel Nicolson passa adiante a informação de que seu pai era gay (naquela roda, valia tudo, inclusive o romance do economista John Maynard Keynes com o pintor Duncan Grant). Sir Michael informa que o romance de Vita com Violet surgiu depois que seu pai foi condenado a um ano de abstinência sexual por conta de um padecimento passado por um amigo e expõe as preferências dominadoras de sua mãe, substituída na alcova de Violet pela princesa de Polignac, cujo marido era um gay irredutível.
Sir Michael Holroyd mostra que Violet viu-se condenada ao papel de “namorada da Vita” quando, na verdade, foi uma boa escritora (deixou quatro romances) e teve uma vida mais interessante do que parece. Trabalhou na BBC durante a guerra, recebeu a Legião de Honra francesa e foi amiga do futuro presidente François Miterrand (talvez mais que isso). Era uma inglesa snob no meio de ingleses snobs. Violet morreu em Florença (“um lugar pestilento”), em 1972, dez anos depois de Vita. Ela dizia que “quem inventou o amor devia ser fuzilado”.
Na velhice, Violet insinuava que era filha de Eduardo VII. Holroyd mostra que isso era mentira. Se sua mãe teve uma filha com o rei, ela foi sua irmã, Sonia, que vem a ser bisavó de Camila, atual mulher do príncipe Charles, tataraneto de Eduardo VII.
n “A book of secrets” está na Amazon por US$ 9,99.
Lema para a fila
A doutora Dilma mudou o título do hospital Instituto Nacional de Câncer, acrescentando-lhe o nome do vice-presidente José Alencar.
Ideia pior seria difícil. Se Alencar fosse um cliente do SUS e recorresse à fila do INCA, esperaria algo como dois meses para a primeira operação e faria uma série de quimioterapia. Dificilmente faria a segunda cirurgia (fez dezessete, uma das quais com 17 horas de duração). Também não receberia as drogas que recebeu, nem conseguiria cerca de vinte internações.
José Alencar, como a própria Dilma Rousseff, só recebeu o atendimento que teve porque foi para o Hospital Sírio Libanês, da rede privada. Ambos são exemplos do contrário do que a homenagem pretende.
Restará ao pessoal que ficará na fila do “José Alencar” apenas uma piada: “Se nós pudéssemos, faríamos como ele, iríamos para o Sírio.”
Boa chance
Compro apartamento de dois quartos e sala, perto do mar. Preço: 15 mil dólares.
O interessado não é doido, está oferecendo o negócio em Havana. (No Rio, com esse dinheiro compra-se uma casa no Complexo do Alemão.)
Raul Castro começou, a sério, a mudança da economia cubana anunciando uma liberação parcial e restritiva do mercado imobiliário. Por enquanto, a propriedade só vale para cubanos e ainda não se conhecem as limitações que serão impostas àqueles que têm parentes nos Estados Unidos. Pelo sim, pelo não, já apareceu um sítio de classificados na internet. Chama-se revolico.com.
Eremildo, o idiota
Por idiota, Eremildo não é convidado para nada, nem para casamento em Capri.
O cretino exultou ao saber que o presidente da Comissão de Ética da Ordem dos Advogados de São Paulo considerou lisa e louvável a iniciativa dos escritórios de advocacia que patrocinaram um torneio de golfe do qual participaram juízes e promotores.
A Viúva na Líbia
A diplomacia das empreiteiras atolou na Líbia. Atraídas pelo projeto megalomodernizador de Muamar Kadafi, a Odebrecht, a Andrade Gutierrez e a Queiroz Galvão conseguiram contratos bilionários de obras.
O “amigo e irmão” Kadafi, cujo filho passeou pelo Brasil em 2010, não está pagando suas contas. Pelo andar da carruagem, a Viúva será convidada a cobrir um risco que as empreiteiras compraram.
Duas contas
A doutora Dilma precisa chamar para um almoço o doutor Mauricio Ceschin, diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar, e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin.
No segundo semestre do ano passado, Ceschin conseguiu receber R$ 14 milhões dos planos de saúde, cobrando-lhes o que devem ao SUS pelo atendimento aos seus clientes. Ele desdenha a relevância desse mecanismo, dizendo que, no máximo, renderia R$ 100 milhões anuais.
Alckmin quer privatizar 25% dos serviços de 52 unidades entregues a organizações sociais no estado de São Paulo e seu governo sustenta que, com isso, a Viúva poderá recuperar R$ 468 milhões só em São Paulo.
Qual das duas contas está certa? É o ressarcimento da ANS que não funciona ou Alckmin está prometendo outra coisa?
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