Ajuste longo e doloroso
CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 14/08/11
A partir do aviso do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) de que pelo menos até meados de 2013 não haverá condições de puxar para cima os juros, que hoje rastejam entre zero e 0,25% ao ano, não dá para contar com a recuperação da atividade econômica antes disso. Ao contrário, a crise global, que já tem cinco anos, tende a se aprofundar e os ajustes levarão mais tempo do que se previa.
Uma das razões que apontam para o agravamento da crise é o enorme endividamento dos países ricos. É uma situação que exige mais sacrifício e mais disciplina fiscal. Esse é outro nome para corte de despesas públicas, redução de salários e aposentadorias e elevação de impostos. O principal resultado é paradeira produtiva, desemprego e quebra da capacidade de intervenção na economia com instrumentos fiscais (investimentos públicos e aumento das despesas dos governos).
Esse quadro tende a exigir mais ação dos bancos centrais, como esta Coluna tem enfatizado. No seu último comunicado, além de manter os juros no chão, o Fed avisou que pode acionar ferramentas monetárias à sua disposição. A mais óbvia delas é o que o presidente do Fed, Ben Bernanke, chama de afrouxamento quantitativo, ou seja, a operação de recompra de títulos do Tesouro americano no mercado secundário com moeda emitida, supostamente para lubrificar o crédito, os negócios e a criação de empregos.
Se uma terceira rodada dessa operação for acionada (as duas primeiras alcançaram US$ 900 bilhões), o Fed estará admitindo implicitamente que uma certa dose de inflação fará parte dos mecanismos de ajuste, como tem recomendado o professor Kenneth Rogoff, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional.
A recompra de títulos de países da área do euro pelo Banco Central Europeu (BCE) mostra que essa operação está acontecendo também na Europa, com outro nome e volume ainda mais baixos.
O despejo de moeda emitida nos mercados pelos países ricos equivale a transferir um grande pedaço do ajuste para o resto do mundo. Se essas políticas de frouxidão monetária forem reforçadas, o efeito imediato serão novas avalanches de moeda estrangeira, que tomarão o rumo do Japão, da Suíça e dos países emergentes - especialmente do Brasil - e derrubarão as cotações do câmbio, ou seja, provocarão valorização da própria moeda.
Se isso acontecer, ficará mais difícil impedir a perda de competitividade do produto brasileiro, tanto no mercado interno como no externo. Esta será uma razão adicional para que o governo brasileiro repense sua política cambial. Não poderá conter o afluxo de moeda estrangeira apenas com balde e rodinho.
Provavelmente, não poderá mais manter o câmbio flutuante com o atual nível de intervenção. Terá de intervir muito mais. Nesse caso, toda a armação da política econômica tal como a conhecemos, composta pelo sistema de metas de inflação, câmbio flutuante e formação de superávit primário, terá de ser reequacionada, ainda que temporariamente.
A China já adota uma política cambial que neutraliza as oscilações do dólar sobre sua economia. Se o Japão, a Suíça, o Brasil e outros emergentes se defenderem eficazmente contra essas catadupas de moeda estrangeira, o próprio ajuste dos países ricos será, pelo menos em parte, neutralizado. E isso implicará prolongamento do processo de recuperação, que já é longo.
CONFIRA
As reservas externas do Brasil chegaram na semana passada aos US$ 351 bilhões, ou 9,5% do PIB.
Enxugamento
O ministro das Finanças de Portugal, Vítor Gaspar, anunciou o aumento de 6% para 23% do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) cobrado sobre a energia elétrica e o gás. É mais um pedaço do pacote de austeridade que deverá reduzir o rombo orçamentário ainda em 2011, de 9,1% para 5,9% do PIB. As projeções oficiais apontam para uma retração da atividade econômica (queda do PIB) em 2011 de 2,2%
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